ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO PARANÁ XXVI CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA NÚCLEO CURITIBA MAYARA PUCHALSKI ASPECTOS PENAIS DA LEI DE LICITAÇÕES CURITIBA 2008 MAYARA PUCHALSKI ASPECTOS PENAIS DA LEI DE LICITAÇÕES Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do Curso de Preparação à Magistratura em nível de Especialização. Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Curitiba. Orientador: Prof. Evandro Portugal CURITIBA 2008 TERMO DE APROVAÇÃO MAYARA PUCHALSKI ASPECTOS PENAIS DA LEI DE LICITAÇÕES Monografia aprovada como requisito parcial para conclusão do Curso de Preparação à Magistratura em nível de Especialização, Escola da Magistratura do Paraná, Núcleo de Curitiba, pela seguinte banca examinadora. Orientador: Professor Evandro Portugal ________________________________ Avaliador: ______________________________________________________ Curitiba, de de 2008. DEDICATÓRIA Este trabalho é dedicado as pessoas que deram todas as condições para que este trabalho fosse concluído e que me entenderam quando tive que deixar de fazer algo ou quando não estava presente. A minha mãe Nani e meu pai Felipe. AGRADECIMENTOS Agradeço a tudo e a todos que conspiraram a favor da conclusão desta monografia. São amigos, colegas de trabalho, professores, família... Primeiramente a minha família, mãe e pai, que “seguraram as pontas”, sempre com uma palavra de estímulo e amizade. Aos amigos mais recentes, alunos e professores da Escola da Magistratura, e também aos demais que nunca deixaram de estar ao meu lado. Em especial ao professor Evandro que aceitou o desafio de me orientar mesmo sem ter contato com o tema Licitações. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................09 2. LICITAÇÃO ...........................................................................................................10 2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ...............................................................................10 2.1.1 Histórico .............................................................................................................10 2.1.2 Conceito, Finalidades e Objeto .........................................................................15 2.1.3 Destinatários ......................................................................................................18 2.1.4 Natureza Jurídica ..............................................................................................19 2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES ...........................................................................20 2.2.1 Legalidade ..........................................................................................................21 2.2.2 Impessoalidade ..................................................................................................22 2.2.3 Moralidade e Probidade Administrativa .........................................................24 2.2.4 Publicidade .........................................................................................................25 2.2.5 Eficiência ............................................................................................................26 2.2.6 Igualdade e Isonomia ........................................................................................27 2.2.7 Economicidade ...................................................................................................29 2.2.8 Vinculação ..........................................................................................................31 2.2.9 Julgamento Objetivo .........................................................................................32 2.3 MODALIDADES ...................................................................................................32 2.3.1 Concorrência ......................................................................................................34 2.3.2 Tomada de Preços ..............................................................................................35 2.3.3 Convite ................................................................................................................36 2.3.4 Concurso .............................................................................................................37 2.3.5 Leilão ..................................................................................................................38 2.3.6 Pregão .................................................................................................................38 2.4 TIPOS .....................................................................................................................39 2.4.1 Menor Preço .......................................................................................................39 2.4.2 Melhor Técnica ..................................................................................................40 2.4.3 Técnica e Preço ..................................................................................................40 2.5 INEXIGIBILIDADE E DISPENSA .......................................................................42 3. DIREITO PENAL DAS LICITAÇÕES ...............................................................43 3.1 ASPECTOS PENAIS .............................................................................................44 3.1.1 Dos Crimes em Espécie .....................................................................................45 3.1.2 Aplicação de Sanção Pecuniária .......................................................................63 3.1.3 Das Penas Complementares Aplicadas aos Servidores Públicos ........................65 3.1.4 Do Processo .........................................................................................................65 4. CONCLUSÃO .........................................................................................................68 REFERÊNCIAS .........................................................................................................71 RESUMO O presente trabalho monográfico tem como escopo abordar os delitos previstos nos artigos 89 a 98 da Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, sua aplicabilidade, alcance e objetivos no que diz respeitos aos seus aspectos penais. Para tanto, inicialmente, foi necessário abordar o histórico da licitação desde os tempos remotos, conceito, finalidades, objetos, destinatários, princípios norteadores, modalidades e tipos de licitações. Em se tratando de matéria penal, buscou-se abordar de forma concisa e de fácil interpretação, os complicados incisos da Seção III do Capítulo IV da supracitada Lei que trata dos Crimes e das Penas. Assim, fez-se ponderações sobre cada artigo interpretando acerca de sua aplicabilidade, sujeitos, elementos e classificação em matéria penal. Ainda, buscou-se a opinião de renomados doutrinadores e também de julgados dos tribunais sobre a matéria, como forma de entender a aplicação desses tipos penais. Palavras-chave: licitações; crimes; sanções penais e administrativas; multas; processo; procedimento. 9 1. INTRODUÇÃO A Lei nº. 8.666 de 21 de junho de 1993 foi promulgada em uma época conturbada, onde o descrédito quanto a lisura das licitações era manifesto, deixando patente a necessidade de se aperfeiçoarem as regras aplicáveis ao assunto. Diversos estudos foram realizados que culminaram na atual Lei de Licitações. Com a Lei nº. 8.666 buscava-se tornar o processo mais transparente, com ênfase nos princípios norteadores do direito administrativo na moralidade administrativa. Uma das inovações da lei foi trazer em seu bojo artigos prevêem sanções aos sujeitos, sejam servidores públicos ou particulares, que atentem contra as normas nela previstas. Seus tipos penais cominam penas de detenção que variam de seis meses a seis anos acrescidos de pena pecuniária cujo montante será fixado entre dois a cinco por cento do valor da vantagem auferida pelo agente. E mais, em se tratando de servidor público, a lei previu em seu artigo 84 um conceito que é aplicado em detrimento do já existente no Código Penal pelo cumprimento do princípio da especialidade. E também, trouxe como sanção administrativa a esses servidores a possibilidade de perda de cargo, função, emprego ou mandato mesmo em se tratando de crime em sua modalidade tentada. Ademais, a lei apresenta ainda um processo próprio aplicado aos delitos nela previstos, sem prejuízo a aplicabilidade subsidiária dos Códigos Penal e de Processo Penal e da Lei de Execuções Penais. A lei veio para ser um facilitador e principalmente para servir de modelo de aplicação de sanções aos seus violadores, mas a realidade foi outra. 10 2. LICITAÇÃO 2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS 2.1.1 Histórico Pode-se afirmar que o instituto da licitação remonta de passados longínquos, não como conhecemos atualmente, mas de forma, quiçá, remotamente semelhante e com os mesmos objetivos. Nos estados medievais da Europa usou-se o sistema denominado „vela e pregão‟, que consistia em apregoar-se a obra desejada e, enquanto ardia uma vela, os construtores interessados faziam suas ofertas. Quando se extinguia a chama, adjudicava-se a obra a quem houvesse oferecido o melhor preço. (MEIRELLES, 2004, p. 266). “Com relação à palavra licitação, ela não derivou de lícito, como muitos falam. Ela provém do latim „licitatione’, ou seja, arrematar em leilão”.1 No Brasil, o instituto da licitação, ainda sem a atual denominação, foi inserido ao direito brasileiro há mais de um século pelo o Decreto nº. 2.926 de 14 de maio de 1862, que regulamentava as arrematações dos serviços a cargo do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Art. 1. Logo que o Governo resolva mandar fazer por contracto qualquer fornecimento, construcção ou concerto de obras (...) o presidente da junta, perante a qual tiver de proceder-se á arrematação, fará publicar annúncios, convidando concurrentes, e fixará, segundo a importância da mesma 1 LICITAÇÂO. Disponível em: < http://www.licitacao.net/business.html> Acesso em: 07 abr. 2008. 11 arrematação, o prazo de quinze dias a seis meses para a apresentação das propostas. Art. 4. Findo o termo de annúncios, e no dia e hora nelle designados, compareceráõ os concurrentes no lugar determinado; (...) (...) Art. 6. (...) para cada concurrente apresentar a sua proposta. Art. 7. Finda a praça, a junta, perante o qual houver tido lugar a arrematação, examinará todas as propostas e documentos dos concurrentes, a fim de dar seu parecer sobre ellas, indicando a que julgar mais vantajosa. (...) Art. 8. As arrematações de fornecimentos, obras novas, concertos ou conservação de obras terminadas poderáõ também ter lugar por meio de propostas em cartas fechadas (...) Art. 9. Dentro de oito dias o Ministro declarará qual dos concurrentes deve ser encarregado do serviço posto em praça. Se no fim deste prazo nada se tiver resolvido (...).2 Muito tempo depois, já durante a República, o instituto da licitação ficou consolidado com o advento do Decreto Legislativo nº. 4.536 de 1922, conhecido como Código de Contabilidade Pública da União, que foi regulamentado pelo Decreto nº. 15.783 de 08 de novembro de 1922. Este decreto tratava em seus artigos 49 a 59 da concorrência pública, dentre eles os mais importantes eram: Art. 49. Ao empenho da despesa deverá preceder contracto, mediante concurrencia publica: a) para fornecimentos, embora parcellados, custeados por credito superiores a 5:000$000; b) para execução de quaesquer obras publicas de valor superior a 10:000$000. Art. 50. A concurrencia publica far-se-á por meio de publicação no Diario Official, ou nos jornaes officiaes dos Estados, das condições a serem estipuladas e com a indicação das autoridades encarregadas da adjudicação, do dia, hora e logar desta.3 Assim, desde o Código de Contabilidade da União, de 1922, o procedimento licitatório veio evoluindo, sempre objetivando dar maior eficiência às contratações públicas, sendo, por fim, sistematizado. Conforme explicita Dayrell: 2 BRASIL, Decreto nº. 2.926, 14 de maio de 1862. Disponível em: <http://www.conlicitacao.com.br/historia/index.php> Acesso em: 07 abr. 2008. 