um estudo pancrônico de orações reduzidas

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ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB
671
UM ESTUDO PANCRÔNICO DE ORAÇÕES REDUZIDAS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE CONEXÃO
E PARÂMETROS DE INTEGRAÇÃO*
Edair Gorski, Maryualê Malvessi Mittmann, Guilherme May**
1. APRESENTAÇÃO
O presente trabalho traz uma análise dos processos de combinação de orações no português
em sentenças complexas formadas por uma oração matriz e uma subordinada substantiva
reduzida de infinitivo. Tais orações são classificadas como subjetivas de acordo com as
gramáticas tradicionais (cf. Rocha Lima, 1972; Almeida, 1962; Cunha, 1977; entre outras).
Utilizamos a classificação tradicional como uma forma de recorte do fenômeno abrangente da
combinação de orações, refinando nosso objeto ainda mais através da delimitação dos elementos
que integram as sentenças.
Analisamos sentenças que possuem em sua configuração:
a) na oração principal: verbo ser, estar ou ficar flexionado na terceira pessoa do singular
(P3) seguido de um elemento nominal (adjetivo ou expressão nominal complexa);
b) na oração encaixada: verbo no infinitivo, com ou sem presença de sujeito,
complementos ou adjuntos;
c) união entre as orações: com conector expresso (preposição de ou para) ou com
justaposição;
resultando no esquema apresentado no quadro 1 abaixo, onde os elementos entre parênteses não
são obrigatórios.
VP3+NADJ/EXP+(PREP)+(SUJINF)+INF+(COMP/ADJUNTO)
Ex.: É fácil (de/pra) (eu) fazer café.
Quadro 1. Configuração da sentença
Também foram consideradas ocorrências com alterações na ordenação desses constituintes,
já que foram observados diversos casos de deslocamentos à esquerda do verbo finito. Exemplos:
(1) A teclinha pra acender o relógio é difícil (POA22L976)1.
(2) Mas isto é fácil de verificar, senhora [...]. (As doutoras).
(3) Pra chegar até o Rita Maria a pé seria fácil. (FLP2JL1073).
Objetivamos verificar nesse tipo de sentença combinada qual tem sido a forma preferida
pelos usuários na conexão das orações, através do controle da freqüência de uso de diferentes
formas de combinação, procurando também avaliar as conseqüências que cada escolha traz para
a análise sintática do enunciado. Para isso confrontamos teorias tradicionais e funcionais sobre
combinação e integração de orações.
Realizamos a pesquisa em abordagem pancrônica, procurando captar diferentes estágios de
mudança na forma de combinação das orações. A perspectiva sincrônica nos permite captar a
*
Este trabalho está integrado ao projeto de pesquisa "Não está fácil (pra/de) a gente viver aqui": gramaticalização e
variação de construções subjetivas, realizado com o apoio do CNPq/Brasil; e está vinculado ao Projeto
Interinstitucional de Pesquisa VARSUL/UFSC.
**
Departamento de Língua e Literatura Vernáculas da Universidade Federal de Santa Catarina.
1
O código entre parênteses indica a cidade, o código identificador da entrevista e a linha onde o dado foi encontrado
na transcrição, de acordo com as normas do Banco de Dados VARSUL (www.cce.ufsc.br/~varsul).
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variação e a mudança lingüísticas a partir do controle de gradação etária em “tempo aparente”
(LABOV, 1972); já a perspectiva diacrônica objetiva associar a análise sincrônica a uma
investigação histórica das construções em foco, à procura de evidências para a origem das
formas e a trajetória de mudança por que passam. Na amostra sincrônica a variedade utilizada é a
norma urbana da Região Sul, extraída do Banco de Dados VARSUL. A amostra diacrônica é
composta por textos escritos representativos da norma urbana da região Sudeste do Brasil e do
português europeu arcaico.
2. BASES TEÓRICAS DA ANÁLISE
Partimos da premissa de que é não só possível mas desejável realizar um estudo de
fenômenos lingüísticos a partir de bases empíricas, e que as teorias sobre a linguagem devem
servir de suporte para a análise dos fatos lingüísticos. As teorias devem, por sua vez, ser
constantemente postas à prova, testadas e reformuladas de acordo com novas descobertas, na
busca de atingir descrições e formulações sempre melhores sobre a linguagem. Assim, apoiamonos na literatura funcionalista e variacionista, que trabalha com a concepção de língua não
homogênea, tentando desvendar alguns processos pelos quais uma língua muda, de modo a
auxiliar na difícil tarefa que é explicar a diversidade de formas e a variabilidade das estruturas
lingüísticas.
