ASSESSORIA DE IMPRENSA DO GABINETE

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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS
Edição Nº 47
[ 21 a 27/7/2011 ]
Sumário
CINEMA E TV...............................................................................................................3
O Estado de S. Paulo - Um assalto quase perfeito.........................................................................3
O Estado de S. Paulo - Estudo aprova gays em novela..................................................................4
O Globo - ‘Filhos de João’, uma ode ao coletivo.............................................................................5
Estado de Minas - Coisa de cinema................................................................................................6
O Estado de S. Paulo - Brasil animado...........................................................................................7
CartaCapital - A convicção tranquila...............................................................................................9
O Globo - Adorável vagabundo.....................................................................................................11
Folha de S. Paulo - Autores recebem por exibição no exterior......................................................13
TEATRO E DANÇA....................................................................................................13
Folha de S. Paulo - "Gargólios" sintetiza envelhecimento e renascimento de Gerald Thomas.....14
Folha de S. Paulo - Itaú Cultural quer "repatriar" acervo de Augusto Boal....................................14
Folha de S. Paulo - Maracatu inspira novo balé do Cisne Negro..................................................15
O Globo - Um operário da ópera ..................................................................................................16
Correio Braziliense - Parabéns pro Calango Voador.....................................................................19
O Globo - Sofrimento, lucidez e denúncia em forma de recital .....................................................20
Folha de S. Paulo - Corpo ganha nova leitura em formato vídeo..................................................21
O Estado de S. Paulo - Rumo aos 100.........................................................................................21
Folha de S. Paulo - Lenda brasileira inspira peça do Ballet Nacional de Cuba.............................22
ARTES PLÁSTICAS...................................................................................................23
O Estado de S. Paulo - Obra imersa em mitos..............................................................................23
Correio Braziliense - Brasília é sonho e realidade.........................................................................24
Folha de S. Paulo - Artista cria museu de mundo imaginário........................................................26
O Globo - Mestres da gravura saem das mapotecas....................................................................27
MÚSICA......................................................................................................................28
O Globo - Passado e futuro em Mariana de Moraes .................................................................28
Correio Braziliense - Aula de Reco e sua turma............................................................................29
Estado de Minas - Roquezaram a sinfônica..................................................................................29
O Globo - Selma Reis interpreta sucessos e versos.....................................................................30
Valor Econômico - Tropicália em tributo estelar............................................................................31
Correio Braziliense - Hermeto, Aline e o latão...............................................................................31
Correio Braziliense - Taguatinga no Porão....................................................................................32
O Estado de S. Paulo - Racionais já desfruta do status de ''clássico''...........................................33
O Estado de S. Paulo - Um pouco de todos..................................................................................34
Estado de Minas - O múltiplo Zé Ricardo......................................................................................37
Haaretz (Israel) - Gilberto Gil's Ra'anana show was rhythmic and kinetic, with the feel of a party
and not a concert. .........................................................................................................................38
Correio Braziliense - De volta à pauleira.......................................................................................38
Folha de S. Paulo - Racionais MC's mostra com quantos aliados se faz um show de rap............40
O Globo - Uma diva que não perde o rebolado ...........................................................................40
LIVROS E LITERATURA...........................................................................................41
Folha de S. Paulo - Pesquisa narra horrores do tráfico de escravos.............................................41
O Globo - Brasil ensaia passos para ser protagonista em Frankfurt.............................................42
MODA.........................................................................................................................44
Folha de S. Paulo - Quarentão paz & amor...................................................................................44
OUTROS.....................................................................................................................45
O Estado de S. Paulo - As poéticas do múltiplo Xico chaves........................................................45
Correio Braziliense - A festa das culturas......................................................................................46
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CINEMA E TV
O ESTADO DE S. PAULO -
Um assalto quase perfeito
Em seu primeiro longa, o diretor Marcos Paulo investe em história real
Luiz Carlos Merten
(21/07/2011) - Hermila Guedes veste o modelito da mulher fatal em Assalto ao Banco Central.
Acostumada aos filmes pequenos - e autorais - ela participa de seu primeiro blockbuster. "É outro
universo", reconhece, sem preconceito. Milhem Cortaz é outro que tem incursionado pelo cinema de
autor, mas com passagens anteriores por filmes de orçamentos maiores, pelo menos para os padrões
do cinema brasileiro. Cortaz faz, num filme cheio de núcleos - e personagens -, aquele que o
espectador talvez identifique como o protagonista da história. Ele analisa: "Durante muito tempo me
interessei pelas histórias. Agora, estou numa fase de me interessar mais pelos personagens". Ele
acha que a participação da preparadora de elenco Fátima Toledo foi essencial no filme de Marcos
Paulo.
Divulgação
Sem tiros. Eriberto Leão faz o personagem Mineiro
e Hermila Guedes é a femme fatale Carla
"Ela teve pouco tempo para trabalhar com a gente.
Avisou que ia se concentrar na ideia do grupo.
Basicamente, a Fátima fez com que pensássemos
e atuássemos em grupo." Isso é muito importante
num filme que conta a história do assalto ao Banco
Central, em Fortaleza. Um grupo cavou um túnel
até o cofre e fugiu com R$ 164 milhões. O diretor
Marcos Paulo - um veterano da TV, estreando no
cinema - reforça a observação de Cortaz. "A
Fátima foi decisiva no processo de Assalto. Estou trabalhando com atores novos e com aqueles que
considero meus curingas, aos quais estou acostumado na televisão - Lima Duarte, Tonico Pereira,
Milton Gonçalves, Daniel Filho. A Fátima me ajudou a dar um tom, uma uniformidade à interpretação,
independentemente dos núcleos da história."
O filme que estreia amanhã em 300 salas é uma produção da Total Entertainment. Sempre houve,
por parte da produtora Walkiria Barbosa, a intenção de contar a história do maior assalto ocorrido no
País. O projeto começou a tomar forma quando Marcos Paulo foi visitar o set de Se Eu Fosse Você 2,
de Daniel Filho. Em conversa, ele revelou que seu sonho era fazer um filme sobre o assalto. Ali
mesmo foi selada a união.
Em tempo recorde, a produção foi montada - cara para os padrões do cinema nacional, R$ 7,5
milhões, mas uma ninharia para o cinema de ação de Hollywood. A Fox foi parceira desde a primeira
hora. A Fox International deu assessoria artística. Internamente, a produção brincava que estava
fazendo o seu Ocean"s Eleven, Onze Homens e Um Segredo. Marcos Paulo discorda.
"O assalto deles foi planejado com computador, o nosso com base em desenhos e quando Tonico
Pereira vai escavar o túnel ele diz que não sabe que m... vai encontrar porque é Brasil." Embora
inspirada numa história real, o filme é ficção. Alguns incidentes ocorreram como estão relatados na
tela. O núcleo dos federais, incluindo a corrupção, foi feito a partir de pesquisa e muito diálogo.
Marcos Paulo sempre soube que estava fazendo o seu comentário sobre o País - e a impunidade,
que nos aflige e não é, ao contrário do que se diz, um fenômeno só brasileiro.
Alguns dilemas de um filme policial à brasileira
Luiz Zanin Oricchio
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Eis aí um grande tema, ponto de partida excelente para um filme. Um assalto que produz butim
miliardário, executado sem o disparo de um único tiro e, depois, investigado por uma polícia que se
comporta com igual excelência. Foi assim o assalto ao Banco Central de Fortaleza, realizado em
2005, que rendeu R$ 164 milhões aos ladrões.
Criando sobre fatos de alta complexidade, a ficção não teria alternativa senão simplificar elementos.
Por exemplo, reduzir o número de personagens, sem o que a compreensão ficaria prejudicada. A
versão para cinema providencia também uma femme fatale, Carla (Hermila Guedes), um chefe
cerebral e violento, o Barão (Milhem Cortaz), e, como brinde, um duelo entre duas gerações de
policiais. A velha guarda, mais literária e intuitiva, é representada por Lima Duarte (Amorim), e a mais
jovem, senhora da tecnologia, expressa na figura de Giulia Gam (Telma).
Este último recurso é decalcado de seriados policiais norte-americanos, inspiração maior de Assalto
ao Banco Central, estreia na direção de Marcos Paulo. Um filme em busca do seu público e, portanto,
respeitoso aos códigos conhecidos. Seu problema é simplificar demais a amplitude da ação e a
dramaticidade potencial do crime, pontos fortes no clássico O Segredo das Joias, de John Huston.
Também não dá muita bola para contradições sociais implícitas, como fazia, 50 anos atrás, Assalto
ao Trem Pagador, de Roberto Farias, a referência nacional do gênero.
Enfim, fazer filme para o público não é pecado; pelo contrário. Mas esperamos ainda por cineastas
que consigam operar dentro desses códigos convencionais e subvertê-los ao mesmo tempo. Como
aliás fizeram grandes diretores quando trabalharam na indústria cinematográfica pesada.
O ESTADO DE S. PAULO
- Estudo aprova gays em novela
Pesquisa contraria restrição da Globo a cenas com discurso contra homofobia
Alline Dauroiz e Thaís Pinheiro
(21/7/2011) - Em contraste à decisão da direção da Globo de minimizar a trama do casal Eduardo
(Rodrigo Andrade) e Hugo (Marcos Damigo) na novela Insensato Coração,um estudo mostra que os
gays das telenovelas contribuem para que parte da audiência atribua mais qualidades boas à causa
LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros. A maioria das pessoas continua assistindo ao
folhetim após o personagem aparecer. Ateus e agnósticos são os que mais rechaçam tramas do
gênero, seguidos por evangélicos, apesar de esse número afetar pouco a audiência final.
É isso o que mostra a dissertação de mestrado Os Efeitos de Personagens LGBT de Telenovela na
Formação de Opinião dos Telespectadores sobre a Homossexualidade a que o Estado teve acesso
com exclusividade, defendida em 2009 na Universidade Pontifícia Católica (PUC - SP), pelo jornalista,
professor de Comunicação da Uninove e mestre em Comunicação e Semiótica Welton Trindade.
Trindade provou que a telenovela tem papel educativo e transformador na opinião dos
telespectadores heterossexuais a respeito da causa LGBT, contribuindo para a diminuição da
homofobia. Realizada no Distrito Federal, com 260 telespectadores heterossexuais de novelas, com
mais de 16 anos, que assistiram a uma das seis novelas das 9 de 2004 a 2008 na Globo. As
proporções de sexo, idade, classe social foram feitas exatamente de acordo com o perfil de audiência
da trama das 9. O número de 260 pesquisados foi considerado ideal por cálculos de
proporcionalidade dos quase 488 mil telespectadores do DF.
Considerando que 51,8% dos pesquisados não conviviam com gays, mas todos assistiram a tramas e
personagens LGBT, "a telenovela coloca mais da metade dos telespectadores em contato com um
universo que extrapola seu cotidiano, trazendo-lhes novas questões para lidar. E conhecendo-as,
deixam de estranhá-las", diz Trindade.
A respeito da reação dos espectadores quando personagens gays aparecem, 23% dos entrevistados
afirmam que passaram a aceitar os gays com o tempo. Dentre estes que mudaram de opinião, 18,6%
citam os meios de comunicação como causa.
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"O fato de ter "convivido" com homossexuais na telenovela causou importantes mudanças nos
telespectadores", diz a pesquisa, que ainda mostra que 39,4% dos questionados passaram a atribuir
mais qualidades boas a LGBT por influência dos folhetins.
Classe C. Conforme adiantou o colunista Marcelo Rubens Paiva, em seu blog no Portal Estado, na
última segunda-feira: "cenas já gravadas não vão mais para o ar. E de nada adiantou a militância dos
autores da novela, Gilberto Braga e Ricardo Linhares, que fizeram de Insensato um palaque em
defesa da causa."
Por meio de nota, a Globo afirma: "Nossas tramas registram a afetividade e o preconceito, mas não
cabe exaltação. Cabe, sim, combater a intolerância, o preconceito e a discriminação contra elas, o
que temos estimulado cotidianamente inclusive por meio de campanhas".
Os autores da trama não se manifestaram. Autor da novela do SBT, Amor & Revolução, Tiago
Santiago acredita em pressão comercial. "E não só uma pressão da classe C, mas da D e E também.
Quanto mais baixa a classe, maior o preconceito", crê.
Dados do instituto Data Popular, especialista em classe C, apontam que a aceitação de um indivíduo,
independente de sua orientação sexual, pouco varia entre as classes sociais. Há empate, inclusive,
entre as classes A, B e C, nicho em que 78% das mulheres e 70% dos homens aceitam
homossexuais.
O GLOBO
- ‘Filhos de João’, uma ode ao coletivo
● O diretor Henrique Dantas foi apresentado à música dos Novos Baianos nos LPs do pai, que
promovia “domingos musicais” em casa. Quando cresceu, conheceu Galvão e se informou sobre o
ideário fascinante que gerou e sustentou aquele grupo — talvez o mais original da história da MPB.
Movido pelo encantamento, Henrique roteirizou e dirigiu “Filhos de João: O admirável mundo Novo
Baiano”. Vencedor de quatro Candangos em 2009, o documentário estreia amanhã no circuito
comercial. A versão que chega às telas não é a da cabeça do diretor: com o filme pronto, a cantora
Baby do Brasil pediu que seu depoimento fosse retirado. Mas Henrique ainda espera que ela volte
atrás na decisão para a versão em DVD.
O GLOBO: Por que filmar a história dos Novos Baianos?
HENRIQUE DANTAS: Porque os Novos Baianos, para mim, são a maior banda que o Brasil já teve.
As articulações que eles fizeram com as misturas e as posturas comportamentais foram únicas e
certamente serão ainda muito estudadas no Brasil. Que grupo no Brasil foi banda, time, comunidade?
● Qual foi a descoberta sobre o grupo que mais te chamou a atenção durante a produção do filme?
A loucura pelo futebol e por João Gilberto. Impressionante a empolgação deles ao falar dessas duas
coisas.
● O que Baby alegou para retirar o depoimento do filme?
Os depoimentos dela eram mais de 10% do filme e, certamente, eram alguns dos melhores que eu
tinha. Acho que tem uma coisa geracional, das crenças que mudam e outros valores que são
incorporados. Ela não concordou com o filme e acho que não gostou, do ponto de vista estético
mesmo. Mas ainda tenho esperança DE que ela possa incluir os depoimentos que tive que tirar, ao
menos para a versão em DVD, pois são pérolas. No dia da entrevista ela estava muito inspirada.
● O que mantém uma história tão profundamente ligada a uma época específica (ditadura,
movimento hippie) ainda pertinente hoje?
Uma coisa importante de falar em relação a isso é que, conversando com um amigo, falamos sobre
como o filme toca na necessidade sufocada que todos temos de viver processos coletivos. Nesse
mundo de contas individualizadas, perdemos um pouco o contato com a experiência do coletivo.
5
Todos os integrantes de banda que conheciam os Novos Baianos queriam morar juntos em algum
momento. E muitos dos desejos e utopias daquela geração foram sufocados pela inclusão no
sistema, muitos que iam mudar o mundo hoje estão cheios de controles remotos nas mãos, vivendo a
felicidade como um saco vazio. O filme lembra um pouco a essa corajosa geração a importância
deles na formação do DNA comportamental do Brasil. (Leonardo Lichote).
ESTADO DE MINAS
- Coisa de cinema
Assalto ao Banco Central se inspira no fato que chocou o país, mas o roteirista Renê Belmonte avisa:
não se trata de documentário
Ana Clara Brant
(21/7/2011) Nenhum tiro disparado nem uso de violência. Cerca de R$ 164 milhões roubados. Assim
foi o maior assalto a banco da história do Brasil, o segundo maior do mundo. Uma história intrigante
como essa poderia facilmente ter saído do roteiro de um filme ou de um livro. Mas,
surpreendentemente, o fato fez o caminho inverso: saiu da realidade para ganhar livrarias e telas de
cinema. O longa Assalto ao Banco Central, que estreia amanhã em todo o país, foi inspirado no
assalto à sede do BC em Fortaleza, em agosto de 2005.
“A história, por si só, é sensacional. Se não fosse baseada em fatos reais, se fosse uma obra de
ficção pura, iam dizer que era irreal demais, hollywoodiana demais para um filme brasileiro. Nesse
aspecto, agradeço aos bandidos por terem tornado essa trama um pouco mais crível. O que me
motivou a escrever o roteiro foi exatamente isso: a suposta discrepância entre a ousadia do plano e o
fato de ter sido realizado por bandidos comuns brasileiros. Desde o começo, norteei-me por duas
perguntas-chaves: quem são essas pessoas? Como elas planejaram e executaram um crime tão
sofisticado?”, resume o roteirista Renê Belmonte. Ele acaba de lançar o livro homônimo, escrito em
parceria com o ex-policial J. Monteiro.
A trama tem início quando Barão (Milhem Cortaz) recebe de um figurão do crime organizado a
proposta tentadora de realizar o maior assalto da história do país. Ao lado de Carla (Hermila Guedes),
ele começa a recrutar ajudantes para executar a desafiadora missão.
Nascido em Fortaleza, o ator Gero Camilo, intérprete de Tatu, um bandido especialista em túneis,
lembra que, na época do roubo, tentava imaginar como a quadrilha teria cavado um buraco com
tamanha artimanha. “Sempre passei naquela região onde fica o BC e me intrigou muito tudo aquilo, a
estratégia usada pelos bandidos. Era surreal demais, prato cheio para os atores”, lembra.
Se interpretar um bandido não foi novidade para Gero, Giulia Gam está radiante com a primeira
policial de sua carreira. Na pele da investigadora Telma, a atriz não esconde a empolgação com o
processo de construção do papel, acompanhado de perto por agentes da Polícia Federal. “Fomos à
sede da PF, eles nos deram consultoria. Adorei, a história é arrebatadora. O mais divertido foi atuar
ao lado de todos os homens dando tiros. Brinquei de menino, mesmo”, comenta.
Liberdade
Apesar de cenas do filme e do livro terem se inspirado no assalto real, Renê Belmonte explica que
são pura ficção os personagens, motivações e a maneira como eles interagem. “Era importante ter
essa liberdade para que não ficasse com cara de documentário. A dramaturgia era mais importante.
Nesse sentido, dei preferência a personagens que existiam na minha cabeça, em vez de me inspirar
nos reais. Nem tive contato com os suspeitos, mas com pessoas da Polícia Federal e executivos do
Banco Central. Isso, depois de escrever o roteiro. Mais para garantir que a história fosse o mais fiel
possível aos fatos”, justifica.
Assalto ao Banco Central marca a estreia de Marcos Paulo, ator e diretor de TV, como cineasta. Para
Giulia Gam, a maneira como ele se envolveu com o projeto e mobilizou a equipe foi fundamental para
o êxito do longa. “Mesmo com 40 anos de TV, o Marcos soube muito bem que estava diante de um
desafio diferente. Era cinema e o resultado ficou maravilhoso”, opina.
6
A gama de possibilidades dos personagens motivou Gero a aceitar o papel. Como se trata de um
filme que fala de estratégia – e não há interação direta entre criminosos e polícia –, a construção da
relação entre os envolvidos no assalto foi um dos aspectos mais interessantes. “Eles conviveram três
meses dentro de uma casa arquitetando o crime. Tudo que se passa ali naquele confinamento, as
tensões, as conversas, as brigas, os conflitos internos, foi muito desafiador. Tentamos fugir do
estereótipo do bandido e isso ampliou as nossas possibilidades. O público vai perceber” isso, acredita
o ator.
O elenco traz também Lima Duarte, Eriberto Leão, Heitor Martinez, Vinícius de Oliveira e Juliano
Cazarré, além de participações especiais de Cássio Gabus Mendes, Daniel Filho, Milton Gonçalves e
Antônio Abujamra.
Os dois lados
Realidade
. Segundo a Polícia Federal, as notas roubadas no Banco Central pesariam cerca de 3,5t.
. O túnel tinha 70cm de altura e era quase completamente revestido de lona. De quebra, contava com
refrigeração, além da luz elétrica.
. Já foram presas várias pessoas sob acusação de participação no assalto. Acredita-se que muitas
outras ainda estejam em liberdade.
. A investigação foi chefiada pela Polícia Federal, mas sua condução teve participação importante das
polícias Civil e Militar do Ceará e de outros estados, e até mesmo do Corpo de Bombeiros,
envolvendo dezenas de investigadores.
Ficção
. O “olhômetro” do espectador informa que os ladrões embarcam em suas vãs apenas algumas
centenas de quilos de dinheiro, não toneladas.
. O túnel é baixo o suficiente para os atores precisarem se curvar, mas alto o suficiente para que a
câmera possa filmá-los. Transpiração abundante é bom elemento dramático.
. Os criminosos são apenas 13. Tirando os que apenas administram o processo ou cuidam de sua
logística, é pouca gente para quase 80 metros de túnel.
. A investigação é praticamente monopolizada pela Polícia Federal, concentrada praticamente nas
mãos de dois investigadores: Chico Amorim (Lima Duarte) e Telma Monteiro (Giulia Gam).
