Revista Brasileira de Geografia Física

Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
Revista Brasileira de
Geografia Física
ISSN:1984-2295
Homepage: www.ufpe.br/rbgfe
Problemática Ambiental dos Rios Urbanos: uma Análise das Situações de Risco
Ambiental e da Qualidade de Vida dos Ribeirinhos do Riacho Doce da Cidade
de Lajedo – PE
Julio César Félix da Silva1, Anderson Lopes dos Santos2, Clélio Cristiano dos Santos3
1
Pós-graduando em Ensino de Geografia;2Licenciado em Geografia;3Professor Assistente da Universidade de
Pernambuco UPE, Campus Garanhuns, Professor Assistente da Universidade Estadual de Alagoas. E-mail:
[email protected]
Artigo recebido em 18/08/2011 e aceito em 21/09/2011
RESUMO
O Riacho Doce nasce no Sítio Olhinhos D‟água no município de Lajedo - PE, corta a cidade e deságua no Riacho do
Quatis. A ideia do trabalho é analisar a problemática ambiental urbana decorrente da ocupação irregular das margens do
Riacho Doce em Lajedo, visando identificar as suas implicações na qualidade de vida da população da cidade. Para isso,
inicialmente, se caracterizou o uso e ocupação irregular das margens do Riacho Doce, visando identificar os
condicionantes da degradação do rio na cidade. Posteriormente, identificou-se as práticas da população ribeirinha, no
intuito de relacioná-las as situações de risco ambiental e de degradação do Riacho Doce. E em seguida, se analisou a
relação do uso e ocupação/práticas da população ribeirinha do Riacho Doce e suas implicações sobre a qualidade de
vida da população da cidade. Para o desenvolvimento da pesquisa adotou-se seguintes procedimentos metodológicos:
pesquisa exploratória, quantitativa, qualitativa, empírica e uma observação in loco. Os resultados indicaram que a
população ribeirinha da cidade de Lajedo estabelece uma íntima relação com o Riacho Doce, despejo de lixo no leito e
nas margens do rio, criação de animais, banhos, dentre outras, que se manifestam mormente nos lugares mais pobres,
engendrando uma série de riscos ambientais, responsáveis pela agudização da queda da qualidade de vida.
Palavras-Chave: Problemática ambiental, Rios urbanos, Riacho Doce, Qualidade de vida.
River of Urban Environmental Problems: An Analysis of Risk Situations and
Environmental Quality of Life of Stream Riparian Riacho Doce of the City
Lajedo-PE
ABSTRACT
The stream whose name is Riacho Doce born in Sítio Olhinhos D`água in Lajedo – PE, cross this town and end up in
Riacho do Quatis. The idea of this work is analyse the environmental problems caused by irregular urban occupation of
the riverside of the Riacho Doce in Lajedo, aiming to identify the implications on the irregular occupation of the town`s
people. For this, first characterized the use and the irregular occupation of the riverside of Riacho Doce, identifying the
determinants of the degradation of the river in this town. Subsequently, we identified the practices of the riverside
population, in order to relate them to situations of risk and environmental degradation of Riacho Doce. And then, we
analysed the relation between the use and the occupation/practices of the riverside population of Riacho Doce and the
implications on the quality of the town`s population. For the development of the research we adopted the following
methodology: exploratory research, quantitative, qualitative, empirical and in loc observation. The results indicated that
the riverside population of Lajedo establishes an intimate relationship with the Riacho Doce, dump trash in the
riverside, breed of animals, bathing, among others, that manisfested especially in the poorest areas of the stream,
causing a series of environmental risks, responsible for the decrease in the quality of life.
Key words: Environmental problems; Urban Rivers; Riacho Doce; Quality of life.
1. Introdução
homem e o entorno. Esse processo se acelera
A história do homem na Terra é a
quando, praticamente ao mesmo tempo, o
história de uma ruptura progressiva entre o
homem se descobre como indivíduo e inicia a
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
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mecanização do planeta, armando-se de novos
sobre o solo que nega meio natural. O espaço
instrumentos para tentar dominá-lo1.E essa
(urbano) é compreendido como locus da vida
ruptura se alargou nas décadas de 1960 e
social e a problemática ambiental como
1970, pois houve uma explosão demográfica
decorrente do modo de produção e das formas
nos
em
pelas quais ocorre a apropriação do solo
desenvolvimento, e em alguns acompanhada
urbano (Rodrigues. 1998, p.76). Dentre essas,
de um êxodo rural que maximizou o
a problemática ambiental dos Rios Urbanos a
crescimento das cidades, simultaneamente as
qual decorre da ocupação irregular das
indústrias foram se impregnando na paisagem
margens dos rios, alavancada mormente por
urbana e trouxeram consigo a ideologia do
algumas camadas sociais mais pobres (com
consumismo.
