antracnose em solanáceas: etiologia

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DIVULGAÇÃO
TÉCNICA
Antracnose em
solanáceas: etiologia,
características e controle.
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ANTRACNOSE EM SOLANÁCEAS: ETIOLOGIA, CARACTERÍSTICAS E CONTROLE
J.G. Töfoli, R.J. Domingues, J.T. Ferrari
Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal, Av. Cons. Rodrigues Alves,
1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP, Brasil.
RESUMO
A antracnose, causada por fungos do gênero Colletotrichum, é considerada uma das mais
importantes e destrutivas doenças em solanáceas no Brasil e no mundo. O conhecimento dos
sintomas, etiologia e práticas de manejo são fundamentais em sistemas integrados que buscam
níveis competitivos de produtividade e sustentabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Colletotrichum spp., Capsicum spp., Solanum spp., manejo.
ABSTRACT
ANTHRACNOSE IN SOLANACEOUS: ETIOLOGY, CHARACTERISTICS AND CONTROL.
Anthracnose, caused by Colletotrichum spp., is considered one of the most important and destructive diseases
in solanaceous plants in Brazil and worldwide. Knowledge of symptoms, etiology and management practices are fundamental in integrated systems that seek competitive levels of productivity and sustainability.
KEY WORDS: Colletotrichum spp., Capsicum spp., Solanum spp., management.
A família Solanaceae é uma das maiores e mais
complexas dentre as Angiospermas, com 92 gêneros e
cerca de 2.300 espécies, tendo a América do Sul como
um dos principais centros de origem. Pertencentes aos
gêneros Solanum e Capsicum, as solanáceas de fruto
representam culturas de grande interesse econômico,
social e cultural no Brasil e no Mundo (Quadro 1).
Consideradas alimentos funcionais, essas têm
sido amplamente recomendadas na alimentação
humana, por possuírem níveis significativos de
vitamina C, ácido fólico, betacaroteno, licopeno,
magnésio, ferro e aminoácidos, além de substâncias
antimicrobianas e anticancerígenas.
O cultivo dessas solanáceas, em geral, é caracterizado pelo alto nível tecnológico, sendo sempre priorizadas práticas como: o uso de cultivares e híbridos
com alto potencial produtivo, nutrição equilibrada,
irrigação controlada e controle sistemático de pragas
e doenças, entre outras.
A antracnose causada por fungos do gênero Colletotrichum é considerada uma das mais importantes e
destrutivas doenças em solanáceas de fruto (Quadro 1).
A forma mais importante da doença é quando
essa afeta os frutos, destruindo-os ou tornando-os
impróprios para o mercado. Em geral, as lesões são
circulares ou ovaladas, deprimidas, bronzeadas ou
escuras, úmidas e concêntricas, quase sempre recobertas por uma massa de conídios de coloração rósea
ou alaranjada. As lesões podem ocorrer isoladas ou
em grupos e podem coalescer quando existe um
elevado potencial de inóculo e as condições climáticas
são favoráveis. Frutos muito afetados tendem a secar e
podem se tornar mumificados. A antracnose pode ser
observada em frutos jovens, maduros e em algumas
situações os sintomas tornam-se visíveis apenas na
pós-colheita. Nas folhas, pecíolos e caules, os sintomas
são caracterizados por lesões castanhas irregulares e
deprimidas. Nas folhas, os tecidos lesionados podem
apresentar aspecto de rasgado. Em algumas situações,
pode-se observar necroses em botões florais, flores e a
seca de frutos recém-fecundados. O uso de sementes
Quadro 1 - Solanáceas de importância econômica no Brasil
e espécies de Colletotrichum associadas.
Culturas
Tomate
Solanum lycopersicum
Pimentão
Capsicum annuum
Capsicum baccatum
Pimentas
Capsicum frutescens
Capsicum chinense
Capsicum pubescens
Berinjela
Solanum melongena
Jiló
Solanum gilo
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Espécies de
Colletotrichum
C. gloeosporioides
C. acutatum
C. acutatum
C. gloeosporioides
C. coccodes
C. scovillei
Colletotrichum sp.
C. capsici
C. acutatum
C. coccodes
C. gloeosporioides
Colletotrichum sp.
Colletotrichum sp.
C. gloeosporioides
C. coccodes
C. gloeosporioides
C. acutatum
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contaminadas pode ocasionar falhas na germinação e
o tombamento de plântulas recém-emergidas.