O ESTADO DE S. PAULO -
Brasil animado
Mais de 70 produções do País estão no Anima Mundi, revelando vigor de um setor ainda em busca
de um grande sucesso
Flavia Guerra - O Estado de S.Paulo
(24/7/2011) "Um animador nunca é o que parece ser. Vou começar a falar isso nas minhas palestras",
dizia um pensativo César Coelho ao final da palestra que Carlos Saldanha ministrou para
privilegiados do Anima Mundi 2011, que ocorre no Rio até hoje e se muda para São Paulo na próxima
quarta, onde exibe o melhor da animação mundial até dia 31 no Memorial da América Latina, no
Centro Cultural Banco do Brasil, na Livraria Cultura e no Espaço Unibanco. Serão 421 filmes, de 44
países em diversas seções competitivas e não competitivas.
Coelho é um dos diretores do Anima, e dizia isso após ouvir Saldanha contar como foi a escolha do
"animador" que iria fazer a ararinha Blu sambar em Rio. "Estávamos em fase de estudos para definir
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os movimentos dos personagens. E foi um desenhista lituano quem nos surpreendeu e "sambou"
perfeitamente. Um outro, que é porto-riquenho, já tinha tentado, mas fez o Blu dançar salsa. Veio o
lituano e mostrou o maior samba no pé", contou Saldanha.
E é assim que nascem personagens e cenas memoráveis. E é em festivais como o Anima Mundi que
o público tem a rara oportunidade de descobrir que o criador de Bob Esponja é um cara tranquilo que
ensinava biologia marinha para crianças; ou que o criador do Cowboy Beebop é, na verdade, um
simpático senhor japonês que de cowboy do espaço não tem nada. Ou tudo. "O que inventamos é o
que somos de verdade, não? Ou talvez sejamos mesmo "um personagem", como os atores são",
disse Saldanha ao Estado.
O público paulista não terá a chance rara de conversar com Saldanha, mas terá a oportunidade de
ver ou rever curtas do animador, que exibiu seu primeiro filme, Hora de Amar, no Anima Mundi de
1994. Este e outros trabalhos serão exibidos na seção David Daniels & Carlos Saldanha. A primeira
exibição ocorre na quinta, às 19 horas, no Cine Livraria Cultura. Saldanha volta para os EUA, onde
mora e já toca o próximo projeto da Blue Sky. "Há várias ideias, mas a mais adiantada é a adaptação
da história do Touro Ferdinando (o clássico infantil escrito por Munro Leaf em 1936). Acho que, assim
como em A Era do Gelo e Rio, os protagonistas têm sempre que ter uma personalidade forte. E a
história tem de partir do local, mas ter apelo global."
Competição. Disso Saldanha entende. Convencer a Fox a distribuir e apostar na ideia que era o
sonho de sua vida não foi fácil, mas recompensou. Rio está entre os maiores sucessos do mundo. É
brasileiríssimo, mas não é brasileiro. O que faltaria à animação brasileira para fazer o seu "Tropa de
Elite da Animação"? Tanto Coelho quanto Saldanha respondem: "Boas ideias, planejamento,
investimento, formação de profissionais. Acho que o Brasil está no caminho. Este filme vai sair, mas é
preciso não desperdiçar este momento tão bom. A produção tem que ter continuidade."
Saldanha pondera que há ainda a competição com a produção internacional. "O público é exigente.
Uma vez que tenham visto filmes com a qualidade dos que são feitos pela Pixar, vão ter seu patamar
de exigência mais alto." O estúdio americano, aliás, completa 25 anos e ganha homenagem nesta
edição do festival, no Memorial da América Latina, com a sessão Pixar 25 Anos, que traz clássicos da
produtora, como Luxo Jr. (primeiro curta de John Lasseter, de Toy Story) e ainda dois curtas inéditos:
La Luna, de Enrico Casarosa, e Hawaiian Vacation, de Gary Rydstrom.
Competir com a Pixar é tarefa hercúlea que a atual produção de longas de animação brasileira vem
tentando bravamente executar. "Não é nem questão de ganhar esta briga, mas ocupar o espaço da
produção nacional, que é boa, nos cinemas. Há vários filmes, como Minhocas (de Paolo Conti e
Arthur Nunes) e Até Que a Sbórnia nos Separe (de Otto Guerra), que estão quase prontos."
Vale lembrar que neste ano há 77 produções brasileiras em cartaz no festival, mas nenhum longa
nacional integra a mostra competitiva. Exatamente porque os filmes não ficaram prontos em tempo.
Produção pernambucana e brasiliense, o único longa brasileiro em exibição é Morte e Vida Severina,
de Afonso Serpa, que integra a seção Panorama. Espécie de xilogravura em movimento, é inspirado
no poema de João Cabral de Melo Neto e traz para a tela os traços da história em quadrinhos. O
poema animado conta a história da luta de Severino (dublado por Gero Camilo) para sobreviver na
aridez do sertão nordestino.
Entre os internacionais, destaque para Chico e Rita. Primeiro filme animado de Fernando Trueba (de
Sedução, Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1993), que tem a primeira sessão na quarta. Dirigido
em parceria com o desenhista Javier Mariscal e Tono Errando, o filme tem música de Bebo Valdés e
conta a história de um casal de músicos cubanos que vivem nos EUA e são separados durante a
Revolução Cubana.
E como animação é muito mais que "só filmes", são imperdíveis os Papos Animados com David
Daniels, famoso por videoclipes de Peter Gabriel (Big Time), nos quais utiliza a técnica que inventou,
a "strata cut", em que o movimento é construído por meio de fatias em sequência de um mesmo bloco
de massinha. Outro destaque é a performance da teuto-americana Miwa Matreyek. Sensação das
artes visuais, Miwa, enquanto exibe seu filme em um telão, interage com as imagens, criando uma
nova arte que mistura animação e teatro.
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CARTACAPITAL
PROTAGONISTA
- A convicção tranquila
Desde os 8 anos em cena, Selton Mello redescobre ao dirigir filmes a certeza da
vocação
POR ORLANDO MARGARIDO, DE PAULÍNIA
(25/07/2011) Benjamim, como todo herdeiro de família
circense, é um predestinado. Assume-se todas as
noites na fantasia do palhaço Pangaré, mas o riso
começa a desbotar. As
agruras da vida mambembe, precária, de resultado
incerto, pesam tanto quanto o idealismo do pai
Valdemar, líder da trupe e seu companheiro cómico
em cena, como Puro Sangue. Entre as afinidades
compartilhadas pelo jovem personagem interpretado
por Selton Mello em O Palhaço, filme que dirigiu, e
pelo próprio ator, certamente não estão a crise de
identidade e a dúvida profissional.
Aos 38 anos, 30 deles de carreira, Selton nunca
titubeou na escolha feita na infância com o apoio da
mãe e dona de casa Selva e o pai bancário Dalton, a
quem o ator deve seu nome, numa junção típica das
famílias brasileiras. Se tanto, viveu conflitos sobre
quais experiências seguir no bojo da profissão, iniciada
de maneira tão precoce. O Palhaço sintetiza o dilema
de Selton, prestigiado intérprete de televisão, teatro e
cinema que decidiu se arriscar atrás das câmeras.
A direção surgiu cautelosamente para ele. Em 2006,
resolveu contar a história do curta-metragem Quando
o Tempo Cair. Dois anos depois, pretendeu deixar sua
marca autoral no lon-ga-metragem Feliz Natal e agora
alcan- çou a afirmação equilibrada e elogiada. Não faltou mesmo o reconhecimento de uma
importante vitrine como o Paulí-nia Festival de Cinema, que conferiu ao realizador o prémio de melhor
direção e roteiro, este em parceria com Marcelo Vindicatto, seu colaborador frequente.
Significativo para um ator que deseja experimentar e se encontrar na direção, passagem nem sempre
modelar no Brasil, O Palhaço é uma confluência de raízes e interesses de Selton, ainda que ele relativize o contexto. ''Não fui ao circo para falar de mini, da minha terra, da minha formação. Apenas achei
a linguagem mais apropriada para chegar ao grande público", diz a CartaCapital no dia seguinte a
uma exibição em Paulínia durante a qual a intenção do diretor de se tornar acessível se realizou no
limite do tumulto. Seu rosto, melancólico como Benjamim ou disfarçado de Pangaré, colaborou para
subir o milhar de espectadores naquela ocasião. A prova de Paulínia fez crescer as expectativas de
público a partir de 28 de outubro, quando o filme chega aos cinemas brasileiros em circuito comercial.
Não se trata, contudo, de uma película com expectativa popular apenas, antes de um bom filme, que
faz entrosar de maneira feliz o universo de referências pessoais de seu diretor com o talento de seus
étimos colaboradores, seja em cena, como Paulo José na figura do pai, seja fora dela, no figurino de
Ki-ka Lopes, outro trofeu em Paulínia.
Nenhum desses feitos, contudo, explica mais os alicerces do filme que a presença de coadjuvantes
de um humor antigo ao público, mas recorrente a Selton. As figuras de Jorge Loredo, o Zé Bo-nitinho,
protagonista do curta-metra-gem anterior, de Ferrugem e de Moacyr Franco, este numa estreia no
cinema presenteada com o prémio de ator coadjuvante, povoaram a infância e a adolescência do
diretor quando se sentava diante da tevê com o pai. Ainda que seu Benjamim seja referência direta
ao palhaço negro Benjamim de Oliveira (1870-1954) e a lista de profissionais admirados cresça para
Jacques Tati, Peter Sellers, Cario Collodi e seu Pinóquio, Federico Fellini e até o pintor Marc Chagall,
9
nada parece superar a convivência com o genuíno e ingénuo riso de Renato Aragão e outros
Trapalhões. "A infância guarda todos os segredos da vida", Selton filosofa.
Se é assim, a sua levada em Minas Gerais, na pequena Passos natal homenageada no filme e em
outras cidades do esta- do, devido a transferências do pai no banco, guardava um segredo de
polichinelo. "Eu descobri logo cedo que era aquilo, a vida artística vista na tevê, o que eu queria, e na
família todos me apontavam o jeito para a coisa. Daí a confirmar a vocação era outro passo, no qual
entrou a generosidade de meus pais." Ao mesmo tempo que buscava atuar, desenvolvia outra
habilidade com a música, tocando instrumentos e participando de programas de calouro infantil. Seu
repertório preferido ainda é Roberto Carlos. Em razão desses planos, o clã, então, transferiu-se
primeiro para São Paulo, onde Selton ganhou papel iniciante aos 8 anos na novela Dona Santa, da
TV Bandeirantes, e depois para o Rio de Janeiro. A mudança também possibilitaria ao caçula Danton
Mello sua vez na precoce carreira de ator.
Antes de ser seduzido à teledramatur-gia global, com destaque a partir do folhetim Corpo a Corpo
(1984), Selton faria sua breve formação profissional no Tablado de Maria Clara Machado, celeiro
habitual de novatos, e dali seguiria de modo instintivo. "Considero-me um autodidata, tive a sorte de
conviver com gente como Cláudio Correia e Castro, Lima Duarte e Marco Nanini." Mas na razão de
uma novela ao ano, além de especiais, durante mais de uma década, Selton chegou a um
esgotamento com o formato e viu-se em um daqueles pontos de conflito cruciais. "A televisão, pelo
pouco tempo de preparação, é um aprendizado a fórceps, e eu já havia tido uma ótima escola com
Paulo Ubiratan, Marcos Paulo ou Luiz Fernando Carvalho", lembra, referindo-se a diretores com
quem trabalhou. Reconhecia-se um privilegiado, mas queria sair da comodidade da esfera da
teledramaturgia para assumir riscos.
O marco da virada coincidiu com o formato da minissérie vinculado a uma nova pesquisa de
linguagem e, em 1999, Selton protagonizou O Auto da Compadecida. O projeto de Guel Arraes
estenderia no ano seguinte o sucesso datelevisão ao cinema, com mesmo elenco, e consolidaria o
apelo cativante do ator também no veículo, no qual atuava com regularidade.
A essa altura, certa personalidade cómica do ator havia se evidenciado e se impunha como um
registro indelével que parece ironizado com Benjamim, um clown triste, dramático em sua inapetência
para a vida real. "Apesar de constituir uma ideia comum, é preciso lembrar ser mais difícil fazer bom
humor. Ele não é valorizado. O drama tem mais reconhecimento e, nisso, creio que acabei por ficar
carimbado como um profissional do cómico."
Um dos que não enxergaram limitação no ator foi Luiz Fernando Carvalho, seu conhecido de novelas
e considerado por Selton o profissional mais influente na sua carreira, ao lado de Guel Arraes.
Carvalho lhe impingiu, pois irrecusável, o desafio do filho rebelde e atormentado de Lavoura Arcaica,
corajosa adaptação do romance de Raduan Nassar para o cinema.
A partir do projeto, em que contracena com Raul Cortez e Juliana Carneiro da Cunha, Selton parece
ter recebido o passe definitivo como ator não só talhado também para o drama, como para qualquer
outro perfil. Seus personagens pertencem à linha ténue entre o cómico e o dramático. Eles flertam
com o surreal e o humor negro, a exemplo do dono da loja de compra e venda de objetos usados em
O Cheiro do Ralo (2007), produção com a qual colaborou no capital. Aquele é um período no qual sua
per-sona artística se multiplica. Na tela assina clipes musicais, como do grupo Ira!, e apresenta o
programa de entrevistas Tarja Preta, em que denota sua irreverência, com um humor irónico. No
teatro, produz peças como O Zelador, de Harold Pinter, na qual também atua. A versatilidade e o
excesso de compromissos apresentam, porém, sua fatura e em 2008 o ator passa por um processo
de depressão, em fun- ção de ter abandonado medicamentos para emagrecer. E ressalva que, se
chegou a pensar em abandonar tudo, é porque estava sob efeito da droga. Por isso fez questão de
tornar pública a situação, receoso de que pudessem confundir seu sobrepeso como recurso físico
para interpretar o protagonista de Jean Charles.
O filme de Henrique Goldman sobre o brasileiro assassinado no metro de Londres fez Selton
reencontrar o eixo do trabalho e encaminhar definitivamente o projeto de se tornar diretor. Deu um
susto, reconhece, em seu público com o tom sombrio de Feliz Natal, sobre uma família
desestruturada vista pelo filho que regressa à véspera da festa. O tema, claro, é revelador de
experiências anteriores significativas para o ator. Além disso, o elenco antecipava seu interesse em
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cutucar uma memória esquecida da cena artística nacional, no resgate de nomes como o da exvedete e musa dos anos 70 Darlene Glória e do comediante Lúcio Mauro. "Fiz o filme como uma
afirmação de que a vida é dura também. Eu estava precisando caminhar para algo assim, mas não
como ator."
A euforia demonstrada por ver seu empenho na segunda direção saudado em Paulínia reflete a
tranquilidade conquistada. Aquela que permite a Selton transitar com desenvoltura entre veículos
como televisão e cinema, por vezes somando ambos como no sucesso atual A Mulher Invisível, numa
variedade de registros e papéis, sem mais o ónus da comprovação. Pode, assim, ser um homem
traído fadado a alucinações e fantasias ou o romântico que se deixa levar por um amor à primeira
vista, mas não mais pela magia da arte, descrença que muito dificilmente o ator, um dia, virá a
compartilhar.
O GLOBO
- Adorável vagabundo
Em novo filme, que estreia dia 5, Hugo Carvana reelege os malandros anônimos como heróis
Luiz Fernando Vianna
HUGO CARVANA, em casa, diante de cartazes de seus filmes, uma galeria de personagens politicamente incorretos: “Não
estou a fim de tratar de coisas boazinhas. O que me interessa é o mauzinho, o sacana”
(26/07/2011) Ator de filmes fundamentais do Cinema Novo, como “Os fuzis” e “Terra em transe”,
Hugo Carvana, ao se tornar diretor, com “Vai trabalhar, vagabundo” (1973), seguiu um caminho bem
diferente: o de pouco siso e muito riso, evocando seu início como figurante de chanchadas. Quando
estrear, no próximo dia 5, seu oitavo longa-metragem, “Não se preocupe, nada vai dar certo”, o
cineasta reafirmará um estilo que permanece único, mesmo com tantas comédias sendo produzidas
no país. — Não sou politicamente correto e não tenho problema em dizer isso.
Aos 74 anos e 55 de cinema, já estou diplomado. Não estou a fim de tratar de coisas boazinhas. O
que me interessa é o mauzinho, o sacana, esses personagens que invertem a lógica — afirma ele,
entre baforadas de charuto, em sua casa na Barra da Tijuca, longe da boemia. — A vida boêmia é
passado, são só flashbacks.
É na memória que o carioca Carvana vai buscar matéria-prima para seus filmes. O anterior, “Casa da
mãe Joana”, que levou 525 mil pessoas aos cinemas em 2008, nasceu das lembranças do
apartamento que o então jovem ator dividiu, no final dos anos 1950, com Daniel Filho, Miéle e
Roberto Maya.
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Além de usar como título uma frase que o escritor Armando Costa (1933-1984) dizia bastante, “Não
se preocupe, nada vai dar certo” tem como protagonistas dois atores que remetem aos primórdios da
carreira de Carvana e combinam pouco com o glamour da profissão: Ramon Velasco (Tarcísio Meira)
e Lalau Velasco (Gregorio Duvivier) são pai e filho que vivem na estrada apresentando-se para
plateias tão pequenas quanto os golpes que tentam dar.
— No meu tempo, havia o verbo mambembar. A gente representava em teatros velhos, praças
públicas, adros de igreja. Hoje, o ator é celebridade, figura oficial, anda de gravata e coisa e tal —
ironiza o diretor, que chama seus personagens de “embusteiros”. — São figuras que não têm uma
moral rígida. Mas a vida deles é assim, vida de saltimbanco.
Entre outros expedientes para tirar dinheiro de incautos, Ramon agencia brigas de galo e vende elixir
contra a impotência. Lalau parece mais honesto, apenas transformando as trapalhadas do pai num
espetáculo de humor. Mas não resiste a uma proposta de US$ 100 mil para encarnar um guru indiano
por duas semanas. E é preso sob acusação de assassinato.
Carvana defende seus tipos, que o politicamente correto trataria apenas como bandidos: — Os
profissionais disso viraram corruptos. Perdeu a graça.
O cineasta se interessa pelos malandros de pequeno vulto, anônimos, como o que está imaginando
para um futuro filme: velho punguista que teve seu ofício de furtar dinheiro prejudicado pela invenção
da calça jeans, que comprime as carteiras aos corpos.
— Essas figuras são como mamutes, devem continuar existindo por aí. Sempre que puder, eu vou
recuperá-las — promete Hugo Carvana. Se alguém estranhar Tarcísio Meira no papel de um
golpista, estará fazendo Hugo Carvana feliz. Ao não chamar para o papel um ator identificado com
tipos à margem, como seu amigo Paulo César Pereio, ele quis criar uma estranheza.
— Eu queria um ator digno, ereto, íntegro. E Tarcísio é um ícone brasileiro, aquele tio que chega e
domina a reunião de família. É um grande ator em todos os sentidos. Na tela, parece ter três metros
de altura — exalta o diretor. Mas não foi fácil receber o “sim”. Carvana conta que, após ler o roteiro, o
eterno galã estranhou o convite: “Você acha que eu posso fazer esse personagem?”.
Após uma tarde de conversa, aceitou a missão. — Passei algumas horas seduzindo o Tarcísio.
Precisei usar as armas dos meus tempos de namorador — diz ele, casado há mais de 40 anos com
Martha Alencar, também sua produtora.
Com o jogo de sedução, Carvana atraiu Tarcísio para o célebre clima bem-humorado de seus sets.
José Wilker, seu amigo de quase 50 anos e que atuou em “Casa da mãe Joana”, vê uma relação
entre o estilo Carvana de direção — muitas piadas, alguns palavrões, nada de estresse — e o espírito
divertido de seus filmes.
— Eles mantêm o especialíssimo senso de humor do carioca, que sobrevive porque ri da própria
miséria, é debochado. E Carvana é assim desde que o conheci — diz Wilker, que chamou o amigo
para seu primeiro longa como diretor, “Giovanni Improta — O filme”, que tem estreia prevista para
2012.
Na associação entre as chanchadas da Atlântida e o cinema de Carvana, Wilker vê este mais para a
galhofa de Zé Trindade do que para a leveza de Oscarito. Na hora de pensar em “Vai trabalhar,
vagabundo” e iniciar sua trajetória como diretor, emergiu a formação nas chanchadas em detrimento
do Cinema Novo. — Não sei por que escolhi esse caminho naquela época, mas escolhi. E muitas
pessoas estranharam: “Como o Carvana vai fazer um filme alegre no pior momento da ditadura?”.
Mas era um filme político, ironizava a campanha do governo para as pessoas se manterem limpas,
pois o personagem era o contrário disso. E a primeira cena do filme, numa época em que muita gente
ia presa, era o Dino saindo da cadeia e falando para o sol: “Bom dia, professor” — lembra ele.
Longe da vida pública
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O caminho continuou a ser percorrido com “Se segura, malandro” (1978) e, mais tarde, nos anos
Collor, “Vai trabalhar, vagabundo 2” (1991), que fez Carvana falir. Antes, fizera sucesso com “Bar
Esperança — O último que fecha”, realizado em 1982 na esteira do otimismo com a volta dos
exilados e a abertura política.
— Eu ganhei prêmio na Espanha, em Cuba, e não fui. Sabe por quê? Achava mais importante a
minha tarefa como gestor público — diz Carvana, referindo-se ao ano (1983) que passou à frente da
antiga Funarj, no primeiro governo de seu amigo Leonel Brizola.