estes
raras exceções), que segregadas pelo sistema
acontecimentos a ineficácia do planejamento
capitalista passaram a morar praticamente
urbano e a carência de orientação nas áreas
dentro dos canais fluviais. De acordo com
urbano-industriais. Esta dinâmica urbanística
Scarlato & Pontin (1999, p.17), “Grande parte
e a recente ideologia implantada pelo
da população das periferias tem de drenar
imperialismo
emergir
seus esgotos e lixo doméstico em lixões
desigualdades sociais gritantes, agravando a
improvisados, junto aos córregos dos rios, que
degradação do meio ambiente, fomentando
se
inúmeras problemáticas ambientais. O que se
colaborando
chama de agravos ao meio ambiente, na
agravamento das enchentes”. Esta medida de
realidade não são outra coisa senão agravos
ocupação
ao meio de vida do homem, isto é, ao meio
veementemente nas condições ambientais dos
visto em sua integralidade (Santos. 1995, p.3).
rios, e consequentemente na qualidade de vida
Seguindo esse raciocínio, Rodrigues (1998,
da população residente as suas margens.
países
subdesenvolvidos
Associa-se
econômico
e
a
fez
tornam
fontes
por
de
contaminação,
associação
inadequada
se
para
o
reflete
p.8) assevera que, “A problemática ambiental
O termo qualidade de vida é bastante
deve ser compreendida como um produto da
complexo e subjetivo, pois possui várias
intervenção da sociedade sobre a natureza.
facetas, podendo ser estudado individual e
Diz
coletivamente,
respeito
não
apenas
a
problemas
desde
as
condições
de
relacionados à natureza, mas às problemáticas
habitação, do acesso a serviços de educação,
decorrentes da ação social”.
saúde, pela remuneração e até pela ótica da
Em meio ao volumoso conjunto de
utopia,
quando
envolve
o
status
do
problemáticas ambientais, vale ressaltar que
consumismo, isto é, quando incorpora o
uma série delas ocorre no espaço urbano, já
imaterial ou intangível. A grande questão é
que há uma apropriação intensa dos citadinos
que no Brasil há um enorme número de
pessoas
sem
serem
assistidas
com
as
1
Extraído de SANTOS, Milton. 1992: a redescoberta
da natureza.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
521
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necessidades básicas: alimentação, moradia,
salienta que, “Os riscos ambientais podem se
educação, saúde, segurança, dentre outras.
decompor
Para Vitte C.C. (2009, p.98 Assim, sem um
vulcânicas, sísmicas...) e em riscos naturais
mínimo de bem-estar material e de conforto
agravados por certas práticas antrópicas
não é possível avançar no debate da qualidade
(erosão
de vida: efetivamente não faz sentido discutir
poluição...)”. Um exemplo do agravamento de
a
riscos ambientais preconizado por práticas
incorporação
de
necessidades
mais
em
dos
solos,
desertificação,
antrópicas,
não estão sendo assistidas. Deste modo, se
intensificadas,
adotou para os fins operacionais deste
assoreamento causado pela ocupação irregular
trabalho apenas uma das facetas da qualidade
marginal e despejo de lixo no leito dos rios.
de
De acordo com Corrêa (2008, p.35), “São as
a
questão
básicas,especificamente
das
a
necessidades
situação
do
as
(áleas2
naturais
complexas quando as necessidades básicas
vida,
são
riscos
enchentes,
que
principalmente
são
pelo
práticas espaciais, isto é, um conjunto de
saneamento básico nas moradias situadas nas
ações
margens do Riacho Doce, tendo em vista que
impactam
os rios urbanos são geralmente poluídos, e
alterando-o
que a população ribeirinha estabelece uma
preservando-o em suas formas e interações
relação condicionante da degradação do rio, e
espaciais”.
de vítima quando exposta a de situações de
riscos ambientais.