3 BRASIL, Decreto nº. 4.536, 28 de janeiro de 1922. Disponível em: <http://www.conlicitacao.com.br/historia/index.php> Acesso em: 07 abr. 2008. 12 o termo licitação, que já fora empregado em diversos textos legais, foi introduzido, pela primeira vez, em nosso direito administrativo pela Lei n° 4.401 de 10 de Setembro de 1964, no sentido de gênero abrangente de variadas espécies ou modalidades, dentre as quais a concorrência. (DAYRELL, 1.973. pág. 15) Três anos depois, com a promulgação do Decreto Lei nº. 200, de fevereiro de 1967, que tratava da organização administrativa federal, “é que o instituto federal da licitação passou realmente, a ser consagrado, merecendo disciplinação bem mais ampla e rica de conteúdo e com tratamento mais sistemático.” (SERVÍDIO, 1979. p. 01-02) A partir de 1970 foi inserido o artigo 158 na Súmula do Tribunal de Contas da União, que afirmava que os órgãos da Administração direta e as entidades da Administração indireta, incluindo aquelas com personalidade jurídica de direito privado, devem prestar obediência às normas básicas da competição licitatória, principalmente no que diz respeito a isonomia dos licitadores, como princípio universal do procedimento ético e jurídico da administração pública, sem impedir a adoção de normas mais flexíveis e compatíveis com as características de funcionamento e objetivos de cada entidade. Na década seguinte, após a criação de inúmeras normas regulamentadoras foi criado o Decreto Lei nº. 2.300, de 28 de novembro de 1986, atualizado em 1987, sendo o primeiro estatuto que, em noventa artigos, regulamenta o procedimento licitatório, reunindo normas gerais e específicas, direcionado a toda administração pública. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, um passo importante foi dado no que se diz respeito a matéria licitatória, contrariando as constituições anteriores, silentes sobre o assunto, nossa Constituição Cidadã trouxe o tema de forma 13 expressa estabelecendo três referências diretas (arts. 22, XXVII; 37, XXI e 175) e uma indireta (art. 195, §3°). Em seu artigo 22, inciso XXVII, a Constituição Federal declara ser da competência privativa da União legislar sobre: normas gerais de licitação, contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido ao disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173 §1°, III, conforme redação dada pela emenda constitucional 19/98. (grifo nosso) De igual importância, o artigo 37, XXI enuncia o princípio da obrigatoriedade de licitação ao estabelecer que fora dos casos previstos em Lei “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure a igualdade de condições a todos os concorrentes (...)”. Assim, a partir de 1988, a licitação recebeu status de princípio constitucional, de observância obrigatória pela Administração Pública direta e indireta de todos os poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Sílvio Roberto Seixas Rego opina que: a magnitude de um princípio constitucional é tamanha, que motivou Celso Ribeiro Bastos a se manifestar no sentido de que a não observação de um princípio informador de determinado sistema é muito mais grave do que a violação da própria Lei aplicada. Segundo o festejado constitucionalista, a infração da Lei é mal menor se considerada em relação à não observância de um princípio, eis que este último traduz-se na própria estrutura informadora da norma. Ao contrário da norma que somente possui eficácia nas situações por ela disciplinadas, os princípios, em razão de sua abstratabilidade sem conteúdo concreto, açambarcam, ao contrário da Lei, um número indeterminado de situações fornecendo critérios para a formação das Leis. Aspecto relevante da aplicabilidade dos princípios diz respeito aos critérios que estes fornecem para uma sólida, justa, lógica e legal interpretação da Lei. (REGO, 2003, p. 92) Objetivando regulamentar a matéria constitucional, foi publicada em 1993 a Lei Federal nº. 8.666, que atualizada ao longo dos anos traz nos seus 125 artigos 14 normas gerais sobre licitações e contratos, a partir de diretrizes traçadas pela Constituição Federal. Ressalvadas as hipóteses previstas na Lei, nenhum órgão ou entidade da administração pública brasileira, pode, hoje, comprar, contratar obra ou serviço, alienação ou locação sem prévia licitação, sob pena de violar os princípios fundamentais da igualdade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade. (PEREIRA JÚNIOR, 1993. p. 01-02) O que normalmente não se comenta é que a criação da Lei nº. 8.666 foi uma tentativa de repressão aos diversos crimes de corrupção contra a Administração Pública que vinham acontecendo na década de 80, quando empresas eram beneficiadas por licitações irregulares e viciadas. Para tanto, o então senador Pedro Simon foi designado como relator do Projeto de Lei da Câmara nº. 59/92, de autoria do deputado Luis Roberto Ponte. O relator, assessorado por diversos especialistas, fez o levantamento de todas as propostas e sugestões sobre o assunto, dando-se ampla divulgação dos trabalhos e solicitando sugestões de toda a população, governantes e entidades de classe, sendo apresentadas, na oportunidade, 634 emendas ao projeto inicial. Em 1992 foi realizado um seminário sob o título “Licitação - A Caminho da Transparência” que contou com a participação de políticos, técnicos, estudiosos, representantes de entidades de classes e empresas públicas e privadas, jornalistas e curiosos para analisar e debater as sugestões levantadas até então e outras mais que foram apresentadas durante o evento. Como resultado, foram elencadas as regras que seriam apresentadas para apreciação da Câmara e do Senado. 15 Após muitos debates, percalços e emendas foi editada a Lei que se esperava viria moralizar e solucionar os problemas apresentados pela legislação revogada. Mas, o novo texto legal, apesar de trazer algumas soluções e de dar maior transparência ao certame em outros pontos trouxe “novas e mais difíceis dúvidas, com gravíssimos problemas de sistematização, além de redação de péssima técnica em diversos dispositivos”. (BITTENCOURT, 1995, p. v) De tal ordem eram as falhas da lei de 1993 que menos de um ano depois, em 08 de junho de 1994, foi editada a Lei nº. 8.883, que alterou alguns dispositivos do texto original. Mas ao invés de melhorar, o novo texto em nada acrescentou e em alguns casos tornou a lei mais confusa. Posteriormente, em 1998, 1999 e 2002 foram editadas as Leis nº. 9.648; nº. 9.854 e nº. 10.520, respectivamente, que atualizaram e modificaram a matéria. Na verdade, a atual Lei de Licitações “restringe-se em repetir preceitos constitucionais (...) e em outros casos, há silêncio ou omissão”, (JUSTEN FILHO, 2002, p. 13) mas em qualquer dos casos deve-se sempre levar em consideração que “o núcleo primordial da disciplina das licitações se encontra na Constituição Federal”. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 13) 2.1.2 Conceito, Finalidades e Objeto Licitação é o processo preparatório formal mediante condições estabelecidas em edital ou convite, através do qual a Administração Pública possibilita que empresas 16 interessadas apresentem propostas, sendo selecionada a mais vantajosa para contratação de serviços, compra de bens e equipamentos, execução de obras, alienações, concessões, permissões e locações. Segundo José Carvalho Filho (1995, p. 195-196), licitação: é o procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção de melhor trabalho técnico, artístico ou científico. A conceituação trazida por Maria Sylvia Di Pietro (1999, p. 291) é a de que licitação: é o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato. Para Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 807) “no cenário da Administração Pública, a licitação é um procedimento democrático de eleição de prestadores de serviços e fornecedores de bens, respeitando os princípios gerais, norteadores dos atos do Poder Público”. No mesmo sentido, um dos mais renomados administrativistas do direito brasileiro, Hely Lopes Meirelles (2004, p. 266) conceitua que: licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. Do próprio conceito de Meirelles podemos extrair sua finalidade, qual seja, a obtenção do contrato mais vantajoso e resguardo dos direitos de possíveis contratados. 17 A licitação tem como escopo garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, assegurando oportunidades iguais a todos os interessados, possibilitando o comparecimento do maior número possível de concorrentes ao certame. Para Alcides Greca, citado por Antonio Roque Citadini (1999, p. 35): analisando o regime da licitação, a temos definido como um ato de condição prévio, sendo sua finalidade estabelecer um rigoroso controle na disposição dos bens do Estado, um tratamento igual para os particulares que comerciam com a Administração Pública e uma eficaz defesa dos interesses coletivos. No entendimento de José Afonso da Silva (1994, p 573), “a licitação é um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público. Quanto ao objeto, a Lei nº. 8.666 elencou em seu artigo 6º um rol não taxativo daquilo que pode ser contratado por meio de certame licitatório, ficando a cargo da Administração especificar o que pretende adquirir ou contratar e normalmente ele “confunde-se com o objeto do contrato, que pode ser uma obra, um serviço, uma compra ou uma concessão como, também, uma alienação ou uma locação”. (MEIRELLES, 2004, p. 271). Para Carvalho Filho (1995, p. 199), o objeto do procedimento licitatório dividi-se em: imediato é a seleção de determinada proposta que melhor atenta aos interesses da Administração; e o mediato, que consiste na obtenção de certa obra, serviço, compra, alienação, locação ou prestação de serviço público, a serem produzidos por particular por intermédio de contratação formal. O ato de licitar possui tal importância “que não só regula o começo do contrato, mas projeta-se durante todo o desenvolvimento da vinculação contratual, pois 18 as bases da licitação, o edital de condições e a documentação licitatória apresentada na oferta pelo contratante regem toda a execução contratual”. (DROMI, 1977) 2.1.3 Destinatários A Constituição Federal, artigo 37, inciso XXI, prevê para a Administração Pública a obrigatoriedade de licitar. Assim, sujeitam-se a regra de licitar, segundo o parágrafo único do artigo 1º da Lei de Licitações: além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ressalte-se ainda, que: a disciplina da Lei nº. 8.666 vincula os três Poderes das entidades políticas. A expressão “Administração”, utilizada de modo generalizado, não deve ser interpretada como “Poder Executivo”. Os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, quando efetivam a contratação com terceiros desempenham atividade de natureza administrativa, [devendo esses, de igual forma, também atentar para as regras licitatórias]. (JUSTEN, 2005, 125) Já, do outro lado da relação, podem apresentar propostas quaisquer particulares que satisfaçam as condições do edital de habilitação e se enquadrem no que determina a Administração Pública de acordo com o autorizado na Lei.4 2.1.4 Natureza Jurídica 4 Consultar o artigo 9º da Lei nº. 8.6666/1993. 19 Quanto a sua natureza, licitação é procedimento administrativo com fim seletivo (CARVALHO FILHO, 1995, p. 194) configurado como ato vinculado, estritamente formal, com regras previamente estabelecidas e objetos determinados. Eros Grau citado por Celso Antonio, complementa, “é um processo administrativo de natureza concorrencial, uma vez que competição é tanto um pressuposto para a realização como um preceito inspirador de sua dinâmica. (MELLO, 1992, p. 445) Nesse mesmo contexto, Rafael Cuesta, citado por Carvalho (CARVALHO FILHO, 1995, p. 194), afirma que esse procedimento constitui “um conjunto ordenado de documentos e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como às providências necessárias para executá-la”. Assim, por tratar-se de procedimento administrativo, tem como pressuposto necessário a existência de uma série de atos praticados de forma seqüencial, alguns de competência da própria Administração Pública, outros de responsabilidade dos participantes. Por isso, pode-se afirmar que a licitação é procedimento vinculado5 que desdobra-se em fases que, devidamente planejadas e previstas, vão integrar todo um procedimento, o qual cabe ao administrador observar rigorosamente. 