— As pessoas nesse meio são melífluas, precisam mentir, representar. Se você voltar a me ver num
cargo público, pode mandar internar. Contratado da TV Globo, diz sentir prazer em participar de
novelas, mas assume que seu melhor papel até hoje foi em uma série, “Plantão de polícia” (1979-81),
no qual vivia o jornalista Waldomiro Pena, de certa forma também um malandro.
— Costumam me chamar de malandro, mas conseguir fazer esses filmes dá um trabalho danado.
Malandro é o cacete!
FOLHA DE S. PAULO
- Autores recebem por exibição no exterior
Associação de Roteiristas do Brasil recolhe R$ 33 mil em direitos autorais depois de acordo com
entidade espanhola
No setor audiovisual, mecanismo equivale ao do Ecad, que arrecada a cada vez que uma música é
executada
GABRIELA LONGMAN
DE SÃO PAULO
(26/7/2011) Autores e diretores de 15 produções nacionais receberão direitos autorais pela exibição
de suas criações fora do país. O anúncio oficial será feito hoje pela Associação de Roteiristas
Profissionais de Televisão e Outros Veículos de Comunicação (AR).
Segundo o comunicado da associação, "há muitos anos que os profissionais do audiovisual brasileiro
tentam receber o que lhes é devido pela exibição de suas obras em países em que direitos autorais
são recolhidos por sociedades de gestão coletiva".
O dinheiro, € 15 mil no total (cerca de R$ 33 mil), será arrecadado e distribuído graças a um acordo
entre a AR e a Sociedad General de Autores y Editores (SGAE), da Espanha.
"Na Europa existe a questão do direito autoral para valer. Qualquer exibição audiovisual paga o
direito autoral à pessoa física do roteirista e do diretor, independentemente dos produtores
envolvidos", disse à Folha o roteirista e presidente da AR, Marcílio Moraes.
Embora a associação não tenha nascido como entidade arrecadadora, mudou recentemente seu
estatuto para poder, também, exercer a função, similar à de órgãos como o Ecad, na música, setor
artístico com maior tradição na arrecadação.
"O mais importante para nós é mostrar que é possível, sim, pegar esse dinheiro sem ter que passar
necessariamente pelo governo", acrescentou Moraes.
Mais adiante, o plano da entidade é se filiar à Confédération Internationale des Sociétés d'Auteurs e
Compositeurs, órgão que congrega todas as sociedades de gestão coletiva de direitos autorais do
mundo.
Além de procurar fazer com que, também no Brasil, os autores -entenda-se aí o roteirista, o diretor e
o músicos de um filme ou novela- sejam pagos a cada exibição.
TEATRO E DANÇA
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- "Gargólios" sintetiza envelhecimento e renascimento de Gerald
Thomas
FOLHA DE S. PAULO
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
(22/7/2011) Teatro, tortura e vinho. Essa é uma síntese possível da última criação de Gerald Thomas,
"Gargólios", com sua recém-criada London Dry Opera Company.
A nova companhia, formada por atores e atrizes europeus, mas ainda contando com colaboradores
brasileiros, marca o bem-vindo retorno do artista à cena teatral, onde fez história, e sinaliza a
continuidade de uma busca por caminhos desafiantes.
Gerald sempre foi, antes de um encenador, um dramaturgo, que escreveu suas peças no processo de
ensaio, distribuindo sua voz por muitas personagens e figuras, mas nunca escondendo essa autoria
irrenunciável, que dava identidade aos seus espetáculos. De algum modo nada mudou, mas a nova
configuração da ex-Cia de Opera Seca, agora falando inglês, traz um frescor que fricciona a tradição
constituída.
Depois da estreia em Londres, em fevereiro último, de "Throats" (gargantas), Gerald decidiu atirar o
que tinha sido apresentado aos ingleses no lixo e reconstruir dramaturgia e encenação para a
temporada paulistana.
Verdade que o tema dos escombros do atentado às Torres Gêmeas de Nova York ainda está
presente. Também subsiste a crônica humorística de um mundo em pedaços, que já vinha fazendo
em suas últimas montagens, tramada de trocadilhos com ícones da cultura pop e temperada com
ironia frente ao público. Sem falar na visualidade esculpida à base de luz, fumaça e um senso
especial para o insólito.
Talvez o novo nesse trabalho seja mesmo Gerald, em cena, tocando um baixo elétrico. Ele abre o
espetáculo com o instrumento e permanece o tempo todo pontuando a trilha sonora do glorioso
baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones. O poder de afetação do som gravado é tanto
incrementado como negado no risco do improviso.
A ideia de que o teatro é uma câmara de tortura ganha corpo não só pela mulher nua dependurada e
pingando sangue, ou pelo homem-bomba esticado no ar. A própria cena e o próprio autor
instrumentista são evidências da pulsão de resgatar, em meio ao caos e por meio do caos, o canto do
bode sangrado em sacrifício. Não é mais o artista herói que se projeta, mas seu negativo, na berlinda
e atirando-se no abismo.
Os intérpretes contracenando, super-heróis impossíveis, emprestam sua condição de profissionais do
Primeiro Mundo, vitalizados pelo olhar do estrangeiro errante, a esse jogo de cenas marcadas. Como
na metáfora do hipódromo de Nietzsche, todos avançam retornando ao começo. Confundindo o vinho
com o sangue, Gerald sintetiza seus próprios envelhecimento e renascimento como criador. Como
diria Hélio Oiticica, o que ele está fazendo é música.
FOLHA DE S. PAULO
- Itaú Cultural quer "repatriar" acervo de Augusto Boal
Textos inéditos, fotos e filmagens do criador do Teatro do Oprimido devem ser digitalizados pelo
instituto
No material deixado pelo dramaturgo, estão duas peças inéditas e mais de 300 horas de vídeo de
suas produções
GABRIELA MELLÃO
DE SÃO PAULO
(22/7/2011) O acervo de Augusto Boal parecia ter como destino a New York University.
O centro de estudos norte-americano era o o único órgão disposto a recuperar, catalogar e digitalizar
a memória do fundador do Teatro do Oprimido -a empreitada foi orçada em US$ 500 mil (cerca de R$
779 mil).
Na última terça, entretanto, a viúva do artista, Cecília Boal, recebeu um telefonema do Itaú Cultural
que pode fazer com que os 20 mil textos (entre eles duas peças inéditas), as 2.000 fotografias e as
300 horas de vídeo de produções teatrais, entre outros documentos do autor e diretor, permaneçam
no Brasil.
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Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, confirma o interesse: "Nossa perspectiva é construir um
relacionamento que caminhe para a disponibilização do acervo digitalizado na internet e para chegar
a um entendimento sobre qual poderia ser a instituição brasileira a guardar o espaço físico do
acervo".
A psicanalista Cecília Boal acredita que o desejo dele seria que seus documentos permanecessem no
país.
"Ele chegou a entregar todos os papéis para Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro) em vida", justifica ela, que acabou recuperando o material posteriormente por achar que o
acervo estava em um local inapropriado.
PATRIOTISMO
Augusto Boal (1931-2009) uniu teatro e política na construção de uma arte que buscava engajar o
espectador e pensava a sociedade dividida entre dois mundos, o do oprimido e o do opressor.
Ele viveu anos fora do país em consequência do exílio e construiu sólida reputação internacional,
sobretudo por seu pensamento teórico.
Apesar disso, era extremamente patriota, segundo conta Cecília. "Tanto é que, quando teve
possibilidade de tirar nacionalidade francesa, se recusou, com medo de perder a brasileira", justifica
ela.
Cecília sonha com a criação de um centro vivo de memórias que também abrigue cursos e
exposições. "Augusto era uma pessoa dinâmica. Não consigo vê-lo em um museu", afirma.
Segundo ela, o espaço poderia reunir acervos de diversos artistas brasileiros, sobretudo aqueles
cujas famílias passam pela mesma dificuldade de armazenar e manter as obras herdadas em boas
condições. Cita como exemplo Hélio Oiticica, Glauber Rocha e Cândido Portinari.
A psicanalista diz que, para o Brasil manter sua autoestima, sua memória tem de ser preservada.
"Pessoas como Boal fazem parte do acervo de um país."
FOLHA DE S. PAULO
- Maracatu inspira novo balé do Cisne Negro
"Calunga", de Rui Moreira, estreia amanhã dentro da programação da reabertura do Theatro
Municipal de SP
Diretora conta que grupo agradeceu a aplausos 19 vezes na exibição da coreografia em cidade
alemã
KATIA CALSAVARA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
(22/7/2011) Como parte do mês da dança e da programação de reabertura do Theatro Municipal de
São Paulo, a companhia paulistana Cisne Negro estreia amanhã o espetáculo "Calunga",
coreografado pelo mineiro Rui Moreira.
As danças e os rituais típicos da cultura brasileira, principalmente o maracatu, norteiam essa nova
parceria do artista com a companhia. Antes disso, ele já havia realizado para o grupo "C/ Cordas"
(2005) e "Trama" (2001).
Estagiário do Cisne Negro no início da carreira e intérprete de sucesso à frente do Grupo Corpo,
Moreira se dedica a um intenso trabalho de pesquisa da cultura nacional.
Em "Calunga", é possível ver o cuidado com os detalhes na movimentação e no gestual dos
bailarinos. "Estou em um momento em que vejo as pessoas com um olhar quase científico. Aqui,
pude fazer um laboratório contemporâneo dessas observações."
Moreira explica que a palavra "calunga" admite diferentes significados, incluindo o da boneca feita de
madeira ou de cera que convida a todos para um ritual de libertação. "Nos maracatus tradicionais, a
dança não acontece sem as bonecas", diz.
A música é um elemento fundamental da dramaturgia do espetáculo. Criada em 1933 pelo compositor
Francisco Mignone, com base em argumento do escritor Mário de Andrade, a obra "Maracatu de
Chico-Rei" fala de um escravo que compra sua liberdade na África e vai trabalhar em Minas Gerais.
Nela, personagens como reis e rainhas, mucambas, príncipes e senhores se revelam em uma
atmosfera contagiante.
No Cisne Negro, a música já foi montada pelo coreógrafo Mário Nascimento, em 1995, e agora ganha
nova interpretação pelas mãos de Rui Moreira. Os figurinos e adereços, em cores neutras, foram
desenvolvidos por Gustavo Silvestre. "Fizemos uma releitura de linguagens. Os adereços ganharam
uma atmosfera simples e muito teatral", afirma ele.
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Os balés "Abacadá" (2009), de Dany Bittencourt, executado com música ao vivo do pianista André
Mehmari, e "Reflexo do Espelho" (2004), do francês Patrick Delcroix, e o pas-de-deux "Sabiá" (1988),
do português Vasco Wellenkamp, completam o programa no Municipal.
PELO MUNDO
A estreia internacional de "Calunga" se deu em turnê por algumas cidades da Alemanha em abril
deste ano. Na cidade de Leverkusen, por exemplo, os ingressos estavam esgotados 11 meses antes
da apresentação.
"A plateia não parava mais de aplaudir. O elenco agradeceu 19 vezes. Nunca havia visto isso na
minha carreira", conta Hulda Bittencourt, diretora artística da companhia. Fato que comprova uma
sólida formação de público internacional.
Depois da temporada no Municipal, o grupo segue para os EUA e se apresenta nas cidades de Aspen
(Colorado) e Nova York. Em 2011, mais de 30 espetáculos já foram realizados pelo Cisne Negro nas
unidades do Sesi.
A agenda segue lotada para o segundo semestre, entre unidades do Sesc e participações em
festivais.
O GLOBO
- Um operário da ópera
De volta ao Rio após quase nove anos, o carioca André Heller-Lopes dirige ‘Nabucco’, dá aulas, vai
encenar peça, planeja publicar livro e quer pensar a política cultural
Mauro Ventura
(23/7/2011) Em 2001, André Heller- Lopes podia ser
visto correndo atrás de prostitutas pelas ruas de Manaus.
— Vem cá! — ele gritava.
E elas, desconfiadas, fugiam. Heller e duas produtoras
estavam atrás das moças para a “Ópera dos três
vinténs”, de Kurt Weill e Bertolt Brecht. Após
selecionarem sete, descobriram que quatro eram
travestis. Todas participaram. Primeiro, recepcionando a
plateia em alemão. Depois, dançando numa cena
passada na pensão. Duas ex-prostitutas trabalham hoje
como recepcionistas do Teatro da Instalação. Em maio
último, ele voltou a Manaus, para dirigir “Tristão e Isolda”,
de Wagner:
— É uma ópera complexa.
Mas Heller está acostumado a desafios. Na quinta-feira,
ele estreou “Nabucco”, de Verdi, com regência de Silvio
Viegas. São 400 profissionais, 150 deles no palco. É a
primeira vez que a ópera é encenada no Teatro
Municipal do Rio na versão integral.
— Ninguém me chama para fazer nada simples, como
“As bodas de Fígaro” (de Mozart). Em 2002, fiz também
em Manaus “Cavalleria rusticana” (de Pietro Mascagni), em praça pública. Em vez de ser uma
procissão religiosa, fiz com os bois Caprichoso e Garantido. De um lado da praça, tinha aquele mar
azul, com cem pessoas, do outro o mar vermelho, com outras cem. Só pego ópera que tem elefante,
de preferência que se apaixona pelo tenor, e os dois são queimados na Revolução Francesa —
brinca.
Mordido pela ópera
Aos 40 anos, completados dia 10, o carioca Heller até 1987 só tinha visto ópera em desenho
animado. Foi quando alguns amigos o chamaram para assistir a “Carmen”. Comprou ingresso para a
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galeria, lá no alto, e ficou “completamente mordido”. De lá para cá, teve uma carreira que o levou a
passar quase nove anos fora do Brasil. Agora de volta ao país, ele lembra que, nesse meio tempo,
vinha ao Rio apenas para ver os pais e dar algumas aulas, e a São Paulo, para dirigir algumas
óperas. Desde 1996 é professor da UFRJ, mas havia conseguido bolsa para o doutorado, concluído
ano passado no King’s College London, com a tese “Ópera nacional brasileira (1857-1863): música,
sociedade e o nascimento da ópera brasileira no Rio de Janeiro do século XIX”, que quer publicar
agora. Tornou- se o primeiro doutor do Departamento Vocal da Escola de Música da universidade.
— Dou aulas de oficina de ópera. O foco é ensinar o cantor a interpretar. Pede-se hoje ao cantor que
seja ator — diz ele que, como diretor, “ajuda as pessoas a acessarem sua imaginação, suas
emoções, sua inteligência”.
Ele sabe que não é simples lidar com cantor de ópera.
— É um bicho muito frágil, muito especial. Pode estar ótimo e de repente abre a boca e a nota falha.
Ele é o artista na corda bamba.
Sua entrada na UFRJ foi complicada.
— Passei no concurso, mas dois professores tentaram invalidar. Eu tinha 20 e poucos anos, era
muito novo. Houve uma batalha judicial dentro da UFRJ, e ganhei. Sempre fui muito belicista, mas se
tivesse 5% a menos de cabeça-durismo eu não teria conseguido o que consegui, porque muitas
portas iam se fechando.
Ele é conhecido pelo rigor.
— Sou um operário da ópera, obcecado por cronograma e por organização. Lá fora as coisas são
encaradas de forma menos passional. Se tem um erro, virase a página. Aqui, existe dificuldade de
assumir a culpa.
Mas o rigor não o impede de cortesias como comprar flores para cada integrante do coro.
— Em “Nabucco”, são 50 homens e 50 mulheres no coro. Para eles, vai ser sanduíche a metro. Para
elas, tem aqui 50 rosas embrulhadas. Falta fazer os bilhetes para cada um. Tem gente que trata os
integrantes do coro como funcionários públicos. Se você quer que sejam artistas, tem que tratá-los
como artistas.
Heller comprou apartamento no Leblon e voltou a se dedicar de forma intensa à faculdade. Em 2010,
ficou na ponte aérea Rio-Lisboa, já que coordenava o programa de jovens intérpretes do Teatro São
Carlos, em Lisboa. Foram vários obstáculos.
— É muito difícil se você é brasileiro em Portugal e não está no estereótipo do peão de obra. Tive
dificuldade de ver meu trabalho aceito e problema de comunicação. Eu falava: “O cronograma está
aqui.” Respondiam: “Aqui se diz tabela de ensaios.”
A má vontade se juntou à crise em Portugal. E começaram a surgir convites do Brasil. Primeiro para
montar “Andrea Chénier”, de Umberto Giordano, em Belo Horizonte, em 2010. Depois veio “Tristão e
Isolda”, em Manaus, “Nabucco”, que foi encenada em junho no Palácio das Artes de Belo Horizonte e
que fica em cartaz no Municipal até dia 31, e “A valquíria”, de Wagner, que estreia dia 17 de
novembro no Municipal de São Paulo.
— A expectativa é grande, mas conheço “A valquíria” profundamente — diz, entre risos. — Em
Londres, em 2005, nos ensaios finais, eu era assistente e a atriz que fazia a valquíria Ortlinde ficou
doente. Adivinha quem fez o ensaio no lugar dela?
“Nabucco” será montada ainda em Manaus, em 2012, e em São Paulo, em 2013, num acordo de
cooperação entre a Fundação Clóvis Salgado de Belo Horizonte, os teatros municipais do Rio e de
São Paulo, e o Festival Amazonas de Ópera, de Manaus.
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— Na Europa, vi muitas parcerias entre teatros. A circulação de espetáculos é a grande chave.
Londres faz uma ópera e divide com Madri, Gênova, Varsóvia. Isso reparte os custos — diz ele, que
ganhou um prêmio internacional para montar em 2013 “Sonho de uma noite de verão”, de Britten, em
São Paulo e em Lisboa, no centenário do compositor inglês. — Adoraria fazer no Rio, em Belo
Horizonte e Manaus.
Heller começou a carreira como cantor — chegou a participar da montagem de “Turandot”, em 1993,
na Apoteose.
— Eu cantava, mas não era uma coisa fácil, era um esforço. E a carreira de diretor começou a correr
mais rápido. Ou eu ficava criticando minhas próprias performances ou me concentrava na produção.
Não foi difícil decidir. Há pouco, ele ganhou pela terceira vez consecutiva o Prêmio Carlos Gomes na
categoria diretor de cena.
— Virei o Clóvis Bornay. Vou ser hors-concours da próxima vez — brinca.
Em 2009, Isaac Karabtchevsky regeu a Petrobras Sinfônica em “O anão”, de Alexander von
Zemlinsky, com direção cênica de Heller. A montagem, inédita no Rio, trazia os cantores e a or
questra no palco.
— O trabalho com André foi muito bom: estávamos na época sem o Municipal e ele fez adaptações
interessantes na Sala Cecília Meireles — diz o maestro.
Nos planos de Heller está o teatro. Seria uma volta às origens para quem participou de grupos
amadores, estudou no Tablado e fez curso com o diretor Sérgio Britto. Ele gostaria de encenar textos
como “Três dias de chuva”, de Richard Greenberg, e “Os últimos dias de Judas Iscariote”, de Stephen
Adly Guirgis.
— Embora chamem diretor de teatro e de cinema para fazer ópera, ninguém pensa em chamar diretor
de ópera para fazer teatro e cinema. Nós que fazemos ópera ficamos num mundo muito fechado —
diz ele, que acha importante essa troca. — A “Suor Angelica” (de Puccini) da Bia Lessa foi uma das
coisas mais bonitas que já vi.
Heloísa Fischer, comentarista de música clássica das rádios CBN e da MEC FM, editora do site
VivaMúsica! e da “Agenda VivaMúsica!”, revista que traz Heller na capa deste mês, destaca a
trajetória do diretor:
— Ele construiu sua formação profissional nos lugares certos do mundo. É um supertalento que tem
uma teimosia e uma persistência muito bem-vindas.
Desde 2006 fora do Municipal
A experiência internacional começou pela Ópera de San José, nos Estados Unidos, em 2001. Depois,
passou num programa da Ópera de São Francisco. De lá, foi para o Metropolitan Opera House, em
2002, a convite do diretor inglês John Copley. O mesmo Copley lhe falou de um programa para
jovens diretores da Royal Opera House, de Londres, onde ficou três temporadas. Em seguida,
Portugal. Hoje, de volta, ele vê um cenário ascendente no Rio.
— É um tempo de reflorescimento da arte lírica aqui. Há uma geração fantástica de cantores, uma
nascente geração de diretores querendo se dedicar à música, maestros, equipamentos culturais
sendo inaugurados ou renovados, uma nova seriedade e profissionalismo no meio, além de dinheiro.
Há dez anos era impossível fazer “Nabucco” com elenco nacional, agora temos aqui dois elencos —
diz ele, que não encenava uma ópera no Municipal desde “Idomeneo”, em 2006. — A cidade era
palco de óperas fantásticas. Temos essa memória, essa tradição.
De 2003 a 2008, Heller trabalhou também fora dos palcos para ampliar o cenário operístico do Rio,
como coordenador de ópera do município. A principal iniciativa era a Ópera no Bolso, que formava
cantores e apresentava espetáculos para crianças e para a terceira idade. Em conversa informal com
o secretário municipal de Cultura, Emilio Kalil, ele sugeriu a reativação do projeto.
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— Kalil se mostrou muito aberto. Adoraria ser parceiro da prefeitura, do governo estadual. Quero
pensar a política cultural — diz ele. — Não quero obrigar ninguém a gostar de ópera, mas sim que
tenha a chance de ver, e aí decidir se gosta ou não. O problema é o “não vi e não gostei”. Lamento as
pessoas serem privadas desse direito de conhecer ópera. É uma junção de artes, algo fantástico,
catártico.