Como apresentado na seção 1, existem diferentes formas de codificação lingüística para
aparentemente uma mesma estrutura de base. Procuramos explicitar que as formas de
codificação não são aleatórias, e podem também não ser resultado de uma única estrutura
invariável. Tentamos demonstrar isso relacionando diferentes processos de combinação a
diferentes graus de integração entre as orações combinadas, tendo como base a classificação de
Hopper e Traugott (1993) e os parâmetros de integração de orações propostos por Lehmann
(1988), no intuito de chegar a uma descrição mais precisa dos processos existentes no português.
Também utilizamos como referencial teórico de base o princípio da adjacência de Givón (1995)
bem como sua análise para sentenças combinadas no inglês (GIVÓN, 1993; 2001), similares às
estudadas aqui.
Hopper e Traugott (1993) classificam as sentenças complexas de acordo com diferentes
estágios de integração, buscando esboçar um continuum que vai das sentenças combinadas
menos integradas para as mais integradas, caracterizado pelo seguinte cline: PARATAXE>
HIPOTAXE> SUBORDINAÇÃO. Teoricamente, tal esquema deve refletir o percurso de
mudança lingüística na combinação de orações, mediante um processo de gramaticalização,
motivado cognitivamente pelo que Givón denomina de “iconicidade diagramática”,
correspondente a um paralelismo entre forma–função: “quanto mais dois eventos/estados estão
semântica ou pragmaticamente integrados, mais integradas gramaticalmente estarão as cláusulas
que os codificam”(GIVÓN, 1990, p.826).
Para distribuir as orações combinadas numa escala de integração, são utilizados parâmetros
semântico-sintáticos, os quais controlam, por exemplo, o constituinte da matriz ao qual a oração
se vincula e o nível de vinculação sintática estabelecido; a ordem da oração marginal face à
matriz; o grau de expansão/redução, indicado pela morfologia verbal e pelo comportamento do
sujeito – apagado ou convertido em oblíquo; o grau de de entrelaçamento, avaliado pelo
compartilhamento de elementos, explicitude do conector e quantidade de material intermediário
(LEHMANN, 1988). Segundo esses parâmetros, uma sentença complexa será tanto mais
integrada quanto mais a oração marginal apresentar:
a) vinculação sintática à constituinte da oração matriz;
b) variabilidade posicional restrita;
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673
c) morfologia verbal nominal (forma reduzida);
d) sujeito não expresso; e
e) ausência de conector.
Neste estudo entendemos gramaticalização no sentido de Givón (1995), que a define como
emergência de novas estruturas morfossintáticas através do tempo, podendo ser derivada de
precursores sintáticos, lexicais ou pragmático-discursivos, decorrendo do uso real da língua e
dependente da freqüencia para se estabelcer. Nesse sentido, pode-se pensar que estruturas
atualmente estabilizadas um dia também emergiram por necessidades funcionais, ganhando
espaço através da freqüência de uso. Essa argumentação se baseia no princípio da iconicidade,
segundo o qual a língua se desenvolve de modo a existir um equilíbrio na associação de formas e
funções. A iconicidade da gramática, entretanto, não é absoluta mas apresenta graus, sendo que
na maioria das construções mecanismos mais icônicos combinam-se com mecanismos mais
arbitrários, convencionalizados, já que a língua está sempre sujeita a pressões externas e internas
que fazem emergir novas relações de formas e funções (GIVÓN, 1993; 1995; 2001).
Dentre os princípios2 de organização gramatical icônica (ou ‘regras’ da proto-gramática),
nos interessam aqui os descritos abaixo (GIVÓN, 2001, p. 35):
(i) Regras de espacialização:
a.
Proximidade e relevância: “Fatias de informação que conceptualmente estão juntas,
são mantidas em proximidade espaço-temporal”.
b.
Proximidade e escopo: “Operadores funcionais são mantidos mais próximos dos
operandos aos quais são relevantes”.
a.
(ii) Regras de seqüência:
Ordem e importância: “Uma fatia de informação mais importante é deslocada à
esquerda”.
