dos militares aos governos trabalhistas

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
DOS MILITARES AOS GOVERNOS TRABALHISTAS:
DISCUSSÕES SOBRE “TERRITÓRIOS INSTÁVEIS” E A
CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE ESTADO
BRASILEIRO
CLERISNALDO RODRIGUES DE
CARVALHO1
Resumo
O trabalho proposto, ainda em caráter preliminar, visa comparar o Brasil do século XX, as estratégias
políticas e geopolíticas dos governos militares de 1964 e sua inserção internacional num quadro
internacional adverso e o que se propunha enquanto governos trabalhistas, no caso do governo de
Lula da Silva (2003) com uma nova postura do país nas relações internacionais e o fortalecimento
das relações Sul-Sul e com os novos países chamados emergentes pelos organismos internacionais
(FMI e BIRD).
Palavras-chave - Brasil, Governos militares, Geopolítica atual.
Abstract - The proposed work, even on a preliminary basis, aims to compare the Brazil of the
twentieth century, political and geopolitical strategies of the military governments of 1964 and its
international insertion in an adverse international context and what is proposed as labour governments
in the case of Lula da Silva government (2003) with a new attitude of the country in international
relations and strengthening of South-South relations and the new so-called emerging countries by
international organizations (IMF and World Bank).
Key-Words - Brazil, military governments, current geopolitics.
1-
Introdução
O trabalho proposto é uma tentativa de resgatar o pensamento geopolítico
brasileiro nos idos do século XX (década de 1920/30), quando se dá as primeiras
discussões do tema por alguns estudiosos, mas, especialmente, imiscuir a partir dos
governos militares de 1964, com o Golpe de 64, em que a geopolítica tornara o
leitmotiv na condução da política interna e externa brasileira e o que temos hoje em
termos de pensamento geopolítico num quadro/estágio de mundialização cujo
„inimigo‟ do Estado está descaracterizado e difuso – se é que existe esse „inimigomonstro‟.
1
Professor de Geografia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP,
Câmpus de Ourinhos/SP. E-mail de contato – [email protected]
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Em um texto no Jornal Folha de S. Paulo, de 8 de agosto de 1999, o geógrafo
Milton Santos nos convida à reflexão e aponta:
[...] está havendo uma entrega acelerada do território, já que o modelo
econômico consagrado recusa ao país as ferramentas da sua regulação,
pondo-as em mãos outras [...], cujos projetos e objetivos podem ser
inteiramente estranhos ou adversos ao interesse nacional. É desse modo
que áreas inteiras permanecem nominalmente no território, fazendo parte
do mapa do país, mas não são retiradas do controle soberano da nação
(SANTOS, Folha de São Paulo, Caderno Mais!, p. 6, 08/08/1999).
Nossa abordagem sobre a geopolítica brasileira dar-se-á considerando essas
preocupações levantadas, que são centrais, uma vez que os lugares, em função da
reestruturação geoeconômica do capitalismo, tornam-se „territórios‟ instáveis e
debilitados e qual/quais projetos o Estado brasileiro, ora como geopolítica ou
geoestratégia, constrói para lidar com essas efervescências e ebulições de caos
social, político e econômico em que a excludência, não é somente social e
econômica, mas também territorial.
Os objetivos são: 1. Considerar o fenômeno geopolítico numa perspectiva
geográfica, analisando o papel dos Estados em que a geopolítica é uma lógica
importante na condução dos negócios das Nações-Estados sob uma perspectiva
tanto interna quanto externa. 2. Discutir os elementos que compõem a atividade
geopolítica em seus diferentes aspectos, considerando o Brasil um ator importante
no cenário internacional em termos de território e de população e os
desdobramentos que isso implica como possibilidades.
