A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO DOS MILITARES AOS GOVERNOS TRABALHISTAS: DISCUSSÕES SOBRE “TERRITÓRIOS INSTÁVEIS” E A CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE ESTADO BRASILEIRO CLERISNALDO RODRIGUES DE CARVALHO1 Resumo O trabalho proposto, ainda em caráter preliminar, visa comparar o Brasil do século XX, as estratégias políticas e geopolíticas dos governos militares de 1964 e sua inserção internacional num quadro internacional adverso e o que se propunha enquanto governos trabalhistas, no caso do governo de Lula da Silva (2003) com uma nova postura do país nas relações internacionais e o fortalecimento das relações Sul-Sul e com os novos países chamados emergentes pelos organismos internacionais (FMI e BIRD). Palavras-chave - Brasil, Governos militares, Geopolítica atual. Abstract - The proposed work, even on a preliminary basis, aims to compare the Brazil of the twentieth century, political and geopolitical strategies of the military governments of 1964 and its international insertion in an adverse international context and what is proposed as labour governments in the case of Lula da Silva government (2003) with a new attitude of the country in international relations and strengthening of South-South relations and the new so-called emerging countries by international organizations (IMF and World Bank). Key-Words - Brazil, military governments, current geopolitics. 1- Introdução O trabalho proposto é uma tentativa de resgatar o pensamento geopolítico brasileiro nos idos do século XX (década de 1920/30), quando se dá as primeiras discussões do tema por alguns estudiosos, mas, especialmente, imiscuir a partir dos governos militares de 1964, com o Golpe de 64, em que a geopolítica tornara o leitmotiv na condução da política interna e externa brasileira e o que temos hoje em termos de pensamento geopolítico num quadro/estágio de mundialização cujo „inimigo‟ do Estado está descaracterizado e difuso – se é que existe esse „inimigomonstro‟. 1 Professor de Geografia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Câmpus de Ourinhos/SP. E-mail de contato – [email protected] 6803 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Em um texto no Jornal Folha de S. Paulo, de 8 de agosto de 1999, o geógrafo Milton Santos nos convida à reflexão e aponta: [...] está havendo uma entrega acelerada do território, já que o modelo econômico consagrado recusa ao país as ferramentas da sua regulação, pondo-as em mãos outras [...], cujos projetos e objetivos podem ser inteiramente estranhos ou adversos ao interesse nacional. É desse modo que áreas inteiras permanecem nominalmente no território, fazendo parte do mapa do país, mas não são retiradas do controle soberano da nação (SANTOS, Folha de São Paulo, Caderno Mais!, p. 6, 08/08/1999). Nossa abordagem sobre a geopolítica brasileira dar-se-á considerando essas preocupações levantadas, que são centrais, uma vez que os lugares, em função da reestruturação geoeconômica do capitalismo, tornam-se „territórios‟ instáveis e debilitados e qual/quais projetos o Estado brasileiro, ora como geopolítica ou geoestratégia, constrói para lidar com essas efervescências e ebulições de caos social, político e econômico em que a excludência, não é somente social e econômica, mas também territorial. Os objetivos são: 1. Considerar o fenômeno geopolítico numa perspectiva geográfica, analisando o papel dos Estados em que a geopolítica é uma lógica importante na condução dos negócios das Nações-Estados sob uma perspectiva tanto interna quanto externa. 2. Discutir os elementos que compõem a atividade geopolítica em seus diferentes aspectos, considerando o Brasil um ator importante no cenário internacional em termos de território e de população e os desdobramentos que isso implica como possibilidades. O trabalho justifica-se pelas seguintes razões: A amplitude e intensidade dos processos ocorridos no Brasil do século XX em termos geopolíticos, as escolhas geoestratégicas do Estado brasileiro definiram, de forma geral, os principais aspectos sociais, políticos e econômicos do país no século XX; no século XXI quais caminhos a tomar na era dos gigantes já que aceitamos como premissa o lugar privilegiado do Brasil no quadro internacional