Tomando como base esse referencial teórico, buscamos verificar quais os graus de
integração expressos por cada tipo de configuração realmente utilizada pelos falantes, e discutir
se os tipos de combinação em jogo podem constituir ou ser decorrentes de um processo de
gramaticalização, tal como definida acima.
Nossa hipótese é de que construções de uso mais recente são decorrentes de estruturas mais
estáveis, e as formas inovadoras devem seguir o percurso proposto por Hopper e Traugott
(1993), sendo portanto mais integradas do que as formas originais. Alterações na ordenação dos
elementos devem ser reflexo desse movimento de uma construção menos integrada para mais
integrada, e orientadas pelos princípios anteriormente descritos. Grande freqüência de
distribuição de elementos adjacentes deve refletir maior proximidade conceitual, resultando
maior integração da estrutura global.
3. COLETA E TRATAMENTO DOS DADOS
Foram coletadas todas as ocorrências que obedecessem à estrutura esquematizada no
quadro 1, incluindo diferentes ordenações dos constituintes.
O córpus para a análise sincrônica foi extraído do Banco de Dados VARSUL (Variação
Linguística Urbana da Região Sul do Brasil)3, concernente às capitais, Curitiba, Florianópolis e
2
Givón (1995) considera que os princípios não representam leis invioláveis, mas sim predições para a freqüência de
distribuição dos elementos na cadeia da fala.
3
O Banco de Dados VARSUL é constituído por entrevistas sociolingüísticas de aproximadamente uma hora de
duração, realizadas dentro da metodologia variacionista, com a finalidade de fornecer subsídios para estudos da
variação lingüística da Região Sul. As entrevistas constituem uma amostra representativa da fala de habitantes de
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674
Porto Alegre. Esses dados foram coletados por Neves (2003; 2004) a partir das entrevistas
transcritas impressas. Foram consultadas 28 entrevistas de Florianópolis, 16 de Curitiba e 18 de
Porto Alegre, totalizando 62 entrevistas. Destas apenas 46 apresentaram as construções em
estudo, sendo 20 de Florianópolis, 16 de Curitiba e 10 de Porto Alegre. Os informantes são
considerados representativos para cada região onde a coleta foi realizada, e estão distribuídos por
células segundo faixa etária, sexo e escolaridade (apenas na amostra de Florianópolis foram
utilizadas 3 faixas etárias). Neste estudo não foram controlados tais fatores como variáveis
independentes, pois se objetiva apenas comparar os resultados dos dados de escrita com dados de
fala.
Para análise diacrônica o córpus formado compreende 23 textos escritos entre os séculos
XV e XX. Procurou-se escolher textos que apresentassem, na medida do possível, uma
linguagem próxima ao coloquial4, seja pelo tipo de texto (peças teatrais onde estão representados
tipos populares) ou mesmo pelo estilo do autor (como p.ex., Lima Barreto, ou o romance do
escritor americano John Steinbeck em sua tradução adaptada ao dialeto regional do Rio Grande
do Sul). Os textos selecionados são os seguintes:
a) Século XV: Crônica de D. Pedro, de Fernão Lopes; e Crônica do Conde D. Pedro de
Meneses, de Gomes Eanes de Zurara.
b) Século XVI: Auto da Fama, Auto da Barca do Inferno, Auto da Barca do Purgatório,
Auto da Índia, Auto da Lusitânia e Comédia de Rubena, todas de Gil Vicente; O Auto
de São Lourenço, de José de Anchieta; e A Carta de Caminha.
c) Século XVII: Auto dos dous ladrões, de Antônio de Lisboa; Diálogos das grandezas do
Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão; e Sermão da Sexagésima do Pe. Antonio
Vieira.
d) Século XVIII: A vingança da cigana, de Domingos Caporalini.
e) Século XIX: As doutoras, de França Júnior; A casa de Orates, de Artur Azevedo; O
Namorador ou a noite de S. João, de Martins Pena.
f) Século XX: No coração do Brasil, de Miguel Falabella; A garçonnière de meu marido,
de Silveira Sampaio; Onde canta o sabiá, de Gastão Tojeiro; A vida tem três andares,
de Humberto Cunha; e os romances As vinhas da ira, de John Steinbeck; Triste fim de
Policarpo Quaresma; e Recordações do Escrivão Isaías Caminha, ambas de Lima
Barreto.