CORREIO BRAZILIENSE
- Parabéns pro Calango Voador
Aberto ao público, Seu Estrelo Fuá do Terreiro comemora sete anos de brincadeiras nascidas em
Brasília
(23/7/2011) Para enraizar lendas no concreto, só brincando.
“Enquanto artista, a gente tem por obrigação inventar”, pensa
Rodrigo Magalhães, o Tico e criador do mito do Calango Voador. Na
roda dos brincantes de Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, o recifense
se transforma no Capitão Sebastião, homem do Cerrado. O
sentimento não é de exclusividade. A manifestação pertence à
cidade, por isso, “só vai ter sentido quando não estivermos mais
aqui e outras pessoas continuarem brincando”, sonha o criador.
Aos olhos dele, os sete anos comemorados pelo grupo são
encarados apenas como um começo. O aniversário é celebrado
hoje na “Casinha”, como os mais íntimos chamam o Ponto de
Cultura Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro. Para animar a festa, foram
convidados o Tambor de Crioula de Seu Teodoro e Renata Rosa,
com quem o grupo compartilha histórias e referências. Essa é a
segunda festa do ano realizada no Ponto. Todo ano acontecem
também a Festa de Chegada das Novas Figuras, em abril, e a
abertura do Festival de Cultura Popular, em setembro.
“Quando a gente começou, a galera não entendia direito a proposta. A cidade estava muito
acostumada com grupos que tocam vários ritmos. Hoje, já começam a compreender que estamos
criando uma tradição”, avalia Tico. Agraciado em 2007 pelo Ministério da Cultura, como grupo de
cultura popular tradicional, o conjunto se orgulha de sua ainda recente trajetória. “Quando
começamos, a cultura popular nem era um segmento cultural. Hoje, até ganhamos prêmio”, empolgase.
O reconhecimento conquistado traz uma grande responsabilidade. “A gente busca sempre melhorar,
em respeito ao público de Brasília, que é curioso e receptivo. Essa é a nossa forma de responder a
essa generosidade”, explica. Com o passar dos anos, o grupo envolveu-se com outros artistas, que
contribuíram para o desenvolvimento como movimento artístico local. “Cruzamos com pessoas muito
apaixonadas por Brasília, com elas nos sentimos parte da utopia daqui”, define Tico, citando TT
Catalão, Renato Barbieri e Mestre Danadinho (Cláudio Queiroz).
Mito em construção
Todo ano, o mito cresce, ganha novas figuras e histórias. No período de dezembro a fevereiro,
durante as férias do grupo, os sonhos se fertilizam na mente de Tico. “Levo as novas figuras e
começamos a trabalhar a dança e a música de cada uma”, explica. No princípio, eram apenas oito
personagens. Hoje, há mais de 40, vestidas por apenas cinco “figureiros”, como são chamados os
intérpretes. “Antes, apresentávamos tudo em uma hora. Hoje, passamos quatro horas brincando”,
compara. Como só é possível reunir todas as criaturas míticas na “Casinha”, este ano a brincadeira
foi dividida em três rodas. “Antes, fazíamos sempre as mesmas figuras. Agora é possível que um
maior número de criações participe”, aponta.
A partir de um mito próprio, o grupo Seu Estrelo e Fuá do Terreiro leva às apresentações elementos
do Cerrado para o imaginário popular. As rodas têm por objetivo receber o filho do Sol e da Terra, o
ser sagrado, o Calango Voador, mito criado por Tico. Entre as 15 pessoas, Seu Estrelo é o
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personagem central. Os outros são o fuá, aqueles responsáveis pela aparente confusão que é a
brincadeira. Cada música invoca um ser mítico ou figura.
Os instrumentos são herança de outras brincadeiras mais antigas: as alfaias vêm do maracatu; o
gonguê e a caixa, do maracatu rural; os abês, dos afoxés; e o caracaxá, do caboclinho. “Cada figura é
muito sagrada pra gente. Mas são todos palhaços, eles vêm para brincar e divertir as pessoas”,
explica Tico. No terreiro-picadeiro, a bagunça é organizada.
“Como a história e os personagens eram novos, senti que precisávamos de uma batucada diferente”,
justifica Tico a respeito do samba pisado. A batida de tambor é peculiar do grupo e influenciada por
importantes tradições como os maracatus e o cavalo-marinho.
Registro memorial
» Retrato de um povo inventado, em livro e filme, lançados em abril deste ano, tenta resgatar os
ingredientes que constituem o tipicamente brasiliense. Os depoimentos de importantes mestres e
brincantes sobre a construção cultural da capital do país foram recolhidos no projeto Caravana Seu
Estrelo — Rumo à Cidade Mestiça. Durante 16 meses, a trupe passou por cidades interioranas de
Goiás e Minas Gerais, visitando grupos de cultura popular local.
O GLOBO
- Sofrimento, lucidez e denúncia em forma de recital
Sem ação dramática, textos de Rodrigo de Souza Leão transformados em espetáculo transbordam
emoção
(24/7/2011) Na arena do Teat ro
Maria
Clara
Machado,
no
Planetário, cinco atores apresentam
em forma teatralizada trechos
escolhidos do romance de Rodrigo
de Souza Leão “Todos os cachorros
são azuis”; todo o texto é
comovente, porém ao público não é
apresentado um drama (no sentido
de uma obra dramática), mas,
antes, um recital. Essa palavra soa
muito antiquada, mas, realmente, de
todas as qualidades humanas e
literárias que o texto demonstra,
nenhuma é “dramática”, isto é, não
apresenta uma ação que inicie com
uma situação e termine em outra,
diferente ou modificada.
O espetáculo é feito com muito
amor.
Os
trechos
foram
selecionados pela força que têm de sofrimento, lucidez e denúncia, e um considerável esforço foi feito
para dinamizar o que é mostrado ao público. Não é exatamente dramaturgia aquilo que fizeram Flávio
Pardal, Michel Bercovitch e Ramon Mello, os responsáveis pela seleção dos trechos a serem ditos,
mas não há dúvida de que esses foram muito bem selecionados.
Respeito ao texto
A encenação é austera; cenário e figurinos não têm atribuição específica, que fica só em uma direção
de arte de Rui Cortez. Cinco segmentos de grade representam a prisão que é o manicômio, e os
cinco componentes do elenco usam todos calça, camiseta e camisa aberta, uma boa opção para que
todos sejam na verdade a mesma pessoa. As grades poderiam ser menos movimentadas, pois
movimentação não quer dizer ação. E a verdade é que o movimento às vezes atrapalha o ator, que já
enfrenta o desafio de emprestar vida às reflexões de Souza Leão — mas isso é da responsabilidade
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do diretor. A direção de Michel Bercovitch certamente trabalhou muito com os atores na busca do tom
adequado para cada depoimento, e o carinho e respeito de todos para com o que dizem pesa muito
na força com que o texto é transmitido ao público.
O elenco é composto por Bruna Renha, Camila Rhodi, Gabriel Pardal, Natasha Corbelino e Ramon
Mello. Os rapazes, principalmente Gabriel Pardal, estão um tanto melhores do que as três moças,
mas de modo geral é um conjunto harmonioso, cuja dedicação faz muito por esse depoimento
dramatizado e comovedor sobre a tragédia da vida de Rodrigo de Souza Leão.
FOLHA DE S. PAULO
- Corpo ganha nova leitura em formato vídeo
Obras apresentadas na mostra Dança em Foco reinventam modos de olhar e de conceber o fazer
coreográfico
FLÁVIA COUTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
(25/7/2011) - São poucas as oportunidades para conhecer a produção internacional de videodança.
Um panorama dela pode ser visto no 6º Dança em Foco, que segue no Sesc Pinheiros até o dia 31.
As obras dessa linguagem se caracterizam pela fusão entre dança e vídeo. No encontro do suporte
audiovisual com a proposta corporal, o videodança não funciona como mera documentação, mas sim
como a criação de uma estética singular de imagem.
As sofisticações tecnológicas reinventam o corpo através do vídeo. É o caso das instalações
multimídia em 3D. Nelas, os corpos em escala real saltam da tela em trabalhos assinados pelo
coreógrafo escocês Billy Cowie.
A experiência de imersão do público no ambiente virtual ganha força no diálogo que os artistas fazem
entre a imagem expressiva do corpo e as possibilidades que as mídias digitais oferecem.
Na obra "Movimento²", a artista visual Celina Portella altera a percepção do espectador ao criar um
jogo no qual os movimentos exibidos na tela deslocam a televisão em que o vídeo é exibido,
simulando uma ação ao vivo.
A exposição se completa em uma sala com três telas que projetam simultaneamente uma seleção
variada de vídeos vindos de 31 países.
O ESTADO DE S. PAULO
- Rumo aos 100
Às vésperas do centenário, Nelson Rodrigues deve ganhar fundação
Maria Eugênia de Menezes
Não é de hoje que Nelson Rodrigues aparece saudado como o maior dramaturgo do País. Talvez um
dos maiores do mundo. Será mesmo? "Essa é a nossa pergunta e é para isso que queremos
resposta", diz Marco Antonio Braz, diretor devotado à obra rodriguiana desde os anos 1990. "Não
queremos criar um novo mito, mas revelar aquilo que ele, de fato, fez."
Às vésperas do centenário do autor - que completaria 100 anos em 2012 - Braz capitaneia um
movimento pela revisão de sua vasta obra. Uma iniciativa que deve ter início oficial no próximo dia 23.
Para a data em que Nelson completaria 99 anos, o encenador prepara a estreia de O Beijo no Asfalto.
Mas a peça será apenas o prenúncio de uma série de montagens e atividades que estão previstas
para o ano que vem. Entre os planos, merece relevo a intenção de se criar uma fundação
inteiramente dedicada ao escritor. Nela, reuniriam-se, pela primeira vez, várias informações hoje
dispersas.
"Se você quiser saber quantas montagens foram feitas do Nelson Rodrigues no exterior, ninguém
saberá responder a isso formalmente. É uma vergonha", aponta Braz. Da mesma maneira, também
são controversos os relatos sobre quantas teses de mestrado e doutorado já foram dedicadas ao
autor de A Falecida. Ou sobre quais seriam as traduções já feitas de suas peças. A ideia que se
aventa para o centenário é a de lançamento de uma "fundação virtual", espaço em que todos esses
dados estariam à disposição do público.
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Inicialmente, explica Braz, os planos previam a construção de uma fundação com sede física. "Mas
isso só poderia ser feito pelos herdeiros", relata ele. "E, como as coisas não evoluíam, começamos a
buscar soluções mais práticas."
Parceiros do governo e da iniciativa privada estão sendo procurados para auxiliar na empreitada. Os
planos para a fundação virtual já são objeto de negociação com o Itaú Cultural. E poderiam culminar,
inclusive, com uma exposição nos moldes daquelas que o instituto organizou recentemente para
outros notáveis, como José Celso Martinez Corrêa e Flávio Império.
Outro dos focos do centenário será um amplo ciclo de leituras. "É o que eu chamo de inventário e
exumação do legado do Nelson", comenta Braz. O projeto contemplará todas as 17 peças do autor,
que serão apresentadas na ordem cronológica em que foram escritas. Sempre com a participação de
quatro ou cinco convidados.
Para a leitura de O Beijo no Asfalto, deve-se contar com a presença de Fernanda Montenegro, Ítalo
Rossi, Suely Franco e Sérgio Britto. Atores que participaram da primeira montagem da obra, em
1962, no Teatro dos Sete. "É importante não só a leitura, mas o depoimento deles sobre a história de
concepção desse espetáculo, que foi escrito especialmente para a Fernanda e para esse grupo de
intérpretes", diz Braz. Ao fim do ciclo, a intenção seria conseguir reunir e documentar os depoimentos
de cerca de 90 estudiosos e/ou contemporâneos do escritor.
As leituras não devem excluir a realização de espetáculos. Além da produção que entra em cartaz no
dia 23, Braz prepara versões de Os Sete Gatinhos, Valsa n.º 6 e Boca de Ouro.
Desde o início de sua trajetória, o diretor sempre esteve vinculado ao teatro de Nelson Rodrigues. Já
assinou encenações de oito dos seus textos. Alguns deles montados mais de uma vez. Para essas
novas criações, contudo, Braz conta com o auxílio de veteranos do palco que nunca antes
enveredaram pelo universo do autor. É o caso de Renato Borghi, que poderá ser visto tanto em O
Beijo no Asfalto quanto em Os Sete Gatinhos. "Borghi é um ator completamente rodriguiano que não
tinha feito Nelson Rodrigues", observa o diretor. Quem também debuta na poética do dramaturgo é
Marco Ricca, que deve produzir e protagonizar a futura encenação de Boca de Ouro.
Em espanhol. Existem algumas poucas traduções de Nelson Rodrigues para o francês. E também um
volume em língua inglesa. Agora, uma das promessas é verter seis peças para o espanhol. Trabalho
a ser coordenado por José Sanchis Sinisterra, um dos mais destacados dramaturgos e diretores
castelhanos da atualidade.
Mostrar esses títulos em um contexto que não nutra os mesmos preconceitos que ainda vigoram no
Brasil também poderia nos trazer outras perspectivas. "Aqui, muitos não entendem que, mesmo que
ele tenha sido reacionário, a obra não guarda vestígio disso", observa Braz.
Mais do que revelar o próprio autor, essas traduções também poderiam trazer determinante
colaboração para o teatro nacional, acredita o diretor. "Estamos diante da possibilidade de uma nova
revolução do teatro brasileiro. Mostrando o que temos de melhor, conseguiríamos uma abertura, uma
troca."
FOLHA DE S. PAULO
- Lenda brasileira inspira peça do Ballet Nacional de Cuba
AMANDA QUEIRÓS
DE SÃO PAULO
(26/07/2011) Nascido na corte do rei francês Luís 14, no século 17, o balé clássico já se ocupou de
amores de princesas, de mitos nórdicos e de contos de fada tipicamente europeus.
Para Alicia Alonso, diretora artística do Ballet Nacional de Cuba, agora é vez de ele também contar
histórias fantásticas da América Latina.
Em uma inédita coprodução internacional, o grupo criou em parceria com o Brasil "A Lenda da Água
Grande", que, após passar por Brasília e Salvador, será apresentada de amanhã a sábado no teatro
Anhembi Morumbi.
Tal qual o balé "Floresta Amazônica" (1975), da brasileira Dalal Achcar, a peça se inspira no universo
indígena. A lenda em questão é a da criação das cataratas do Iguaçu. Diz-se que elas teriam surgido
devido à fúria do deus M'Boy diante da relutância de um índio guerreiro em abrir mão de sua amada,
destinada ao sacrifício.
"Essa é a exaltação de um passado lendário, uma mostra da riqueza cultural de um povo que é
orgulho da América", afirma Alonso, por e-mail, à Folha. Uma homenagem na Rússia impediu que ela
viesse ao Brasil.
Aos 90 e com problemas de visão, ela delegou a coreografia a Eduardo Blanco. "Um balé só é feito
em equipe. Eu supervisiono tudo", diz.
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ARTES PLÁSTICAS
O ESTADO DE S. PAULO
- Obra imersa em mitos
Destaque de sua geração, Thiago Rocha Pitta exibe Saudades da Pangeia
Camila Molina
(21/7/2011) - O artista Thiago Rocha Pitta só acredita nos mitos - "o resto é conversa", diz. Se a arte
contemporânea, como ainda afirma, "é muito urbana", ele prefere ficar no campo das narrativas
primitivas, poéticas - até "geológicas", poder-se-ia dizer. Criador que se considera "fora de moda" em
relação aos de sua geração, Thiago Rocha Pitta apresenta em sua individual na Galeria Millan,
Saudades da Pangeia, um universo conciso de apenas três criações nas quais usa como elementos
simbólicos a pedra, o mel, o sal.
Thiago Rocha Pitta/Divulgação
Monumento. Leveza nas esculturas de pano e
cimento
Apesar de ter uma produção diversificada em
gêneros ao criar, desde 2001, vídeos, fotografias,
peças escultóricas, pinturas, desenhos e
instalações, ele não se amarra aos meios que
utiliza. Ainda, é curioso ver o artista, ao longo de
uma década de trajetória, dedicar-se ao que
podemos identificar como que um corpo único de
questões - a passagem lenta de estados da
natureza, a referência ao que poderia ser
impossível (tais os mitos).
"Acho meu trabalho meio monótono, sem muito solavanco", afirma. Não à toa, ele coloca já no título
da exposição a referência a Pangeia, a história de que os continentes formavam no planeta um corpo
único até o momento que esse bloco se fragmentou - e o movimento das placas tectônicas fez nascer
o mundo. A unidade e um caráter primitivo de tratar "coisas básicas", "matrizes", diz Thiago, vêm
formando, assim, o escopo de sua produção.
Encontro. Na mostra anterior do artista na Galeria Millan, Calmaria, em 2008, a ideia de Pangeia
estava presente em Prototide, vídeo enigmático que coloca em ação o fogo e a água, elementos
contrários. Agora, na atual exposição, é também um vídeo que Thiago apresenta na sala principal da
Millan, Danäe nos Jardins de Górgona, numa grande projeção. Na obra, de 15 minutos, há apenas o
registro do movimento natural de feixes de mel deslizando por pedras. A imagem criada é ao mesmo
tempo simbólica, escultórica e até erótica.
"Promovo o encontro de coisas separadas", explica, o que inclui, nesse pensamento, a realização, em
obras, do diálogo de materiais inusitados. As pedras que aparecem no vídeo são da costa da África
(visitada em 2007, daí também a saudade presente no título da exposição) e do Brasil. "A pedra é o
duplo primordial da Terra; atravessamos o oceano para chegar ao mesmo continente", ressalta
Thiago Rocha Pitta. "Fiquei muito impressionado com o quê mítico dessa narrativa geológica",
continua ele. O mel que desliza nas pedras, em pleno sol, chega também, nessa história, a remeter a
uma fina corrente de lava - e no, fim, se encontra com a água, esvaindo-se.
"O mel faz com que a pedra pareça fluida", diz o artista, agora fazendo a relação do vídeo com outra
obra da mostra, as esculturas de Monumento à Deriva Continental. No sentido inverso, ele completa,
é como se os panos (um deles com 7 metros), embebidos em cimento, se tornassem velas
petrificadas de barcos, "fósseis" leves com suas pontas no ar. "A vela parece, ainda, o mel
petrificado", faz o artista uma outra relação entre as peças da exposição. Exibidas anteriormente
apenas na Suíça, as esculturas são um grande destaque de Saudades da Pangeia, unindo o brusco e
o poético.
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Já no mezanino, Thiago exibe a instalação Bruma Rochosa, um complexo com salmoura e placas de
vidro com desenhos de montanhas feitos com sal. Com o tempo, a obra vai se transformando pelos
princípios básicos e químicos naturais.
CORREIO BRAZILIENSE -
Brasília é sonho e realidade
(24/7/2011)Cildo Meireles, 62 anos, é atualmente um dos artistas brasileiros de maior prestígio no
circuito internacional de arte. Brasília é uma palavra essencial em sua história. Ele morou na cidade
de 1958 a 1967, dos 10 aos 19 anos, e viveu intensamente o
delírio de invenção e experimentação que marcou aquele
período. Em sua arte, utilizou, por exemplo, garrafas de CocaCola e notas de dólares para criticar o consumo e subverter o
circuito de informações, inventando o zero dólar. Torcedor do
Fluminense, campeão do futebol de várzea em Brasília, exaluno do colégio Ciem, artista conceitual, se tivesse poderes,
Cildo providenciaria medidas para reduzir o número de carros e
aumentar o de gente circulando de bicicleta pelas ruas da
capital. Nesta conversa, ele mistura futebol, arte, política,
bicicletas e memória do sonho dos tempos iniciais de Brasília:
"Naquela época, a gente não achava que estava construindo
uma cidade, mas sim uma catedral".
Severino Francisco
Por que a experiência de Brasília foi tão importante em sua história?
Antes de tudo, porque foi o lugar onde passei a adolescência. Segundo, porque por um desses
acasos, acabei participando de um evento histórico: a criação e construção de Brasília foi um
privilégio.
O que era um privilégio nesta experiência?
Havia uma efervescência grande no Brasil desde a década de 1950. Tinha a bossa nova, o Cinema
Novo, o neoconcretismo. Foi um período muito rico culturalmente e de muitas esperanças. A
sensação que todo mundo tinha era a de que estávamos construindo não uma cidade, mas uma
catedral.
O que é uma imagem marcante da época para você?
Me lembro que jogava bola, cheguei a ser campeão no futebol de várzea. Joguei nos juvenis do
Planalto e do Nacional, dois times da época. Mas me lembro que era criança de 11 ou 12 anos, minha
mãe morava na 713 Sul e os campos ficavam longe, no acampamento da Construtora Planalto. O
sistema de transporte público não era eficiente. Mas, por outro lado, se alguma criança fizesse um
sinal na rua qualquer pessoa que visse desviava o caminho e a deixava na porta da casa. Hoje em
dia, isso seria impossível. Quer dizer, havia um sentimento geral de solidariedade e fraternidade.
Todo mundo estava construindo um sonho.
Como era o Ciem?
Estudei o primário e o ginásio no Nossa Senhora do Rosário. Fiquei um ano no Elefante Branco, fiz
exames para o Ciem (na Asa Norte), que era uma escola experimental da Universidade de Brasília.