O trabalho justifica-se pelas seguintes razões: A amplitude e intensidade dos
processos ocorridos no Brasil do século XX em termos geopolíticos, as escolhas
geoestratégicas do Estado brasileiro definiram, de forma geral, os principais
aspectos sociais, políticos e econômicos do país no século XX; no século XXI quais
caminhos a tomar na era dos gigantes já que aceitamos como premissa o lugar
privilegiado do Brasil no quadro internacional de importância estratégica sem
submissão à imposição de uma potência imperialista. Portanto, defende-se a priori
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uma política externa altiva e soberana frente a outros países detentores de poder na
ordem internacional multipolar do século XXI.
1.2 – A herança geopolítica brasileira e do desfecho militar de 1964
O pensamento geopolítico brasileiro data dos anos 20 e 30 do século XX e
dentre os vários expoentes temos Everardo Backheuser e Mário Travassos, entre os
nomes mais importantes. E. Backheuser, um dos sistematizadores da geopolítica
brasileira tinha como meta definida e preocupações a questão da unidade territorial
estatal-nacional e perspectivas de futuro que consolidasse esse imenso território
existente, concreto e real sob o domínio do Estado nacional brasileiro. M. Travassos,
por conseguinte, preocupa-se muito mais com a projeção continental do país dando
certo tratamento aos contrastes regionais estabelecidos pelos estudos de geografia
– a Bacia Amazônica X Bacia Platina; o Oceano Atlântico X Oceano Pacífico. A
perspectiva de estudos de Travassos é mais o papel que o país poderia ter no
continente sul americano.
Já no pós Segunda Guerra Mundial, o Brigadeiro do Ar, Lysias A. Rodrigues
(1947), aluno e discípulo de E. Backeheuser a quem foi solicitado o “Prefácio de seu
livro de 1947, “Geopolítica do Brasil” defendia que:
(...) Na posição em que se acha o Brasil, as diretivas geopolíticas que o
regem no plano mundial, são pois,
1 – Estreitar cada vez mais suas relações com os Estados Unidos;
2 – Estimular a política de Boa Vizinhança;
3 - Dar o mais cabal apoio ao núcleo geopolítico do Atlântico (RODRIGUES,
1947, p. 137-138).
E, mais adiante arremata a proximidade do Brasil com os Estados Unidos,
naquilo que o autor nomina de “solidariedade irrestrita” no que toca “à coligação das
Nações Unidas, em todo e qualquer setor de atividade” (RODRIGUES, 1947, p.
140), uma vez que,
[...] Esse apoio brasileiro, integral, absoluto, interessa vitalmente aos
Estados Unidos, dada a sua situação de líder mundial [...], [conquanto] [...]
Interessa, também, vitalmente ao Brasil, porque, se na segunda guerra
mundial o Brasil não foi atacado pelos nazistas, deve-se exclusivamente à
ação pronta e decisiva dos Estados Unidos... (RODRIGUES, 1947, p. 140).
Como apontou certo autor sobre a formação e o pensamento geopolítico no
Brasil, diz ele assim: [...] a formação de um pensamento geopolítico que tem fins
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precisos: o fortalecimento do Poder Nacional e a manutenção de um nacionalismo
muitas vezes exacerbado.2 No entanto, os primeiros estudos com base nessa
ciência política3 estavam carregados de posições racistas, autoritárias e, de certo
modo, espelhava-se nas teorias do filósofo francês Augusto Comte – é o caso dos
vários trabalhos de E. Backheuser.
Sem embargo, a formulação de uma política estratégica “extrapolou desde os
seus inícios, a sua característica original, qual seja, a de considerar o território como
fonte de poder e a sua utilização na formulação de uma política estrategista” 4
As décadas posteriores, mais precisamente nos anos de 1960, sob a égide da
Escola Superior de Guerra (ESG), dentre vários nomes de expressão, destaca-se o
General Golbery do Couto e Silva que teve certa concordância com as ideias
defendidas por M. Travassos. No livro, “Geopolítica do Brasil” (1967) as
características geopolíticas do Brasil apontadas pelo Gal. Golbery são as seguintes:
- geopolítica de integração e valorização espaciais;
- geopolítica de expansionismo para o interior e também, uma projeção pacífica no
exterior;
- geopolítica de contenção, ao longo das linhas fronteiriças;
- geopolítica de participação na defesa da civilização ocidental;
- geopolítica de colaboração com o mundo subdesenvolvido de aquém e alémmar;
- geopolítica de segurança ou geoestratégia nacional em face da dinâmica própria
5
dos centros externos de poder.