Compreendemos por risco ambiental a
espacialmente
diretamente
no todo
localizadas
sobre
o
que
espaço,
ou em parte ou
No que tange a discussão sobre rios
urbanos, pode-se perceber que uma série de
riscos ambientais se manifesta contra a
probabilidade de acontecer desastres em uma
população,
provocando
área que possa provocar danos materiais,
doenças
econômicos e a saúde de um grupo social, e
verminoses, dentre tantas outras) e até mortes.
partir dele se sobrepõe a vulnerabilidade
Por exemplo, na Mata Sul de Pernambuco, no
sócio-ambiental. De acordo com Veyret, Y.
mês de junho de 2010, os temporais causaram
Richemond, N. (2007, p. 30), “O risco nasce
cerca de 18 mortes e deixaram mais de 80 mil
da percepção de um perigo ou de uma ameaça
desabrigados ou desalojados no Estado. Mas
potencial que pode ter origens e que
mesmo diante de tantos riscos e com
denominamos uma álea. Esta é sentida pelos
comprometimento da qualidade de vida
indivíduos e pode provocar, ao se manifestar,
manifestado através de enchentes periódicas e
prejuízos às pessoas, aos bens e à organização
doenças (oriundas de ratos, insetos, do mau
do território”. Veyret (2007, p.19) também
cheiro, e da contaminação da água e do
(leptospirose,
perdas materiais,
difteria,
hepatite,
solo),todo ser humano necessita de uma
2
Acontecimento possível; pode ser um processo
natural, tecnológico, social, econômico, e sua
probabilidade de realização. Se vários acontecimentos
são possíveis, fala-se de um conjunto de áleas.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
moradia. De acordo com Rodrigues (2003,
522
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p.11)
“historicamente
mudam
as
irregularmente as margens do riacho, fato que
características de habitação, no entanto é
o atribuiu uma nova designação, Riacho
sempre preciso morar, pois não é possível
Doce.
viver sem ocupar espaço”. Na cidade de
responsável pela canalização e cobertura do
Lajedo essa problemática ocorre nas margens
leito do Riacho Doce em alguns trechos do
do Riacho Doce, e de seu afluente Riacho do
centro da cidade, pela intensificação da
Serrote. O Riacho Doce, afluente do Riacho
poluição,
do Quatis3, corta o município de Lajedo no
vegetação ciliar, extraindo assim as funções
sentido Sul-Norte (Figura 1). O Riacho Doce
do riacho para o ambiente e para a cidade, tais
é um rio intermitente, suas águas se elevam
como, de pesca, de lazer, entre outros, bem
no período de Março a Outubro, diminuindo
como engendrando enchentes em alguns
no mês de Setembro até Fevereiro. Na década
setores da cidade, as quais vêm ocorrendo
de 1940 o Riacho Doce como hoje é
com uma maior incidência nos últimos dez
denominado tinha suas margens ocupadas por
anos. “Hoje, o velho riacho não passa de um
4
Este
crescimento
assoreamento,
urbano
e
foi
retirada
o
de
sete ranchos de taipa nas imediações da atual
filete mal cheiroso de águas mortas e pútridas,
Rua Vicente Ferreira, logo não apresentava
envenenado pelos dejetos e pelo descaso
contornos nítidos de poluição e assoreamento,
daquilo que se convencionou chamar de
existia vegetação ciliar, e suas águas serviam
civilização” (Silva, A.1995, p. 92).
para lazer, pesca e afazeres domésticos. Mas a
Diante do exposto, o presente trabalho
partir da década de 1980, Lajedo foi
tem como objetivo analisar a problemática
desencadeando uma forte urbanização, e
ambiental urbana decorrente da ocupação
algumas
ser
irregular das margens do Riacho Doce em
ocupadas, e devido à falta ou a ineficácia do
Lajedo – PE, visando identificar as suas
planejamento
urbano
implicações
moradias
alvenaria
áreas
de
vazias
passaram
a
paulatinamente
foram
às
ocupando
na
qualidade
de
vida
da
população da cidade.
Figura 1. Localização da bacia hidrográfica do Riacho Doce.
3
Riacho do Quatis: Pequeno rio que nasce no município de Lajedo (PE), afluente do Rio Una.