Em 1957, o lançamento dos foguetes sputiniks pelos russos impactou os Estados Unidos. Eles
entraram em pânico e convocaram as melhores cabeças para reformular o ensino. A ideia era
implantar o mesmo sistema no Brasil e isso aconteceu no Ciem.
E no campo das artes, qual foi a influência em sua formação artística?
Em 1963, vi no Instituto de Artes da UnB uma exposição de arte africana. Me impactou muito. Fui às
papelarias comprar cartolina e lápis para desenhar. A arte africana tem uma mistura de muita força,
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elegância e sensibilidade. Já gostava de desenhar desde pequeno. Meu pai me deu dois presentes
nos tempos de menino; um era livro de desenhos do Goya e o outro do Goeldi. E, em 1963, por causa
dessa exposição, me matriculei em um ateliê livre e conheci uma pessoa fantástica, o Barrenechea.
Comecei a frequentar as aulas, ele foi extraordinário, muito generoso, tinha um ateliê na 708 Sul, não
me cobrou nada e me dava material. É o único professor a quem dou crédito.
O que o Ciem oferecia no campo das artes?
Era importante porque as artes plásticas se inspiram em vários campos do conhecimento. No último
ano, frequentei o chamado Ciem artístico e uma das coisas que o colégio oferecia era a possibilidade
de eleger uma matéria e ter duas aulas por semana. Escolhi cinema. Brasília tinha um curso
implantado por Paulo Emílio Salles Gomes e um corpo docente extraordinário, com Jean-Claude
Bernadet e Nelson Pereira dos Santos, entre outros.
Você considera que a arte conceitual brasileira nasceu em Brasília?
É difícil dizer isso. A minha ideia é que a partir da virada do século 20 começa a tomar força a noção
de objeto de arte total. E acho que isso está ligado a um conceito histórico expresso pelo filósofo
Teillard Chardin, especialista em links com o primeiro homem. Li um livro dele em 1968 e uma frase
me marcou muito: o primeiro homem é sempre multidão. Existem situações que permitem coisas
similares pipocarem, simultaneamente, em vários pontos.
Brasília é uma cidade conceitual?
Minha primeira opção era o cinema e escolhi como prática educacional fazer um trabalho de
animação. Mas me lembro que já estava aqui desde 1958, imbuído dessas conversas que
permeavam Brasília. Achava já naquele momento que Brasília era uma espécie de aliança dos anos
1950 entre elite cultural e elite econômica que caía como uma luva para o regime autoritário. Você
tinha um plano e um sonho, mas havia um embate com o real. Você tinha um cara do Triângulo
Mineiro que instalava uma farmácia em Brasília e colocava o mesmo balcão que usava na cidade do
interior. A cidade é dinâmica, viva, vai se impondo ao projeto. A frente da W3 era para ficar no fundo.
Então, há uma passagem do sonho para a realidade.
Como foi esta passagem?
A partir de 1964, Brasília foi ocupada por muito tempo pelo que o Brasil tinha de pior. Um excesso de
aspones, uma mentalidade retrógrada e reacionária. Brasília se tornou um alvo de vingança da classe
dominante. Claro que se ressentiu disso. Mas ela deu a volta por cima e um dos momentos onde
houve a retomada desse espírito inicial de Brasília foi em 1966. Fui a Alcântara, no Maranhão, e na
volta vim a Brasília, coincidindo com a morte do Juscelino e pude presenciar aquele momento. Foi ali
que senti que a ditadura começava a cair. Tinham planejado uma espécie de blindagem em torno do
enterro do Juscelino. Mas não resistiu ao espírito de iniciativa da garotada. Haviam estabelecido um
itinerário e colocado o Exército de metro em metro durante todo o roteiro. Os motoqueiros,
praticamente, sequestraram o caixão e estabeleceram uma manifestação popular. Passei de carro e
vi a Esplanada dos Ministérios lotada. Pensei: agora, será difícil segurar a população.
Como foi a sua percepção da arquitetura moderna?
Nos tempos de adolescente, eu vivia no entorno da arquitetura moderna, acompanhando toda aquela
discussão, e não entendia a importância que ela tinha. Até que me caiu nas mãos uma revista com a
imagem de um prédio de uns quatro andares e de um carro do outro lado da rua. Mostrava a fachada,
as pessoas e, na frente do prédio, havia um carro do ano parado, um Ford 1929. Aí você via quão
adiante estava o design do prédio moderno em relação ao Ford.
Como vê o trabalho de Athos Bulcão? Há semelhança entre o trabalho dele e o dos artistas
conceituais no neoconcretismo e o da sua geração, a dos chamados artistas conceituais?
Athos está mais ligado ao modernismo. A arte teve uma função social, coletiva. E, por volta de 1500,
com a revolução burguesa, o que era patrimônio da comunidade foi privatizado. Aí, nasce a tela, que
é uma redução do mural e do afresco para uso doméstico e privado. Com o aparecimento da tela,
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surge o artista e a assinatura, o autor, a tela como embalagem. Para o marchand, tanto faz negociar
impressionismo, realismo ou concretismo. Aqui em Brasília, houve um pouco esta volta do trabalho de
arte para a dimensão pública, para a rua. E, nesse sentido, claro que foi importante a arte do Athos,
seguramente um nome muito respeitável. Mas devo confessar que gosto muito de alguns outros
artistas que ficaram anônimos em Brasília.
Quem são eles?
O Barrenechea e o Iolovich. De uma certa maneira a própria comunidade não dispensa o respeito e a
visibilidade a eles. São esquecidos na história cultural da cidade.
Como vê o limite da arte conceitual na incorporação de objetos e a crítica de que isso teria provocado
a banalização ou a morte da arte?
Houve um momento em que fui classificado como artista conceitual e tentei me livrar deste rótulo. Me
criava um desconforto, você entrava em uma exposição e ficava tendo de ler, ler e ler. E, geralmente,
texto de artista é muito fraco. Essa verbosidade de má qualidade me deixava irritado. Mas, certa vez,
um grande amigo meu foi preso em 1970 e anos depois ele me contou que na cela onde caiu, havia
um palito de fósforo. Ele ficava pensando: o que um artista como o Cildo faria com isso? Aí percebi
que, de fato, dos movimentos que haviam existido, o da chamada arte conceitual era o mais radical e
democrático. Você trabalhava com quase nada. Ampliou de forma extraordinária o campo temático e
de materiais. Eu não tinha me dado conta do quanto havia de democrático e generoso na arte
conceitual. Ela permite que qualquer pessoa pense em qualquer coisa e transforme qualquer suporte
em uma obra de arte.
Como vê a crítica de que a arte conceitual contribui para a morte da pintura?
A pintura não morre. É um setor econômico fortíssimo, não vai acabar assim. Há muitas fábricas que
vivem em função da pintura. Já a arte conceitual prescinde disso, ampliou absurdamente o campo de
liberdade do artista.
Em função dessa liberdade extrema de poder trabalhar com qualquer objeto, o que é arte para você
hoje?
Esta pergunta é quase irrespondível, a gente se pergunta o tempo todo. Carl Andrés, minimalista
norte-americano, formulou uma definição com a qual, de certa maneira, concordo. Com certeza, ele
extraiu esse conceito de algum mestre zen budista. Andrés disse que um homem sobe uma
montanha porque a montanha está lá e um artista faz um trabalho de arte porque não estava lá. Quer
dizer, a única coisa que justifica esta grande inutilidade imprescindível que é a arte é o fato de algum
maluco ir lá e fazer. Mesmo que seja um erro, é preciso experimentar e abrir o campo de liberdade
para fazer outra coisa.
Do que você gosta em Brasília e o que mudaria se tivesse poderes?
Gosto de muitas pessoas daqui e, sobretudo, da ideia de Brasília. Gosto do clima de Brasília. O Rio é
uma piscina muito quente. Algumas vezes, a umidade do ar chega a 90 por cento. Gosto também da
disponibilidade do tempo em Brasília. O Rio é muito dispersivo. O que não gosto é o fato de a cidade
não ter projetado um sistema de transporte. Acho o carro uma praga violenta que destrói a vida
urbana. É preciso diminuir a circulação de carros. Nos tempos em que eu morava em Brasília sempre
me movia pela cidade de bicicleta. Desde o início, os criadores de Brasília deveriam ter pensado em
um sistema de metrô e não em apenas algumas linhas. Se as pessoas usassem mais bicicletas a
vida em Brasília seria muito melhor.
FOLHA DE S. PAULO
- Artista cria museu de mundo imaginário
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Em individual que abre hoje, Marilá Dardot usa trabalhos dela e de outros artistas para falar de sua
terra fictícia
Obras na mostra estão em vitrines, como artefatos de um museu, acompanhados de seus verbetes
explicativos
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
(26/07/2011) No terceiro mundo imaginado por Marilá Dardot, o sistema de cores se baseia em livros
e flores, no caso, o estado de conservação de cada livro e o grau de maturação de cada flor. Também
o tempo tem seu registro alterado, a arquitetura, os mapas e todo instrumento que rege a vida.
Não é um conceito geopolítico que ela usa na mostra que abre hoje na galeria Vermelho, em São
Paulo, mas um terceiro mundo filosófico, que vem da junção de "um primeiro com um segundo".
Também em vez de mostrar só obras que fez, Dardot reúne em caixas e vitrines alguns resquícios de
obras de artistas de sua geração para construir um discurso em torno dos tempos atuais, esse tal
terceiro mundo de ideias que pauta uma leva de autores. "São obras reproduzidas aqui como se
estivessem em espaços domésticos, não como obras de arte", resume a artista. "É como se fosse um
museu histórico desse lugar."
Dardot, aliás, também não sai de sua esfera íntima. Estão nas paredes de seu museu trabalhos de
artistas que despontaram em Minas Gerais, como ela, além de uma obra do próprio marido.
Rivane Neuenschwander, Cinthia Marcelle e Sara Ramo, que vivem em Belo Horizonte, emprestam
seu vocabulário para pensar o tempo. Sua base também está na literatura de Julio Cortázar ou Emily
Dickinson, constantes citações nos trabalhos. Mas o que fica é um inventário da delicadeza violenta
do cotidiano, uma pausa para contemplar os absurdos da vida.
Num dos verbetes de seu museu, Dardot, citando o argentino Cortázar, descreve o ato de endireitar
pregos com um martelo como ação de "perversidade fulminante".
Descreve também outro estranho ato dos habitantes do terceiro mundo, que se abaixam quando
veem um brilho na calçada.
O GLOBO
- Mestres da gravura saem das mapotecas
Biblioteca Nacional abre um acervo que não era visto desde o século XIX
Suzana Velasco
(27/7/2011) Há mais de um século, a coleção de 30 mil gravuras da Fundação Biblioteca Nacional
está longe dos olhos do público, que a partir de hoje tem a chance de ver preciosidades de 80 artistas
estrangeiros, como Rembrandt, Goya, Piranesi, Dürer, Callot e Hogarth.
A maioria das obras fazia parte da Real Biblioteca de Portugal, trazida para o Brasil em 1810, dois
anos depois da vinda da família real. A curadora Fernanda Terra vasculhou a imensidão do acervo e
selecionou 170 gravuras, das quais 27 foram restauradas para a exposição nos Correios, que abarca
obras do século XV ao XVIII.
— É o período em que a coleção é mais forte e tem um volume maior. Na época, havia xilogravura e
técnicas de gravura em metal. No século XIX, criou-se uma outra relação com a gravura, que passou
a ser produzida em larga escala — diz Fernanda. — A exposição mostra a mudança na maneira de
se ver o mundo do século XV ao XVIII, uma transformação estética e de pensamento. Primeiro há um
apego às gravuras religiosas, depois o Renascimento, em que o corpo, o belo e a natureza se fundem
num só ideal, e em seguida as gravuras de cunho profano, mitológico.
A exposição está dividida nos núcleos espanhol, francês, português, italiano, holandês, alemão,
flamengo e inglês. Mas a curadora não pôde expor todas as obras que queria, já que centenas delas,
há tanto tempo nas mapotecas da fundação, precisam de restauro mais profundo. Todas as gravuras
da exposição agora fazem parte do acervo digital da Biblioteca Nacional.
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MÚSICA
O GLOBO
- Passado e futuro em Mariana de Moraes
Cantora prepara CD de inéditas e faz tributo ao avô Vinicius, hoje, no Rival
Leonardo Lichote
MARIANA DE MORAES: “Algumas dessas
músicas hoje fazem parte de mim. Eu as
antropofagiei”
(21/7/2011) Desde quando surgiu para a
música, com o show “A alegria continua”,
ao lado de Elton Medeiros e Zé Renato,
Mariana de Moraes parece ser fiel
seguidora do mandamento de Paulinho da
Viola: pensa no futuro, não se esquece do
passado. É esse o olhar presente tanto no
novo CD que gravará ainda este ano —
unindo canções inéditas e clássicos do
samba — quanto no show em homenagem
ao avô, Vinicius de Moraes, que ela faz
hoje, às 19h30m, no Teatro Rival.
— “Assim como a canção/ Só tem razão se se cantar”, Vinicius diz em “Eu não existo sem você”,
com Tom Jobim — cita Mariana. — Essas músicas são consagradas porque são belas e
fundamentais. Este é o sentido delas. Elas são novas por si só. Nos dão liberdade de criar, são ricas
rítmica e melodicamente, além de possibilitarem mil interpretações poéticas. Estão aí para serem
cantadas e tocadas e não para serem peças de museu. Ao longo desses 12 anos cantando tive
oportunidade de experimentar muito e muitas vezes o repertório de Vinicius com diversas formações
e arranjos. Hoje tenho uma intimidade grande com essa obra, que é vastíssima. Algumas dessas
músicas hoje fazem parte de mim. São como minhas.
Eu as antropofagiei. No início da carreira, porém, Mariana procurou manter distância das canções do
avô, seguindo o conselho da tia Susana de Moraes (“Seria um gesto oportunista”, diz). Mas foi por
pouco tempo: — Assim que fui reconhecida pelo público e pela crítica em “A alegria continua”, fiquei
livre pra cantar suas músicas. Felizmente esse reconhecimento veio rápido.
CD para o avô em 2013
No show que apresenta no Rival, Mariana intercala poemas com clássicos e canções menos
conhecidas de Vinicius — ao lado de parceiros como Tom Jobim, Edu Lobo, Pixinguinha e Baden
Powell.
O repertório inclui “Se você disser que sim”, “Canto triste”, “Seule”, “Garota de Ipanema” (“Eu amo,
mas nunca tive coragem de cantar”), “Brigas n u n c a m a i s ” , “ M e d o d e amar”, “A felicidade” e
“Insensatez”. A banda que acompanha Mariana é formada por Robertinho Silva (percussão e bateria),
Tomás Improta (piano), Gabriel Improta (violão e guitarra) e Rodrigo Villa (contrabaixo).
— Em 2010 recebi convites para cantar no Brasil e na Europa em homenagem aos 30 anos de morte
de Vinicius. Eu queria comemorar os 100 anos de vida dele (ela planeja um disco para 2013
celebrando a data). Não estava nos meus planos comemorar sua morte. Aconteceu.
Em outubro, a cantora entra em estúdio para gravar um CD com produção de José Miguel Wisnik e
Alê Siqueira. Ao lado de clássicos como “Adeus batucada”, de Sinval Silva, ela gravará composições
inéditas: — Adoro o Wisnik e o Alê. Para mim é uma grande alegria fazer esse trabalho com eles, que
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produziram um disco lindo da Elza Soares, por quem sou apaixonada — diz, referindo-se a “Do cóccix
até o pescoço”. — Estou entusiasmada com esse projeto.
Quero uma música do Elton Medeiros, por quem tenho a mais alta estima e admiração. Adriana
Calcanhotto fez um samba lindo pra mim.
CORREIO BRAZILIENSE
- Aula de Reco e sua turma
(21/7/2011) A inauguração da sede definitiva do Clube do Choro, um projeto de Oscar Niemeyer, tem
data marcada para setembro próximo. O dia, porém, ainda não foi definido. O certo é que, a partir
daquele mês, os frequentadores dessa referência nacional do gênero passarão a ter maior conforto
ao assistir a shows de alguns dos mais importantes instrumentistas brasileiros. Esses, por seu lado,
vão dispor de condições técnicas ideais para suas apresentações.
Quem garante é Henrique Santos Filho, o Reco do Bandolim, presidente do Clube do Choro. Hoje e
amanhã, às 21h, ele sobe ao palco da velha sede — parte da história da entidade— para show pelo
projeto Clube do Choro do Brasil. Ele terá a companhia do Choro Livre, formado por Henrique Neto
(violão sete cordas), Rafael dos Anjos (violão seis cordas), Márcio Marinho (cavaquinho) e Valério
Araújo (percussão).
“Neste show, estamos fazendo o resgate de músicas de compositores mais identificados com as
belezas, com as delicadezas do Brasil, representadas por sua geografia, sua gente e aspectos da
cultura. São autores como Noel Rosa, David Nasser, Alcir Pires Vermelho, Ary Barroso, Tom Jobim e
Garoto. Mas, obviamente, não ficarão de fora do roteiro choros de Pixinguinha, Jacob do Bandolim,
Waldir Azevedo e Altamiro Carrilho”, anuncia Reco do Bandolim.
Entusiasmado, o músico fala da ocupação da sede definitiva, que vem sendo feita, aos poucos. “Lá,
desde março, vem funcionando a Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello. As aulas, em três
turnos, são oferecidas em 10 salas por 21 professores para 800 alunos, na faixa etária de 10 a 80
anos. Desses, 150 são bolsistas e dispensados do pagamento da taxa mensal de R$ 70.
“Todo o mobiliário — mesas, cadeiras — da Escola de Choro e da Sala de Concerto, assim como o
os equipamentos de som foram adquiridos com recursos originários do Ministério da Cultura. Os da
Sala de Concerto já começaram a ser instalados. As oito caixas de som vão ter instalação
semelhante às do Blue Note, o famoso club de jazz de Nova York”, conta.
Reco do Bandolim informa que ainda nesta semana será assinado convênio com a Secretaria de
Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, visando a cessão ao Clube do Choro do
conteúdo existente no site do órgão, referente ao acervo da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional
e do Museu da Imagem e do Som. “Esse material virá para o nosso Centro de Referência, que está
sendo criado em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). A Secom vai também gravar os
shows apresentados no Clube do Choro, que irão fazer parte do site”, revela.
ESTADO DE MINAS
- Roquezaram a sinfônica
Banda Trampa, de Brasília, toca rock com acompanhamento clássico em projeto que percorre
capitais brasileiras. Grupo se apresenta hoje em BH com a Orquestra de Câmara do Sesiminas
Walter Sebastião
Encantado com fita demo de banda de rock do filho de uma amiga da namorada, o maestro Sílvio
Barbato, regente da Sinfônica de Brasília, não só escreveu arranjos para todas as músicas do grupo,
como observou que cabia no projeto uma sinfônica. Uma canção foi gravada no disco de estreia do
grupo, como o maestro imaginou. Mas foi no lançamento do CD que ocorreu o encontro da banda
com a orquestra sinfônica. Surgiu, a partir daí, DVD e show, chamado Trampa sinfônica, que vem
circulando por capitais brasileiras. Hoje, às 20h, o espetáculo será apresentado no Teatro Sesiminas,
com entrada franca.
Quem toca em Belo Horizonte com o Trampa (DF) é a Orquestra de Câmara do Sesiminas. A
regência é de Joaquim França, que assumiu o projeto depois da morte de Sílvio Barbato, em 2009. O
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guitarrista brasiliense Dillo Araújo faz participação especial. No repertório, canções do grupo como Te
presenteio com a fúria, Um minuto de silêncio e Nem um passo atrás. Versão de Haiti, de Caetano
Veloso e Gilberto Gil, músicas dos Beatles, Pink Floyd e Eurythmics. “Não sinfonizou-se a nossa
música, roquezamos a sinfônica”, explica André Noblat, de 30 anos, vocalista da Trampa.
“Orquestra pode ser mais rock and roll do que banda de rock”, garante André. “O que era pesado
ficou mais pesado e o lento, mais bonito”, acrescenta, satisfeito com o resultado. Até hoje, depois de
várias apresentações com orquestra, como conta, ainda fica tenso, mas também feliz, às vésperas de
cantar com orquestra. “Afinal, é o sonho de todo artista”, observa, considerando o show história meio
louca, que vem dando certo. “E experiência enriquecedora que trouxe mais noção, especialmente, da
importância dos arranjos”, conta. “O rock brasileiro precisa de coisas assim. O que está no
mainstream é insuportável”, afirma, comparando o Restart aos Menudos.
Pesado Trampa é formado por Andre Noblat (vocal), Gustavo Costa (bateria), Pedro Cardoso (baixo),
Rafael Maranhão e Ricardo Marinho (guitarras). Surgiu no fim de 2006, a partir de reunião de colegas
de escola. Desde 2007, circula pelo underground de Brasília. Já abriu shows do Skank (em BH),
projeto dos fundadores do The Doors (Ray Manzarek e Robby Krieger) e da banda Luxúria (PE).
Esteve no carnaval de Salvador e na Virada Cultural de São Paulo.
“O que fazemos é rock intenso, com letras politizadas, mas nada é óbvio”, explica o cantor. “Estamos
mais para Rage Against the Machine do que para Sepultura”, brinca, dizendo que é um som pesado,
mas não tanto quanto o dos mineiros.