Observamos que alguns temas são recorrentes nos debates geopolíticos
brasileiros e podemos apontá-los desde os anos de 1920-1985, conforme diz esse
autor): “[...] a mudança da Capital Federal, os meios de comunicação viários, as
fronteiras e a redivisão territorial” (MIYAMOTO, 1985, p. 12).
2
Miyamoto, S.. A Geopolítica e o Brasil Potência. Marília/SP: UNESP, 1985, p. 9.
Há uma boa diferenciação quanto a Geografia Política e Geopolítica feita por W. M. da Costa (1992)
ao afirmar que a Geografia Política é “o conjunto de estudos sistemáticos mais afeitos à geografia e
restrito às relações entre o espaço e o Estado – (posição, situação, características das fronteiras)“. A
Geopolítica é a “formulação das teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre os
Estados e às estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros“ (mais próxima
da ciência política) (COSTA, 1992, p. 16).
4
MIYAMOTO, S., op. cit. p. 11.
5
Cf. Carlos de Meira Matos. Brasil, Geopolítica e Destino. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio:
1975 p. 59.
3
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Mesmo, com o avanço no pensamento dos militares da Sorbonne (grupo de
intelectuais militares da Escola Superior de Guerra - ESG), em alguns temas, casos,
por exemplo, da redivisão territorial e a integração com o interior do país perpassam
a história da formação socioespacial e territorial brasileira desde os idos do final do
século XIX, período do Império. Destacam-se essas preocupações no pensamento
de um eminente intelectual da época, José Bonifácio de Andrada e Silva (17631838), figura importante no Império brasileiro, político e ministro de Estado, entre
outros, homens da política e do núcleo duro de poder daquele momento. Com
relação, em especial, a divisão territorial brasileira, o autor abaixo aponta o seguinte:
“[...] a história brasileira tem mostrado que a divisão nunca correspondeu às
necessidades e expectativas nacionais. Apenas os estados litorâneos prosperaram.
O resto do país permanece, em grande parte, um vazio” (MIYAMOTO, 1987, p. 44).
Essas preocupações acima acabaram despontando em outro tema que foi a
transferência da Capital Federal, do litoral para o hinterland, uma vez que esse fato
iria dinamizar a parte central e oeste do país, dado a imensidão territorial e escassez
populacional no território brasileiro (em especial no seu interior). Nesse conjunto de
aspectos a ocupação humana e econômica do território era uma questão de
sobrevivência da arquitetura configurada desde o século XIX da coesão territorial
mantida dada às investidas estrangeiras.
Sem embargo, há várias opiniões de autores, estudiosos e políticos, com
relação à transferência geográfica e política da capital federal para o Centro-Oeste
brasileiro. Destacamos as preocupações de E. Backheuser nas palavras que se
seguem:
[...] As capitais bem centrais emprestam por um lado ao governo da
nação as vantagens decorrentes das posições centrais, quando a guarda do
espírito de tradição, indispensável a um povo que se queira manter unido.
(BACKHEUSER, apud RODRIGUES, 1947, p. 110).
A linha autoritária do discurso geopolítico também permanece nas defesas da
mudança da capital brasileira e a geopolítica era o arcabouço entranhado dessas
defesas com essas plumagens e verberações. Como a geopolítica, na interpretação
que se segue “[...] é um discurso e uma prática política que visam instrumentalizar o
espaço com vistas ao controle social, e a interiorização da cidade-capital é
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realmente cogitada nesses termos” (VESENTINI, 1987, p. 100).
Mais ainda, o
controle social e as pressões de classes, especialmente, da classe trabalhadora foi,
sem dúvida, um dos instrumentos importantes na definição das pesquisas e estudos
que tinham por objetivo à implementação no governo de Juscelino Kubitschek (195661), a consecução da mudança da Capital Federal para o Centro-Oeste do Brasil.