de importância estratégica sem submissão à imposição de uma potência imperialista. Portanto, defende-se a priori 6804 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO uma política externa altiva e soberana frente a outros países detentores de poder na ordem internacional multipolar do século XXI. 1.2 – A herança geopolítica brasileira e do desfecho militar de 1964 O pensamento geopolítico brasileiro data dos anos 20 e 30 do século XX e dentre os vários expoentes temos Everardo Backheuser e Mário Travassos, entre os nomes mais importantes. E. Backheuser, um dos sistematizadores da geopolítica brasileira tinha como meta definida e preocupações a questão da unidade territorial estatal-nacional e perspectivas de futuro que consolidasse esse imenso território existente, concreto e real sob o domínio do Estado nacional brasileiro. M. Travassos, por conseguinte, preocupa-se muito mais com a projeção continental do país dando certo tratamento aos contrastes regionais estabelecidos pelos estudos de geografia – a Bacia Amazônica X Bacia Platina; o Oceano Atlântico X Oceano Pacífico. A perspectiva de estudos de Travassos é mais o papel que o país poderia ter no continente sul americano. Já no pós Segunda Guerra Mundial, o Brigadeiro do Ar, Lysias A. Rodrigues (1947), aluno e discípulo de E. Backeheuser a quem foi solicitado o “Prefácio de seu livro de 1947, “Geopolítica do Brasil” defendia que: (...) Na posição em que se acha o Brasil, as diretivas geopolíticas que o regem no plano mundial, são pois, 1 – Estreitar cada vez mais suas relações com os Estados Unidos; 2 – Estimular a política de Boa Vizinhança; 3 - Dar o mais cabal apoio ao núcleo geopolítico do Atlântico (RODRIGUES, 1947, p. 137-138). E, mais adiante arremata a proximidade do Brasil com os Estados Unidos, naquilo que o autor nomina de “solidariedade irrestrita” no que toca “à coligação das Nações Unidas, em todo e qualquer setor de atividade” (RODRIGUES, 1947, p. 140), uma vez que, [...] Esse apoio brasileiro, integral, absoluto, interessa vitalmente aos Estados Unidos, dada a sua situação de líder mundial [...], [conquanto] [...] Interessa, também, vitalmente ao Brasil, porque, se na segunda guerra mundial o Brasil não foi atacado pelos nazistas, deve-se exclusivamente à ação pronta e decisiva dos Estados Unidos... (RODRIGUES, 1947, p. 140). Como apontou certo autor sobre a formação e o pensamento geopolítico no Brasil, diz ele assim: [...] a formação de um pensamento geopolítico que tem fins 6805 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO precisos: o fortalecimento do Poder Nacional e a manutenção de um nacionalismo muitas vezes exacerbado.2 No entanto, os primeiros estudos com base nessa ciência política3 estavam carregados de posições racistas, autoritárias e, de certo modo, espelhava-se nas teorias do filósofo francês Augusto Comte – é o caso dos vários trabalhos de E. Backheuser. Sem embargo, a formulação de uma política estratégica “extrapolou desde os seus inícios, a sua característica original, qual seja, a de considerar o território como fonte de poder e a sua utilização na formulação de uma política estrategista” 4 As décadas posteriores, mais precisamente nos anos de 1960, sob a égide da Escola Superior de Guerra (ESG), dentre vários nomes de expressão, destaca-se o General Golbery do Couto e Silva que teve certa concordância com as ideias defendidas por M. Travassos. No livro, “Geopolítica do Brasil” (1967) as características geopolíticas do Brasil apontadas pelo Gal. Golbery são as seguintes: - geopolítica de integração e valorização espaciais; - geopolítica de expansionismo para o interior e também, uma projeção pacífica no exterior; - geopolítica de contenção, ao longo das linhas fronteiriças; - geopolítica de participação na defesa da civilização ocidental; - geopolítica de colaboração com o mundo subdesenvolvido de aquém e alémmar; - geopolítica de segurança ou geoestratégia nacional em face da dinâmica própria 5 dos centros externos de poder. Observamos que alguns temas são recorrentes nos debates geopolíticos brasileiros e podemos apontá-los desde os anos de 1920-1985, conforme diz esse autor): “[...] a mudança da Capital Federal, os meios de comunicação viários, as fronteiras e a redivisão territorial” (MIYAMOTO, 1985, p. 12). 