2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES Princípios são proposições que consubstanciam valores morais, éticos, políticos, entre outros. Para a ciência jurídica, os princípios são valores que ordenam o sistema e são mutáveis de acordo com o momento histórico vivido. 5 Art. 41 da Lei n.º 8.666/1993 – A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada (...). 20 Depois de 1988, pode-se afirmar que a Administração Pública se constitucionalizou, pois nossa Magna Carta trouxe no bojo do artigo 37 “a Administração Pública, direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Cumpre informar que o principio da eficiência foi inserido neste artigo por meio da Emenda Constitucional nº 19/98. Além dos princípios elencados pela Constituição Federal, outros mais devem ser seguidos pela Administração Pública e sobre esse assunto a doutrina não é pacífica, de forma que nesta monografia trabalharemos com os princípios que possuem maior aplicabilidade no âmbito das licitações. Assim, a Lei nº. 8.666, que, conforme explicitado, regulamenta o artigo 37, XXI da Constituição Federal em seu artigo 3º estabelece que: a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. No que diz respeito aos princípios correlatos a que se refere o artigo supracitado, destacam-se o da obrigatoriedade (art. 2.º); do sigilo das propostas (art. 3.º, §3.º); do procedimento formal (art. 4.º, parágrafo único); o da competitividade (art. 3º, §1º, I); da indistinção (art. 3º, §1º, II) e o da inalterabilidade do edital (art. 41). Apesar de estarem aqui tratados de forma isolada, é correto afirmar que a aplicação desses princípios deve dar-se de forma conjunta, de modo que sua interpretação deve dar-se em co-relação e nunca isoladamente. E mais, a violação de 21 qualquer desses princípios pode ensejar a nulidade da licitação, bem como a prática de ato de improbidade administrativa (Lei n.º 8.426/92), sem prejuízo da ação penal a ele imposta. 2.2.1 Legalidade O princípio da legalidade norteia todos os atos do direito brasileiro, e serve de garantia aos direitos individuais. De igual forma, é aplicado no âmbito da Administração Pública. Furtado (2003, p. 38-39), doutrina que, “para a Administração Pública, a legalidade deve ser entendida como a impossibilidade de se praticar qualquer ato sem que haja expressa autorização legal”. Caso não exista lei autorizando o administrador a praticar determinado ato, ele estará impedido de praticá-lo e, se ainda assim o fizer, o ato será nulo. Esse é o entendimento dominante dos administrativistas. Meirelles (2003, p. 86) complementa “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo que a Lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a Lei autoriza”. Para a licitação, o princípio da legalidade vincula os participantes do certame às regras estabelecidas pela Lei e por outros princípios. Nesse sentido, Neibuhr (2000, p. 95-96) ressalta que: o texto da Lei ganha relevância nas licitações públicas. Afinal, a licitação pública se constitui num procedimento administrativo que pressupõe uma 22 série encadeada de atos seqüentes, visando a alcançar determinado resultado. Este procedimento está previsto na Lei, que contem os passos da licitação, e que deve ser tomado com o devido rigor, pois é neste plano que se desenvolve o certame. A licitação é ato estritamente formal e todas as suas modalidades, fases e procedimentos estão descritos na Lei, não sendo possível aos participantes um exercício de vontade, mesmo que de comum acordo, em modificar o estabelecido. 2.2.2 Impessoalidade Esse princípio, também denominado de princípio da finalidade, obriga a Administração a praticar seus atos e observar nas suas decisões critérios objetivos previamente estabelecidos, afastando a discricionariedade e o subjetivismo na condução dos procedimentos da licitação, visando atingir o interesse público. Sobre a matéria Hely Lopes Meirelles (2003, p. 86) doutrina: desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. Pode, entretanto, o interesse público coincidir com o de particulares, como ocorre normalmente nos atos administrativos negociais e nos contratos públicos, casos em que é lícito conjugar a pretensão do particular com o interesse coletivo. E, mais, quanto ao princípio da finalidade cumpre ressaltar que “a licitação não é um fim em si mesma, mas instrumento para que a Administração celebre 23 contratos e, com eles, receba utilidades de terceiros, para que possa satisfazer aos interesses da coletividade e cumprir a sua missão institucional”6. Nesse sentido a jurisprudência do STJ é pacífica em afirmar que: PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VINCULAÇÃO AO EDITAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E IMPESSOALIDADE. (...) 3. O princípio da impessoalidade obsta que critérios subjetivos ou anti-isonômicos influam na escolha dos candidatos exercentes da prestação de serviços públicos. 4. A impessoalidade opera-se pro populo, impedindo discriminações, e contra o administrador, ao vedar-lhe a contratação dirigida intuitu personae.7 Assim, em síntese, citando Maria Silvia Zanella Di Pietro (2004, p. 171) “a administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas”. Ou seja, pelo princípio da impessoalidade é defeso a prática de ato administrativo sem que haja interesse público ou conveniência para a Administração Pública. Atos esses que seriam praticados de forma a satisfazer interesses privados, por meio de favoritismo ou perseguição. 2.2.3 Moralidade e Probidade Administrativa Segundo Niebuhr (2000, p. 97) “a moral é o valor e os princípios, por sua vez, são o instrumento para levá-lo ao Direito. Por isto, não é simples falar-se do princípio da moralidade, todos são por ela consagrados”. Relacionado ao princípio da probidade administrativa, ambos são correlatos à idéia de honestidade, moralidade e boa-fé por parte dos entes da Administração. Em 6 LICITAÇÕES. Disponível em: <http://www.pge.rj.gov.br/Licitacoes/RESPOSTA_IMPUGNACAO_COMPUTADORES.pdf> Acesso em: 10 set. 2008. 7 RMS 16697 / RS RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2003/0113635-8 Relator Ministro LUIZ FUX (1122) T1 – Primeira Turma – 22/03/2005 - DJ 02.05.2005 p. 153 24 suma, “o exercício honrado, honesto, probo, da função pública leva à confiança que o cidadão comum deve ter em seus dirigentes”. (MENDES, 1998, p. 11) Para Celso Antonio Bandeira de Mello (1992, p. 439), “o procedimento licitatório terá que se desenrolar na conformidade de padrões éticos prezáveis, o que impõe, para a Administração e licitantes, um comportamento escorreito, liso, honesto, de parte a parte”. Para ilustrar, citamos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. DESOBEDIÊNCIA AOS DITAMES LEGAIS. CONTRATO DE QUANTIA VULTUOSA. DESIGNAÇÃO DA MODALIDADE “TOMADA DE PREÇOS” NO LUGAR DE “CONCORRÊNCIA PÚBLICA”. (...) 1. O que deve inspirar o administrador público é a vontade de fazer justiça para os cidadãos sendo eficiente para com a própria administração, e não o de beneficiar-se. O cumprimento do princípio da moralidade, além de constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada administrado. Não satisfaz às aspirações da Nação a atuação do Estado de modo compatível apenas com a mera ordem legal, exige-se muito mais: necessário se torna que a administração da coisa pública obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária (...) REsp 579541/SP. (grifo nosso) Vale afirmar que a conduta dos participantes do certame, seja do particular ou dos representantes da Administração, deve estar eivada de cuidados para que não haja afronta a moral, a ética, aos costumes e, sem citar, claro, à própria Lei. Visando sempre a correta aplicação dos recursos públicos. 2.2.4 Publicidade 25 Deriva deste princípio a necessidade de que os atos que compõem o certame sejam amplamente divulgados, “de modo a possibilitar o conhecimento de suas regras a um maior número possível de pessoas” (CARVALHO FILHO, 1995, p. 201). Assim, a lei em seu art. 3º, §3º diz que "a licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura". Outrossim, essa determinação abrange “desde os avisos de sua abertura até o conhecimento do edital e seus anexos, o exame da documentação e das propostas pelos interessados e o fornecimento de certidões de quaisquer peças, pareceres ou decisões com ela relacionadas” (MEIRELLES, 2003, p. 267). Buscando sempre a transparência necessária aos atos administrativos. Assim, seguindo essa lógica, a Lei nº. 8.666/93, em seu art. 218, prevê a obrigatoriedade da publicação de avisos que contenham os resumos dos editais das concorrências e das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, mesmo que sejam realizados no local da repartição interessada, por pelo menos uma vez. Essa publicidade pode ser dada com a fixação do edital em local aberto ao público, publicação em diário oficial ou jornal de grande circulação, ou por qualquer meio de divulgação em massa, conforme a modalidade e importância do certame. 8 Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: I - no Diário Oficial da União (...) II - no Diário Oficial do Estado ou do Distrito Federal (...) III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição. (Lei nº. 8.666) 26 E almeja, também, a divulgação do resultado possibilitando a impetração de recursos administrativos ou por via judicial dos interessados, e inclusive por qualquer cidadão por meio de ação popular quando se tratar de decisão que atente contra a moralidade e seja lesiva ao patrimônio público. 2.2.5 Eficiência A emenda constitucional 19/98 inseriu no artigo 37 o princípio da eficiência na Administração Pública. Há quem diga que esse princípio não tem razão de ser, pois espera-se que a Administração Pública haja de forma eficaz. Para esse princípio, segundo Vladimir da Rocha França (2000, p. 168) “toda ação administrava deve ser orientada para concretização material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones jurídico-administrativo". Anterior a emenda constitucional, já doutrinava Hely Meirelles (1996, p. 90): dever de eficiência é o que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento às necessidades da comunidade e de seus membros. Resumindo, Ubirajara Costódio (1999, p. 214) afirma que: indentifica-se no princípio constitucional da eficiência três idéias: prestabilidade, presteza e economicidade. Prestabilidade, pois o atendimento prestado pela Administração Pública deve ser útil ao cidadão. Presteza porque os agentes públicos devem atender o cidadão com rapidez. Economicidade porquanto a satisfação do cidadão deve ser alcançada do modo menos oneroso possível ao Erário público. Tais características dizem respeito quer aos procedimentos (presteza, economicidade), quer aos 27 resultados (prestabilidade), Pública/cidadão. centrados na relação Administração Ou seja, pelo princípio da eficiência a Administração Pública deve agir de forma rápida, eficaz e eficiente atentando para que seus atos e decisões ensejem melhores resultados para a administração e para a coletividade. 2.2.6 Igualdade e Isonomia Também denominado princípio da isonomia, esse princípio tem como base o artigo 5º da Constituição Federal e, no âmbito das licitações, visa assegurar a participação de todos os interessados de contratar com a Administração Pública. Cumpre destacar que essa igualdade deve ser analisada não de forma a tratar todos de forma isonômica, mas de tratar igual os iguais, ou seja, “a administração deve dispensar o mesmo tratamento a todos os administrados que estejam na mesma situação jurídica” (CARVALHO FILHO, 1995, p. 200). O entendimento de Meirelles (1999, p. 28) é que: o princípio da igualdade entre os licitantes veda a cláusula discriminatória ou o julgamento faccioso que desiguala os iguais ou iguala os desiguais, favorecendo uns e prejudicando a outros, com exigências inúteis para o serviço público, mas com destino a determinado candidato. Nesse sentido, Di Pietro (2004, p. 303), vem a afirmar que: o princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em que esta visa, não apenas permitir à administração a escolha da melhor proposta, como também assegurar igualdade de direito a todos os interessados em contratar. 