Portanto, a ocupação espacial em termos de funcionalidade dos órgãos e dos
poderes da República tornavam-se bastiões na defesa, da segurança e do
desenvolvimento nacional cuja abrangência atingiria os mais distantes pontos do
território. Assim, em função da implantação das artérias e veias de projeção no
território, como foi o caso das rodovias federais, esse êxito seria atingido e o papel
da capital, como centro de poder na região central do país tinha um aspecto
relevante nesse processo. Com isso,
[...] a capital, onde se exerce o Governo, onde funcionam os órgãos decisórios dos
três poderes (o Executivo, exercido pelo Presidente e ministros; o Legislativo,
pelas duas casas do Congresso Nacional e o Judiciário, pelos supremos tribunais,
é vista sob o prisma autoritário como uma cidade que deve permitir ao Governo
ficar „acima das pressões sociais‟ num „clima de tranquilidade‟, afastado do „caos e
da anarquia dos centros urbanos‟. O governar é encarado como técnica
administrativa e/ou estratégia e não como política no sentido verdadeiro da
palavra. A participação ativa na vida política é vista como um atributo de uma elite,
sendo que as classes trabalhadoras poderão no máximo ser objetos de atos dessa
política, mas nunca sujeitos dela (VESENTINI, 1987, p. 99).
Já, nos idos de 1940 (e mesmo antes), alguns civis e militares brasileiros, entre
os quais o Brigadeiro Lysias A. Rodrigues, concebiam o Brasil numa posição
privilegiada na América do Sul e seu papel nesse continente. Por outro lado,
internamente a busca de sua unidade nacional e territorial são as principais bases
das discussões centrais. Nesse aspecto, aborda-se a questão com a seguinte
desenvoltura:
A divisão territorial e política tem por objetivo primordial a manutenção e o
estreitamento da unidade política nacional, consequentemente, não pode ser
subordinada a quaisquer condicionamentos do regionalismo, da tradição histórica
ou dos sentimentos arraigados, de todo inaceitáveis quando se trata da unidade
nacional (RODRIGUES, 1947, p. 97-98).
Com relação à América do Sul e a relação do Brasil com essa parte do
continente americano, nossa circunvizinhança mais imediata, o mesmo autor acima
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expressa seu pensamento da seguinte forma: “O Brasil precisa criar na América do
Sul um núcleo geopolítico poderoso, homogêneo, sob sua chefia” (RODRIGUES,
1947, p. 120).
Esse pensamento dominante nos setores do staff militar brasileiro das décadas
de 1940 e 50 perpassa e contagia o cenário brasileiro da década seguinte, com o
Golpe de 1964, onde a ESG, sob o ponto de vista de enlaces da geopolítica e da
política externa assume um caráter muito particular em função de um quadro externo
bipolar em que duas superpotências (EUA e URSS) têm poder avassalador sobre
outros países, continentes e áreas geográficas estratégicas – um novo hegemon se
configura num período que vai da Segunda Guerra (1939-45) até 1989/90, com o fim
da URSS, e que o Brasil toma partido nessa conjuntura adversa tanto em termos da
política internacional quanto de um quadro geopolítico-ideológico perturbador.
Por conseguinte, a influência do militarismo e a economia política sendo
substituída pela logística são as mudanças assumidas pelos Estados e
representantes do poder com mais evidência na pós-Segunda Grande Guerra e
décadas seguintes, e o Brasil está inserido nessa trama política. Essa influência é
apontada ao fazer um longo balanço e apanhado do século XX, conforme assinalado
a seguir:
Por volta dos anos 70 do século passado [século XIX] surgiu a economia de
guerra. Notamos isso na Inglaterra e depois nos orçamentos franceses com o
advento da artilharia naval e do navio de guerra. Tudo isso culmina na surpresa
técnica da Primeira Guerra Mundial. Finalmente, temos a grande surpresa.... O
advento da bomba nuclear. Já não é mais um problema quantitativo. A arma final.
