Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/208 Comunicações Geológicas (2015) 102, 1, 71-74 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Avaliação do potencial de exalação em gás radão e atividade em 226Ra em rochas graníticas hercínicas de uma sondagem profunda (Almeida - Portugal Central) Radon gas exhalation rate and 226Ra activity in hercynian granitic rocks from a deep borehole (Almeida, Central Portugal) R. Lamas1,2*, A. Pereira2, L. Neves2 Artigo original Original article © 2015 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: Em testemunhos selecionados de uma sondagem profunda com cerca de 800 metros, executada na região de Almeida (Guarda) foram medidos os seguintes parâmetros: atividade de 226Ra, atividade do 222Rn e respetiva taxa de exalação. As amostras, de rochas graníticas pertencentes ao batólito granítico das Beiras, integram-se em dois grupos distintos que diferem entre si no grau de alteração induzido pela atuação de processos metassomáticos. Os resultados apontam para alguma semelhança nos dois grupos no que se refere à atividade em 226Ra, com valores médios entre 209,7 e 219,9 Bq.kg-1 e diferença significativa no que respeita aos restantes parâmetros. A atividade do gás radão exalado varia, em média, entre 4,39 e 8,97 Bq.kg-1 e a taxa de exalação por massa entre 0,03 e 0,07 Bq.kg-1.h-1, sendo os valores mais elevados observados no grupo com maior evidência de metassomatismo. A distribuição em profundidade dos valores dos parâmetros radiológicos não revela variações significativas. Palavras-chave: 226Ra, exalação de radão, Sondagem, Granito das Beiras, Almeida. Abstract: A deep borehole, about 800 meters long, drilled in the region of Almeida (Guarda) in the Beiras granite was used to measure several radiological parameters: 226Ra activity, radon gas activity and exhalation rate. The samples belong to two distinct groups depending on the degree of alteration of the rock induced by metasomatic processes (scarce and significant). The results show some similarity between both groups in terms of 226Ra activity (average variable between 209,7 and 219,9 Bq.kg1 , but a significant difference in average radon gas exhalation (activity variable between 4,39 and 8,97 Bq.kg-1 and exhalation rate ranging between 0,03 and 0,07 Bq.kg-1.h-1), with the higher values having been obtained in the most metasomatized group. The distribution of both radiological parameters does not vary significantly with depth, so it can therefore be assumed that it is constant along the borehole. Keywords: Almeida. 226 Ra, radon, exhalation rate, deep borehole, Beiras granite, 1 IMAR, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Rua Sílvio Lima, 3030-790 Coimbra. 2 CEMUC, Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra, Rua Sílvio Lima, 3030-790 Coimbra. *Autor correspondente/Corresponding author: [email protected] 1. Introdução O radão (222Rn), um gás nobre radioativo, produto da desintegração radioativa do rádio (226Ra), ambos elementos da família radioativa do urânio ( 238U), está presente, em concentrações variáveis, nas rochas e solos. Assim, é expectável que quanto maior a concentração do urânio maior será o potencial do substrato geológico em produzir o gás radão. As zonas graníticas são tidas como aquelas que apresentam concentrações claramente superiores à média crustal, no que ao elemento urânio diz respeito. O radão é atualmente considerado o principal contribuinte para a dose de radiação natural a que a população se encontra exposta (UNSCEAR, 2000). A exposição prolongada a elevadas concentrações deste gás e dos seus descendentes radioativos (isótopos do polónio, chumbo e bismuto) tem sido correlacionada com o aumento do risco de incidência de cancro do pulmão (v.g. Rannou, 1987; Zeeb e Shannoun, 2009). Uma forma de avaliar o potencial de risco ao radão nas rochas é através da medição da atividade do 226Ra bem como da taxa de