28 O Ministro Eros Grau como relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3070 /RN em 29/11/2007, expôs sua opinião sobre a matéria votando: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 11, §4º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. LICITAÇÃO. ANÁLISE DE PROPOSTA MAIS VANTAJOSA. (...). DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA. LICITAÇÃO. ISONOMIA, PRINCÍPIO DA IGUALDADE. DISTINÇÃO ENTRE BRASILEIROS. AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 5º, CAPUT; 19, INCISO III; 37, INCISO XXI, E 175, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. A Constituição do Brasil proíbe a distinção entre brasileiros. A concessão de vantagem ao licitante que suporta maior carga tributária no âmbito estadual é incoerente com o preceito constitucional desse inciso III do artigo 19. 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso --- o melhor negócio --- e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. (...) Assim, o princípio da igualdade busca assegurar, além da participação de todos os concorrentes interessados, um tratamento igualitário por parte da Administração sem perseguições ou privilégios. 2.2.7 Economicidade O princípio da economicidade está inteiramente relacionado a Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que o ente público deve distribuir e aplicar de forma correta os recursos através de ação planejada e transparente; ação preventiva e corretiva de riscos e desvios que possam afetar o equilíbrio das contas públicas; 29 cumprimento de metas de resultados entre receita e despesa; obediência a limites e condições, conforme determina o §1º do art. 1º, da Lei Complementar nº 101/2000.9 Juarez Freitas (1997, p. 85-86.) diz que: no tocante ao princípio da economicidade ou da otimização da ação estatal, urge rememorar que o administrador está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo. Em outro dizer, tem o compromisso indeclinável de encontrar a solução mais adequada economicamente na gestão da coisa pública. A violação manifesta do princípio dar-se-á quando constatado vício de escolha assaz imperfeita dos meios ou dos parâmetros voltados para a obtenção de determinados fins administrativos. Não aparecerá, no controle à luz da economicidade, nenhum traço de invasão da discricionariedade, porém se é certo que esta precisa ser preservada, não é menos certo que qualquer discricionariedade legítima somente o será se guardar vinculação com os imperativos de adequação e sensatez. Segundo Marçal Justen Filho (2005, p. 70): economicidade significa, ainda mais, o dever de eficiência. Não bastam honestidade e boas intenções para validação dos atos administrativos. A economicidade impõe adoção da solução mais conveniente e eficiente do ponto de vista da gestão dos recursos públicos. Continua professando que: o Estado tem o dever de realizar a melhor contratação sob o ponto de vista da economicidade. Isso significa que a contratação comporta avaliação como modalidade de relação custo-benefício. A economicidade é o resultado da comparação entre encargos assumidos pelo Estado e direitos a ele atribuídos, em virtude da contratação administrativa (...). A economicidade exige que o Estado desembolse o mínimo e obtenha o máximo e o melhor. (JUSTEN FILHO, 2001, p. 63) Bugarin (2004, p. 129) coloca esse princípio como “a busca permanente pelos agentes públicos da melhor alocação possível dos escassos recursos públicos”. Assim é correto afirmar que a Administração Pública deve buscar sempre a contratação que lhe 9 Sobre o assunto consultar a Lei Complementar nº. 101, de 4 de maio de 2000 denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal. 30 seja mais econômica e vantajosa10, por isso talvez, alguns autores denominam esse principio como sendo da eficiência da aplicação dos recursos públicos. 2.2.8 Vinculação Essa vinculação ao instrumento convocatório diz respeito a obrigação que tem a Administração e o licitante de observar as normas e condições previamente estabelecidas no ato convocatório, de forma que nada pode ser criado ou feito sem que haja previsão no edital ou no convite. O edital faz Lei entre a Administração e o participante, e, como tal, os vincula aos seus termos11. Assim, estabelecidas as regras do certame, tornam-se inalteráveis para aquela licitação, durante todo o procedimento. O princípio da vinculação tem extrema importância, segundo Carvalho Filho (1995, p. 202): por ele, evita-se que a alteração dos critérios do julgamento, além de dar certeza aos interessados do que pretende a Administração. E se evita, finalmente, qualquer brecha que provoque a violação à moralidade administrativa, à impessoalidade e à probidade administrativa. E não poderia deixar de ser esse o entendimento dos tribunais, in verbis: EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EDITAL COMO INSTRUMENTO VINCULATÓRIO DAS PARTES. ALTERAÇÃO COM DESCUMPRIMENTO DA LEI. SEGURANÇA CONCEDIDA. É entendimento correntio na doutrina, como na jurisprudência, que o Edital, no procedimento licitatório, constitui lei entre as partes e é instrumento de validade dos atos praticados no curso da licitação. 10 Art. 3º da Lei n.º 8.666/1993 - a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa (...). (grifo nosso) 11 Art. 41 da Lei n.º 8666/1993 - A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital ao qual se acha estritamente vinculada. 31 Ao descumprir normas editalícias, a Administração frustra a própria razão de ser da licitação e viola os princípios que direcionam a atividade administrativa, tais como: o da legalidade, da moralidade e da isonomia. (...).12 Por isso, são informações imprescindíveis que devem constar do instrumento convocatório: dia, hora e local da abertura da licitação, quem receberá as propostas e as condições em que devem ser apresentadas, critério de julgamento, descrição do objeto do certame, indicação de meio para esclarecimento de eventuais dúvidas, fornecimento de informações técnicas (quando for o caso), prazo de cumprimento, garantia e outros elementos necessários ao inteiro conhecimento do objeto da licitação. E, se no decorrer da licitação a Administração por si mesmo ou por provocação verificar-se a inviabilidade do edital, este poderá ser corrigido se houver tempo, através da alteração dos itens ou por meio de aditamento. Em não sendo possível deverá a Administração invalidar o certame e providenciar novo edital, sempre com a publicação de seus atos. 2.2.9 Julgamento Objetivo Esse princípio tem grande ligação com o princípio da vinculação, uma vez que determina que o administrador deve observar critérios definidos no edital para o julgamento das propostas, afastando a possibilidade de o julgador utilizar-se de fatores subjetivos ou de critérios não previstos no ato convocatório, mesmo que em benefício da própria Administração. (grifo nosso) 12 STJ, MS nº 5.597/DF, 1ª S., Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 01.06.1998 32 Nesse sentido o artigo 44 caput e §1º e 45 caput da Lei nº. 8.666, determinam que: Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei. §1º É vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes. Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. Outrossim, o julgamento das propostas deve ser baseado em critérios previamente determinados e de conhecimento dos participantes do certame, não cabendo à Administração a discricionariedade de dizer qual é proposta vencedora. Segundo Justen Filho (2001, p. 448) o julgamento objetivo: exclue a parcialidade (tomada de decisão segundo o ponto de vista de uma parte). Mas isso é insuficiente. Além da imparcialidade, o julgamento tem de ser formulado a luz do interesse público. O interesse público não autoriza contudo, ignorarem-se as disposições norteadoras do ato convocatório e da Lei. Deste modo, “nulo é o edital omisso ou falho quanto ao critério e fatores de julgamento, como nula é a cláusula que, ignorando-os, deixa ao arbítrio da Comissão Julgadora a escolha das propostas que mais convier à Administração”. (MEIRELLES, 1999, p. 32) 2.3 MODALIDADES 33 Com a definição do objeto, o contratante deverá estimar o valor total da obra, bem ou serviço, por meio de pesquisa de mercado, determinando, então, a modalidade de certame adequada pela forma regulamentada na lei. Assim, determina o artigo 22 da Lei nº. 8.666, que são modalidades de licitação a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão. Entendese ainda como modalidade de licitação o pregão que tem previsão na Lei nº. 10.520/2002. Cada modalidade tem características próprias e destina-se a determinado tipo de contratação, conforme veremos a seguir. 2.3.1 Concorrência Segundo o artigo 22, §1º da Lei nº. 8.666, “concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto”. A concorrência é obrigatória para: a) Obras e serviços de engenharia de valor superior a R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) - (atualizado na forma do art. 120, com a redação dada pela Lei nº 9.648/98); b) Compras e serviços, exceto de engenharia, de valor superior a R$ 650.000,00 (seiscentos mil reais) - (atualizado na forma do art. 120, com a redação dada pela Lei nº 9.648/98); c) Compra e alienação de bens imóveis, qualquer que seja o seu valor, ressalvado o disposto no artigo 1913, que admite concorrência ou leilão para 13 Art. 19 da Lei nº 8.666/1993 - Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras: I - avaliação dos bens alienáveis; II - comprovação da necessidade ou utilidade da alienação; 34 a alienação de bens adquiridos em procedimentos judiciais ou mediante dação em pagamento (§ 3º do artigo 23, alterado pela Lei nº 9.883/94); d) Concessões de direito real de uso (§ 3º do artigo 23); e) Licitações internacionais, com ressalva para a tomada de preço e para o convite, na hipótese do §3º do artigo 23. E, é facultativa para os casos onde couber qualquer das outras modalidades. Ou seja, configura-se como a espécie apropriada para os contratos de grande vulto, grande valor, não se exigindo registro prévio ou cadastro dos interessados, cumprindo que satisfaçam as condições prescritas em edital, que deve ser publicado com, no mínimo, trinta dias de intervalo entre a publicação e o recebimento das propostas, exceto se for adotado um certame de acordo com os tipos, de menor preço, técnica e preço e melhor técnica, esse intervalo mínimo é dilatado para quarenta e cinco dias. 2.3.2 Tomada de Preços Pelo artigo 22, §2º da Lei nº. 8.666: tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. A tomada de preços é a modalidade adequada para contratações de vulto médio que incluem14: III - adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão. 14 Art. 23 da Lei n.º 8.666/1993 - As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: (...) I - para obras e serviços de engenharia b) tomada de preços - até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: b) tomada de preços - até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); (...) 35 a) obras e serviços de engenharia de até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); b) compras e serviços de até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais). Essa modalidade distingue-se da concorrência pela necessidade de cadastro prévio dos participantes. A publicidade exigida pelo o artigo 21, §2º, III, é de que a publicação se faça com 15 dias de antecedência, salvo para as licitações de “melhor técnica” ou “técnica e preço”, quando o prazo passa para trinta dias. 2.3.3 Convite O convite é a modalidade de licitação que pode ser considerada mais simples. Pelo §3º do artigo 22, o convite dar-se-á entre os interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de três pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 horas da apresentação das propostas. Nesse caso, a Administração escolhe quem convidar, entre os possíveis interessados, cadastrados ou não. Difere-se das demais modalidades por ser a que possue menor obrigatoriedade de publicidade, já que a Lei não exige publicação de edital, uma vez que a convocação se faz por escrito, com antecedência mínima de cinco dias úteis. 36 Cabe a modalidade convite para obras e serviços de engenharia de até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) e para compras e serviços de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sendo que é facultado a Administração, nesses casos, também utilizar a tomada de preços. 