A logística ocorre no tempo ... de guerras que arrastam milhões de homens para
as estradas e, com eles, problemas de subsistência. Mas subsistência não é tudo:
logística não é só bóia, é também transportes e munições.... Para entender o que
é esta revolução logística a-nacional, a de EISENHOWER, há, em torno de 194550, uma declaração do Pentágono: „Logística é procedimento segundo o qual o
potencial de uma nação é transferido para suas forças armadas, tanto em tempos
de paz como de guerra (VIRILLO, 1984, apud VESENTINI, 1990, p. 3).
1-3 Qual direção geopolítica e inserção internacional, pós governos
autoritários, temos como horizontes desenhados sob a batuta dos governos
trabalhistas
No período de transição, pós 1985, a geopolítica, como estratégia nacional,
padeceu de aquiescência e o próprio papel dos militares na política diminuiria de
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influência. O recolhimento dos militares nas casernas, e o próprio encolhimento de
ideologias autoritárias deveu-se, antes de tudo, ao fracasso do projeto político de
tornar o Brasil, um país que ocuparia, dado espaço de projeção mundial, um papel
relevante entre as nações líderes do mundo, consoante a empreitada militar de
gestão tecnoburocrática do território e da coletividade.
O projeto fracassou, pela própria crise da política levada adiante pelos
militares, mas também pela crise econômica do endividamento externo e o
esfacelamento e mesmo descrédito das elites políticas e econômicas ao delinear um
projeto nacional de desenvolvimento associado e não em termos de democratização
e construção de um país republicano pleno para todos os brasileiros. O capitalismo
brasileiro continua sendo um capitalismo cuja inclusão social é demasiadamente
incipiente e as oportunidades numa democracia plena ainda são cenários distantes.
Contudo, considerando que o projeto dos militares era tornar o Brasil um
“império” dado o espaço econômico estatal-territorial do país sob o prisma social e
economicamente, somente a parte última com todas as suas idiossincrasias é que
foi conquistada parcialmente. A questão social brasileira continua tão complexa, e de
tamanhas proporções no campo e nas cidades que continua valendo a velha
máxima de um presidente-militar cuja expressão virou dito popular: “O Brasil vai
bem, mas os brasileiros vão muito mal”.
A exclusão social leva os deserdados do tempo a um andar sem esperança,
onde o amanhã é apenas uma metáfora de um tempo infinito. Ao adentrarmos a
década de 1990, acossados pelas imprudências econômicas arrogadas num
rompante de Brasil-potência militar que acabou na década de 1980 aceitamos um
projeto externo dos agentes econômicos externos, organismos multilaterais e
governos centrais, em especial dos Estados Unidos, que ficou conhecido de época
neoliberal. Nesse sentido, o governo de Collor de Mello (1990-92) foi, conforme
testamento que segue de expert em economia internacional que Collor foi “[...] o
primeiro presidente a ser “eleito democraticamente” e marcou o fim da ditadura
militar, bem como a transição para uma nova “democracia autoritária” sob o controle
direto dos credores e das instituições financeiras internacionais sediadas em
Washington” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 170). Na mesma toada pode ser
considerado o governo de Fernando H. Cardoso (1995-2002), nesse período sob o
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idealismo econômico anglo-saxão de um mercado autorregulado e de todo um
conjunto de políticas macroeconômicas sob a batuta do “mainstream” liberalconservador do “Consenso de Washington”, de vertente neoliberal (como ficou
conhecido) fomos abocanhados pelas lógicas perversas das ideologias provenientes
do centro do sistema e, assim, passamos a ser plataforma de interesses externos,
isto é, “[...] os credores estão no controle da burocracia do Estado, de seus políticos.
O Estado está falido e seus bens estão sendo liquidados no programa de
privatização” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 183).