Ranchos de taipa: barracos feitos de barro e madeira.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
4
523
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A nascente do Riacho Doce está
Riacho Doce, o rio corta as propriedades de
localizada no Sítio Olhinhos D‟água no
Edinho Quintino, Antônio Gomes, Pedro
município de Lajedo, especificamente na
Salu, e segue para as terras do Sr. Oberaci,
propriedade do Senhor José do Vinho. Nos
esta última próxima ao loteamento Santa
arredores da nascente, há uma fábrica de
Quitéria (Vila dos Prazeres), e à medida que o
vinho desativada, no mesmo setor 200 m2 de
rio vai se aproximando ao médio curso, vai
terras pertencem à empresa Bom Leite, a qual
perdendo a vegetação ciliar, apresentando
perfurou um poço artesiano nas mediações da
assoreamento, poluição, e casas esparsadas
nascente. Nesse trecho do alto curso do
em seu entorno (Figura 2).
Figura 2. Área da nascente do Riacho Doce.
No trecho seguinte, já no médio curso
do
Riacho
no
Leite, também conhecido por Morumbi, lugar
Loteamento Antônio Dourado Cavalcante, há
onde predominam residências de alto padrão,
algumas construções de baixo e médio padrão
e que seus moradores não estabelecem relação
(Figuras 3 e 4), além de uma indústria de
íntima com o rio, haja vista que seu curso
sacos que despeja seus resíduos no rio. No
passa por trás das moradias. Todavia, nesse
mesmo lugar, as pessoas criam animais,
trecho o rio apresenta contornos nítidos de
jogam lixo nas margens e no leito do rio,
degradação: assoreado, sem vegetação ciliar
crianças brincam e tomam banho nas águas do
(apenas gramíneas em suas margens), com
Riacho Doce.
uma tonalidade escura, mau-cheiro e lixo em
Saindo
Doce,
do
especificamente
PE 170 e passa pelo Loteamento Luiz do
Loteamento
Antônio
suas margens e no seu leito.
Dourado Cavalcante, o Riacho Doce corta a
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
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Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
Figura 3. Riacho Doce no Loteamento Antônio Dourado Cavalcante
Figura 4. Riacho Doce no Morumbi
Os aspectos do Riacho Doce citados
Viana, o qual é constituído por moradias de
anteriormente no Morumbi (assoreamento,
médio padrão. A Figura 5 mostra algumas
retirada de vegetação ciliar, mau-cheiro, lixo)
características
se repetem no Condomínio Popular de Val
dentro do condomínio.
notáveis
da
problemática
Figura 5. Aspectos notáveis da problemática no Condomínio Popular de Val Viana.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
525
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Ao lado do Condomínio Popular de
população estabelece uma relação
mais
Val Viana localiza-se a Felipe Camarão
próxima com o Riacho Doce, pois em dias de
(localidade), as margens do Riacho Doce. Na
estiagem as práticas dos moradores são
Felipe Camarão há algumas moradias de
reprimidas pelo muro do condomínio, no
baixo padrão que são invadidas pela água do
entanto jogam lixo e deixam animais sem
rio e da chuva (Figura 6), que é quando a
autorização dentro do último.
Figura 6. Alagamento de logradouros na Felipe Camarão.
Saindo do condomínio, o Riacho
Ferreira, Bairro Madalena, é possível ver o
Doce corta as ruas e avenidas do centro da
rio, com os mesmos aspectos anteriormente
cidade,
Fernandes
citados, arbustos e gramíneas em alguns
Vieira, Av. 19 de maio, Rua Prof. Guaraná,
momentos, pois desaparecem devido às casas
Rua Pe. Emílio Lins, Av. Paulo Guerra, onde
as suas margens. Além disso, há o incremento
se encontra o comércio e algumas casas
de muito lixo doméstico, entulho, animais
populares. Nestas ruas e avenidas o Riacho
mortos, e galhos de árvores, jogados nas
Doce teve seu leito canalizado, e todos os
margens ou no leito do rio pelos moradores da
sinais
fluvial
área, observou-se também a criação de
desapareceram, exceto em dias de chuvas
animais, e que algumas casas em dias de
torrenciais, quando o Riacho Doce alaga
fortes chuvas são comprometidas. Observe na
alguns logradouros. Observe na seguinte
Figura 8 o local em questão em dias de
Figura 7. Nas imediações da Rua Vicente
estiagem e de chuvas intensas.
respectivamente,
deste
Rua
ecossistema
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
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Figura 7. Av. Paulo Guerra no centro da cidade, durante uma forte chuva no dia 09/04/2010.
Figura 8. Riacho Doce no Bairro da Madalena, nas imediações da Rua Vicente Ferreira.