2 Miyamoto, S.. A Geopolítica e o Brasil Potência. Marília/SP: UNESP, 1985, p. 9. Há uma boa diferenciação quanto a Geografia Política e Geopolítica feita por W. M. da Costa (1992) ao afirmar que a Geografia Política é “o conjunto de estudos sistemáticos mais afeitos à geografia e restrito às relações entre o espaço e o Estado – (posição, situação, características das fronteiras)“. A Geopolítica é a “formulação das teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre os Estados e às estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros“ (mais próxima da ciência política) (COSTA, 1992, p. 16). 4 MIYAMOTO, S., op. cit. p. 11. 5 Cf. Carlos de Meira Matos. Brasil, Geopolítica e Destino. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio: 1975 p. 59. 3 6806 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Mesmo, com o avanço no pensamento dos militares da Sorbonne (grupo de intelectuais militares da Escola Superior de Guerra - ESG), em alguns temas, casos, por exemplo, da redivisão territorial e a integração com o interior do país perpassam a história da formação socioespacial e territorial brasileira desde os idos do final do século XIX, período do Império. Destacam-se essas preocupações no pensamento de um eminente intelectual da época, José Bonifácio de Andrada e Silva (17631838), figura importante no Império brasileiro, político e ministro de Estado, entre outros, homens da política e do núcleo duro de poder daquele momento. Com relação, em especial, a divisão territorial brasileira, o autor abaixo aponta o seguinte: “[...] a história brasileira tem mostrado que a divisão nunca correspondeu às necessidades e expectativas nacionais. Apenas os estados litorâneos prosperaram. O resto do país permanece, em grande parte, um vazio” (MIYAMOTO, 1987, p. 44). Essas preocupações acima acabaram despontando em outro tema que foi a transferência da Capital Federal, do litoral para o hinterland, uma vez que esse fato iria dinamizar a parte central e oeste do país, dado a imensidão territorial e escassez populacional no território brasileiro (em especial no seu interior). Nesse conjunto de aspectos a ocupação humana e econômica do território era uma questão de sobrevivência da arquitetura configurada desde o século XIX da coesão territorial mantida dada às investidas estrangeiras. Sem embargo, há várias opiniões de autores, estudiosos e políticos, com relação à transferência geográfica e política da capital federal para o Centro-Oeste brasileiro. Destacamos as preocupações de E. Backheuser nas palavras que se seguem: [...] As capitais bem centrais emprestam por um lado ao governo da nação as vantagens decorrentes das posições centrais, quando a guarda do espírito de tradição, indispensável a um povo que se queira manter unido. (BACKHEUSER, apud RODRIGUES, 1947, p. 110). A linha autoritária do discurso geopolítico também permanece nas defesas da mudança da capital brasileira e a geopolítica era o arcabouço entranhado dessas defesas com essas plumagens e verberações. Como a geopolítica, na interpretação que se segue “[...] é um discurso e uma prática política que visam instrumentalizar o espaço com vistas ao controle social, e a interiorização da cidade-capital é 6807 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO realmente cogitada nesses termos” (VESENTINI, 1987, p. 100). Mais ainda, o controle social e as pressões de classes, especialmente, da classe trabalhadora foi, sem dúvida, um dos instrumentos importantes na definição das pesquisas e estudos que tinham por objetivo à implementação no governo de Juscelino Kubitschek (195661), a consecução da mudança da Capital Federal para o Centro-Oeste do Brasil. Portanto, a ocupação espacial em termos de funcionalidade dos órgãos e dos poderes da República tornavam-se bastiões na defesa, da segurança e do desenvolvimento nacional cuja abrangência atingiria os mais distantes pontos do território. Assim, em função da implantação das artérias e veias de projeção no território, como foi o caso das rodovias federais, esse êxito seria atingido e o papel da capital, como centro de poder na região central do país tinha um aspecto relevante nesse processo. Com isso, [...] a capital, onde se exerce o