Epidemias severas de antracnose são mais comuns na primavera e verão, pois essa é favorecida
por temperaturas que variam de 22 a 30 °C e alta
umidade. Nessas condições, a doença pode causar
perdas que variam de 60 a 100%.
O gênero Colletotrichum caracteriza-se por produzir conídios (esporos) em estruturas denominadas
acérvulos, que se formam abaixo da epiderme. Os
conídios são disseminados em curtas distâncias por
respingos de água de chuva ou irrigação. Sementes,
mudas, implementos, botas e ferramentas contaminadas podem dispersar o agente causal em longas
distâncias. A presença de água livre sobre os órgãos
aéreos das plantas induz a germinação dos conídios,
que em seguida infectam os tecidos através da cutícula.
Em algumas situações, a doença pode permanecer
latente e se manifestar apenas na pós-colheita.
O manejo da antracnose em solanáceas deve ser baseado em programas multidisciplinares, que integrem diferentes estratégias, com os objetivos de otimizar o controle,
reduziroscustosepromover asustentabilidade daprodução. Entre os fatores a serem considerados em programas
de produção integrada, destacam-se os itens assinalados
abaixo.
Local e época de plantio
Deve-se evitar o plantio em baixadas, sujeitas ao
acúmulo de umidade e próximas a cultivos em final
de ciclo. Em áreas muito favoráveis à doença deve-se evitar o cultivo durante a primavera e o verão.
Sementes e mudas sadias
Adubação equilibrada
Recomenda-se o uso de adubação equilibrada
para a obtenção de plantas vigorosas e mais resistentes. Sabe-se que o excesso de adubos nitrogenados pode favorecer a doença, enquanto que níveis
adequados de fósforo e potássio podem reduzir a
sua ocorrência.
Manejo correto das plantas invasoras
Além de concorrerem por espaço, luz, água e
nutrientes, as invasoras dificultam a dissipação da
umidade e a circulação de ar na folhagem. Entre as
invasoras deve-se priorizar a eliminação de espécies
dos gêneros Solanum e Capsicum, pois essas podem
ser hospedeiras alternativas da doença.
Evitar ferimentos nos frutos
Os tratos culturais, a colheita e a embalagem de
frutos devem ser operações cuidadosas, de forma a
evitar ferimentos nos frutos, que possam ser portas
de entrada para a doença.
Irrigação controlada
Evitar longos períodos de molhamento foliar é
fundamental para o manejo da antracnose. Deve-se
priorizar o uso de irrigação localizada e evitar irrigações noturnas ou em finais de tarde, assim como,
minimizar o tempo ou reduzir a frequência das regas
em períodos favoráveis.
Eliminar e destruir frutos e restos culturais
O uso de sementes e mudas sadias é essencial
para a obtenção de cultivos com baixos níveis de
doença e alto potencial produtivo. Para o preparo de
mudas é recomendado o uso de substrato, bandejas,
bancadas e água de irrigação livres de patógenos e
a adoção de práticas que evitem o acúmulo de umidade no ambiente de cultivo, tais como a irrigação
equilibrada e o favorecimento da circulação de ar
no ambiente de cultivo.
Rotação de culturas
Deve-se evitar o plantio sucessivo de solanáceas. O intervalo mínimo entre plantios não deve ser
inferior a três anos.
Espaçamento
Evitar plantios adensados, pois esses permitem
o acúmulo de umidade e a má circulação de ar entre
as plantas, favorecendo a antracnose.
Visa, principalmente, a eliminar possíveis fontes
de inóculo e reduzir a disseminação da doença no
cultivo. Os frutos devem ser queimados ou enterrados fora da área de cultivo.
Cultivo protegido
O plantio em estufas pode reduzir a ocorrência
da antracnose, desde que o manejo ambiental promova a circulação de ar e a redução da umidade no
interior das mesmas.
Controle químico
O emprego de fungicidas pode ser feito por meio
de pulverizações e tratamento de sementes. O uso
desses produtos deve ser preventivo e deve seguir
todas as recomendações do fabricante quanto à dose,
volume, intervalo e número de aplicações, uso de
equipamento de proteção individual (EPI), intervalo
de segurança etc.
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A tecnologia de aplicação é fundamental para que
o uso de fungicidas alcance a eficácia esperada. Desse
modo, fatores como umidade relativa no momento
da aplicação, tipo de bicos, volume de aplicação,
pressão, altura da barra, velocidade, regu­lagem,
calibração e manutenção dos equipamentos devem
ser sempre considerados, com o objetivo de promover
a cobertura adequada de folhas e frutos.