2.3.4 Concurso O artigo 22 da Lei, em seu inciso 4º discorre que o concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias. Para Hely Lopes Meirelles (1999, p. 90), “o concurso é uma modalidade de licitação de natureza especial, porque, apesar de se reger pelos princípios da publicidade e da igualdade entre os participantes, objetivando a escolha do melhor trabalho, dispensa as formalidades específicas da concorrência”. Os prêmios a que se refere o inciso dizem respeito a correspondente contrapartida, econômica ou não, que poderá consistir um bem economicamente avaliável como em uma honraria de outra natureza, ou seja, nada mais é do que um incentivo dado aos interessados em participar do concurso. (JUSTEN, 2000, p. 206) O concurso é a modalidade que exige a maior divulgação, devendo a publicação do edital guardar um prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias, 37 resguardado o dever da Administração em estipular um prazo mais longo se assim o achar necessário. No caso de concurso, o julgamento será feito por uma comissão denominada especial, que deve ser composta por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria, podendo inclusive compor a comissão pessoas que não sejam servidores públicos. 2.3.5 Leilão Previsto na §5º do artigo 22, o leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação. Cabe ainda para a alienação de bens imóveis adquiridos em procedimentos judiciais ou de doação, a quem oferecer maior lance (melhor preço), desde que igual ou superior ao da avaliação. O leilão é o procedimento mais tradicional, podendo ocorrer de duas formas: o leilão comum é aquele privativo de leiloeiro oficial e o leilão administrativo é realizado por servidor público15. Aos interessados em participar do leilão não é exigida habilitação prévia, uma vez que o pagamento, em regra, é à vista. Os bens a serem leiloados serão avaliados e constará do edital o valor mínimo a ser ofertado. O edital ainda deve indicar as condições do bem, local onde se 15 Sobre o assunto, consultar o artigo 53 da Lei nº. 8.666/1993. 38 encontra, para que seja possível um exame prévio por parte dos interessados, bem como as informações básicas como dia, horário e local de realização do pregão. No dia, os lances serão verbais, e ao final, vence o maior lance igual ou superior ao da avaliação. 2.3.6 Pregão A modalidade licitatória denominada pregão foi instituída pela Medida Provisória nº. 2.026, de 04 de maio de 2000, convertida na Lei nº. 10.520/2002, regulamentada pelo Decreto nº. 3.555 de 2000. No pregão há disputa, em sessão pública, pelo fornecimento de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado16. Os licitantes apresentam suas propostas de preço por escrito e por lances verbais, independentemente do valor estimado da contratação. Podendo inclusive sua realização através da utilização de recursos de tecnologia da informação. Ao contrário do que ocorre em outras modalidades, no Pregão a escolha da proposta é feita antes da análise da documentação, o que dá maior celeridade ao processo. 16 Sobre o assunto, consultar o art. 1º parágrafo único da Lei 10.520/2002 39 2.4 TIPOS O tipo de licitação, que jamais deve ser confundido com a modalidade, é o critério que será observado para o julgamento da proposta mais vantajosa para a Administração Pública e deverá ser definido no edital de convocação17. Assim, os tipos previstos no artigo 45 §1º da lei dividem-se em “melhor preço”, “melhor técnica” e “técnica e preço”. Cumpre ainda, salientar que os tipos de licitação indicados não se aplicam a modalidade concurso, que deverá apresentar critérios específicos de julgamento. 2.4.1 Menor Preço É o critério de seleção em que a proposta mais vantajosa para a Administração é a de menor preço (artigo 45 §1º, I). Nesse caso, o julgamento não pode ser um ato discricionário da Administração, pois levar-se-á em conta a vantagem econômica. É utilizado para compras e serviços de um modo geral e para contratação e bens e serviços de informática, cujo objeto não possua maiores complexidades técnicas e que permita um julgamento isonômico entre as propostas. Ou seja, nas palavras do Professor Marçal Justen (1994, p. 296/297), “somente se admite a licitação menor preço quando inexistir peculiaridade ou especificidade técnica na configuração do objeto da licitação”. 17 Conforme art. 40, VII da Lei n°. 8.666/93 40 2.4.2 Melhor Técnica Conforme disposição no art. 46, §1º, incs. I a IV da Lei n°. 8.666/93, o tipo denominado "melhor técnica", leva em consideração a obra, serviço ou material mais perfeito e adequado. É comumente utilizado para obras, serviços ou fornecimentos de alta complexidade e especialização e predominantemente intelectual, como na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral, e em particular, para elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos. No tipo "melhor técnica" os proponentes deverão apresentar três envelopes, um para a documentação, um para a proposta técnica e outro para a proposta de preço. Neste caso, a Administração deverá indicar no edital o valor máximo a ser pago e, ainda, a nota mínima a ser obtida pela proposta técnica. 2.4.3 Técnica e Preço Com procedimento previsto no art. 46, §2º, incs. I e II da Lei n°. 8.666/93, o tipo “técnica e preço” utiliza-se do critério de seleção em que a proposta mais vantajosa para a Administração é escolhida com base na maior média ponderada, considerando-se as notas obtidas nas propostas de preço e de técnica. Aqui a Administração Pública escolherá a proposta mais vantajosa economicamente que 41 apresente os critérios técnicos, mínimos, descrito no ato convocatório. É obrigatório para a contratação de bens e serviços de informática, nas modalidades tomada de preços e concorrência.18 Como no tipo “melhor técnica”, está restrita aos serviços de natureza intelectual (CITADINI, 1999, p. 358.), mas difere-se daquela porque lá a técnica prepondera sobre qualquer outro critério, enquanto que no tipo “técnica e preço” os dois fatores deverão ser conjugados. 2.5 INEXIGIBILIDADE E DISPENSA Como já visto, a licitação é regra para a Administração Pública quando contrata obras, bens e serviços. No entanto, a própria Lei apresenta exceções a essa regra, são os casos em que a licitação é legalmente dispensada, dispensável ou inexigível. Os casos de dispensa são taxativos e só ocorrem nas estritas hipóteses previstas no artigo 24 da lei, que determinam onde é possível a contratação direta entre a Administração Pública e o particular. A dispensa de licitação vem dizer os casos onde é desnecessário licitar por uma questão de razoabilidade. Sobre o tema, Marçal Justen Filho (2000, p. 234) discorre: 18 §4º Para contratação de bens e serviços de informática, a administração observará o disposto no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, levando em conta os fatores especificados em seu parágrafo 2º e adotando obrigatoriamente o tipo de licitação "técnica e preço", permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) 42 a dispensa de licitação verifica-se em situações em que, embora viável competição entre particulares, a licitação afigura-se inconveniente ao interesse público. Consoante ao já citado, o professor Marçal (2000, p. 234), continua: para a caracterização da hipótese de dispensa de licitação é necessário o preenchimento de dois requisitos, quais sejam, a demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano e a demonstração de que a contratação é a via adequada e efetiva para eliminar o risco. Já as hipóteses de inexigibilidade, previstas no artigo 25 da lei, ocorrem quando houver a inviabilidade da competição, uma vez que um dos competidores reúne qualidades exclusivas, que não alcançariam outros pretensos participantes. Como já narrado, os casos de dispensa constituem um rol taxativo apresentado pelo referido artigo, enquanto que a inexigibilidade possue rol exemplificativo. E mais, nos casos de dispensa o administrador tem a faculdade de licitar ou não, enquanto que na inexigibilidade, há impossibilidade de ser realizado o certame. 43 3. DIREITO PENAL DAS LICITAÇÕES Até a década de 90 eram previstos no Código Penal somente dois delitos relacionados diretamente a licitações. O artigo 32619 tratava da violação do sigilo de proposta em concorrência e o artigo 33520 do impedimento, perturbação ou fraude em concorrência. Claro, sem esquecer, de outros tipos inseridos no Código Penal que são aplicáveis as condutas puníveis no âmbito das licitações, como no caso de falsificação de documentos ou crimes contra a ordem econômica e mais, normas incriminadoras previstas em Leis extravagantes que tipifiquem condutas consideradas fora da normalidade. Segundo Justen Filho, (1998, p. 590): não havia, (...) um tratamento amplo e sistemático destinado a reprimir as possíveis e reprováveis condutas praticadas no âmbito de licitação. E chegou um momento em que “uma assustadora onda de suspeitas de irregularidades em licitações públicas (...) deixou patente a exigência de aperfeiçoar as 19 Art. 326 do Código Penal - devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo. Pena: detenção de três meses a um ano, e multa 20 Art. 335 do Código Penal - impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem. Pena: detenção de seis meses a dois anos ou multa, além da pena correspondente a violência. Parágrafo único: incorre na mesmo pena quem se abstém de concorrer ou licitar, em razão da vantagem oferecida 44 regras”21, para tanto verificou-se a necessidade da criação de mecanismos de punição específicos como formas de impedir a prática de fraudes e crimes licitatórios. Então, a partir de 1993, foi promulgada Lei nº. 8.666, que inovou ao prever em seu bojo sanções penais que tutelam crimes cometidos em matéria de licitações, que estão previstas a partir do artigo 89 até o artigo 99 e cominam penas de detenção que vão de seis meses a seis anos e multa. 3.1 ASPECTOS PENAIS Primeiramente, cumpre ressaltar que em se tratando de Licitação não tem aplicabilidade o artigo 327 do Código Penal, que conceitua servidor público, pois a Lei de Licitações trouxe em seu artigo 84 in verbis, um conceito próprio, e pelo princípio da especialidade é o aplicável ao assunto: 22 Art. 84. Considera-se servidor público (...) aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público. Desta forma, a Lei procurou evitar qualquer dubiedade de interpretação, conceituando de forma ampla o ente “servidor público” equiparando-se a eles, segundo o parágrafo 1º do inciso retro citado23, os Parlamentares e Chefes do Poder Executivo. 21 LISURA nas Licitações. Folha de São Paulo, 28 jan. 1993. Sobre o assunto consultar o art. 2º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil. 23 Art. 84 §1º da Lei nº 8.666/1993 - Equipara-se a servidor público, para os fins desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público. 22 45 E mais, em se tratando de servidor que ocupe cargo em comissão ou função de confiança a pena será acrescida de um terço.24 Os sujeitos passivos desses tipos penais coincidirão com os destinatários da Lei, quais sejam: a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, a autarquia, a fundação, a empresa pública, a sociedade de economia mista e demais entidades controladas por esses entes. Esses tipos penais são puníveis na forma dolosa pois não há previsão de punibilidade na modalidade culposa e são crimes de ação penal pública incondicionada cujo rito processual tem previsão nos artigos 100 a 108 da própria Lei. 3.1.1 Dos Crimes em Espécie Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiouse da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. As condutas puníveis neste caso são de três modalidades distintas: - dispensar: isentar o procedimento licitatório fora dos casos autorizados pelo artigo 24 da Lei 8.666; - inexigir: deixar de exigir, não promover ou obrigar que aconteça fora dos casos elencados no artigo 25; - deixar de observar o preceito em lei: não observar o previsto no artigo 26 da Lei (outras formalidades podem ter previsão em leis estaduais e municipais) de Licitações no que pertine a formalidade que deve ser observada nos casos de dispensa ou inexigibilidade. 24 Art. 84, §2º da Lei nº. 8.666. 