Governo, onde funcionam os órgãos decisórios dos três poderes (o Executivo, exercido pelo Presidente e ministros; o Legislativo, pelas duas casas do Congresso Nacional e o Judiciário, pelos supremos tribunais, é vista sob o prisma autoritário como uma cidade que deve permitir ao Governo ficar „acima das pressões sociais‟ num „clima de tranquilidade‟, afastado do „caos e da anarquia dos centros urbanos‟. O governar é encarado como técnica administrativa e/ou estratégia e não como política no sentido verdadeiro da palavra. A participação ativa na vida política é vista como um atributo de uma elite, sendo que as classes trabalhadoras poderão no máximo ser objetos de atos dessa política, mas nunca sujeitos dela (VESENTINI, 1987, p. 99). Já, nos idos de 1940 (e mesmo antes), alguns civis e militares brasileiros, entre os quais o Brigadeiro Lysias A. Rodrigues, concebiam o Brasil numa posição privilegiada na América do Sul e seu papel nesse continente. Por outro lado, internamente a busca de sua unidade nacional e territorial são as principais bases das discussões centrais. Nesse aspecto, aborda-se a questão com a seguinte desenvoltura: A divisão territorial e política tem por objetivo primordial a manutenção e o estreitamento da unidade política nacional, consequentemente, não pode ser subordinada a quaisquer condicionamentos do regionalismo, da tradição histórica ou dos sentimentos arraigados, de todo inaceitáveis quando se trata da unidade nacional (RODRIGUES, 1947, p. 97-98). Com relação à América do Sul e a relação do Brasil com essa parte do continente americano, nossa circunvizinhança mais imediata, o mesmo autor acima 6808 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO expressa seu pensamento da seguinte forma: “O Brasil precisa criar na América do Sul um núcleo geopolítico poderoso, homogêneo, sob sua chefia” (RODRIGUES, 1947, p. 120). Esse pensamento dominante nos setores do staff militar brasileiro das décadas de 1940 e 50 perpassa e contagia o cenário brasileiro da década seguinte, com o Golpe de 1964, onde a ESG, sob o ponto de vista de enlaces da geopolítica e da política externa assume um caráter muito particular em função de um quadro externo bipolar em que duas superpotências (EUA e URSS) têm poder avassalador sobre outros países, continentes e áreas geográficas estratégicas – um novo hegemon se configura num período que vai da Segunda Guerra (1939-45) até 1989/90, com o fim da URSS, e que o Brasil toma partido nessa conjuntura adversa tanto em termos da política internacional quanto de um quadro geopolítico-ideológico perturbador. Por conseguinte, a influência do militarismo e a economia política sendo substituída pela logística são as mudanças assumidas pelos Estados e representantes do poder com mais evidência na pós-Segunda Grande Guerra e décadas seguintes, e o Brasil está inserido nessa trama política. Essa influência é apontada ao fazer um longo balanço e apanhado do século XX, conforme assinalado a seguir: Por volta dos anos 70 do século passado [século XIX] surgiu a economia de guerra. Notamos isso na Inglaterra e depois nos orçamentos franceses com o advento da artilharia naval e do navio de guerra. Tudo isso culmina na surpresa técnica da Primeira Guerra Mundial. Finalmente, temos a grande surpresa.... O advento da bomba nuclear. Já não é mais um problema quantitativo. A arma final. A logística ocorre no tempo ... de guerras que arrastam milhões de homens para as estradas e, com eles, problemas de subsistência. Mas subsistência não é tudo: logística não é só bóia, é também transportes e munições.... Para entender o que é esta revolução logística a-nacional, a de EISENHOWER, há, em torno de 194550, uma declaração do Pentágono: „Logística é procedimento segundo o qual o potencial de uma nação é transferido para suas forças armadas, tanto em tempos de paz como de guerra (VIRILLO, 1984, apud VESENTINI, 1990, p. 3). 