Na
comunidade
Caldeirões
casas são invadidas pelas águas do Riacho
(ocupação informal) as casas são de baixo
Doce em dias de chuvas fortes. Mais a frente,
padrão, e o rio compromete a qualidade das
no seu baixo curso, o Riacho Doce atravessa a
águas das bacias rochosas dos Caldeirões5e
BR 423 no sentido Sul-Norte cortando a ponte
também
que há nas terras de Chico Braz, nesta
tem
comprometidas
suas
águas
localidade criam-se bovinos, haja vista que a
efluentes domésticos, resíduos sólidos, como
área possui uma enorme vegetação gramínea e
bolsas plásticas, pneus, garrafas plásticas.
possibilita a criação desses animais, que pode
Nesse mesmo setor, os moradores criam
ser a responsável pelo desmatamento da mata
animais,
as
de origem na área. No mesmo trecho, o riacho
margens do rio, tomam banho, e algumas
encontra-se represado, assoreado, com a
crianças
despejo
bastante
de
5
pelo
dos
brincam
direto
descalças
Estruturas rochosas que acumulam água.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
527
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tonalidade da água escura, e o odor exalado
qualitativa na área objeto de estudo, uma
pelo rio é enorme, existindo também lixo
observação in loco, com registro fotográfico,
espalhado no leito e nas margens do rio, como
onde foram obtidos maiores detalhes da
bolsas, garrafas, pneus, dentre outros gêneros.
situação população ribeirinha e do Riacho
A partir daí, o Riacho Doce segue para Sítio
Doce, bem como se conseguiu expor melhor à
Ouricuri, nas terras do Senhor Joaquim
problemática. De acordo com Lakatos &
Ramos, onde se apresenta com muita mata
Marconi (apud Tresivan. 2004, p.148) a
ciliar, mas quando corta a PE 149 há uma
pesquisas qualitativas são “pesquisas que se
redução
forte
voltam para o contexto social, [e que] podem
assoreamento do leito do rio, trecho de águas
valer-se do princípio geral afirmar ser válido
claras, onde se represou e canalizou água para
pressupor que formais atuais de vida em
subsidiar a criação bovina, posteriormente
sociedade, de organização e funcionamento de
deságua no Riacho do Quatis, no Sítio Quatis
instituições, assim como os costumes em uso
(Ibra).
no contemporâneo, podem ter suas origens no
da
vegetação,
e
um
passado”. Ainda nesta fase, se analisou as
práticas das pessoas que residem às margens
2. Material e Métodos
Para os fins operacionais do presente
do Riacho Doce, no intuito de identificar suas
estudo inicialmente se desenvolveu uma
ações sobre o riacho. Paralelamente foram
pesquisa exploratória, a partir de revistas,
caracterizadas
artigos,
à
saneamento básico, vegetação ciliar, e a
problemática ambiental de rios urbanos, para
distância das residências em relação ao curso
subsidiar
com
do Riacho Doce, para situar na malha urbana
conhecimentos específicos, a observação in
do município de Lajedo, e conheceu os
loco,
problemas
sites
e
livros,
referentes
simultaneamente,
que
serviram
embasamento
aprofundar
da
área
de
fenômenos
entrevistas com 10 moradores mais antigos,
espaciais da área objeto de estudo, na
que possuem conhecimento sobre a trajetória
pesquisa qualitativa e quantitativa. Ainda
ambiental do Riacho Doce, e através delas se
nesta fase de laboratório foram sistematizados
chegou a novas conclusões, acerca da relação
todos os dados coletados na pesquisa de
da população citadina com o Riacho Doce, e
campo, visando identificar os aspectos sócio-
do processo de ocupação de suas margens.
interpretação
dos
e
sócio-ambientais
estudo. Além disso, também foram feitas
a
científico,
o
infra-estrutura,
para
facilitar
teórico
para
moradias,
ambientais da problemática ambiental do
Na segunda fase de campo, se realizou
Riacho Doce, bem como seus condicionantes
uma
e reflexos sobre a população ribeirinha.
aplicados questionários, claros e objetivos,
Também
optou-se
pela
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
pesquisa
pesquisa
quantitativa,
onde
foram
nos bairros de maiores riscos ambientais,
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visando traçar os seguintes aspectos da
população: sexo, idade, tempo de residência,
N é o número de elementos da
população.
investigar as condições de moradia, também
n é o tamanho da amostra.
identificar as práticas da população e as
n = (300 . 400) / (300 + 400)
implicações da problemática ambiental do
n
Riacho
Doce
sobre
a
mesma.