46 A Lei de Licitações, como já tratado, é pautada por vários princípios, dentre eles o da legalidade, que determina que todos os seus atos devem observar a forma prescrita em Lei e o tipo penal previsto no artigo 89 tem como escopo a garantia de observância aos preceitos normativos e ainda, a moralidade administrativa. Para Diogenes Gasparin, o artigo 89 “visa impedir que as hipóteses de dispensa da exigibilidade sejam alargadas” (1995, p. 96). E Carlos Pellegrino (2000, p. 154) complementa ao afirmar que esse artigo objetiva “à consagração da isonomia entre os partícipes do certame”. Renato Geraldo Mendes (1998 p.146) é mais específico e afirma que: é de se observar que o tipo penal comporta duas situações distintas: a dispensa ou a inexigência não prevista em lei, bem como o não atendimento das formalidades impostas para efetivar-se a dispensa ou a inexigência. No primeiro caso, quer-se proteger o princípio da obrigatoriedade da licitação, como sendo a regra procedimental prévia à contratação. No segundo, tem-se em conta o atendimento da formalidade prevista no artigo 26 da Lei, consistente na justificativa, ratificação e publicidade do ato praticado. Exemplifica Nucci (2008, p. 811) “o agente pode realizar uma aquisição de bens para ente estatal prescindindo da licitação, quando estiver no contexto do preceituado pelo art. 24 da Lei nº. 8.666”. As condutas previstas no caput são de forma omissiva no que diz respeito ao verbo deixar de exigir e comissivas em se tratando de dispensar e inexigir. São crimes de perigo abstrato, pois, independem de lesão ao bem jurídico tutelado. E quando aplicado em sua forma plurissubsistente (cometido por intermédio de vários atos) admite a tentativa. (NUCCI, 2008, P. 816) Já, o parágrafo único do artigo 89 trata da punibilidade daquele que concorre para que haja a dispensa ou inexibilidade e se beneficia contratando com a 47 Administração. A conduta consuma-se diante da efetiva contratação, caso em que deve estar configurado o dolo específico que consiste em celebrar o contrato. Ainda, em se tratando do caput, o crime é próprio, ou seja, que somente pode ser cometido por determinada pessoa ou por pessoas investidas de função especial, nesse caso os servidores públicos. Ademais, se o particular concorrer para sua consumação e dela, de alguma forma, se beneficiar, incorre nas mesmas penalidades por força da aplicação dos artigos 2925 e 3026 do Código Penal, que tratam do concurso de pessoas. Segundo Marçal Justen (2005, p. 629) “será punível não apenas a autoridade responsável pela contratação, mas também o assessor jurídico que emitiu parecer favorável à contratação direta”. A pena prevista é de detenção de três a cinco anos, acrescida de pena pecuniária que deverá corresponder à vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente (art. 99 da Lei)27. Segundo Nucci (2008, p. 816) “não é aplicável o disposto na Lei nº 9.999/95 (nem transação, nem suspensão condicional do processo)”. Mas, poderá o magistrado, com base no artigo 4428 do Código Penal, substituir a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Excluirá a tipicidade os casos de dispensa e de inexigibilidade de licitações, cujo rol tem previsão nos artigos 24 e 25, respectivamente. O artigo 24 enuncia as vinte e nove hipóteses, taxativas, onde não é necessário licitar e o artigo 25 25 Art. 29 do Código Penal – quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas pena a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 26 Art. 30 do Código Penal – não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. 27 Art. 99 da Lei nº. 8.666/1003 - a pena de multa cominada nos artigos 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. 28 Art. 44 do Código Penal – as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade (...). 48 exemplifica os casos de inexigibilidade, onde estão ausentes os pressupostos para que seja aberta a licitação. Não será punido o servidor público que acreditar que a contratação é caso de dispensa ou de inexigibilidade e nem o particular que não souber da ilegalidade. Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. As condutas puníveis no artigo 90 tratam da frustração ou fraude ao caráter competitivo do certame sempre com o escopo de obter vantagem ilícita. A exemplo do artigo 89, neste artigo, o legislador buscou garantir a moralidade administrativa e a boa-fé no processo de licitação, e mais especificamente, o atendimento ao princípio da igualdade entre os licitantes e a observância do caráter competitivo do certame. Os dois verbos do tipo são: frustrar – colocar óbices ou deixar de observar o caráter competitivo do certame; e fraudar – enganar ou trapacear a competição. Somadas a necessidade de que haja uma combinação com outro licitante ou interessado no resultado da licitação. Por isso, podem ser sujeitos ativos desse tipo tanto o servidor público quanto o particular que tenha interesse em participar do processo licitatório. Nesse caso, figurará como sujeito passivo, além do ente público, o concorrente que for também vítima da fraude, que poderá habilitar-se como assistente do Ministério Público ou até mesmo promover ação penal subsidiária da pública. No caso previsto no artigo 90, deve estar configurado o dolo específico que é o de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação. Não sendo 49 admitida a forma culposa. Segundo Nucci (2008, p. 818), trata-se de crime formal, ou seja, "que não exige resultado naturalístico para a consumação, consistente em efetivo prejuízo a Administração, nem tampouco se demanda a obtenção de vantagem ao agente”. A pena é de detenção de dois a quatro anos acrescida de sanção pecuniária. Se o réu for primário e de bons antecedentes, tendo sido aplicado a pena mínima, cabe a aplicação do sursis ou, ainda, a conversão da pena de detenção por duas penas restritivas de direito ou uma pena restritiva de direito e uma de multa. Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. O verbo do tipo previsto no artigo 91 é “patrocinar” que trata de favorecer, facilitar ou proteger um participante em detrimento de outro. Ou seja, instaurar processo licitatório com base em interesse particular, deixando de atentar ao interesse público. O delito em tela sanciona o servidor que deixar de exercer seu dever de lealdade junto a Administração Pública. O presente tipo penal visa garantir a observância dos princípios da igualdade entre os licitantes e da impessoalidade, além, claro, do princípio da moralidade administrativa inerente a todos os tipos previstos na Lei de Licitações. Segundo Sidney Bittencourt (2001, p. 59) trata-se de delito que para sua configuração exigem-se três requisitos: a) que fique provado que alguém patrocinou direta ou indiretamente interesse privado perante a Administração; 50 b) que dessa ação tenha resultado a abertura de uma licitação ou assinatura de um contrato; c) que tenha, parte legítima, ingressado com ação para invalidar o ato ou contrato e que tal ação seja julgada procedente. Trata-se de crime próprio, pois o sujeito ativo desse tipo somente pode ser o servidor público, nos termos do artigo 84 da lei. A conduta do agente pode ser omissiva ou comissiva e o delito consuma-se ou quando o servidor deixa de praticar ato que uma vez praticado levaria a Administração Publica a deixar de contratar, ou quando da realização do certame ele é invalidado antes da adjudicação. A doutrina é divergente quanto a possibilidade de ser admissível a tentativa. Alguns, como Paulo José da Costa Junior (2004, p. 33) entendem ser admissível, uma vez que o agente pode dar início ao processo e no iter criminis deixar de acontecer por algum ato independente da vontade do agente. Por outro lado, Hely Lopes (1999, p. 167) é um dos que entendem não ser possível a configuração da tentativa, pois segundo ele, “o crime consuma-se com a realização da licitação ou celebração do contrato, mas a persecução fica subordinada à condição objetiva de punibilidade, que é a invalidação pelo Poder Judiciário”, o que inviabilizaria a admissão da tentativa. Soma-se a esse entendimento o de Nucci (2008, p. 819) que preceitua que o delito do artigo 91 “não admite tentativa por ser tratar de delito condicionado (consuma-se com a invalidação da licitação ou do contrato). Já, Marçal Justen (2005, p. 631) não só entende pela inaplicabilidade da tentativa como afirma ser impossível aplicar o próprio artigo 91 por ser uma figura despropositada. A pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos, aplicável cumulativamente com a pena de multa que deverá variar de 2% a 5% do valor do 51 contrato licitado29. Por tratar-se de crime de menor potencial ofensivo, aplica-se os benefícios da Lei nº 9.099/95, bem como, em caso de condenação a substituição da pena de detenção por pena restritiva de direitos, observados os requisitos do artigo 44, ou a concessão de sursis, nos termos do artigo 7730, ambos do Código Penal Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único: Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais. O delito previsto no artigo 92 tem como sujeito ativo o servidor público competente a praticar o ato que enseje modificação ou vantagem, incorrendo na mesma penalidade o contratado que concorra comprovadamente para a consumação da ilegalidade, nos termos do parágrafo único. Para esse artigo, o legislador prescreveu três condutas: admitir, possibilitar ou dar causa. Por “admitir” deve-se entender aceitar, acolher, concordar; “possibilitar” é dar condições e “dar causa” é realizar um ato que enseja numa alteração contratual ou em vantagem indevida. Em se tratando da segunda parte do caput a conduta é pagar e segundo Nucci (2008, p. 820) “pune-se o desprezo a ordem cronológica para o referido pagamento, o que fere a impessoalidade e a moralidade Administrativa, desde que existam vários particulares contratados, todos aguardando a quitação de parcelas”. 29 Art. 99, §1º da Lei nº. 8.666/1993. Art. 77 do Código Penal – a execução da pena privativa de liberdade, não superior a dois anos, poderá ser suspensa, por dois a quatro anos (...). 30 52 Quanto ao caput, trata-se de crime de perigo abstrato que se aperfeiçoa independente da verificação de prejuízo e consuma-se com a modificação contratual vantajosa para o contratante particular ou com o pagamento antecipado da fatura; formal, pois não exige o efetivo prejuízo a Administração No que se pertine ao parágrafo único, é crime material e de dano, pois depende da obtenção da vantagem indevida ou benefício e plurissubjetivo por ser cometido por mais de uma pessoa. Em se tratando do artigo 92, também a doutrina é divergente quanto a aplicabilidade da forma tentada. A sanção prevista no artigo 92 é de detenção, que vai de dois a quatro anos e multa, tanto para o servidor público quanto para o contratado que incorrer no tipo previsto no parágrafo único. A sanção pecuniária, a exemplo do tipo anterior, deverá ser aplicada em no mínino 2% e no máximo 5% do valor do contrato celebrado. A pena de detenção, se aplicada em seu grau mínimo, e admite a suspensão condicional da pena e a conversão em pena restritiva de diretos. Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. O tipo previsto no artigo 93 assemelha-se ao artigo 335 do Código Penal, que foi revogado, porém, é mais abrangente uma vez que tutela todos os atos do procedimento licitatório e não somente a concorrência pública. 