1-3 Qual direção geopolítica e inserção internacional, pós governos autoritários, temos como horizontes desenhados sob a batuta dos governos trabalhistas No período de transição, pós 1985, a geopolítica, como estratégia nacional, padeceu de aquiescência e o próprio papel dos militares na política diminuiria de 6809 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO influência. O recolhimento dos militares nas casernas, e o próprio encolhimento de ideologias autoritárias deveu-se, antes de tudo, ao fracasso do projeto político de tornar o Brasil, um país que ocuparia, dado espaço de projeção mundial, um papel relevante entre as nações líderes do mundo, consoante a empreitada militar de gestão tecnoburocrática do território e da coletividade. O projeto fracassou, pela própria crise da política levada adiante pelos militares, mas também pela crise econômica do endividamento externo e o esfacelamento e mesmo descrédito das elites políticas e econômicas ao delinear um projeto nacional de desenvolvimento associado e não em termos de democratização e construção de um país republicano pleno para todos os brasileiros. O capitalismo brasileiro continua sendo um capitalismo cuja inclusão social é demasiadamente incipiente e as oportunidades numa democracia plena ainda são cenários distantes. Contudo, considerando que o projeto dos militares era tornar o Brasil um “império” dado o espaço econômico estatal-territorial do país sob o prisma social e economicamente, somente a parte última com todas as suas idiossincrasias é que foi conquistada parcialmente. A questão social brasileira continua tão complexa, e de tamanhas proporções no campo e nas cidades que continua valendo a velha máxima de um presidente-militar cuja expressão virou dito popular: “O Brasil vai bem, mas os brasileiros vão muito mal”. A exclusão social leva os deserdados do tempo a um andar sem esperança, onde o amanhã é apenas uma metáfora de um tempo infinito. Ao adentrarmos a década de 1990, acossados pelas imprudências econômicas arrogadas num rompante de Brasil-potência militar que acabou na década de 1980 aceitamos um projeto externo dos agentes econômicos externos, organismos multilaterais e governos centrais, em especial dos Estados Unidos, que ficou conhecido de época neoliberal. Nesse sentido, o governo de Collor de Mello (1990-92) foi, conforme testamento que segue de expert em economia internacional que Collor foi “[...] o primeiro presidente a ser “eleito democraticamente” e marcou o fim da ditadura militar, bem como a transição para uma nova “democracia autoritária” sob o controle direto dos credores e das instituições financeiras internacionais sediadas em Washington” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 170). Na mesma toada pode ser considerado o governo de Fernando H. Cardoso (1995-2002), nesse período sob o 6810 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO idealismo econômico anglo-saxão de um mercado autorregulado e de todo um conjunto de políticas macroeconômicas sob a batuta do “mainstream” liberalconservador do “Consenso de Washington”, de vertente neoliberal (como ficou conhecido) fomos abocanhados pelas lógicas perversas das ideologias provenientes do centro do sistema e, assim, passamos a ser plataforma de interesses externos, isto é, “[...] os credores estão no controle da burocracia do Estado, de seus políticos. O Estado está falido e seus bens estão sendo liquidados no programa de privatização” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p. 183). Assim, a condução da política externa brasileira dos anos 90 ficou marcada por uma subserviência à política externa dos EUA. Só vamos incrementar uma política externa mais soberana e altiva no Governo de Luiz I. Lula da Silva a partir de 2003 sem sucumbir às lógicas dominantes da potência hegemônica que aparentava vencedora dos embates político-ideológicos que levaram a ruptura da URSS no início da década de 1990. Todavia, políticas econômicas traçadas no governo anterior e com respaldo nas agências multilaterais não foram enfrentadas no governo de coalizão de Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Roussef (2011 em diante) (superávit primário, câmbio livre e apreciado, metas de inflação). Continuamos sendo um país de muitas vulnerabilidades. Isso não quer dizer que não tivemos avanços em outros campos nos governos de Lula da Silva e Dilma Roussef, a título de exemplificação podemos indicar uma política externa menos subordinada às estruturas hegemônicas6 e, com isso diminuindo nossas vulnerabilidades externas. Todavia, nossas vulnerabilidades externas herdadas