Assim, a condução da política externa brasileira dos anos 90 ficou marcada por
uma subserviência à política externa dos EUA. Só vamos incrementar uma política
externa mais soberana e altiva no Governo de Luiz I. Lula da Silva a partir de 2003
sem sucumbir às lógicas dominantes da potência hegemônica que aparentava
vencedora dos embates político-ideológicos que levaram a ruptura da URSS no
início da década de 1990.
Todavia, políticas econômicas traçadas no governo anterior e com respaldo
nas agências multilaterais não foram enfrentadas no governo de coalizão de Lula da
Silva (2003-2010) e Dilma Roussef (2011 em diante) (superávit primário, câmbio
livre e apreciado, metas de inflação). Continuamos sendo um país de muitas
vulnerabilidades. Isso não quer dizer que não tivemos avanços em outros campos
nos governos de Lula da Silva e Dilma Roussef, a título de exemplificação podemos
indicar uma política externa menos subordinada às estruturas hegemônicas6 e, com
isso diminuindo nossas vulnerabilidades externas. Todavia, nossas vulnerabilidades
externas herdadas da dominação colonial europeia e postergadas pelas elites
políticas e econômicas devem ter um tratamento ímpar.
No quesito vulnerabilidade econômica externa deve-se priorizar o mercado
interno, o que nos obriga a ampliar a poupança interna público-privada para
6
“[...] consideramos o conceito de estrutura hegemônica mais apropriado para abarcar os complexos
mecanismos de dominação. O conceito de “estruturas hegemônicas de poder” evita discutir a
existência – ou não -, no mundo pós-guerra fria, de uma potência hegemônica, os Estados Unidos, e
determinar se o mundo é unipolar ou multipolar, se existe um condomínio – ou não. O conceito de
“estruturas hegemônicas” é mais flexível e inclui vínculos de interesse e de direito, organizações
internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a possibilidade de incorporação de novos
participantes e a elaboração permanente de normas de conduta; mas, no âmago dessas estruturas,
estão sempre Estados nacionais” (GUIMARÃES, 2001, p. 28).
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alavancar nosso desenvolvimento, com o intuito de estimular os fatores produtivos
internos que estimule uma política científica e tecnológica e uma política de
desenvolvimento industrial de bens de capital atrelada a uma política de comércio
exterior maximizadora do uso de cambiais escassos na economia brasileira para
promoção dos nossos produtos no exterior e proteção de novas indústrias. Um
segundo elemento importante é a diminuição de nossa vulnerabilidade externa em
termos de política externa com estratégias definidoras conjuntas com outros grandes
estados periféricos no sentido de estimular e ampliar projetos de cooperação
comuns no campo científico-tecnológico, projetos articuladores dos grandes países
para uma política internacional de defesa de interesses comuns, caso, por exemplo,
da formulação estratégica dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China e África do Sul)
e, eventualmente a incorporação de outros grandes estados periféricos.
A fundação de uma política externa ao longo dos últimos 12 anos tem sido
significativa, além dos BRICS, em termos de enlaces econômicos para
financiamento dos respectivos desenvolvimentos nacionais, com arquitetura
financeiro-bancária própria, já que sai do condomínio de dominação forjado na II
Guerra Mundial (Acordos de Bretton Woods, 1944-45, sob hegemon dos EUA),
agora acicatada com a construção do Banco do BRICS; temos ainda o
fortalecimento das trocas de comércio Sul-Sul, com África e América Latina,
inclusive a Ásia; sem contar o fortalecimento dos enlaces de defesa do continente
sul-americano através da UNASUL e comerciais com os países da América Latina e
caribenhos (CELAC).
Todos esses caminhos possíveis, que dada à exiguidade de explorar mais a
fundo, fizemos apenas referências pontuais, mas não definitivos de uma solidez nas
relações internacionais e nas relações com os grandes Estados no período atual de
mudanças definidoras de um século XXI diferente para os brasileiros, todavia, mas
vislumbrando horizontes difíceis, nada está definido já que as forças reacionárioconservadoras querem colocar o país na órbita dos interesses estratégicos dos
norte-americanos. A exiguidade do espaço nos limita apenas a fazer considerações
sem profundidade nesses últimos apontamentos e acreditamos que a posteriori
retomaremos tais discussões.