exalação do gás produzido no mesmo material. Contudo, a maioria deste tipo de estudos tem tido por objeto amostras colhidas na superfície ou nas proximidades da mesma. Na região de Almeida foi executado, em rochas do batólito granítico das Beiras, um furo que atingiu uma cota próxima a -1000 metros, o mais profundo efetuado, até ao momento, na parte portuguesa do Maciço Hercínico (Lamas et al., 2015). Como a percentagem de recuperação foi muito elevada (>95 %) é possível assim efetuar estudos de pormenor da rocha intersetada. A indisponibilidade dos testemunhos de sondagem correspondente aos primeiros 200 metros, devido a uma perfuração destrutiva sem recuperação limita, no entanto, a extensão da sondagem observável a ca. 800 metros. Este trabalho visa avaliar o potencial de produção do gás radão em amostras das testemunhos de sondagem, bem como a sua distribuição em profundidade Pretende-se também identificar os fatores geológicos responsáveis pela variabilidade na produção do gás radão nas rochas intersectadas pela sondagem. 2. Enquadramento geológico O furo profundo localiza-se a 4 km para NW da vila de Almeida, no distrito da Guarda em rochas do designado batólito granítico das Beiras, integrado na Zona Centro-Ibérica do Maciço Hespérico. O granito monzonítico aflorante no local do furo, designado por AQ1 (Fig.1), é descrito por Teixeira et al. (1959) como um 72 R. Lamas et al. / Comunicações Geológicas (2015) 102, 1, 71-74 interior, uma vez atingido equilíbrio isotópico (mesmo intervalo de tempo que no caso anterior), através de equipamento Alphaguard modelo PRO2000 da Saphymo®, equipado com câmara de ionização. A taxa de exalação é calculada através de equação apropriada: Sendo: E - taxa de exalação (em Bq.kg-1.h-1); 222Rn – concentração de gás radão (Bq.m-3) acumulado no contentor; Vc - volume do contentor (m3); Va – volume da amostra (m3); W Peso da amostra (kg), λ - constante de decaimento do radão, h-1. Estimou-se ainda a atividade do gás radão exalado nas diversas amostras (Bq.kg-1). Em ambos os casos estimam-se as incertezas em 15 % do valor medido (valor médio). 4. Resultados e discussão Fig. 1. Mapa geológico simplificado da área estudada, com a localização de Almeida e da sondagem em estudo (AQ1). Fig. 1. Simplified geological map of the studied area, with the location of Almeida and the studied borehole (AQ1). granito porfiroide de grão médio a grosseiro, de duas micas, com predomínio da biotite. Os testemunhos, amostrados entre as profundidades de -200 a -1000 metros, inseriram-se em 2 grupos distintos e que se diferenciam macro e microscopicamente com base no grau de alteração (Lamas et al., 2015). Esta é do tipo metassomático identificável pela rubefação, em grau variável, dos feldspatos e pela cloritização da biotite; os testemunhos com as mais claras evidências deste tipo de alteração enquadram-se no grupo II. Os restantes testemunhos, que evidenciam apenas sinais incipientes de alteração, integraram-se no grupo I. 3. Métodos e técnicas Os parâmetros analisados foram a atividade de 226Ra e a taxa de exalação de gás radão tendo-se recorrido a técnicas disponíveis no Laboratório de Radioatividade Natural da Universidade de Coimbra. Para o efeito, selecionou-se um conjunto de 18 amostras, extraídas dos testemunhos de sondagem e correspondendo a porções de extensão variável. Este conjunto é representativo da variabilidade observada na sondagem, inserindo-se 12 no grupo I e 6 no grupo II. No caso do rádio, o isótopo radioativo foi analisado por espectrometria gama com detector de NaI com diâmetro de 3” Ortec®, colocado no interior de um escudo de chumbo com função de proteção contra a radiação de fundo (background). As amostras, com cerca de 0,5 kg e previamente moídas a granulometria inferior a 1 mm, foram colocadas em beakers do tipo Marinelli com volume de 0,2 litros e deixadas em repouso durante um mês para atingir o equilíbrio isotópico entre o