da dominação colonial europeia e postergadas pelas elites políticas e econômicas devem ter um tratamento ímpar. No quesito vulnerabilidade econômica externa deve-se priorizar o mercado interno, o que nos obriga a ampliar a poupança interna público-privada para 6 “[...] consideramos o conceito de estrutura hegemônica mais apropriado para abarcar os complexos mecanismos de dominação. O conceito de “estruturas hegemônicas de poder” evita discutir a existência – ou não -, no mundo pós-guerra fria, de uma potência hegemônica, os Estados Unidos, e determinar se o mundo é unipolar ou multipolar, se existe um condomínio – ou não. O conceito de “estruturas hegemônicas” é mais flexível e inclui vínculos de interesse e de direito, organizações internacionais, múltiplos atores públicos e privados, a possibilidade de incorporação de novos participantes e a elaboração permanente de normas de conduta; mas, no âmago dessas estruturas, estão sempre Estados nacionais” (GUIMARÃES, 2001, p. 28). 6811 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO alavancar nosso desenvolvimento, com o intuito de estimular os fatores produtivos internos que estimule uma política científica e tecnológica e uma política de desenvolvimento industrial de bens de capital atrelada a uma política de comércio exterior maximizadora do uso de cambiais escassos na economia brasileira para promoção dos nossos produtos no exterior e proteção de novas indústrias. Um segundo elemento importante é a diminuição de nossa vulnerabilidade externa em termos de política externa com estratégias definidoras conjuntas com outros grandes estados periféricos no sentido de estimular e ampliar projetos de cooperação comuns no campo científico-tecnológico, projetos articuladores dos grandes países para uma política internacional de defesa de interesses comuns, caso, por exemplo, da formulação estratégica dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China e África do Sul) e, eventualmente a incorporação de outros grandes estados periféricos. A fundação de uma política externa ao longo dos últimos 12 anos tem sido significativa, além dos BRICS, em termos de enlaces econômicos para financiamento dos respectivos desenvolvimentos nacionais, com arquitetura financeiro-bancária própria, já que sai do condomínio de dominação forjado na II Guerra Mundial (Acordos de Bretton Woods, 1944-45, sob hegemon dos EUA), agora acicatada com a construção do Banco do BRICS; temos ainda o fortalecimento das trocas de comércio Sul-Sul, com África e América Latina, inclusive a Ásia; sem contar o fortalecimento dos enlaces de defesa do continente sul-americano através da UNASUL e comerciais com os países da América Latina e caribenhos (CELAC). Todos esses caminhos possíveis, que dada à exiguidade de explorar mais a fundo, fizemos apenas referências pontuais, mas não definitivos de uma solidez nas relações internacionais e nas relações com os grandes Estados no período atual de mudanças definidoras de um século XXI diferente para os brasileiros, todavia, mas vislumbrando horizontes difíceis, nada está definido já que as forças reacionárioconservadoras querem colocar o país na órbita dos interesses estratégicos dos norte-americanos. A exiguidade do espaço nos limita apenas a fazer considerações sem profundidade nesses últimos apontamentos e acreditamos que a posteriori retomaremos tais discussões. 6812 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1.4 – Considerações finais Se se considerarmos que depois da crise do socialismo real, em todos os países do leste europeu e alhures, ocorreu a partir daí, um encolhimento do Estado nacional, e a geopolítica como instrumento poderoso desse mesmo Estado também sofrerá sua debilitação. Pelo menos é isso que acontece nos países periféricos do sistema mundial em função de uma nova re-hierarquização do capitalismo cêntrico e de uma nova reconfiguração do sistema-mundo. Em princípio, um país para o exercício de uma geoestratégia e geopolítica necessita da escolha de um inimigo. Entretanto, hoje quais são os inimigos do Estado? Sobre isso nos desvelam as palavras que segue: Nesse contexto geopolítico, uma noção fundamental parece bastante confusa: a do adversário, da ameaça, do perigo [...] Durante 70 anos, o