Bandas novas de Brasília, que, para André Noblat, merecem ser ouvidas: Etno, Brow-Ha, Enema
Noise e “boa pedida para quem quer peso pesado”, Violator.
O GLOBO
- Selma Reis interpreta sucessos e versos
Cantora usa poemas de Florbela Espanca em show com clima de cabaré
SELMA REIS festeja seus 25 anos de carreira no Teatro Rival, hoje e amanhã, com o show “Cabaré
de Florbela”
(22/7/2011) Para a comemoração de seus 25 anos de carreira, a
cantora Selma Reis convidou a atriz Selma Reis. O resultado é “Cabaré
de Florbela”, show em que, além dos maiores sucessos, ela
interpretará poemas da portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) num
ambiente de cabaré. A turnê começa pelo Teatro Rival hoje e amanhã,
às 19h30m.
— Nos musicais e nas novelas que eu fiz, esse lado de atriz foi se
sedimentando, então achei interessante que se juntassem as duas
coisas — diz ela, que atuou em espetáculos como “Ópera do malandro”
e “Chicago”, e em novelas como “Páginas da vida”. — E nada melhor
do que Florbela, pois ela deve ter sofrido muito para dizer todas
aquelas coisas fortes no início do século XX.
Ao sugerir as angústias da suicida Florbela como elemento de costura
do repertório, Selma entusiasmou o diretor e roteirista Flávio Marinho,
que já a fizera, nos anos 1990, recitar trechos de Baudelaire num show.
Mas o objetivo principal, ressalta ele, é fazer uma súmula da carreira da
cantora.
— Para quem não a conhece, é um belo cartão de visitas. Quem já é fã vai ficar devoto — afirma.
Não faltarão, portanto, canções marcantes na sua trajetória, como “O que é o amor?”, além de
composições de autores a quem ela dedicou discos exclusivos, Gonzaguinha (“Sangrando”, “Grito de
alerta” e “Explode coração”) e Paulo Cesar Pinheiro (“Vou deitar e rolar”, “Minha missão” e “Tô
voltando”).
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VALOR ECONÔMICO
- Tropicália em tributo estelar
Devendra (à esq.) e Caetano: em "Red Hot + Rio 2", americano canta música do brasileiro com
Marisa Monte e Rodrigo Amarante
(22/7/2011) - Dez milhões de dólares é a soma aproximada dos fundos
levantados pela Red Hot Organization - desde 1990, uma entidade internacional
destinada a combater e prevenir o vírus da aids. Tais esforços vêm de variados
eventos midiáticos, mas, especialmente, da série de coletâneas beneficentes
lançada pela fundação. "Red Hot + Rio 2", como antecipa o título, é o segundo
dos volumes dedicados à música brasileira (ou terceiro, se contarmos o "Red Hot
+ Lisbon", um combinado de artistas portugueses e nacionais).
Um dos mais lucrativos títulos de toda a série, o primeiro "Red Hot + Rio" tinha
como tema central a bossa nova e a música de Antônio Carlos Jobim. Agora
chega a vez da Tropicália, revista por brasileiros veteranos, figuras carimbadas
da nova MPB e nomes do indie rock internacional. Detalhe: boa parte das 34 faixas promove
inusitados encontros entre gringos e brasileiros.
Marisa Monte, Rodrigo Amarante e Devendra Banhart comparecem numa bela versão a três vozes de
"Nu com a Minha Música" (Caetano Veloso). O coletivo Of Montreal recebe Os Mutantes (ou o que
sobrou deles) para uma turbinada releitura de "Bat Macumba", cingida por ruidosas guitarras. Marcos
Valle reencontra a psicodelia setentista ao lado da Phenomenal Handclap Band (em "Tudo o Que
Você Podia Ser", de Milton Nascimento). Joyce Moreno experimenta novos territórios em "Banana",
de sua autoria, retrabalhada como um acid jazz pelo DJ/multi-instrumentista Madlib. O mago dos
sintetizadores Money Mark reúne-se a Thalma de Freitas e João Parahyba no samba-soul inédito
"Tropical Affair". Céu e Apollo 9 colaboram com o duo californiano N.A.S.A. numa elegante redenção
eletrônica de "It's a Long Way" (Caetano).
Há caça-níqueis perdoáveis: "Dreamworld: Marco de Canaveses", com Caetano Veloso e David
Byrne, é o mesmíssimo fonograma que serviu de abertura ao mencionado "Red Hot + Lisbon" (1998).
Muito enfatizada na mídia, a parceria entre Beck e Seu Jorge não traz nenhum envolvimento direto do
americano. Trata-se de um dueto virtual sobre um remix de "Tropicalia" - que não é a canção de
Caetano, mas uma faixa originalmente incluída no álbum "Mutations" (Beck). Seu Jorge retorna ainda
com a inédita "Boa Reza", trazendo a colega Vanessa da Mata e sua banda de apoio Almaz, formada
por músicos da Nação Zumbi.
Não só de Tropicália se faz o set. Como melhor exemplo, há uma revisão electro-trash de "Freak le
Boom Boom", sucesso de Gretchen por Marina Gasolina e Secousse, ou ainda "A Cidade", hit de
Chico Science livremente reconstruído pelos conterrâneos recifenses DJ Dolores, Otto, Fred 04,
Isaar, além do ucraniano Eugene Hütz (do Gogol Bordello). Há também contribuições individuais:
John Legend ("Love I've Never Known"), Bebel Gilberto ("Acabou Chorare"), Beirut ("O Leãozinho") e
Rita Lee ("Pistis Sophia"), entre elas. (LBH)
CORREIO BRAZILIENSE
- Hermeto, Aline e o latão
Multi-instrumentista comemora seis décadas de carreira e apresenta, ao lado da mulher, sucessos
como Chimarrão com rapadura
Irlam da Rocha Lima
Quando, em 2002, Hermeto Pascoal foi a Londrina (PR) ministrar uma oficina sobre criação musical,
estava viúvo há três anos. Quase no fim da aula-espetáculo, o genial compositor e multiinstrumentista alagoano convidou para subir ao palco pessoas que quisessem fazer um som e
mostrar seus dotes artísticos. Uma das que aceitaram o desafio foi Aline Morena, gaúcha de Erexim.
Jovem cantora ainda desconhecida, Aline disse que queria cantar Montreux, canção composta por
Hermeto em 1982, durante o famoso festival realizado na cidade suíça, no qual dividiu a cena com
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Elis Regina. “Assim que ela começou a cantar, percebi que tinha um timbre e uma maneira de
interpretar incomuns. No fim da oficina, imaginei que ela fosse me procurar no camarim, mas isso não
ocorreu, o que me deixou frustrado”, recorda-se.
No dia seguinte, Hermeto e sua banda foram para Maringá, cidade do mesmo estado, onde tomariam
parte de um festival.
“Estávamos no hotel, quando um músico da banda me falou que a Aline me procurava na recepção.
Lá mesmo ela já participou do meu show e de Maringá seguiu comigo para o Rio de Janeiro. Desde
então estamos juntos, dividindo experiências na vida e na arte”, revela, romanticamente, o bruxo do
som.
Hermeto e Aline, que já estiveram algumas vezes no Clube do Choro, estão de volta a Brasília, para
apresentação única amanhã, às 21h, no Teatro Oi Brasília. O show dá sequência à turnê do Bodas de
latão, CD gravado em 2009, lançado em junho último, quando o músico comemorou 75 anos, na lona
cultural que leva o seu nome, em Bangu, bairro carioca da Zona Oeste.
“Demos este título ao disco porque, quando o gravamos, estávamos comemorando sete anos de
casamento. Buscamos levar para o palco o clima obtido no estúdio, marcado por experimentos
musicais, mistura de sons e ritmos e muito improviso. Mas não vamos ficar restritos ao repertório
desse trabalho. No show tocamos também temas do nosso primeiro álbum, Chimarrão com
rapadura”, adianta o festejado albino.
Assim, o público poderá apreciar temas como Capivara, Casa de charqué, Nazacumbira e até a
desconstrução do clássico Adeus Maria Fulô (Sivuca e Humberto Teixeira, conhecida, também, na
regravação dos Mutantes. Aliás, sozinhos em cena, eles poderão, inclusive, criar músicas na hora,
tocando instrumentos diversos como piano, saxofone, violão, viola caipira, pandeiro, chocalho e de
outros pouco — ou nada — convencionais.
“Vamos ter uma piscina no palco e dela costumamos extrair sons. Além disso, costumo usar a voz
como instrumento, criando vocalizes na hora”, anuncia Aline. “O Hermeto, ultimamente, tem criado
melodias lindas em cima de letras do idioma universal. É uma linguagem cognitiva, que pode não ter
um claro significado para quem ouve, mas faz sentido em seu processo criativo”, explica a cantora.
CORREIO BRAZILIENSE
- Taguatinga no Porão
Experiência e renovação de bandas da cidade marcam território no festival brasiliense: de um lado,
rock alternativo, do outro, equilíbrio entre o som pesado e a cadência do rap
Felipe Moraes
(22/7/2011) A uma semana do 14º Porão do Rock, as bandas vencedoras da seletiva em Taguatinga,
que ocorreu no último dia 3, já começam a afinar instrumentos e vozes para a estreia no festival. A
Distintos Filhos, que lançou o primeiro disco há dois meses, vai finalmente ocupar o consagrado palco
do evento. Já os meninos da Gnomos da Jamaika, grupo formado há menos de um ano, ainda se
surpreende com a escalação: começaram a se apresentar a sério em 2011 e não esperavam
conseguir vaga logo na primeira disputa.
Criado em 2004, o conjunto Distintos Filhos divulga o debute homônimo (independente, 13 faixas),
lançado em maio, mas que só agora chegou de fato ao formato em CD. E o momento não poderia ser
mais especial para Paulo Verissimo (vocal e guitarra), Ivo Portela (vocal e baixo), Marcos Henrique
(teclado) e Lucas Bilu (bateria): um trabalho de estúdio produzido por Philippe Seabra, da Plebe
Rude, com ajuda do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), e presença confirmada na maior festa do rock
brasiliense.
“Essa aparição vai ser interessante. Seremos vistos por um maior número de pessoas e vai ter
interação com bandas de outros estados, algumas que a gente curte e outras que nem conhecemos.
Podemos aparecer para a cena independente do país”, avalia Verissimo.
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Com sax e trombone de apoio, os Distintos tentam conjugar referências nacionais, como Los
Hermanos, e internacionais, como Arcade Fire. O que não impede, porém, a captação de timbres
psicodélicos dos Mutantes ou mesmo os refrões gritados do Foo Fighters.
Ainda assim, eles compõem uma sonoridade intencionalmente local. “A gente não se enquadra como
indie porque não tem esse interesse. Queremos atingir as pessoas com o nosso trabalho. Talvez o
rock de Brasília seja a nossa grande influência: Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Plebe”,
prefere o guitarrista.
Hardcore caseiro
Bem mais nova que a Distintos, Gnomos da Jamaika ainda tem uma carreira curta, mas veloz. Mc
Ahoto (vocal), Luiz Felype (guitarra), Carlos Henrique (guitarra), João Lucas (baixo) e Stefan Ekström
(bateria e backing vocal) se reuniram ano passado, não completaram nem um ano juntos e, com
poucos meses de ensaios (na casa de Stefan e depois em estúdio) e shows (em pubs e bares),
comemoram a precoce afirmação. “A gente ficou surpreso. Achava que conseguiria, mas não tão
rápido”, conta Stefan.
Os meninos, com média de idade de 21 anos, são estudantes universitários e tratam a música como
uma tarefa prazerosa. Gravaram um EP demonstrativo, Hardrapcore místico de vanguarda, e
“distribuímos para a galera”, completa Stefan. Mas pensam mesmo é em um registro definitivo, que
deve levar adiante a proposta de fundir rap e hardcore — até por isso, eles costumam fazer covers de
Rage Against the Machine, Raimundos e Planet Hemp.
O integrante, matriculado no primeiro semestre de graduação em educação física, acha que o Porão
pode abrir “muitas portas”. “É muito conhecido, todo mundo curte. Pode ajudar a divulgar o nosso
nome”, diz.
Tudo pronto
» O Porão começa exatamente daqui a sete dias, às 19h, no complexo do ginásio Nilson Nelson, e
vai até sábado, com mesmo horário de início. O ingresso deve ser trocado por 1kg de alimento não
perecível. As 43 atrações serão divididas nos palcos Extremo, Chilli Beans e UniCeub. As últimas
confirmações foram a tradicional banda gaúcha DeFalla e a paranaense Copacabana Club, que
acaba de lançar álbum de estreia, Tropical splash. Além de Brasília, o evento ocorrerá em outras
praças: Niceto Club, na segunda edição argentina (27/7), São Paulo (28, no Bourbon Street Music
Club, e 31, no Inferno Club), e Goiânia (28, no Metrópolis).
DISTINTOS FILHOS
O quarteto de rock alternativo lançou disco homônimo de estreia em maio, que vai estar disponível
para download no site oficial a partir do dia 28. Ouça: distintosfilhos.com.br.
GNOMOS DA JAMAIKA
A jovem formação de hardcore e rap gravou esse ano o EP artesanal Hardrapcore místico de
vanguarda. Ouça: myspace. com/gnomosdajamaika.
O ESTADO DE S. PAULO
- Racionais já desfruta do status de ''clássico''
Jotabê Medeiros
(22/7/2011) Ela é Barra Funda ela é Bela Vista, reflete no globo e ilumina a pista. A nova fase de
Mano Brown e seus Racionais MC"s, há 23 anos o mais importante time do hip hop do Cone Sul, tem
percorrido lugares inesperados nos últimos tempos, incluindo clubes ditos "playboys" de São Paulo.
Em maio, fizeram show grande no HSBC Brasil, com pista a R$ 140 e participação da norteamericana Eve.
Sinal de que sua influência não é classista ou que seu público não tem mais fronteira? Seja o que for,
é bom. E o festival Black na Cena melhora ainda mais com a inclusão dos Racionais em seu line up,
neste domingo, às 19h. Indiferentes aos fãs irritados que ficam bradando nas redes sociais seu apego
pelo "som das antigas", os Racionais seguem se renovando e imprimindo as verdades de São Paulo
na música. KL Jay, Ice Blue, Edy Rock e Mano Brown são as maiores estrelas do festival.
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Em aparições recentes, eles têm apresentado um show clássico, com hits como Holocausto Urbano,
Sobrevivendo no Inferno, Homem na Estrada, Nada Como Um Dia Após o Outro e Raio X Brasil.
Mas o Black in Cena, o mais consistente festival do gênero já surgido, caprichou também na
escalação de históricos da música negra brasileira. Hoje tem Tony Tornado e Sandra de Sá, além do
produto de exportação Seu Jorge, em marcha para lançar seu mais recente disco, Música para
Churrasco 2. Amanhã tem a Banda Black Rio e o papa eterno, Jorge Benjor. De quebra, um passeio
pelos tambores da Bahia, com o Olodum e Carlinhos Brown. No domingo, Thaíde divide o tablado
com o Funk Como le Gusta.
Segundo o DJ Magoo, produtor do evento, a ideia foi ilustrar "de maneira didática" como o V-Funk de
Parliament/Funkadelic e o samba rock de Jorge Benjor alimentam a música black que se faz hoje em
dia - seja na forma de samples ou como influência estrutural.
Sexta é a noite clássica, com os fundadores no palco; sábado é mais pop, e domingo é mais pesado,
mais hip hop e gueto. É o primeiro festival de música black com tal estrutura: são mais de mil
profissionais envolvidos, 0 DJs, dois palcos de 16 metros de boca, e expectativa de público de 50 mil
pessoas.
O ESTADO DE S. PAULO
- Um pouco de todos
Chico Buarque renova-se ao lançar disco com um grande resumo de seus recursos
Arthur Nestrovski
(23/7/2011) Não tenha pressa. A arte é longa e a vida é breve, essas canções vão durar pra sempre e
nosso tempo é curto (como diz o narrador-personagem da faixa 3), mas por isso mesmo não pode
haver meia hora melhor gasta do que essa, ouvindo cada história, cada pequeno romance, cada
poema cantado, com a devida atenção.
Ouvir com atenção, por sinal, é o que as canções
mais pedem; e era disso mesmo que falava Chico
numa notória entrevista de 2004, sobre "o fim da
canção". Na sequência, em 2006, o próprio Chico
lançou o CD Carioca, que já bastaria para reforçar
a aposta na canção como forma de arte brasileira.
Cinco anos e um romance (Leite Derramado)
depois, Chico chega ao Chico; e dizer que ele
chega a si não seria nada justo, depois de o Chico
ser o Chico há tanto tempo. Mas o depuramento e
ao mesmo tempo o virtuosismo, o controle e o puro
prazer de escrever letra e música, e de cantar
canções, chega aqui a um ponto que faz por merecer a simplicidade definitiva do próprio nome - um
dos nomes mais comuns no Brasil, mas que há muito tempo, dito assim, solto, todo mundo sabe que
só pode ser o Chico Buarque.
Ninguém como ele mesmo percebe melhor a diferença entre esse Chico público, um espírito da
música e da poesia que hoje virou patrimônio coletivo, e o homem íntimo, que se confronta com o
papel em branco a cada vez que vai escrever uma letra. O tema da duplicidade, somado à comédia
ou farsa da celebrização, já era o grande assunto do romance Budapeste; e ganha agora outra
versão em Rubato, parceria com o baixista Jorge Helder.
Rubato (italiano para roubado) é um termo técnico, uma indicação para tocar fora do pulso
metronômico exato. A ironia já começa aí, porque nessa canção a melodia de mil ângulos imita ritmos
imprevisíveis da fala, e só quem estiver bem a tempo será capaz de não perder o rumo expressivo do
canto. Que o poeta também tenha sido capaz de achar uma sílaba precisa para cada nota constitui
outra façanha. Mas a maior ironia se vai ver mesmo na letra.
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Na primeira estrofe, o poeta diz à sua Aurora para vir depressa ouvir, antes que "um outro
compositor... roube e toque e troque as notas no songbook", estragando tudo e expondo o seu amor
na televisão. Isso só para na segunda estrofe o mesmo apelo para ouvir "nossa música" já vir da
parte de quem está "roubando de outro compositor". A essa altura, Aurora virou Amora, que vai virar
Teodora na terceira estrofe, composta, quem sabe, por um segundo ladrão, que terá seus cem anos
de perdão, à medida em que as canções forem se transformando umas nas outras, como afinal se
transformam todas as canções.
No extremo oposto do CD, a própria canção se recria, ou se rouba, agora em forma de irresistível
samba, Barafunda: "Era Aurora/ Não, era Aurélia/ Ou era Ariela/ Não me lembro agora..." E quem
será que está ali cantando, nessa canção em que mulheres apaixonantes do passado - incluindo,
impossivelmente, a Ariela de Benjamin - vão se confundindo com grandes craques de futebol, em
lembranças mal desfiadas que também abrem espaço para fulgurações da História e exultações de
carnaval?
Alguém tem dúvida? Só pode ser aquele campeão do esquecimento seletivo, o inesquecível ancião
Eulálio, de Leite Derramado, cujo monólogo vê-se agora roubado e transformado em samba-docrioulo-doido, em que se cruzam paixão, futebol e política. Mas este é um Eulálio feliz, reencarnado
em Elza Soares (já que a canção cita diretamente Dura na Queda, escrita para Elza) e com direito até
a uma aparição da musa Maristela.
Em retrospecto, a forma do disco se desenha assim, em espelho. São oito canções de amor, de
Rubato (que alude a Budapeste) a Barafunda (que evoca Leite Derramado). Cada uma num gênero:
Faixa 2: marchinha - marchinha de vanguarda, mas marchinha, com banda de coreto e tudo.
Faixa 3: blues, introduzindo outro grande tema do disco: a paixão do homem mais velho pela menina
moça. Em Garota de Ipanema, como em Bolero Blues, essa era uma paixão sonhada, frustrada.
Agora, vivida e assumida, sem se levar a sério demais, com uma leveza e uma graça que dão
encantamento a quase tudo no disco.
Faixa 4: baião de vanguarda, modulando cromaticamente por meio-tom, mas baião. Uma canção
meio sem gênero, quase recitativo, que vai sonhando com um baião até que consegue virar o próprio.
Faixa 5: misto de choro-canção e chanson francesa, narrador e narrada cantando afinal juntos,
namorando em tom maior, cromatismos e curvas, delícia. Participação mais que especial da cantora
Thais Gulin.
Faixa 6: adágio jobiniano, o nome fala por si: Sem Você 2, melodia plangente e harmonias que vão
caindo, caindo, caindo.
Faixa 7: Samba de gafieira, parceria com Ivan Lins, aqui com a participação vocal do impagável
Wilson das Neves.
Faixa 8: valsa russa, em que Chico incorpora o Google Maps ao acervo da nossa lírica (assim como
já introduzira o orelhão, em Bye, Bye Brasil e a secretária telefônica em Anos Dourados, sucessivos
avanços na tecnologia do recado amoroso).
Os arranjos, sempre na mão de Luiz Cláudio Ramos, sutilizam o mundo sonoro dos últimos três
discos, de modo ainda mais concentrado e discreto. As canções, quase todas, não são cantadas mais
do que uma única vez, do começo ao fim e pronto. Cada uma é como um poema num livro, que se
pode ler quantas vezes quiser, mas nem por isso precisa ser grafado de novo.