Essas
=
120.000
/
700
=
171
(Questionários aplicados)
informações foram coletadas através deste
método de cunho estatístico, onde a princípio
Sabendo-se que o tamanho da amostra
se obteve o universo da amostra, investigando
é 171 (57% do universo da amostra), se
a quantidade de casas próximas ao rio, que
recortou
correspondeu a 300, em sete lugares da cidade
equivalente a 17 questionários para o
de Lajedo: Loteamento Antônio Dourado
desenvolvimento de um pré-teste, que foi
Cavalcante,
Leite,
realizado nos Caldeirões, no Condomínio de
Condomínio de Val Viana, Felipe Camarão,
Val Viana, no Loteamento Antônio Dourado
Madalena, Caldeirões e no centro da cidade.
Cavalcante, e no Bairro da Madalena. Nos
Tendo-se obtido o universo da amostra (300)
Caldeirões
se fez o cálculo do erro amostral tolerável em
questionários, e nos demais lugares quatro. O
5%, e se encontrou a primeira aproximação do
pré-teste serviu para identificar algumas
tamanho da amostra, equivalente a 400.
deficiências do questionário, e partir delas
Observe a seguinte fórmula e o cálculo:
realizou-se algumas adaptações. Tendo se
Loteamento
Luiz do
10%
dessa
foram
amostragem,
aplicados
o
cinco
solucionado os equívocos, aplicaram-se os
n0 = 1 / (E0)2
n0 é a primeira aproximação do
tamanho da amostra.
E0 é o erro amostral tolerável,
neste caso de 5%.
171 questionários, nas sete localidades já
citadas anteriormente; 33 questionários no
Centro, na Madalena, nos Cadeirões e no
Loteamento Antônio Dourado Cavalcante; 17
questionários no Condomínio de Val Viana, e
n0 = 1/ (0,05)2
11 questionários na Felipe Camarão e no
n0 = 400
Loteamento de Luiz do Leite.
Sabendo-se que o universo da amostra
3. Resultados e Discussão
é de 300 moradias, se realizou outro cálculo
Observe-se na Figura 9 dia chuvoso
para saber quantos deveriam ser entrevistados
nos Caldeirões do riacho Doce. Nota-se casas
para tal estudo. Observe abaixo a fórmula
instaladas em áreas de várzeas do rio. A
utilizada, bem como o cálculo:
Figura 10 apresenta as áreas de risco na
n = (N . no) / (N + n0)
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
cidade de Lajedo.
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Figura 9. Riacho Doce em dia chuvoso nos Caldeirões.
Figura 10. Mapa de áreas de risco do Riacho Doce na cidade de Lajedo.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
530
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
3.1 As práticas da população ribeirinha:
Loteamento Antônio Dourado Cavalcante, na
situações de risco e degradação ambiental
Felipe Camarão (localidade) e nos Caldeirões
A partir da caracterização das margens
(localidade) a situação é crítica, pois a maioria
do Riacho Doce e da análise dos questionários
das famílias dos entrevistados vive com até
aplicados
ribeirinhos,
um salário mínimo. Já o perfil educacional
enorme
dos que responderam ao questionário chama
diversificação no que se refere aos fatores
atenção o bairro nível de escolaridade dos
econômico (renda familiar) e educacional, o
moradores do Loteamento Antônio Dourado
que pode ser visto nas Figuras 11 e 12. Em
Cavalcante, Centro, Bairro da Madalena e
relação à renda familiar observa-se que no
Caldeirões.
constatou-se
aos
que
moradores
há
uma
Figura 11. Renda familiar dos entrevistados.
Figura 12. Escolaridade dos entrevistados.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
531
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A partir da análise da renda familiar e
Felipe Camarão e Caldeirões. São muitas as
do perfil educacional, é possível compreender
populações
porque muitos citadinos ribeirinhos de Lajedo
estratificação social, por característica de
se submetem a morar em áreas insalubres,
renda, escolaridade, cor e gênero, que residem
convivendo
riscos
ou utilizam os territórios de maior risco
ambientais, especialmente os moradores do
Ambiental, (Figuras 13, 14 e 15), (Britto.
Loteamento Antônio Dourado Cavalcante,
Silva. 2006, p.19).
diariamente
com
situadas
nos
níveis
da
Figura 13. Renda Familiar dos moradores do Loteamento Antônio Dourado Cavalcante.