Ocidente deu as essas questões a seguinte resposta: „o comunismo‟, „a URSS‟; hoje permanecem sem resposta clara. Ora, para qualquer regime político e, em particular para o regime democrático, continua sendo fundamental e estruturante conhecer a resposta. Esta condiciona a definição de um sistema de segurança capaz de se preservar e prevenir as crises. Permite-lhe, sobretudo, construir um discurso sobre sua própria identidade (RAMONET, 1998, p. 17). Mais adiante, o mesmo autor acima acrescenta: O inimigo principal deixou de ser unívoco; trata-se daqui em diante, de um monstro de múltiplas cabeças que pode assumir, alternadamente, a aparência da bomba demográfica, da droga, das máfias, da proliferação nuclear, dos fanatismos étnicos, da Aids, do vírus Ebola, do crime organizado, do integrismo islâmico, da desertificação, das grandes migrações, da nuvem radioativa etc.. (RAMONET, 1998, p. 17-8). Pensando em todos esses aspectos citados acima, de que forma a geopolítica poderia ter um papel significativo em se tratando de um país semiperiférico tal qual é o Brasil? A geopolítica pode, ainda, ter respostas plausíveis sobre o ordenamento do território? Berha Becker (1988) diz que duas ordens de interação são importantes nesse processo: a reestruturação tecnológica, cada vez mais de domínio das grandes corporações e os novos papéis dos movimentos sociais, pois apesar de cada vez mais vivenciarmos um capitalismo em que as estruturas de poder configurar novas lógicas excludentes, o caminho para os atores políticos e sociais é no sentido de criar novas dimensões para a gestão do território numa perspectiva democrática de alternância de poder. 6813 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Contudo, não somos ingênuos a valer, para acreditar que o capitalismo „global‟, ou qualquer coisa que diz respeito aos processos de reestruturação do capitalismo mundial, conduzidos por grandes grupos corporativos em escala mundial (produção, finanças, serviços) serão os construtores de um projeto nacional amalgamado no território e que tenham suporte nas decisões da sociedade nacional. Não trabalhamos com essa perspectiva, mas afirmamos que sem desenvolvimento e projeto nacional todas as estratégias da geografia política ficarão à deriva num horizonte do porvir em termos de nação, de território e seu povo, bem como seu espaço nacional, como condição necessária da geopolítica de um Estado, permanecerá à deriva de vontades instrumentalizadas sem nexos com o intento de um povo e nação costurados extra-entranhas do território, que hoje é cada vez mais subordinado pelas próprias lógicas internas do modo de produção vigente em escala internacionalizada. 1.5 – Referências bibliográficas BECKER, Bertha K. A Geografia e o Resgate da Geopolítica. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, FIBGE (N. Especial), Ano 50, t. 2, p. 99-125, 1988. CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da Pobreza: impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999. COSTA, Wanderley M. da. Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e poder. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1992. GUIMARÃES, Samuel P. Quinhentos anos de periferia: uma contribuição ao estudo da política internacional. 3ª. ed. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Editora da UFRGS/ Contraponto, 2001. MIYAMOTO, Shiguenoli. Aspectos da Geopolítica do Brasil: Considerações sobre os “Grandes Temas”. Marília (SP): UNESP, 1987 [Séries Monográficas, Política 4]. _______. A Geopolítica e o Brasil Potência. Marília (SP), UNESP, 1985 [Série Monográficas, Relações Internacionais, 4]. MATTOS, Carlos de M. Brasil: Geopolítica e destino. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército/Livraria José. Olympio, 1975. RAMONET, Ignácio. Geopolítica do Caos. Petrópolis (RJ): Vozes, 1998. 6814 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO RODRIGUES, Lysias A. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, v. CXI, 1947. VESENTNI, José W. Imperialismo e Geopolítica Global. 2ª. ed., Campinas (SP): Papirus, 1990. _________. A Capital da Geopolítica. 2ª. ed., São Paulo: Ática, 1987. SILVA, Golbery do C Geopolítica do Brasil. 2ª. ed. , Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1967. 6815