Os dados coletados em ambas as amostras foram codificados de acordo com variáveis
lingüísticas, objetivando estabelecer correlações entre a forma de conexão das sentenças e a
ordenação de seus elementos a diferentes níveis de integração. Assim, as variáveis5 foram
distribuídas nos seguintes grupos de fatores:
a) Forma de conexão entre as orações
i. ausência de conector
ii. preposição de
iii. preposição para
quatro cidades de cada estado da região (PR, SC e RS), escolhidas por apresentarem características históricas e
geográficas relevantes para a formação dos centros urbanos de cada estado. A coleta de dados nestas cidades foi
iniciada em 1990 e concluída em 1996. As entrevistas encontram-se na forma de fita cassete, versão transcrita
digital e versão transcrita impressa.
4
Nos períodos anteriores ao século XIX os registros escritos tornam-se de mais difícil acesso, nesse caso foram
utilizadas as obras disponíveis, como sermões de Antônio Vieira e A Carta de Caminha, observando-se que tais
fontes não representam o ideal de linguagem mais informal.
5
No grupo de fatores configuração da sentença, a variante iv foi recorrente apenas na escrita, e a variante v apenas
na fala.
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b) Configuração da sentença (ordenação dos constituintes)
i. Ordem canônica
VP3+N+(PREP)+(SUJINF)+INF+(COMP/ADJ)
ii. Oração combinada deslocada para a esquerda
INF+(COMP/ADJ)+ VP3+N
iii. Complemento do verbo infinito deslocado para a esquerda
COMP/ADJ+ VP3+N+(PREP)+(SUJINF)+INF
iv. Elemento nominal deslocado para a esquerda
N+VP3+(SUJINF)+ INF+(COMP/ADJ)
v. Outra expressão à esquerda do verbo finito (temporal, locativo ou anafóra)
Exp. temp/anáf. + VP3+N+(PREP)+(SUJINF)+INF+(COMP/ADJ)
No trabalho de Mittmann (2003) foram levantadas em amostra diacrônica todas as
possibilidades de deslocamentos nas sentenças em estudo (variabilidade posicional), controladas
através do grupo de fatores configuração da sentença. Dessas possibilidades selecionamos para
este estudo aquelas mais freqüentes e passíveis de comparação com os dados da amostra
sincônica. Exemplos:
Oração combinada deslocada à esquerda do verbo finito (V)
(4) Relembrar é muito bom, não é? (No coração do Brasil)
(5) Assim, sair sozinha, assim, pra viajar, já é meio difícil. (FLP3JL367)
Complemento ou adjunto do verbo infinito deslocado à esquerda de V
(6) Este foi bom d’embarcar. (Auto da barca do inferno)
(7) Amigas é muito difícil arranjar hoje em dia, né? (FLPFJL1276)
Elemento nominal deslocado à esquerda de V (apenas para escrita)
(8) Pior é morar aí em cima. (No coração do Brasil)
Expressão temporal ou anafórica à esquerda de V (apenas para fala)
(9) Mas a bicicleta, naquele tempo, era difícil adquirir a bicicleta nova. (FLP4L166)
Também foi controlada, como variável independente, a procedência do dado. Assim, para a
amostra sincrôncia temos o grupo de fatores cidade, constituído por Curitiba, Florianópolis e
Porto Alegre; e para a amostra diacrônica temos o grupo de fatores século: séc. XV, séc. XVI,
séc. XVII, sécs. XVIII e XIX6, e séc. XX.
Os dados foram codificados de acordo com as variáveis descritas, e submetidos a
tratamento estatístico através do pacote VARBRUL 2S (PINTZUK, 1988; SCHERRE, 1993).
Realizamos os cálculos estatísticas a partir do programa Makecell, tomando como variável
dependente a forma de conexão entre as orações. O programa calcula as freqüências de
ocorrência das variáveis controladas, permitindo a geração de tabelas com resultados
percentuais de distribuição das ocorrências dos diferentes fatores testados em relação à variável
dependente.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para avaliar o grau de integração das orações combinadas, um dos parâmentros propostos
por Lehmann (1988) diz respeito à forma de conexão: a construção combinada será mais
integrada se não houver entre as orações elementos intervenientes como conector. Assim, esperase que estruturas menos integradas, mais antigas e portanto mais estáveis apresentem mais
freqüentemente alguma forma de conexão. Na Tabela 1 a seguir pode-se observar a distribuição
6
Somamos as ocorrências para os séculos XVIII e XIX devido ao baixo número de ocorrências para o séc. XVIII
(apenas uma obra consta na amostra) contando apenas com dois dados, distorcendo a distribuição dos percentuais.