rádio e os descendentes antes de serem efetuadas as medições. O tempo de medição por amostra utilizado foi de 36000 s (10 h). A calibração foi feita através da medição nas mesmas condições experimentais de padrões fornecidos pela Agência de Internacional de Energia Atómica. As incertezas são variáveis função do elemento analisado e a atividade do isótopo em apreço, estimando-se entre 5 a 25 % do valor medido. As medições de exalação de radão foram efetuadas na base do método do acumulador, utilizando para o efeito um contentor com 5 litros de volume. O contentor é selado após colocação das amostras, sendo medida a concentração do gás radão no seu Os resultados obtidos para os dois parâmetros radiológicos e para os dois grupos líticos estudados sintetizam-se nas tabelas 1 e 2. No caso da atividade em rádio 226Ra, a média é ligeiramente superior no grupo II. Esta tendência já seria expectável uma vez que é reconhecido que os fenómenos de alteração metassomática, gerando por vezes rochas do tipo episienito, e frequentes na região central de Portugal, promovem a remobilização do U e deposição de minerais secundários (v.g. Neves et al., 1996). Refira-se, no entanto, que o valor máximo apurado foi observado no grupo de testemunhos sem sinais de alteração ou sendo esta muito incipiente (587,1 Bq.kg-1); assume-se que na associação mineralógica desta amostra, rica em minerais acessórios como apatite e zircão, por vezes de grandes dimensões, possa também ocorrer uraninite, mineral referido frequentemente em rochas do batólito granítico das Beiras. Por exemplo, Pinto et al. (2009) citam a ocorrência de uraninite nos granitos Variscos Portugueses a qual ocorre principalmente no granito não alterado e raramente no alterado. O elevado coeficiente de variação observado no grupo I pode refletir então uma elevada heterogeneidade na distribuição daquele mineral no magma. Os valores médios de 226Ra são, em ambos os casos, mais elevados que os que têm vindo a ser referidos em rochas e solos da região central de Portugal com caraterísticas geológicas análogas, que apresentam valor médio de 85,3 Bq.kg-1 (v.g. Pereira et al., 2015). Tabela 1. Dados estatísticos relativos à atividade de 226Ra (em Bq.kg-1); CV – coeficiente de variação; n - número de amostras. Table 1. Statistical data of the 226Ra activity (Bq.kg-1); CV - variation coefficient; n – number of samples. Grupo I II Média 209,7 219,9 Mediana 177,8 185,6 Desvio padrão 147,1 80,9 CV 0,70 0,37 Mínimo 83,4 176,5 Máximo 587,1 400,4 n 12 6 Esta constatação aponta para a possibilidade de as amostras na sondagem terem sofrido um menor grau de remobilização (e consequentemente de depleção) de U comparativamente às de superfície uma vez que nas primeiras a acção dos processos de meteorização terá sido menos efetiva. Potencial do gás radão em sondagem profunda 73 Em relação à exalação do gás radão nas mesmas amostras, cujos resultados se exprimem na tabela 2, observa-se que os valores mais elevados registam-se nas amostras do grupo II, com média que é cerca do dobro da estimada para as amostras do grupo I. Apesar dos valores da fonte do gás radão não serem muito diferentes nos dois casos, a quantidade de gás exalado é significativamente mais elevada nas amostras que sofreram os processos de alteração metassomática. Muito provavelmente tal situação resulta de um incremento na porosidade da rocha metassomatizada e do modo como a fonte da radioatividade se distribui nas rochas. Por exemplo, e como referido em Pereira et al., (2010), a distribuição do 226Ra em microfissuras, nos bordos e nos minerais de alteração são fatores que potenciam, por vezes exponencialmente, a exalação do gás radão da rocha. Tabela 2. Dados estatísticos relativos à atividade do gás radão exalado (em Bq.kg-1) e referida taxa (em Bq.kg-1.h-1); CV – coeficiente de variação; n - número de amostras. Fig. 2. Variação da taxa de exalação do gás radão ( 222Rn) com a