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1.4 – Considerações finais
Se se considerarmos que depois da crise do socialismo real, em todos os
países do leste europeu e alhures, ocorreu a partir daí, um encolhimento do Estado
nacional, e a geopolítica como instrumento poderoso desse mesmo Estado também
sofrerá sua debilitação. Pelo menos é isso que acontece nos países periféricos do
sistema mundial em função de uma nova re-hierarquização do capitalismo cêntrico e
de uma nova reconfiguração do sistema-mundo.
Em princípio, um país para o exercício de uma geoestratégia e geopolítica
necessita da escolha de um inimigo. Entretanto, hoje quais são os inimigos do
Estado? Sobre isso nos desvelam as palavras que segue:
Nesse contexto geopolítico, uma noção fundamental parece bastante
confusa: a do adversário, da ameaça, do perigo [...] Durante 70 anos, o
Ocidente deu as essas questões a seguinte resposta: „o comunismo‟, „a
URSS‟; hoje permanecem sem resposta clara. Ora, para qualquer regime
político e, em particular para o regime democrático, continua sendo
fundamental e estruturante conhecer a resposta. Esta condiciona a
definição de um sistema de segurança capaz de se preservar e prevenir as
crises. Permite-lhe, sobretudo, construir um discurso sobre sua própria
identidade (RAMONET, 1998, p. 17).
Mais adiante, o mesmo autor acima acrescenta:
O inimigo principal deixou de ser unívoco; trata-se daqui em diante, de um
monstro de múltiplas cabeças que pode assumir, alternadamente, a
aparência da bomba demográfica, da droga, das máfias, da proliferação
nuclear, dos fanatismos étnicos, da Aids, do vírus Ebola, do crime
organizado, do integrismo islâmico, da desertificação, das grandes
migrações, da nuvem radioativa etc.. (RAMONET, 1998, p. 17-8).
Pensando em todos esses aspectos citados acima, de que forma a geopolítica
poderia ter um papel significativo em se tratando de um país semiperiférico tal qual é
o Brasil? A geopolítica pode, ainda, ter respostas plausíveis sobre o ordenamento do
território? Berha Becker (1988) diz que duas ordens de interação são importantes
nesse processo: a reestruturação tecnológica, cada vez mais de domínio das
grandes corporações e os novos papéis dos movimentos sociais, pois apesar de
cada vez mais vivenciarmos um capitalismo em que as estruturas de poder
configurar novas lógicas excludentes, o caminho para os atores políticos e sociais é
no sentido de criar novas dimensões para a gestão do território numa perspectiva
democrática de alternância de poder.
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Contudo, não somos ingênuos a valer, para acreditar que o capitalismo „global‟,
ou qualquer coisa que diz respeito aos processos de reestruturação do capitalismo
mundial, conduzidos por grandes grupos corporativos em escala mundial (produção,
finanças, serviços) serão os construtores de um projeto nacional amalgamado no
território e que tenham suporte nas decisões da sociedade nacional. Não
trabalhamos com essa perspectiva, mas afirmamos que sem desenvolvimento e
projeto nacional todas as estratégias da geografia política ficarão à deriva num
horizonte do porvir em termos de nação, de território e seu povo, bem como seu
espaço nacional, como condição necessária da geopolítica de um Estado,
permanecerá à deriva de vontades instrumentalizadas sem nexos com o intento de
um povo e nação costurados extra-entranhas do território, que hoje é cada vez mais
subordinado pelas próprias lógicas internas do modo de produção vigente em escala
internacionalizada.
1.5 – Referências bibliográficas
BECKER, Bertha K. A Geografia e o Resgate da Geopolítica. Revista Brasileira de
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CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da Pobreza: impactos das reformas do
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GUIMARÃES, Samuel P. Quinhentos anos de periferia: uma contribuição ao estudo
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Exército/Livraria José. Olympio, 1975.
RAMONET, Ignácio. Geopolítica do Caos. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998.
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
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