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das freqüências de uso de cada conector ao longo do tempo. Nota-se que no séc. XV o uso de
conector (especialmente de) perfaz 51% das ocorrências, concorrendo fortemente com a ausência
de conector. Com o passar do tempo, a combinação sem conector parece se estabilizar.
ausência
N
%
43
47
24
71
63
88
De
N
43
9
5
%
47
26
7
Para
N
%
5
4
1
3
4
6
Total
N
%
91
100
34
100
72
100
100
12
séc. XV
Séc. XVI
Séc. XVII
sécs. XVIII e
8
67
3
25
1
8
XIX
93
8
5
3
2
152
100
séc. XX 141
Total 279
77
68
19
14
4
361
100
Tabela 1. Distribuição da forma de conexão entre as orações na amostra diacrônica.
No século XX, nota-se predominância muito maior de construções sem conector, estas
construções teriam então se tornado estáveis na língua devido à sua freqüência de uso. Ao
mesmo tempo, uma análise gramatical tradicional confirma essa estabilização, como podemos
conferir em Rocha Lima (1972, p.237), em que o autor faz menção a orações reduzidas
introduzidas por preposição, que são apenas as completivas relativas e nominais, e não as
subjetivas.
Entretanto, se considerarmos os dados de fala apresentados na Tabela 2, notamos uma
tendência contrária. Construções com presença de conector somam 61% das ocorrências nas três
cidades pesquisadas, contrastando com 39% de ausência de conector.
Nas cidades de Curitiba e Porto Alegre, a combinação através de conector se mantém
muito superior à combinação de orações justapostas. Somente em Florianópolis ausência e
presença de conetor parecem se manter em disputa.
ausência
n
%
26
Curitiba 12
59
Florianópolis 38
17
Porto Alegre 5
Total 55
39
Tabela 2. Distribuição da forma
sincrônica por cidade.
De
Para
N
%
N
19
41
15
19
30
7
10
34
14
48
35
36
de conexão entre
Total
%
n
%
33
46
100
11
64
100
48
29
100
26
139
100
as orações na amostra
O gráfico 1 mostra uma comparação entre os resultados totais por período de tempo em
cada amostra.
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4%
47%
3%
6%
7%
26%
677
2%
5%
8%
26%
25%
35%
47%
séc. XV
71%
séc. XVI
87%
séc. XVII
93%
67%
sécs.XVIIIeXIX
séc. XX
ausência
39%
fala séc. XX
de
para
Gráfico 1. Comparação dos resultados de diacronia (escrita) e sincronia (fala).
Existe aqui uma diferença bastante significativa entre a freqüência de uso do conector nas
duas amostras. Devemos considerar que (i) os dados diacrônicos foram extraídos de fontes
escritas compondo um córpus heterogêneo e não-ideal e (ii) a escrita costuma ser conservadora
quanto à normativização dos usos lingüísticos. Isso pode justificar por que na fala a freqüência
de uso de combinação com conector seja superior à averiguada nas fontes escritas.
Baseando-nos nos resultados da amostra escrita, podemos hipotetizar uma trajetória em
que a combinação entre as orações sem a presença de conector foi se estabilizando ao longo do
tempo, formando uma estrutura mais integrada. Porém, recentemente, na amostra oral, notamos
uma provável reintrodução do conector, o que vai contra o parâmetro de Lehmann (1988) acima
mencionado. Se, de acordo com o paradigma da gramaticalização, as mudanças são
unidirecionais, como explicar o fato de que uma estrutura bem integrada possa mudar para uma
estrutura menos integrada? Partimos então para a análise de outros parâmetros de integração,
averiguando mudanças relacionadas.
A variabilidade posicional é outro parâmetro importante para se avaliar o grau de
integração de orações. Quanto menos os constituintes da oração combinada tiverem a
possibilidade de deslocar-se ocupando posições diferentes na estrutura, mais integradas estarão
as orações. Procuramos analisar em que medida a presença do conector propicia ou inibe
deslocamentos dentro da estrutura, para então tentar estabelecer em que medida tais parâmetros
se aplicam ou não aos processos de combinação de orações sob análise.