Para se evitar a ocorrência de resistência de
Colletotrichum spp. a fungicidas recomenda-se que
fungicidas específicos sejam utilizados de forma
alternada ou formulados com produtos inespecíficos; que se evite o uso repetitivo de produtos com
o mesmo mecanismo de ação e que não se façam
aplicações curativas em situações de alta pressão de
doença.
As características técnicas dos fungicidas com
registro no Brasil para o controle de antracnose em
solanáceas encontram-se no Quadro 2.
Limpeza e desinfestação de ferramentas, equipamentos e caixas de colheita
A limpeza e a desinfestação de ferramentas,
equipamentos (enxadas, rodas de tratores, implementos etc.) e caixas de colheita podem limitar a
disseminação da antracnose.
Armazenamento e comercialização
Promover condições adequadas de tempera­
tura, umidade, circulação de ar e higiene, durante
o armazenamento e comercialização, pode reduzir
os danos da doença na pós-colheita.
Quado 2 - Fungicidas registrados no Brasil para solanáceas de fruto.
Mobilidade na
planta**
Mecanismo
de ação
Risco de
resistência***
contato
múltiplos
sítios de ação
baixo
estrobilurina
mesosistêmico
alto
pimentão
estrobilurina+
triazol
mesosistêmico +
sistêmico
tiabendazol
pimentão
benzimidazol
sistêmico
inibição da
respiração
(QoI)
inibição da
respiração
(QoI) e síntese
de ergosterol
divisão celular
tiofanato metilico
berinjela
benzimidazol
sistêmico
divisão celular
alto
Fungicida*
Culturas
Grupo químico
mancozebe
ditiocarbamato
hidróxido de cobre
pimentão,
pimenta,
tomate,
berinjela
pimentão,
tomate
pimentão,
tomate,
berinjela,
jiló
pimentão,
tomate,
jiló
pimentão
oxicloreto de cobre +
mancozebe
pimentão,
pimenta
cúprico+ ditiocarbamato
azoxistrobina
pimentão
azoxistrobina +
difenoconazol
clorotalonil
oxicloreto de cobre
sulfato de cobre
cloronitrila
cúprico
-
alto
*AGROFIT (28/04/15)
**Fungicidas de contato: formam uma película protetora na superfície da planta.
Fungicidas mesostêmicos - possuem alta afinidade com a camada cerosa das folhas, podendo ser absorvidos pelo tecido.
Não apresentam movimento na planta.
Fungicidas sistêmicos - são absorvidos e translocados na planta, no sentido acropetal (de baixo para cima).
***FRAC (www.frac.org).
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J.G. Töfoli et al.
Fig. 1 - Sintoma de antracnose em folha de pimentão.
Fig. 2 - Lesões de antracnose em pimenta dedo de moça
(C. baccatum).
Figs. 3a. e 3b - Antracnose em pimentão verde e vermelho (C. annuum).
Fig. 4 - Detalhe de lesões de antracnose em pimenta doce
(C. annuum).
Fig. 5 - Massa rósea de conídios de Colletotrichum spp.
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Figs. 6a. e 6b - Sintoma severo de antracnose em pimentas “Aji amarelo” (C. baccatum).
Fig. 7 - Sintoma inicial de antracnose em fruto de tomate
(S. lycopersicum).
Figs. 8a. e 8b - Antracnose em frutos de jiló (S. gilo).
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Figs. 9a. e 9b - Antracnose em pimenta Cambuci (C. baccatum).
Fig. 10 - Aspecto de colônia de C. acutatum.
Fig. 11 - Conídios de C. coccodes.
Fig. 12 - Conídios de C. capsici.
Fig. 13 - Conídios de C. acutatum.
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Antracnose em solanáceas: etiologia, características e controle.
Referências
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Filgueira, F.A.R. Novo manual de olericultura: agrotecnologia moderna na produção e comercialização de hortaliças.
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Koike, S.T.; Gladders, P.; Paulus, A.O. Vegetable diseases:
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Kurozawa, C.; Pavan, M.A.; Krause_Sakate, R. Doenças das solanáceas In: Kimati, H.; Amorim, L.; Rezende,
Recebido em 25/5/2015
Aceito em 14/6/2015
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