Figura 14. Escolaridade dos moradores do Loteamento Antônio Dourado Cavalcante.
Figura 15. Práticas sócio-espaciais dos moradores do Lot. Antônio dourado Cavalcante.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
532
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No Loteamento Antônio Dourado
No Antônio Dourado Cavalcante há
Cavalcante a população absoluta familiar é
moradias praticamente dentro do riacho,
105, média de 3,5 por casa, porém somente 45
porém a maioria dos moradores não reside
trabalham quase todos sobrevivem com
muito próximo ao rio, portanto, apenas uma
baixos salários oriundos da informalidade
minoria
(manicure, pedreiro, doméstica, agricultor),
especificamente quatro casas, mas as práticas
podendo ser reflexo do nível de educação.
citadas anteriormente podem comprometer a
Além disso, constatou-se que os moradores
integridade
criam animais (Figura 16), as crianças
estabelecerem qualquer contato com a água
brincam nas margens do rio, e até tomam
do rio. Mesmo morando em uma área
banho nas cheias, coexistindo com essas
insalubre, a maioria dessa população gosta de
práticas o despejo de efluentes domésticos e
morar no loteamento, mas ao mesmo tempo
industriais. Nesta localidade há pessoas que
reclama do mau-cheiro, dos ratos e insetos do
moram a mais de 10 anos, mais o auge da
loteamento. No entanto, vale ressaltar que
ocupação se deu em 2005, tendo em vista que
esses incômodos relatados pelos moradores,
10 entrevistados responderam que residem
não são provenientes do rio, mas sim da
entre 3 a 5 anos no loteamento. Veja nos
ausência de esgotamento sanitário, pois a falta
seguintes gráficos a situação da escolaridade,
de
da renda familiar e a quantidade de práticas
provocou a criação de um esgoto a céu-aberto
observadas pelos moradores da comunidade.
na frente das moradias.
um
corre
física
riscos
de
desses
esgotamento
inundações,
citadinos,
sanitário
ao
“correto”
Figura 16. Criação de animais nas margens do Riacho Doce.
Na comunidade Felipe Camarão a
moradias. Para muitos da Felipe Camarão, os
população é mais pobre, o nível educacional é
dias que caem gotas de água do céu são
muito baixo, assim como o padrão das
tremendos pesadelos, devido aos alagamentos
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
533
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
(Figura 17), condicionados pelo rio, pela água
da Felipe Camarão). A Figura 18 mostra os
da chuva e principalmente pelo entupimento
depoimentos dos moradores sobre as práticas
da galeria que passa na comunidade. “Quando
sócio-espacias do Bairro da Madalena.
chove forte a água bate no joelho” (Morador
Figura 17. Alagamento na Felipe Camarão.
Figura 18. Práticas sócio-espaciais dos moradores do Bairro da Madalena.
Além dos alagamentos, os moradores
pessoas que residem na comunidade por não
da comunidade reclamaram do mau-cheio, de
ter condições de comprar uma casa/terreno em
insetos e ratazanas. No entanto, dos 11 que
outro lugar. Veja a situação econômica e
responderam ao questionário oito gostam de
educacional nas Figuras 19 e 20.
morar na Felipe Camarão, mesmo número de
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
534
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
Figura 19. Renda Familiar na Felipe Camarão.
Figura 20. Escolaridade dos moradores da Felipe Camarão.
A
comunidade
ribeirinha
dos
no comércio local e um é funcionário público.
Caldeirões (localidade) existe a mais de 20
Ainda
anos, esta é constituída por cerca de 80
constatou-se que os moradores possuem uma
moradias que se localizam irregularmente nas
baixa escolaridade, pra se ter uma noção, 10
margens do Riacho Doce e de seu afluente
dos entrevistados são analfabetos, e 14 se
Riacho do Serrote, algumas moradias foram
quer terminaram o Ensino Fundamental
construídas praticamente dentro dos rios.