profundidade (Bq.kg1 -1 .h ). Fig. 2. Variation of the radon exhalation rate (222Rn) with depth (Bq.kg-1.h-1). Table 2. Statistical data of the exhaled radon gas activity (Bq.kg-1) and related mass rate (Bq.kg-1.h-1); CV - variation coefficient; n – number of sample. Grupo I Atividade I Taxa de exalação II Atividade II Taxa de exalação Média 4,39 0,03 8,97 0,07 Mediana 4,23 0,03 8,29 0,06 Desvio padrão 1,28 0,01 3,71 0,03 CV 0,29 0,29 0,41 0,41 Mínimo 2,82 0,05 4,86 0,04 Máximo 7,06 0,02 15,52 0.12 n 12 12 6 6 Os valores apurados para a taxa de exalação dos dois grupos de amostras integraram-se no intervalo obtido em trabalho similar que teve por objeto rochas ornamentais colhidas em território espanhol (Pereira et al., 2013) No caso das rochas graníticas apuraram-se valores variáveis entre 0,002 e 0,39 Bq.kg−1.h−1, correspondendo o mais elevado a uma fácies porfiróide com evidências de alteração metassomática (variedade Rojo Sayago), valor significativamente mais elevado que o obtido nas amostras com características similares incluídas no presente estudo (0,12 Bq.kg-1.h-1). A razão para a diferença nos valores obtidos em amostras com características similares poderá residir na intensidade da transformação mineralógica e/ou na porosidade efetiva. Como o propósito de investigar a relação entre a distribuição da atividade de 226Ra e da taxa de exalação de radão com a profundidade projetaram-se os resultados obtidos para cada amostra, como se mostra nas figuras 2 e 3. De acordo com estas figuras pode concluir-se que não existe variação significativa entre as variáveis em apreço, podendo considerar-se que a distribuição na rocha granítica é praticamente uniforme até à cota de ca. -1000 metros. Recorde-se que o troço da sondagem até à cota -200 metros não foi amostrado pelo que este padrão referese apenas à distribuição abaixo dessa cota. Esta observação está também de acordo com estudos anteriores que têm vindo a mostrar um padrão de variação similar no que respeita aos elementos radiogénicos em profundidade. Por exemplo, no reservatório geotérmico de Soultz, Hooijkaas et al. (2006) mostraram que o teor de U, medido entre os -1500 e os 5000 metros, é invariável com a profundidade. Fig. 3. Variação da atividade de 226Ra com a profundidade (Bq.kg-1). Fig. 3. Variation of the 226Ra activity (Bq.kg-1) with depth. 5. Conclusões Na base do exposto, podem extrair-se as seguintes conclusões: A atividade em 226Ra na sondagem é, em média, superior à observada em rochas graníticas da região central de Portugal colhidas em afloramento; No troço amostrado não há remobilização significativa de 226 Ra (e, consequentemente do U dado ser expectável a existência de equilíbrio isotópico) induzida pelos processos metassomáticos; O potencial de radão medido através do gás exalado é também significativamente incrementado pelos mesmos processos de alteração metassomáticos. Entre os dois grupos líticos identificados, observa-se, em média, uma variação de 5 % na atividade do 226Ra entre os dois grupos, mas uma variação de ca. 50 % para o caso da exalação de radão d) A distribuição dos valores obtidos para os diversos parâmetros radiológicos estudados não mostra uma variação significativa com a profundidade. Agradecimentos Este trabalho foi realizado no âmbito da Iniciativa Energia para a Sustentabilidade da Universidade de Coimbra e apoiada pelo projeto Energia e Mobilidade para Regiões Sustentáveis EMSURE (CENTRO-07-0224-FEDER-002004). 74 Referências Pinto, M. M. S. C., Silva, M. M. V. G., Neiva, A. M. R., Guimarães, F., Silva P. B., 2009. Uranium minerals from a Portuguese Variscan granite and its hydrothermal alteration, Goldschmidt Conference Abstracts, A181. Hooijkaas, G. R., Genter, A., Dezayes, C., 2006. Deep-seated geology of the granite intrusions at the Soultz EGS site based on data from 5 kmdeep boreholes. Geothermics, 35, 484-506. 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