Essas oito canções, passando de uma a outra como contos de Sheherazade, ficam emolduradas pela
primeira e última do disco. Tanta delícia de compor e cantar, tamanho gosto de vida, espalhados
entre as faixas 2 e 9, ficam postos em devida perspectiva com essas outras duas, que vêm antes e
depois.
O disco abre com uma toada, Querido Diário, entoada por um personagem que entra de cara para o
acervo das grandes criações do Chico, captando disfunções sociais do Brasil com uma antena que só
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ele tem. Ganha voz agora o miserável que vai pelas ruas, recebendo "fica com Deus", traçando seus
descaminhos pela cidade, acompanhado de um cachorro, pensando em "ter religião" e amar uma
mulher "sem orifício", amando obscura e violentamente uma companheira de carne e osso, afinal
castigado a porretes pelo "inimigo", mas resistindo a tudo, "macio".
Nesse ponto, cabe um comentário musical. Cada uma das cinco estrofes começa em dó maior, vai
traçando um percurso cromático, primeiro para cima e depois para baixo, e termina em dó menor (na
palavra "sozinho", por exemplo, final da primeira estrofe; ou "pedaço", no final da segunda).
Tonalidades maiores tendem a soar mais abertas, luminosas, positivas; tonalidades menores são o
contrário. E no arco do disco o que se escuta na última faixa, um afro-samba em parceria com João
Bosco, fará a versão espelhada dessas modulações.
As harmonias, nesses casos, precisam ser compreendidas junto com as letras, que elas ao mesmo
tempo refletem e nutrem. O disco começa por um fim, por onde estamos agora: a miséria
escancarada, em cada esquina. Na alegoria musical encenada por esses dó maior e dó menor, a
aparente "cordialidade" das circunstâncias - aqui cantadas em dó maior - pede para ser
compreendida naquele contexto identificado desde a década de 1930 pelo pai do Chico, um contexto
caracteristicamente brasileiro, marcado pelo recalque de suas próprias violências - ressoando em dó
menor. Algo se esconde nas alegrias reais ou assumidas do dó maior: são as dores do dó menor, e o
balanço entre uma e outra tonalidade parece ali realizar em termos puramente musicais uma
oscilação de fundo na nossa formação.
O disco termina por onde tudo começa: na trama da escravidão, núcleo recalcado de violências que
vão se repondo, sem fim, na história do país. A cena é chocante: quem canta é um negro preso ao
tronco, prestes a ser açoitado e cegado pelo senhor de engenho, depois de ter visto (ou não visto)
sua "sinhá" nua no açude.
Leite Derramado já explorava obsessivamente as formas como a herança da escravidão se dispersa
e se recalca, e continua por aí, em mil nuances, reconhecidas ou não. Continua inclusive aqui, no
"cantor atormentado" que surge na última estrofe e revela o segredo inconfessável da história: é ele
mesmo o "herdeiro sarará/ do nome e do renome/ de um feroz senhor de engenho" e, bem lá na
origem escondida de tudo, herdeiro "das mandingas de um escravo/ que no engenho enfeitiçou
Sinhá".
Só um compositor tão ciente de seus meios, seja na música seja na poesia, arma suas invenções
assim. Tudo está posto: o Brasil se entende, afinal, nessas canções. Que elas sejam também criadas
sobre uma simples alternância entre tom maior e menor, dá a dimensão do Chico compositor, do
incrível criador de canções, em que poesia e música estão indissoluvelmente ligadas.
Haveria muito mais para ser dito. Valeria a pena chamar a atenção para os vários momentos em que
as canções como que deixam de ser canções cantadas, retornam ao ritmo natural da fala, só para
voltar depois, gloriosamente à música. Valeria também a pena falar das rimas ( "sobra/ abóbora",
"pinta a boca e sai/ take your time") e das palavras e expressões preciosas ("Cazaquistão", "a mó de
me quebrar"). Valeria muito a pena estudar as artes do cantor Chico Buarque. Quase ninguém
escande musicalmente uma letra como ele. Ampliando uma sílaba aqui e encurtando outra ali,
acentuando ou amaciando palavras, Chico nesse disco dá uma verdadeira aula.
Mas o tempo, como disse o cantor da faixa 3, é curto, a vida breve e a arte é longa. Dizer que neste
Chico o Chico chega a si seria injusto. Mas dá para ver o disco como um renovado resumo dos
principais temas e principais recursos musicais e literários do compositor, escritor, poeta e cantor
Chico Buarque ao longo dessas últimas duas décadas, marcadas pela publicação de quatro
romances intercalados com três discos. Quem acompanhou essa produção sabe o que representa,
como expressão de nós mesmos e estímulo para pensar e viver o Brasil.
Quem não guardou essas canções e romances para si, quem não fez do que o Chico fez um acervo
pessoal e precioso? Cada um de nós se tornou, com ele, o ghost-compositor de canções que não são
mais só dele, são de todos nós e de nenhum de nós. Este novo Chico nos confere mais uma vez o
privilégio de ser, por meia hora e eternamente, Chico Buarque. Cada um de nós, por meia hora, será
Chico Buarque cantando tormentos e glórias, festejando o que pode ser festejado e cuidando do que
pede atenção. A penúltima palavra fica com o velho cantor: "salve este samba/ antes que o
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esquecimento/ baixe seu manto/ seu manto cinzento". E a última palavra, e o último dó, nos leva de
novo até o começo, para repetir o trânsito por este disco sem fim.
ESTADO DE MINAS
- O múltiplo Zé Ricardo
Inspirado pela paternidade, o cantor e violonista carioca lança disco que revela um pouco dos vários
papéis que exerce na vida. Valorização das parcerias é outro ponto forte da obra
Ana Clara Brant
(25/7/2011) - Tom dá o tom ao mais novo trabalho do cantor, compositor e violonista carioca Zé
Ricardo. Sua faceta de pai anda aflorada e isso é percebido no CD Vários em um, que acaba de ser
lançado pela Warner Music. “Meu filho Tom tem 5 anos, que é exatamente o período em que fiquei
ausente dos estúdios. Pude entrar de cabeça na paternidade, que era um sonho. Ele me trouxe
muitas respostas para minha vida, e me tornou um ser humano melhor. Quero que ele também seja
essa pessoa de caráter, íntegra, que é minha maior preocupação”, revela Zé Ricardo.
A faixa que dá nome ao disco, uma parceria com Jorge Salomão, resume exatamente esses vários
papéis na vida do músico: não só de o de pai, como também de marido, filho, irmão, amigo, artista…
Zé conta que a música nasceu a partir de um poema de Jorge Salomão chamado Múltiplo, e que
depois de ter composto a canção, ficou até mais sereno. “Estava angustiado, buscava um norte para
o meu CD. Numa tarde, dirigindo o meu carro com essa angústia, corri para casa do Jorge e
precisava falar sobre isso. Desconstruímos a poesia dele e nasceu Vários em um”, lembra.
Encontros Jorge Salomão é apenas um dos parceiros de Zé Ricardo no seu novo álbum. Aliás, as
parcerias sempre fizeram parte da trajetória artística do cantor e compositor. “Isso é fundamental na
vida de um artista. Muitas vezes, o parceiro coloca coisas ótimas na letra que você nem imaginava;
em outras, é o contrário. Esse trabalho em conjunto é profícuo. Tenho ligações muito fortes com os
meus parceiros, alguns até emocionalmente e isso é bacana”, comenta.
Com produção de Plínio Profeta, o CD traz a participação do guitarrista Davi Moraes em Arranhar o
céu; Edu Krieger em Encanto de fada, Gabriel Moura com Me deixa e Dudu Falcão na faixa Qualquer
palavra. Já o delicado sambinha A corda bamba foi composto com Régis Faria e Chibata, parceria
com Mauro Ribas, contou com a participação especial do maestro Laércio de Freitas.
Porém, uma das presenças mais festejadas é a do roqueiro português Tim, vocalista de uma das
mais importantes bandas de rock lusitano, Xutos & Pontapés. O artista faz dueto com Zé na canção
Exato momento. Para Zé Ricardo, muita gente ignora o que se passa na cena musical em Portugal.
Apesar de nossos patrícios conhecerem muito sobre os artistas do Brasil, o mesmo não ocorre
conosco. “Tim é um ídolo lá, grande amigo que fiz na época que comecei a trabalhar na produção do
Rock In Rio Lisboa. Quando comecei a fazer o disco, já quis que ele fizesse parte desse trabalho.
Temos aquela ideia caricata dos portugueses, mas não é bem assim. O rock, o pop e o próprio fado
são bem diferentes do que imaginamos. É uma música extremamente rica”, aponta.
Rock in Rio da multiplicidade
Diretor artístico do Palco Sunset do Rock in Rio em Portugal, Espanha e Brasil, desde 2008, Zé
Ricardo acabou incorporando muito dessa experiência no seu novo disco. “É um trabalho que me
obriga a mergulhar no trabalho de vários artistas do mundo inteiro. Tive a oportunidade de conhecer
gente de todos os cantos e esse frescor, de certa forma, está presente no meu CD. Pude
experimentar muita coisa bacana”, diz.
Em 2006, o cantor e compositor carioca foi convidado a participar do Rock in Rio Lisboa junto com
sua banda. Dois anos depois, foi convidado pela direção do festival a assumir a curadoria artística do
Palco Sunset Rock in Rio. “Eles queriam bandas novas, que reunissem grandes artistas do mundo
todo e que promovesse encontros inusitados entre eles. Gente que nunca havia se apresentado junto,
outros que sempre flertaram mas nunca se esbarram. Ele é um palco de possibilidades, no qual a
liberdade criativa não é travada”, resume.
Com capacidade para 25 mil pessoas na plateia, o Palco Sunset vai reunir duplas inusitadas como
Arnaldo Antunes e Erasmo Carlos, Tiê com Jorge Drexler, Milton Nascimento com a ganhadora do
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Grammy, a cantora Esperanza Spalding, Bebel Gilberto e Sandra de Sá, Sepultura e a banda
francesa Tambours du Bronz, entre outros. O Rock in Rio vai ser realizado nos dias 23, 24, 25 e 30
de setembro e 1º e 2 de outubro no Rio de Janeiro. (Informações: www.rockinrio.com.br).
- Gilberto Gil's Ra'anana show was rhythmic and kinetic, with the
feel of a party and not a concert.
HAARETZ (ISRAEL)
By Ben Shalev
(26/7/2011) One of Gilberto Gil's first hits is called "Domingo no Parque" - Sunday in the park. Gil sang
it in 1967 during a televised music festival with the fabulous Os Mutantes, and although another song
won first place, "Domingo no Parque" launched the Brazilian's career and became the signature tune
of Tropicalia, the glittering genre Gil founded along with Caetano Veloso and other artists.
Gil didn't sing "Domingo" here two days ago, but it was impossible not to recall this electrifying song,
for the simple reason that the show took place on
Sunday in Ra'anana's Amphipark.
Only three months ago Gil gave a high level concert of
refined, acoustic Brazilian pop at the Mann Auditorium
in Tel Aviv. The show in Ra'anana, in the open air,
was completely different: rhythmic and electric, with a
party atmosphere and not that of a concert. Only one
thing remained unchanged: the quality. This too was
an excellent performance.
In the show three months ago there were no
percussion instruments, just two acoustic guitars and
a (divine ) cello. In the show this week, the percussion
section was double-barreled with two great drummers. One of them played very fast, mainly on a
triangle, and the second on a Brazilian bass drum he hit at rhythmic intervals. The combination of the
high, fast triangle (tuka taka tuka taka tuka taka tuka taka ) and the low, slow bass (boom - pause boom boom - pause - boom - pause - boom boom ) created a pleasurable dynamic that made the
music fly, and Gil and the other musicians (on accordion, violin, guitar and bass ) glided on.
The songs, Gil explained, represented the folk and pop music of northeast Brazil. Since I'm no
Brazilian music expert, it's hard for me to say how it differs from samba. Certainly not in its effect on
the audience, which attended in goodly numbers (although the park was not full ) and danced happily
and energetically.
But not only for the beat. In the middle of the show, Gil told the audience that "the music of northeast
Brazil is philosophically profound." He slowed the pace and sang the lovely, poetic "Lamento
Sertanejo."
Afterwards, he quickened the beat again with a dizzying instrumental piece, and when he sang his
encore, "Menina Baiana," the park in Ra'anana felt for a moment like the central square in Salvador,
Gil's hometown.
Gil conducted the show with great charm, lightheartedness and an energy that belied his 69 years.
When the concert was over, I overheard a woman in the audience say, "I'd like a grandfather like that."
CORREIO BRAZILIENSE -
De volta à pauleira
A banda Raimundos lança CD e DVD em show na sexta-feira, no Porão do Rock, para celebrar 20
anos de estrada.
Irlam Rocha Lima
Fábio Bitão/Divulgação
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Digão, Canisso, Caio e Marquim, a nova formação da banda: agenda de apresentações por vários
pontos do país
A fusão que os Raimundos faziam no começo da carreira, na década de 1990, misturando ritmos
nordestinos com o hardcore levou muita gente a identificar o som da banda candanga como forrócore.
O resultado disso eram músicas com letras que, quase sempre, traziam uma certa dose de erotismo,
como o uso de palavrões. Tempos de Celim, Eu quero ver o oco, Esporrei na manivela e Puteiro em
João Pessoa.
Muita coisa mudou na vida dos Raimundos, a partir da saída do vocalista Rodolfo (hoje pastor
evangélico) e do baterista Fred (atualmente dedicado ao ramo da gastronomia). Houve um período —
no começo dos anos 2000 — que, em razão da diminuição do número de shows, e da ausência na
mídia, algumas pessoas passaram a acreditar no fim da banda.
Em parte, os boatos nesse sentido tinham a ver com a permanência do guitarrista Digão em Brasília,
desenvolvendo projetos solos em casas noturnas e dividindo o palco com outros artistas. “Não houve
nenhum hiato. Os Raimundos não pararam de tocar em tempo algum, apesar da torcida de alguns
para que isso ocorresse”, afirma o músico, que agora acumula a função de vocalista.
Mudanças
Desde 2007, os Raimundos vivem uma nova fase, que coincide com o retorno do baixista Canisso
(outro que havia deixado o grupo), juntando-se novamente a Digão e aos novos companheiros, o
guitarrista Marquim (ex-Peter Perfeito) e o baterista Caio (ex-Deceivers e Sapatos Bicolores). As
mudanças, possivelmente, podem ser sentidas na sonoridade proposta, pois em termos de atitude,
tudo mantém-se inalterado.
Com o CD e o DVD Roda Viva, gravados em 18 de dezembro do ano passado, no Kazebre Rock Bar,
na periferia de São Paulo, os Raimundos buscam voltar ao patamar mais alto do rock nacional,
quando chegaram em 1999, com o álbum Só no forevis, que obteve a espetacular vendagem de 850
mil cópias, impulsionada pelo megahit Mulher de fases, ouvida nas ondas do rádio, nas pistas de
boate e em shows assistidos por multidões.
Roda viva, como qual os Raimundos comemoram 20 anos de estrada, será lançado em Brasília na
próxima sexta-feira, em show que integra a programação do Porão do Rock. “Este trabalho foi
elaborado ao longo dos últimos quatro anos, após a volta do Canisso. Passamos a ter uma agenda
maior de shows, com apresentações em todas as regiões do país. Isso nos possibilitou azeitar a
banda, na medida em que íamos nos entrosando”, conta Digão.
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Grandes plateias
Mesmo à margem da mídia, os shows — em média, 60 por ano — sempre foram assistidos por
plateias expressivas. “Ao assumir a parte administrativa da banda, passei a cuidar da divulgação,
usando a rede social, Orkut, MySpace, Twitter, e nosso site oficial. Inicialmente, viajávamos só com
um técnico de som, mas logo depois passamos a levar roadie, produtor e tal, formando uma equipe
de 12 pessoas”, revela o vocalista.
O produtor que acompanha o grupo desde 2008 é o carioca Denis Porto. Ele assina com Digão a
direção-geral do Roda Viva. “O Denis pode ser visto, hoje, como um novo Raimundo. Além de dividir
a direção-geral comigo desse projeto é, também, responsável pela direção artística. No DVD,
reunimos 25 canções garimpadas em toda a nossa discografia”, enfatiza.
Há no repertório os grandes hits como Esporrei na manivela, Palhas do coqueiro, Me lambe, Eu quero
ver o oco, Mulher de fases e Puteiro em João Pessoa, divididos com as lado B Pompem, Mas vó,
Baixo calão e Fique fique, que encabeça a lista. “Para esse trabalho, compus com o Denis a inédita
Jaws, que dá o tom à nova proposta dos Raimundos, que é o rock pauleira”, comemora.
FOLHA DE S. PAULO
- Racionais MC's mostra com quantos aliados se faz um show de
rap
VIVIAN WHITEMAN
EDITORA DE MODA
(26/07/2011) O rap é compromisso, já dizia o mandamento escrito por Sabotage. Anteontem, dia de
encerramento do Black na Cena, o grupo paulistano Racionais MC's mostrou como isso funciona na
prática.
No palco, além dos integrantes oficiais (Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue), mais "uma par de
mano", como os rappers Dexter (ex-509-E) e Helião (RZO).
Como num time de craques, há os titulares, mas todos estão prontos para assumir a linha de frente.
O show começa com "Tô Ouvindo Alguém Me Chamar", uma das letras épicas do grupo.
A apresentação continua com uma rajada de hits que revelam a grandiosidade do talento de Brown e
companhia. "Negro Drama", "Capítulo 4, Versículo 3", "Da Ponte pra Cá", difícil encontrar um ponto
baixo, uma letra mais fraca.
E, se falta o ar ao cantor da vez em alguma passagem das crônicas quilométricas cantadas pelo
grupo, um dos companheiros assume o microfone imediatamente, num movimento só possível em
times muito afinados.
Há também espaço para dar força aos aliados, como Dexter. Com Brown, canta o sucesso "Eu Sou
Função" e emenda "Oitavo Anjo". Comandando as bases, tudo em família: KL Jay, um dos melhores
DJs do país, divide o trabalho com o filho, DJ Will, considerado um dos prodígios dos pick-ups.
Brown fala pouco, até faz graça, mas sem muito alarde. Na pista VIP, muita gente grita as letras e
muita gente apenas observa, tentando entender a dinâmica que rola no palco. Vem a inédita "Cores e
Valores", parte da promessa de um novo disco do grupo. A apresentação não é dramática e interativa
como aquela que virou o DVD "Mil Trutas Mil Tretas" (afinal, trata-se do registro de um momento de
glória do rap mundial, difícil de repetir).
O show foi direto, concentrado, e tirou sua força de um repertório exemplar em termos de qualidade
musical, poética e relevância social.
No encerramento, "Vida Loka Parte 2" e muito champanhe para o ar. O palco está lotado. Dois
adolescentes, um garoto e uma garota, ficam ao lado de Bown, que abraça a menina, sua filha. Ice
Blue lança a frase: "É a nova geração chegando". Na plateia, jovens rappers como o MC Correria,
entre outros elos anônimos dessa corrente, confirmam a mensagem.
Na sequência, o Racionais virou público e foi curtir a apresentação dos parceiros Method Man e
Redman. O primeiro se lançou pelo Wu-Tang Clan e o outro virou um dos protegidos do grupo.
O GLOBO -
Uma diva que não perde o rebolado
Em ‘pocket show’ hoje, Gretchen celebra ‘hits’ criados com o produtor Mister Sam
GRETCHEN LANÇA o CD “Charme, talento & gostosura” no Galeria Café
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Silvio Essinger
(27/7/2011) Nunca houve uma mulher como Gretchen. E dificilmente haverá, garante Maria Odete
Brito de Miranda, que passou 34 dos seus 52 anos de vida encarnando esse personagem icônico da
MPB: a cantora sexy que resiste no imaginário nacional com apenas três canções de (estrondoso)
sucesso: “Melô do piripipi”, “Freak le boom boom” e “Conga, conga, conga” — essa, trilha sonora para
as recentes picardias da cantora Sandy num comercial de cerveja.
— Ainda não encontrei ninguém que tivesse tomado o meu lugar. E olha que eu dei várias
oportunidades, já que fiquei grávida algumas vezes — diz essa mãe de cinco filhos biológicos e uma
adotiva, que lança hoje no Rio o CD “Charme, talento e gostosura”, coletânea dos seus sucessos
organizada pelo pesquisador Rodrigo Faour. A festa é às 23h30m, no Galeria Café, em Ipanema, e
terá um pocket show da diva.
Um bibelô pop que vendeu 15 milhões de discos na virada dos anos 1970 para os 1980 (e que irritou
algumas das grandes cantoras do Brasil), Gretchen foi um produto pensado para a TV. Quem conta a
história é o produtor argentino Santiago Malnati, o Mister Sam, que acompanha à distância (de São
Paulo), as andanças da ex-pupila.
— Eu vi a Gretchen pela primeira vezcantando no programa de calouros do Silvio Santos. De cara,
percebi: essa mulher tem alguma coisa! — diz. Era 1977, e — Mister Sam ainda não sabia — Odete
ia fazer 18 anos no dia seguinte. Rapidamente ele a localizou e a contratou. E mais rapidamente
ainda, compôs a canção “Dance with me”, toda inspirada no sucesso da discoteque “Dance a little bit
closer”, da cantora Charo — a tal que a moça mostrara na TV.