53 O artigo procura assegurar a aplicação dos princípios da legalidade, vinculação ao ato convocatório e, ainda, a exemplo dos demais artigos, a moralidade administrativa. As condutas puníveis são de três modalidades: “impedir” que significa por óbices; “perturbar” que quer dizer atrapalhar, confundir e “fraudar” que seria enganar, tornar viciado o ato. Conforme exemplifica Nucci (2008, p. 822) “aquele que não permitir o desenvolvimento da licitação, conturbar seu andamento ou promover alguma ação para frustrar os propósitos do certame deve responder criminalmente, com base neste tipo penal”. O tipo em tela engloba desde os atos iniciais, como a abertura do edital até os atos finais (julgamento e adjudicação). Alguns doutrinadores indagam-se, inclusive, se estariam inseridos nessa expressão os atos preparatórios do certame, como a elaboração do edital. Não estão previstas causas excludentes da conduta, mas Vicente Greco (2007, p. 35) anota que: esse dispositivo contém, implícito, o elemento normativo „sem justa causa‟ ou „indevidamente‟ quanto ao „impedir‟ e o „perturbar‟, porque há situações em que o impedimento ou perturbação são não só legítimos mas necessários, como a utilização do mandado de segurança para suspender ou anular o procedimento viciado. Neste caso o elemento normativo integra-se ao subjetivo, porque a utilização de medida judicial perturbadora da licitação pode caracterizar a infração se tem o agente consciência da improcedência da sua pretensão e utiliza o remédio judicial com a intenção de perturbar o certame. O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, inclusive o servidor público, que incorra nos tipos previstos no artigo. Sendo esse crime punido somente 54 em sua forma dolosa, não será punido o agente que por displicência vier turbar ou embaraçar a concretização do certame. Quanto a sua classificação, é delito formal, de forma livre, comissivo, instantâneo, plurissubsistente, unissubjetivo e que admite a forma tentada. Quanto a consumação do crime previsto no artigo 93, Paulo Jose da Costa (2005, p. 44) doutrina: consuma-se o crime quando qualquer um dos atos licitatórios vier a ser impedido, turbado ou fraudado. (...) aperfeiçoa-se a primeira modalidade do delito no instante do ato impeditivo do processo licitatório. A segunda, quando o ato licitatório for realizado de modo anormal, em virtude de turbação. Na hipótese de fraude, no momento da realização do ato licitatório, de forma viciada. A pena prevista para aquele que incorre no delito previsto no artigo 93 é de detenção, que vai de seis meses a dois anos acrescida de multa, conforme previsão do artigo 99. E por ser delito de menor potencial ofensivo cabe a aplicação dos benefício da Lei nº 9.099/95, no que diz respeito a transação. Sendo aplicável a substituição da pena e a concessão de sursis nos termos do artigo 44 e 77, respectivamente, do Código Penal. Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena - detenção, de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa. O artigo 94 reproduziu em parte e revogou o artigo 326 do Código Penal. E tem como objetividade jurídica a igualdade, a imparcialidade, a competitividade e a boa-fé que devem ser observados nos processos licitatórios. E mais: busca a aplicabilidade do princípio do sigilo das propostas. 55 A conduta punível prevista é de duas modalidades: devassar ou proporcionar o ensejo de que o terceiro venha a devassar. Que trata de examinar o conteúdo dos envelopes antes do momento oportuno. No caso o crime só ocorrerá se a proposta já estiver sob a guarda e responsabilidade do ente da Administração Pública. Em se tratando de proporcionar a terceiro o ensejo de devassar o sigilo da proposta, o delito configura-se pela ação ou omissão, desde que esses atos permitam que terceiro viole o sigilo da proposta de concorrente. Por outro lado, não se configura o delito se tratar-se de certame anulado ou revogado. Cumpre ressaltar que conforme afirma Diogenes Gasparini (1995, p. 123): se o devassamento for de invólucro relativo ao certame licitatório (proposta técnica, proposta comercial), ainda que não esteja integrado a um procedimento formal de licitação, haverá crime de violação de correspondência previsto no artigo 151 do Código Penal31. Assim, incorrerá o agente em concurso material dos delitos previstos no artigo 151 do Código Penal, combinado com o artigo 94 da Lei de Licitações. E mais: em havendo qualquer tipo de recompensa poderá ainda o sujeito ser punido por corrupção ativa e passiva ou prevaricação. O sujeito ativo, segundo Nucci (2008, p. 823) pode ser qualquer pessoa que tenha acesso ao envelope e venha a conhecer o conteúdo das propostas. Com opinião contrária, Costa Junior (2005, p. 49) possue o entendimento de que o sujeito ativo só pode ser o agente da administração incumbido de guardar as propostas até a abertura 31 Art. 151 do Código Penal – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem. Pena de detenção de um a seis meses e multa. 56 que devasse ou proporcione o ensejo de devassar o sigilo da proposta. Ademais, o terceiro que vier a devassar será punido a titulo de co-autor do delito. O tipo consuma-se com o devassar da proposta, independente de qualquer prejuízo para à Administração, sendo admitida a tentativa se o sujeito no momento em que violar o lacre for surpreendido e impedido de ter acesso ao conteúdo da proposta. Ademais, é delito formal, de forma livre, comissivo, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente. A sanção prevista é de detenção, que varia de dois a três anos, cumulada da pena de multa, cabendo ao magistrado a análise de possível aplicação de substituição da pena ou sursis. Art. 95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida. Figura anteriormente prevista na segunda parte do artigo 335 do Código Penal, prevê que aquele que afaste mediante violência ou grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem, pessoa que tenha interesse de participar do certame incorre nas sanções de detenção de dois a quatro anos e multa cumuladas com a pena pelo crime de violência. Para tanto, afastar indica a eliminação do concorrente mediante violência ou grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem. O conceito de violência ou grave ameaça é o conhecimento pela matéria penal e trata de violência física, que pode 57 consistir em vias de fato, lesões, seqüestro e, até mesmo homicídio, e a ameaça que corresponde à violência moral que seria a promessa de causar mal injusto. O oferecimento de vantagem pode caracterizar-se por vantagem pecuniária ou, ainda, promessa de emprego, cargo, função, promoção ou apoio eleitoral diretamente a pessoa do licitante ou terceiro por ele indicado. Pode ser sujeito ativo qualquer pessoa que venha a praticar condutas previstas no caput do artigo com dolo. É delito comum, formal, de forma livre e instantâneo. Em se tratando do parágrafo único é omissivo e plurissubjetivo, e preceitua que incorrerá nas mesmas sanções o concorrente que em razão da vantagem oferecida desistir de concorrer. Para a consumação do crime basta a tentativa de afastar o concorrente com o emprego da violência física ou grave ameaça, da fraude ou da oferta de vantagem, pois o legislador equiparou a forma consumada (afastar o licitante) da mera tentativa (procurar afastar licitante, mas não conseguir o objetivo). (Nucci, 2008, p. 825) Nucci (2008, p. 826) é da opinião de que esse artigo é inconstitucional, pois, entende ele ser arbitrário e lesivo ao princípio da intervenção mínima. Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente: I - elevando arbitrariamente os preços; II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; III - entregando uma mercadoria por outra; IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. 58 O delito previsto no artigo 96 é o de fraudar o certame licitatório em detrimento da Fazenda Pública. Hely Lopes Meirelles (1999, p. 167) diz tratar-se de “estelionato licitatório”, que tem como escopo a proteção dos interesses da Administração Pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que participe da licitação, ou contratado que venha a agir por meio ardil fazendo com que a Administração Pública escolha a sua proposta por crer ser a mais vantajosa. Para tanto, a Lei elencou cinco hipóteses, cujo rol é taxativo (GASPARIN, 1995, p. 146). No inciso I, a modalidade prevista é a de elevar arbitrariamente os preços, aqui a conduta é a de majorar de forma desmotivada os preços. Marçal Justen (2005, p. 635) afirma que esse “dispositivo é inconstitucional por ofender os arts. 5º, inc. XXII (garantia ao direito de propriedade), e 170, inc. IV (livre concorrência)”. E continua, “todo particular tem assegurada a mais ampla liberdade de formular propostas de contratação à Administração Pública”. Cabendo, assim, à Administração Pública rejeitar a proposta que entender arbitrária, não incorrendo o particular em crime. Mas, Meirelles (1999, p. 167) complementa “mister, não esquecer que antes a norma penal exige a conduta „fraudar‟. Portanto, a lei pune a elevação arbitrária dos preços mediante fraude. Não a mera conduta de elevar arbitrariamente os preços”. O inciso II, tipifica a conduta de vender, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada (não autêntica) ou deteriorada (mercadoria autêntica, mas danificada). O delito aqui aperfeiçoa-se com a entrega do objeto da contratação falsificado ou deteriorado. 59 O inciso III é mais abrangente e trata de entregar uma mercadoria por outra. Cumpre salientar que ter-se-á a conduta se a troca dar-se por mercadoria inferior. “Se a substituição for in melius não há que falar em crime, em razão da ausência de prejuízo por parte da Fazenda Pública” (COSTA JUNIOR, 2005, p. 58). O inciso IV trata da alteração de substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida, nessa hipótese cogita-se a alteração da mercadoria. Da mesma forma que no inciso anterior a alteração, para ter efeito penal, deve ser para pior, ou seja em detrimento da Administração. Por fim, o inciso V fala de tornar por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato. Nucci (2008, p. 828) sustenta a inconstitucionalidade desse tipo sancionador, pois, “cada licitante faz a proposta que quiser. Se for injusta ou onerosa não será selecionada pela administração”. E complementa ele, “além disso, se é mera proposta, não pode se falar em prejuízo para o Poder Público”. Outrossim, as condutas previstas no artigo 96 somente se aperfeiçoam se se configurar a lesão ao erário público. Esse é o sentido do presente julgado: o tipo previsto no art. 96, III da Lei 8.666/93 exige a caracterização de prejuízo da Fazenda Pública, associada à vantagem econômica auferida pelo licitante. Não restando comprovado o prejuízo nem tampouco a obtenção de vantagem econômica, impõem-se reconhecer a atipicidade da conduta do acusado.32 O delito do artigo 96 é crime material que consuma-se diante do prejuízo efetivo da Administração Pública, que dá-se com o pagamento da fatura relativa ao 32 Ap. 2000.050.00.037482-0 – PB, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 1ª Turma. 22/11/2001. Relatora Des. Margarida Cantarelli, DJU 24/01/2002. 60 objeto licitado; de forma vinculada, pois, só pode ser cometido pelos meios previstos no artigo; comissivo; unissubjetivo e plurissubsistente, sendo admissível a tentativa. A sanção prevista é de detenção que varia de três a seis anos, cumulada da pena de multa. Não sendo cabível os benefícios da Lei nº 9.099, pode o juiz, observados os requisitos, fazer a substituição da pena ou a suspensão condicional da pena se esta não ultrapassar quatro anos. Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração. O sujeito ativo do delito, previsto no caput do artigo 97, só pode ser o servidor público que venha a aceitar a participação no certame ou celebre contrato com empresa ou profissional inidôneo33 de que conhecia sua situação. Não há o que se falar em crime se o servidor não tinha conhecimento da inidoneidade do licitante ou mesmo se o licitante munido de liminar, posteriormente cassada, participasse do certame. A declaração de inidoneidade de que trata o artigo é a sanção administrativa mais grave que pode ser aplicada a um licitante, devendo a pessoa que se encontrar 33 Art. 87 da Lei nº 8.666/1003 - Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes (...). 