Ausência
De
Para
Total
n
%
n
%
N
%
n
%
2
25
2
67 109 72
ordem canônica 105 74
oração combinada à esq. de
6
0
0
0
0
9
6
V 9
comp/adjunto de inf. à esq.
3
6
75
1
33 11
7
de V 4
elemento nominal à esq. de
0
0
0
0
23 15
V 23 16
Total 141 100 8 100 3 100 152 100
Tabela 3. Variabilidade posicional em relação à forma de conexão – amostra da escrita.
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ausência
De
Para
Total
n
%
n
%
N
%
N
%
34
62
29
60
14
39
77
55
ordem canônica
oração combinada à esq. de
6
11
0
0
11 31 17 12
V
comp/adjunto de inf. à esq.
2
4
9
19
4
11 15 11
de V
7
19 30 22
outra expressão à esq. de V 13 24 10 21
Total 55 100 48 100 36 100 139 100
Tabela 4. Variabilidade posicional em relação à forma de conexão – amostra da fala.
As tabela 3 e 4 apresentam os resultados totais para distribuição da variabilidade posicional
em relação ao tipo de conector nas amostras diacrônica (apenas séc. XX) e sincrônica
respectivamente. O gráfico 27 traz uma comparação entre os resultados das duas amostras.
3%
6%
de
62%
67%
0%
25%
para
31%
60%
39%
ausência
escrita
ordem canônica
11%
19%
0%
0%
75%
74%
ausência
4%
11%
33%
de
para
fala
oração combinada à esq. de V
comp/adjunto de inf. à esq. de V
Gráfico 2. Ordenação dos constituintes em relação ao conector na escrita e na fala.
Quando o conector é mais utilizado, a ordenação dos elementos também apresenta maior
variabilidade, o que representaria, segundo os parâmetros de Lehmann (1988), uma integração
mais frouxa das orações. Entretanto observamos que o uso de um ou outro conector traz
conseqüências diferentes na ordenação dos constituintes. A ordem canônica está mais presente
quando não há nenhum tipo de conector na escrita. Quando é utilizado o conector para, parece
haver, na fala, mais possibilidade de deslocamento de toda a oração combinada do que apenas do
complemento do verbo infinito (como acontece na escrita). Exemplos:
(10) Pra se adquirir alguma coisa é muito difícil hoje. (CTB5L880)
(11) E pra se entrar numa faculdade também não é fácil, né? (POA22L238)
O conector para indica normalmente finalidade, quando utilizado em constituintes com
valor adverbial (potencialmente mais facilmente deslocáveis), favorecendo a alteração na ordem
como observado nos exemplos (10) e (11).
Ao mesmo tempo, quando há deslocamento de constituinte com a presença do conector de
ligando as orações, o movimento mais expressivo é o do complemento/adjunto do verbo
infinitivo. Observa-se que aparentemente de exerce uma “força” que retém o verbo infinitivo ao
lado do adjetivo; esses itens lexicais passariam então a ser interpretadas pelo falante como
adjacentes (GIVÓN, 1995). Como o uso da preposição de é típico para expressar relações
(argumentais) entre nomes, possivelmente esse seja o motivo que impede o conector de de se
deslocar, o que romperia a integração entre o adjetivo e seu complemento, nesse caso o verbo
infinito, que passa a funcionar como um nome (com perda do sujeito). Exemplos:
7
Este gráfico deve ser analisado sendo levados em consideração os resultados numéricos absolutos apresentados nas
tabelas 3 e 4. Por ex., 33% de ocorrência de para na escrita corresponde a apenas um dado.