Na hora de lançar o compacto, Sam sugeriu que ela arrumasse um nome artístico melhor. Maria
Odete lembrou de “Aleluia, Gretchen”, filme de Sylvio Back. E se rebatizou. — A Gretchen tinha um
par de coxas muito bonito. Além disso, ela era muito autêntica — conta o produtor, que admite só ter
ensinado uma coisa à cantora: como empinar o bumbum. — Depois, eu disse a ela: daqui em diante,
você só canta o que eu escrever.
Gritos e gemidos
E, no que lhe foi possível, Maria Odete obedeceu. — Sou muito submissa quando se trata de
trabalho — garante ela, que pouco depois estouraria com “Freak your boom boom”. Mister Sam
lembra da inspiração. — Eu fui a Nova York e comprei um disco com a música “Freak your boom
boom”. Era um jazz muito malfeito, mas o título era muito bom.
O pulo do gato, porém, foi na hora da gravação, em que Sam acrescentou gritinhos, piripipis, palmas
e — jura — até alguns gemidos seus. — A alegria do disco era eu — orgulha-se o produtor. Trinta
anos depois do auge, Gretchen se vê como uma pioneira.
— Antes de mim, ou se cantava ou se dançava. Eu sou a Madonna brasileira. Antes da própria
Madonna, é claro.
LIVROS E LITERATURA
FOLHA DE S. PAULO
- Pesquisa narra horrores do tráfico de escravos
"O Navio Negreiro" traz detalhes do transporte de negros para a América
O historiador Marcus Rediker dedicou quatro anos de trabalho ao livro; "convivi com o terror", afirma
ele
RICARDO BONALUME NETO, DE SÃO PAULO
(23/7/2011) De longe, ele é uma aparição bonita, elegante. Três mastros, gurupés, velas redondas e
velas latinas. Mas, à medida que o observador se aproxima, vai encontrando um local de puro terror.
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"Câmaras de horror", é como o historiador americano Marcus Rediker define os navios negreiros que
transportaram milhões de escravos da África para as Américas.
Rediker realizou um feito raro com o livro "O Navio Negreiro - Uma História Humana": conseguiu
tratar de um tema ainda pouquíssimo explorado, o da escravidão africana moderna.
Ninguém antes havia exposto com tanta riqueza a sordidez do transporte de escravos para
plantações e minas das Américas e do Caribe.
Leia abaixo trechos da entrevista com o historiador.
Folha - Por que decidiu escrever um livro sobre a experiência deste tipo de navio?
Marcus Rediker - A ideia de escrever "O Navio Negreiro" surgiu alguns anos atrás, quando me
encontrei com o ex-Pantera Negra, agora prisioneiro político, Mumia Abu-Jamal, no corredor da morte
da Pensilvânia. Era parte de uma campanha para abolir a pena de morte.
Afro-americanos constituem uma parte desproporcionalmente grande do corredor da morte nos EUA,
então eu comecei a pensar sobre o relacionamento histórico entre raça e terror. O livro começou na
militância política.
Quão difícil foi realizar as pesquisas para o livro?
Eu tinha a vantagem da experiência de 25 anos de trabalho nos arquivos marítimos. Passei quatro
anos de trabalho em tempo integral dedicado ao livro -convivendo com o terror, pode-se dizer.
Por que você se concentrou sobre a experiência britânica e americana?
Em parte, isso era uma questão de formação acadêmica, pois eu havia estudado por muito tempo a
história antiga britânica e americana.
Por outro lado, isso era uma questão de importância histórica: os navios britânicos carregaram mais
pessoas para a escravidão do que qualquer outro país durante o século 18, o período de pico do
comércio de escravos. Meu desafio era transformar as estatísticas de negócios em histórias
humanas.
Havia diferença significativa entre os navios negreiros anglo-saxões e os de outras nações, por
exemplo, os usados no tráfico para o Brasil?
A maioria dos navios de escravos operava da mesma forma, mas havia algumas diferenças.
Negreiros portugueses e brasileiros tendiam a ser maiores do que a maioria, mas, porque a distância
a ser navegada era menor no Atlântico Sul (45 dias, comparados a 68 dias para os navios britânicos),
as taxas de mortalidade foram menores.
Você diz que nenhum país jamais lidou integralmente com o legado da escravidão e que reparações
são ainda devidas. Que tipo de forma poderiam ter essas reparações?
Sociedades e governos podem, por exemplo, despender maiores recursos educacionais para áreas
urbanas mais pobres, beneficiando os descendentes dos escravos e a sociedade como um todo.
Mas, obviamente, nada significativo vai acontecer até que um movimento social exija uma
responsabilização por esse passado terrível.
O GLOBO
- Brasil ensaia passos para ser protagonista em Frankfurt
Diretor da maior feira editorial do mundo elogia preparação do país para 2013
(26/7/2011) Guilherme Freitas - No Brasil para participar da abertura do II Congresso Internacional do
Livro Digital, que acontece hoje e amanhã em São Paulo, o alemão Juergen Boos, diretor da Feira do
Livro de Frankfurt, acompanha de perto a preparação do país para ocupar o posto de convidado de
honra do maior evento editorial do mundo em 2013.
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Por e-mail, Boos conversou com O GLOBO sobre
aqueles que considera os pontos mais importantes
deste processo, como a articulação entre editores e
o governo e entre o comitê brasileiro e as
instituições culturais alemãs. Um dos principais
convidados do congresso promovido pela Câmara
Brasileira do Livro (CBL), Boos elogia o programa
de tradução lançado recentemente pela Fundação
Biblioteca Nacional (que concederá US$ 7,6 milhões
para a publicação de obras brasileiras no exterior
até 2020) e diz esperar que a iniciativa ajude a
apresentar a cultura do país ao público europeu:
“Esperamos ver o Brasil contemporâneo em
Frankfurt.”
JUERGEN BOOS, diretor da Feira do Livro
de Frankfurt, participa hoje da abertura do II
Congresso Internacional do Livro Digital,
em São Paulo
O GLOBO: Como você avalia a preparação do
Brasil para o papel de convidado de honra da Feira de Frankfurt em 2013? JUERGEN BOOS: Os
preparativos do convidado de honra normalmente levam dois ou três anos. O Brasil está dentro do
cronograma. O mais importante neste ponto é formar um comitê com representantes de editoras e
ministérios envolvidos — e é exatamente nisso que todos estão trabalhando a toda velocidade.
Também é vital estabelecer um bom programa de bolsas de tradução. Com isso em vista, a
Fundação Biblioteca Nacional anunciou que vai alocar a soma de US$ 7,6 milhões para apoiar
traduções de obras brasileiras até 2020. É uma ótima notícia para o mercado editorial internacional. O
terceiro ponto é estabelecer desde já contatos com museus e outras instituições culturais alemãs,
porque a presença do convidado de honra não começa só em outubro de 2013 em Frankfurt, e sim
com pelo menos um ano de antecedência.
Além da literatura, a arte, o cinema, a música e dança do Brasil serão levados ao público alemão em
exposições e festivais. Estes arranjos estão sendo feitos agora.
● Já há algo planejado para o pavilhão e a programação do Brasil em Frankfurt?
Ainda não podemos dizer como será a programação, que autores vão a Frankfurt, e como o Brasil
vai montar seu pavilhão no coração da feira. Esperamos ter essas respostas no início de 2013. Neste
ano, já esperamos ver um aumento significativo do interesse das editoras internacionais pelo Brasil. O
estande brasileiro em Frankfurt será bem maior em 2011, sugerindo que os editores brasileiros já
estão se preparando para o papel de convidado de honra.
● Como você compararia o programa de tradução lançado há pouco pela Biblioteca Nacional e os de
convidados de honra anteriores?
O programa de tradução é a base do sucesso de um convidado de honra, porque a meta é promover
um interesse sustentável pelo país. Nesse sentido, o Brasil é exemplar, pois está olhando para 2020.
Só em 2010, foram financiadas 68 traduções. O convidado de honra de 2008, a Turquia, financiou até
hoje a tradução de cerca de 290 títulos em 32 idiomas e 37 países, a um custo de US$ 800 mil. O
governo argentino anunciou que 150 títulos serão financiados em 2011 pelo programa “Sur” (lançado
por ocasião da presença do país como convidado de honra em 2010).
● Como a participação do Brasil em 2013 pode ser diferente da primeira vez em que o país foi o
convidado de honra em Frankfurt, em 1994?
O Brasil mudou muito nas últimas décadas. O país está na boca de todos graças ao boom
econômico, mas ainda são poucos os que o conhecem pelo lado cultural. Na Alemanha, clássicos
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como Jorge Amado são os mais conhecidos. Esperamos ver o Brasil contemporâneo em Frankfurt.
Queremos conhecer o que há de mais novo na literatura e na cultura do país.
MODA
FOLHA DE S. PAULO
- Quarentão paz & amor
Vivian Whiteman
Alexandre Herchcovitch completa quatro décadas de vida e diz que trocou as intrigas fashion e as
neuroses de workaholic por uma rotina tranquila e familiar
Considerado o maior estilista do Brasil, Alexandre Herchcovitch comemorou ontem seu aniversário de
40 anos, mais da metade deles dedicada à sua carreira na moda.
Trabalhando para sua grife própria e para a Rosa Chá, Herchcovitch é um dos reis da São Paulo
Fashion Week, desfila sua linha jeans no Fashion Rio, participa da Semana de Moda de Nova York e
coleciona parcerias e licenciamentos. Sua próxima empreitada será o papel de mentor de jovens
designers no reality show "Projeto Fashion" (versão nacional do "Project Runway"), da Band, com
estreia prevista para este ano.
Apesar da agenda cheia, Herchcovitch disse à Folha que vive uma fase tranquila, apaixonado pelo
marido, o empresário Fabio Souza, 33, e mais dedicado aos pais e aos irmãos. Só uma coisa é capaz
de perturbar a nova vibe zen do estilista: as cenas de violência contra gays e os entraves religiosos
no caminho das leis que protegem os homossexuais. "Pela primeira vez, comecei a pensar em viver
em outro país."
Folha - Tomou alguma decisão especial pelo fato de ter completado 40 anos?
Alexandre Herchcovitch - Olha, eu pensei assim: vou fazer desses 40 anos um marco. Aí fui a
vários médicos e fiz todos os exames que pude, tudo o que eu acabava deixando de lado. Também
tirei RG e cartão de CPF novos, foi uma espécie de limpeza geral.
Tem medo de envelhecer?
Nenhum. O que mudou é que antes meu objetivo era ficar magro para poder usar qualquer roupa que
quisesse, mas hoje penso na saúde. Estou mais calmo também.
Em que sentido?
Como sou muito regrado e objetivo, percebi que posso cumprir meus compromissos e ainda tirar um
tempo para mim. Antes, se eu acordasse um minuto depois da 7h30, ficava neurótico, achava que
estava perdendo oportunidades. Atualmente, me proibi de usar despertador.
E a sua fama de pessoa polêmica, vai ficar para trás?
Ainda tenho essa fama?
É, ainda tem... Suas declarações no Twitter, por exemplo, foram muito comentadas nos últimos
tempos, não?
Há mais ou menos um ano, as coisas ficaram sérias no Twitter durante a São Paulo Fashion Week.
Estilistas, jornalistas e amigos entraram numa batalha de críticas que saiu do controle. Entrei na onda
e enlouqueci, confesso que fiquei doente. Aí decidi parar. Não sou eu quem decide quem é bom ou
ruim, percebi que era muita prepotência. Parei de fazer picuinhas.
Você é considerado o maior estilista do país. Como se coloca entre a pressão do título e a
inveja que ele causa?
Não me acho o número um, o melhor. Sei das minhas qualidades e defeitos como estilista e, por
outro lado, conto com o feedback do Fabio, dos clientes, da minha mãe e dos críticos. E às vezes fico
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inseguro porque acho que certas pessoas falam bem de mim mais por medo ou conveniência do que
por convicção. Mas que todos saibam que não vou me suicidar se não estiver no ranking dos
melhores da temporada.
O que falta na sua carreira?
Não sou de fazer planos, mas tenho vontade de, por exemplo, desenhar para uma grife estrangeira.
Quem admira na moda hoje?
Não sou de elogios, mas, como estou de coração aberto, vou falar do [estilista] Reinaldo Lourenço.
Fico feliz em perceber que ele se libertou das referências externas que tinha no início da carreira e
que encontrou seu caminho. O desfile dele é um dos poucos que fico ansioso para ver na São Paulo
Fashion Week.
A noite clubber dos anos 90 foi um marco para a comunidade gay. Por que hoje, nos mesmos
lugares em que surgiram drags, performers e clubes GLS, falamos de gangues racistas e
espancamento de homossexuais?
Vivemos um tempo de retrocesso. A causa da igualdade de direitos e deveres fica em segundo plano,
por conta dessa escalada de violência. Nunca fui militante do movimento gay, mas nunca me escondi.
Dizer quem eu sou, dizer que casei [Herchcovitch e Souza oficializaram uma união civil] é o meu jeito
de dar exemplo. Mas, por conta dessa situação, pela primeira vez comecei a pensar em viver em
outro país.
E o que pensa da discussão política em torno da lei contra a homofobia?
O que me tira do sério é essa coisa de as religiões interferirem nas leis de um país. Quando um
político com quem tenho muito contato me contou que nenhuma lei que beneficie os homossexuais
vai passar no Congresso, por conta das chantagens políticas feitas pela bancada evangélica, fiquei
louco. Misturar política e religião é um grande erro.
Você pensa em adotar uma criança?
Eu e Fabio sempre falamos disso, mas ainda não chegamos a um acordo quanto aos prazos. Sei que
um dia serei um bom pai.
"NÃO VOU ME SUICIDAR SE NÃO ESTIVER NO RANKING DOS MELHORES DA TEMPORADA"
OUTROS
O ESTADO DE S. PAULO
- As poéticas do múltiplo Xico chaves
Roberta Pennafort
(22/7/2011) Multimídia bem antes de o termo ser cunhado, Xico Chaves nunca foi um só. Diz que
isso, em parte, vem de seu rico ambiente familiar. Um tio-avô era "clarinetista, flautista, maestro,
fotógrafo, alquimista, garimpeiro, estudioso de mineralogia e fabricante de móveis".
Há quatro décadas em atividade, o artista mineiro, nascido em 1949 na pequeníssima cidade de
Tiros, revê um pouco de suas experimentações na mostra em cartaz até o dia 28 de agosto no Oi
Futuro do Flamengo (Rua Dois de Dezembro, 63), Órbitas - Poéticas.
"É muito difícil fazer uma exposição sobre Xico Chaves. É muita coisa!", brinca, comentando o
trabalho do curador, Alberto Saraiva. "Chegamos ao século 21 sabendo que o artista não é
seccionado." Seu pensamento, que se revela em poesia, música, artes visuais, vídeo e criações para
carnaval, está exposto em imagens, palavras e sonoridades.
São letras de música em parceria com Geraldo Azevedo, Vinicius Cantuária, Jards Macalé e Zé
Renato, poesias sonoras, improvisos gravados nos anos 70 e 80, outros no mês passado.
São objetos fotografados, como o Rezo Zero, "poema-objeto-concreto alegórico" distribuído entre
integrantes de blocos carnavalescos há seis anos, e sátira ao programa Fome Zero, que havia sido
lançado pelo então presidente Lula dois anos antes.
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Artistas não costumam gostar da ideia de "retrospectiva", sejam de caráter panorâmico ou detalhista.
Não faz mesmo muito sentido quando a produção está viva. "É mais uma síntese", diz Xico, em
entrevista não no Oi Futuro, mas em seu gabinete no Palácio Gustavo Capanema, onde funciona a
Fundação Nacional de Artes, do qual é diretor de artes visuais.
Ele transgride: fuma no escritório fechado, atende a uma ligação de Macalé no meio da conversa.
Lembra sua trajetória, da passagem pela Universidade de Brasília durante a ditadura militar, da qual
foi expulso por "subversão", as experimentações com poesia concreta, nos anos 60/70, da chamada
Geração Mimeógrafo, no Rio, da atuação em órgãos oficiais de cultura, levado pela vocação para
agitador cultural. Tudo foi acontecendo ao mesmo tempo. "Você perde o medo de correr riscos
conforme ganha intimidade com a linguagem."
Ele sempre acreditou que o Estado poderia ajudar. Entre idas e vindas, tem 32 anos de Funarte.
"Poderia ser um papel esquizofrênico, mas como eu venho desse trabalho simultâneo, não é. É
função do artista fazer com que a instituição compreenda esse trabalho. As artes visuais ainda são
interpretadas de forma equivocada por parte do Estado - não do governo", afirma, contente por poder
anunciar investimentos nos prêmios de ocupação de galerias da Funarte, na publicação de periódicos
e em pesquisas, entre outras iniciativas (informações para proponentes estão no site
www.funarte.gov.br/artes-visuais). Contente, sim; satisfeito, talvez nunca.
CORREIO BRAZILIENSE
- A festa das culturas
Encontro na Chapada dos Veadeiros reúne artistas e povos de várias regiões do país. A grande
atração é a Aldeia Multiétnica
Mariana Moreira
(25/7/2011) - Mesmo em formato reduzido e investimento financeiro restrito por parte do governo, o
11º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros começou a esquentar, desde a
última sexta-feira, as noites frias e estreladas da Vila de São Jorge, em Alto Paraíso (GO). As catiras,
folias, oficinas e rodas de prosa caíram no gosto de quem esteve por lá nesse fim de semana — a
programação vai até o dia 30. A atração mais comentada foi a Aldeia Multiétnica, que, em nova
proposta, ocupa uma área próxima ao Rio da Lua, a pouco mais de dois quilômetros de distância do
povoado. Em torno de um grande espaço, próprio para as celebrações indígenas, 125 representantes
de variadas etnias dormiram, comeram e compartilharam detalhes de sua cultura.
A partir deste ano, cinco etnias diferentes ganharão uma oca própria, construída de acordo com sua
arquitetura típica. Desta vez, os anfitriões são os Yawalapiti, do Parque do Xingu, que passaram sete
horas por dia erguendo uma oca xinguana, com 12 metros de comprimento e oito de largura, feita
com madeira eucalipto, vinda de Cuiabá, e palha. No lugar do tradicional sapé, usado por eles em
suas casas, esta construção conta com a contribuição dos kalunga do povoado de Vão das Almas,
em Cavalcante (GO). Enquanto mostravam algumas de suas tradições musicais, como a Folia do
Cipó e a Curraleira, eles trançavam a palha de coco que será o telhado da oca. “Estamos dando uma
mãozinha, passando nossa técnica pra eles, já que somos especialistas nisso”, afirma José Moreira
dos Santos, chefe do povoado kalunga, cujas casas são quase completamente recobertas de palha.
O projeto foi feito pelo cacique da tribo Yawalapiti, representado pelo filho, Anuiá Yawalapiti. “É muito
bonito a gente estar aqui, mostrando nossa cultura e conhecendo outras”, afirmou o representante
indígena, que além de comandar a construção ainda demonstrou danças e rituais típicos de sua etnia,
e serviu iguarias tradicionais da tribo, feitas à base de peixe e beiju. No sábado passado, durante a
abertura do evento, todos os índios convidados, devidamente trajados e pintados conforme seus
costumes, apresentaram tradições, cantos e passos de dança, em uma celebração que acabou em
uma grande ciranda, feita em parceria com o público.
Modas de viola
Quando a noite caía, depois do banho de cachoeira e do jantar reforçado, os habitantes temporários
da cidade se reuniam em torno do palco, montado em frente à Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge. A
noite de abertura ficou por conta do Catirandê, uma apresentação de catira que contou com a
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participação de Genésio Tocantins, Braguinha Barroso, Família Braga e os Catireiros de Natividade,
todos de Tocantins. Eles driblaram problemas no equipamento de som para apresentar modas de
viola, ao som da percussão seca, típica do ritmo, e ainda resgataram pérolas do cancioneiro nacional,
como Cálix Bento e Feira de Mangaio.
Mas a rainha da noite foi mesmo Dona Gracinha, sanfoneira piauiense moradora da Asa Norte. Aos
68 anos, com a vista prejudicada por uma catarata e sem uma das pernas, que perdeu em um
acidente de carro há 27 anos, Maria Vieira da Silva, nome de batismo, ganha a vida como líder da
banda de forró pé-de-serra que leva seu nome. “Mas toco seresta, valsa, tango, samba”,
complementa. A única paixão que ela reduziu em seu repertório é a pinga. “Ela anima mais, os dedos
correm direito na sanfona. Mas agora, só em momento especiais”, revela. Durante o show que fez, e
entrou madrugada adentro, dona Gracinha cantou até marchinhas carnavalescas.
Carona consciente
» De tanto notar que parte do público do encontro é formada por caroneiros, a produção do evento
decidiu dar uma mãozinha a quem precisa de ajuda para chegar a São Jorge. Criou, via Facebook,
uma ferramenta para aproximar motoristas de caronas. Os “motorizados” tinham de cadastrar o
número de vagas em seus carros e os interessados deveriam se candidatar a elas. “A ideia era
eliminar um pouco dos carros na vila e ajudar o pessoal que pede carona na estrada. O Facebook
deixa esse processo mais seguro, é possível checar informações sobre a pessoa”, destaca Carlos
Filho, coordenador de Mídia Digital do Encontro. Até o último fim de semana, 60 caronas haviam sido
confirmadas.
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