61 nesse estado se abster de tomar parte em licitação ou de celebrar contrato administrativo. (Nucci, 2005, p. 810). No que se pertine ao parágrafo único, é sujeito ativo do crime o próprio participante que tenha contra si uma declaração de inidoneidade e que venha se candidatar à licitação. O delito do caput consuma-se com a habilitação ou com a celebração do contrato com pessoa física ou jurídica declarada inidônea. Já o crime do parágrafo único aperfeiçoa-se com a apresentação da proposta ou celebração do contrato. Trata-se de crime formal, de forma livre, comissivo, unissubjetivo, plurissubsistente, que admite a tentativa e que tem como elemento subjetivo o dolo Por ser delito de menor potencial ofensivo, cuja pena é de detenção variável de seis meses a dois anos, aplica-se o disposto pela Lei nº 9.099, sendo em caso de condenação possível a aplicabilidade dos artigos 44 e 77, ambos do Código Penal, que tratam, respectivamente, da substituição da pena e do sursis, cabendo ainda, a aplicação da pena pecuniária Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. O artigo 98 tem como objeto a eficiência da Administração Pública e comina, na primeira parte, sanção ao servidor que colocar óbices, embaraços ou tornar 62 dificultosa a inscrição de interessado nos registros cadastrais.34 Já, na segunda parte, sanciona aquele que dá causa a alteração, suspensão ou cancelamento do referido registro. Em ambas as hipóteses o sujeito ativo é o servidor público. Ademais, o sujeito passivo, além da Administração Pública, é o concorrente que venha a ser prejudicado por ter o seu registro impedido ou modificado por qualquer das modalidades previstas no artigo 98. Segundo Nucci (2008, p. 831), “o objeto jurídico é a proteção dos interesses da Administração Pública, nos seus aspectos patrimonial e moral. Afinal, quanto mais pessoas cadastradas existirem, melhor será a licitação e, como regra, mais vantagens obterão os entes estatais”. É crime com classificação de próprio, formal, de forma livre, comissivo, unissubjetivo plurissubsistente e que admite a forma tentada. A pena cominada pelo artigo é de detenção de, no mínimo, seis meses e no máximo dois anos, cumulada da pena de multa, que por ser de menor potencial ofensivo, a exemplo do artigo anterior, aplica os benefícios da Lei dos Juizados Especiais, no que diz respeito a matéria criminal, bem como a substituição da pena e o sursis, em caso de condenação com previsão no Código Penal. 34 Art. 34 da Lei 8.666/1993 - Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública que realizem freqüentemente licitações manterão registros cadastrais para efeito de habilitação, na forma regulamentar, válidos por, no máximo, um ano. 63 3.1.2 Aplicação de Sanção Pecuniária O artigo 99 da Lei n.º 8.666 prevê que: A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. A destarte, a sentença deverá trazer, além da aplicação de sanção privativa de liberdade, a pena de multa que deverá ser fixada proporcionalmente e tendo em vista o proveito auferido pelo agente. Em se tratando de matéria penal em licitação e contratos administrativos, não tem aplicabilidade a regra do dia-multa (art. 49 e seguintes do Código Penal), por ser a Lei de Licitações específica e aplicável em detrimento da lei geral, conforme preceitua o princípio da especialidade. Porém, nem sempre é possível estabelecer qual vantagem teve o sujeito passivo, por isso, há quem entenda que esses “cálculos serão realizados com base em fluidas e hipotéticas, sem o caráter de certeza, indispensável ao direito penal”. (COSTA JUNIOR, 2005, p. 74) O quantum será fixado em sentença tendo como base índices percentuais que variam de 2% a 5% do valor licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade.35 Sendo o produto da arrecadação revertido, conforme preceitua o §2º do supracitado artigo, à Fazenda da entidade licitante, sujeito passivo do crime. 35 Art. 99 §1o da Lei 8.666/1993 - Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. 64 Para Vicente Greco (2007, p. 68) “a sanção pecuniária que vem sendo proclamada por todos como a sanção por excelência por não dispor dos inconvenientes vários da pena privativa de liberdade, mostra-se inviável, impossível de ser aplicada com os critérios indispensáveis da certeza”. "Desse modo, a sanção pecuniária constante da presente lei, nos termos em que foi delineada, viola o princípio da segurança jurídico-penal, consagrado pelo art. 5º, XXXIX, da Constituição vigente. (COSTA JUNIOR, 1994, p. 67). 3.1.3 Das Penas Complementares Aplicadas aos Servidores Públicos Além da pena privativa de liberdade e da aplicação de multa, o servidor público que incorrer em qualquer dos crimes previstos pela lei se sujeita à responsabilidade civil e criminal.36 Podendo, inclusive ser condenado a recompor os danos com recursos próprios, aplicando-se para tanto as regras de direito privado de composição de perdas e danos. A cominação de responsabilização prevista no artigo 82 vem reforçar regras há muito já estabelecidas. Para ilustrar, o caput do artigo 6º da Lei nº 4.898/65 (Abuso de autoridade) dispõe: “o abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa, civil e penal”, e a previsão do artigo 10º da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa): 36 Art. 82 da Lei 8.666/1993 - Os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar. 65 constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres (...), e notadamente: (...) VIII – frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. Ademais, poderá o servidor público perder cargo, emprego, função ou mandato eletivo conforme previsão do artigo 83 que disciplina que: os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo. No que se refere a perda de cargo, emprego, função ou mandato não há o que se falar em conseqüência da sentença penal condenatória, essas sanções são derivadas de processos administrativo especialmente instaurado para esse fim. Se o juiz criminal entender conveniente poderá aplicar a regra do artigo 92, I, a do Código Penal.37 3.1.4 Do Processo Os delitos previstos nos artigo de 89 a 98 da Lei 8.666/93 são de ação penal pública incondicionada, sendo possível a aplicação da ação penal privada subsidiária da pública, conforme previsão do artigo 103 da mesma lei.38 37 Art. 92 da Lei 8.666/1993 - São também efeitos da condenação: I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. 38 Art. 103 da Lei 8.666/1993 - Será admitida ação penal privada subsidiária da pública, se esta não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, no que couber, o disposto nos artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal. 66 Assim, sempre que existirem indícios de qualquer desses crimes, poderá qualquer pessoa provocar a iniciativa do Ministério Público; tendo os servidores públicos o dever de comunicar qualquer fato estranho à moralidade licitatório ou dos contratos.39 Sendo facultado aos particulares que tenham acesso a essas informações dar ciência ao parquet. Essa comunicação pode ou não ser feita por escrito, cabendo ao Ministério Público o dever de investigar, requisitando, até mesmo, a abertura de inquérito policial. E, mesmo não havendo previsão na Lei nº. 8.666, o descumprimento da norma pode caracterizar o crime de prevaricação previsto no artigo 319 do Código Penal, que preceitua que “retardar ou deixar de praticar, indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei, para satisfazer sentimento ou interesse pessoal”. A Lei prevê em seus artigos 104 a 107 um procedimento penal próprio dinâmico e célere de rito sumaríssimo, onde com o recebimento da denúncia o réu é citado para interrogatório e em 10 (dez) dias poderá apresentar defesa escrita, juntar documentos, indicar as provas que pretende produzir e arrolar até 05 (cinco) testemunhas. Com a oitiva de testemunhas da acusação e defesa e após diligências abre-se prazo sucessivo de 05 (cinco) dias para apresentação de alegações finais. Quando decorrido esse prazo sobem os autos conclusos em 24 (vinte e quatro) horas para 39 Art. 102 da Lei 8.666/1993 - Quando em autos ou documentos de que conhecerem, os magistrados, os membros dos Tribunais ou Conselhos de Contas ou os titulares dos órgãos integrantes do sistema de controle interno de qualquer dos Poderes verificarem a existência dos crimes definidos nesta Lei, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia. 67 sentença, que deverá ser proferida num prazo de 10 (dez) dias, da qual cabe recurso de apelação em 05 (cinco) dias. Por fim, o artigo 108 trata da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal ao que for omissa a Lei 8.666.40 Nucci (2008 p. 834) trata da inutilidade dos artigos que prevêem o processo aplicado aos crimes licitatórios, pois segundo ele, “limitou-se o legislador a repetir preceitos gerais do Código de Processo Penal e a estabelecer um procedimento minimamente modificado em relação ao procedimento comum também do CPP”. 40 Art. 108 do Código de Processo Penal - no processamento e julgamento das infrações penais definidas nesta Lei, assim como nos recursos e nas execuções que lhes digam respeito, aplicar-se-ão, subsidiariamente, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal. 68 4 CONCLUSÃO A Constituição Federal de 1988 prescreveu o dever que tem a Administração Pública de contratar por meio de procedimento licitatório. Para tanto mostrou-se necessária a criação de uma lei que regulasse as licitações e os contratos administrativos. Assim, com base em princípios gerais do direito e na ânsia de que se resolvessem os problemas existente na década de 80 quanto a falta de lisura nos certames licitatórios foi promulgada em 21 de junho de 1993 a Lei nº. 8.666. A lei veio para ser um limitador com a expectativa de que ela traria para o âmbito das licitações a moralidade que faltava e para tanto inseriu em seu texto até mesmo sanções administrativas e penais, cabendo a Administração Pública no cumprimento do dever de auto-tutela, cominar essas penalidades àqueles que direta ou indiretamente pratiquem condutas consideradas antijurídicas. Prevê a norma penas de detenção que variam de seis meses a seis anos acrescidas da pena de multa pecuniária calculada sobre o valor da vantagem auferida pelo agente. Porém, na opinião de Hely Lopes Meirelles que é corroborada por Guilherme de Souza Nucci, o que seria um facilitador tornou-se um empecilho, pois a lei além de confusa e intricada é em alguns pontos inaplicável, podendo ser até mesmo considerada inconstitucional. Para ilustrar cite-se a ambigüidade de alguns dispositivos relativos a matéria penal que em artigos diferentes cominam sanções a delitos semelhantes. Os artigos 90 69 e 93, onde o primeiro fala de fraudar o caráter competitivo e o segundo em fraudar qualquer ato do certame. Se fossem analisados conjuntamente poder-se-ia dizer que são muito semelhantes, até mesmo que um poderia englobar o outro, porém, cominam penas diferentes aos delitos a eles referidos. Ou pior, como aplicar o parágrafo único do artigo 95 que pune o interessado que desiste de licitar. Sob quais fundamentos pode-se punir alguma pessoa que em princípio demonstre interesse de participar do certame, mas que por fator superveniente desiste de licitar, como provar que foi em razão de vantagem oferecida. Nesse sentido, pode, inclusive, ser punido alguém que por meio de tratativas lícitas absteve-se de licitar. O que se falar então da aplicação do artigo 99 que trata da pena pecuniária. Como auferir a vantagem do agente, por exemplo, no caso do artigo 97 que trata de admitir a participação de profissional inidôneo no certame. Somam-se a essas outras interpretações ambíguas que nos levam a crer pela quase total inaplicabilidade dos artigos penais da Lei de Licitações. Na realidade o que ocorre é que o caos que ocorria na década de 80 jamais deixou de existir, foi na verdade camuflado por noticias esperançosas de que a nova lei seria a resolução de todas as dificuldades. Mas, depois de um tempo, verificou-se que a lei gerava sim incertezas e tumulto na sua aplicação. Vários tipos penais ali inseridos são muito abrangentes e conceituados sem qualquer critério científico, tornando sua aplicação problemática. 70 Assim, conclui-se que a parte penal da Lei de Licitações deve ser reformulada afim de que se consiga alcançar o seu intento que é punir de forma eficaz o agente que atenta contra a moralidade administrativa e econômica do ente federado. 71 REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996. BIERRENBACH, Sheila; FREITAS, André Guilherme Tavares de Freitas; LIMA, Marcellus Polastri. Crimes na lei de licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007 BITTENCOURT, Sidney. Licitação passo a passo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1995. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil/ colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto e Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt. São Paulo: Saraiva, 2000. 22ª ed. BRASIL, Decreto Legislativo nº. 2.926, 14 de maio de 1862. 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