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(12) Oh, detetive é massa! É complicado, bem complicado de jogar. (FLPMGJL1141)
(13) Churrasco é bem fácil de preparar, né? (POA4L728)
Os dados levantados neste estudo representam um avanço em relação a pesquisas
anteriores (MITTMANN, 2003; NEVES, 2003; 2004), entretanto ainda não são suficientes para
se estabelecer correlações mais significativas e generalizações. É difícil dispensar um tratamento
variacionista para este fenômeno, pois fatores sociais não mostraram grande relevância nesses
estudos preeliminares, ao mesmo tempo em que nem todas as ocorrências indicam contextos de
variação. A utilização de uma ou outra forma parece estar fortemente relacionada ao item
nominal presente na oração matriz. É possível isolar os casos em que a variação é mais
facilmente perceptível daqueles em que ela não ocorre categoricamente, e daqueles em que há
dúvidas sobre a possibilidade ou não de variação no uso do conector. Essas informações nos
fazem interpretar tal fenômeno em um estágio pouco avançado do processo de mudança, que
começa a se configurar de maneira mais clara apenas no final do século XX.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados neste trabalho instigam à análise do fenômeno em diferentes
direções. Por um lado, pode-se questionar se as diferentes formas de conexão constituem um
objeto passível de ser estudado no âmbito da variação, pois a presença do conector de ou do
conector para pode não veicular o “mesmo significado” em todos os casos observados, uma vez
que em diversas ocorrências a preposição para pode ser interpretada como agregando um traço
de finalidade ao enunciado, o que não ocorre com a preposição de. Entretanto, em diversos casos
o enunciado não parece ser afetado pela preposição para. Vejam-se os exemplos extraídos da
fala de um mesmo informante:
(14) Foi duro, né? pra estudar esses quatro anos (CTB7MAPL332).
(15) Curitiba ainda é uma cidade boa pra viver (CTB7MAPL604).
(16) [...] daí fica duro de terminar a noitada, né? (CTB7MAPL634).
(17) Cada vez fica mais fácil de se viver (CTB7MAPL751).
Por outro lado, o fenômeno também pode ser focalizado tendo-se em vista um processo de
mudança; neste caso particular, o processo pelo qual sentenças tendem a se tornar mais
integradas. Nas sentenças complexas estudadas aqui, as formas alternativas de conexão se
refletem em possibilidades variadas de ordenação dos constituintes e, conseqüentemente, em
diferenças nas relações sintáticas estabelecidas entre a oração matriz e a encaixada. Assim, é
possível pensar em diferentes funções, relacionadas a diferentes níveis de integração, a serem
codificadas por cada tipo de conector (de ou para).
É plausível, portanto, formular hipóteses para o comportamento a ser assumido por cada
conector:
I.
O conector para deve codificar estruturas de finalidade ou a expressão de dativo
quando o infinitivo vier acompanhado de sujeito.
II. Espera-se que de se torne mais freqüente na estrutura ADJ+DE+INF, liberando o
complemento do verbo infinito para ocupar outras posições na sentença. O
deslocameto do complemento poderá então ser regulado por outros fatores, que podem
estar atuando de forma complementar:
(i) regras de espacialização e de seqüência (GIVÓN, 2001);
(ii) tendência geral para o preenchimento da posição do sujeito do verbo finito, como
já sugerida por outros estudos (DUARTE, 2003).
ANAIS DA XX JORNADA – GELNE – JOÃO PESSOA-PB
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Quando há a atuação de um conector, seja ele de ou para, observamos que a classificação
deste tipo de sentença combinada como subjetiva, ou seja, cumprindo a função sintática de
sujeito da oração matriz, não é mais possível, ao menos sem ambigüidade. Os dados encontrados
mostram uma diversidade muito grande no que se refere à configuração da sentença, sendo
difícil agrupá-los e classificá-los. Isso reforça a idéia da existência de um processo de mudança,
o qual parece ganhar força no final do século XX.
As conseqüências que a inserção de um conector trazem para a análise da integração entre
as orações devem ser analisadas com cuidado. O fato de a presença do conector se mostrar cada
vez mais freqüente na fala não é por si um indício de menor integração entre as orações, pois não
se pode isolar um único fator quando outros podem estar envolvidos. De acordo com os
parâmetros de integração de sentenças apontados anteriormente, a ausência de conector
assinalaria uma menor integração entre as sentenças. Entretanto observamos que:
a) Quando para é utilizado, a oração combinada preserva sua vinculação sintática em
relação à matriz (tem mais características de oração substantiva subjetiva ou de
adverbial final) e tem sua variabilidade posicional restrita.
b) Quando de é utilizado, o infinitivo pode ser analisado como um nome que funciona
como complemento do adjetivo. Esta análise implica a formação de um novo
constituinte (complemento nominal) e a transformação de uma estrutura complexa
(orações combinadas) em uma estrutura simples (oração simples), portanto mais
integrada.
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