(Figura 21). Nos Caldeirões a situação é mais
Aplicou-se questionários em 33 casas, as
crítica em relação aos demais lugares no que
quais possuem uma população absoluta de
diz respeito às práticas, pois se constatou que
109, uma média de 3,6 por domicílio, mas
os
somente
cachorros, bodes, bois cavalos) (Figura 22),
41
pessoas
desse
populacional
trabalham
informalidade
(agricultor,
a
contingente
sobre
moradores
o
perfil
criam
sócio-econômico,
animais
(galinhas,
maioria
na
crianças brincam nas margens do rio, tomam
doméstica,
ou
banho, jogam lixo e até lavam roupa. A
fazem bicos). Apenas seis estão empregados
Figura 23 mostra a observação dos 33
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
535
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
moradores que responderam ao questionário.
que:“Antigamente tinha um pessoal que
Vale salientar que durante o roteiro de
criava animais, como uns porcos e galinhas,
perguntas do questionário houve pessoas que
mas hoje não se cria mais nada”. Enquanto
negaram algumas práticas na comunidade,
isso, na frente dele havia alguns bois
mesmo sendo elas visíveis ao entrevistando e
pastando.
ao entrevistador, um dos moradores disse
Figura 21. Escolaridade dos moradores dos Caldeirões.
Figura 22. Criação de animais nos Caldeirões.
Além disso, vale destacar que nos
desde o contato com a água até a perca de
Caldeirões há enchentes periódicas, que são
bens matérias, e desorganização do território
ditadas pelo regime de chuvas, no período de
(Figura 24). Uma antiga moradora disse,
chuvas fortes, os riscos nessa localidade vão
“Quando eu vejo as nuvens se fechar, fico
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
536
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
logo amedrontada”. Já outro morador falou
chuvosos na cidade de Lajedo são dias de
que, “Em noites de chuva ninguém dorme
insegurança para os citadinos da comunidade
tranquilo, todo mundo fica com o sinal de
ribeirinha dos Caldeirões.
alerta aceso”. Em outras palavras, dias
Figura 23. Práticas sócio-espaciais dos moradores dos Caldeirões.
Figura 24. Enchente nos Caldeirões.
Com
relação
às
implicações
da
suas casas. Essas situações de risco ambiental
problemática nos Caldeirões, os moradores
comprometem a integridade física e mental
sofrem com o mau-cheiro, insetos, ratos,
dos moradores,
cobras e com inundações em dias de chuvas
entrevistados, 24 responderam que gostam de
torrenciais, dias estes de muita insegurança
morar no local, segundo eles, por ser um lugar
para os moradores, alguns destes até tomam
calmo, próximo ao centro comercial ou pela
medidas provisórias para a água não invadir
boa vizinhança, mas alguns dos que gostam
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
mesmo
assim, dos 33
537
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
de residir na comunidade, estabeleceram um
pela
localidade por
não ter
condições
contraponto alegando que só é ruim por causa
financeiras para morar em outro lugar, o que
do esgoto. O Riacho Doce é tão desprezado
se justifica através da renda familiar, pois das
na cidade, que hoje é representado por muitos,
33 famílias entrevistadas 24, o equivalente a
como esgoto, e não como rio. Vale salientar
80%, sobrevivem com até um salário mínimo
que 17 habitantes dos Caldeirões, optaram
(Figura 25).
Figura 25. Renda familiar dos moradores dos Caldeirões.
Com relação aos problemas e males
de lixo, abastecimento de água, esgotamento
que prejudicam a qualidade de vida dos
sanitário, e drenagem de águas pluviais,
habitantes em seu conjunto, tais como
serviços
violência, trânsito, barulho, falta de áreas
público, e direito do cidadão, e a qualidade
verdes, enchentes, epidemias e poluição, são
desses serviços está intimamente concatenada
as
ao poder aquisitivo do citadino. Nos bairros
classes
populares
que
mais
saem
de
poder
nobres
àqueles que exercem trabalhos de baixo
saneamento
prestígio e remuneração, por terem pouca ou
inexistentes, nas periferias prevalece à falta de
nenhuma
compromisso do poder público no âmbito de
qualificação
problemas
do
prejudicadas. Essas classes correspondem
escolaridade
os
responsabilidade
básico
concernentes
são
praticamente
profissional, e vivem em condição de
infra-estrutura
expropriação econômica e submissão política,
esgotos a céu aberto. Falar em serviços
social e cultural.6
urbanos, juntamente com a situação dos lares
é
importante,
básica,
ao
porque
logo
predominam
ambos
afetam
A qualidade de vida da população
veementemente a qualidade de vida da
ribeirinha: a situação do saneamento
população positiva ou negativamente. Sobre o
básico
saneamento básico Rodrigues (1993, p. 95)
O saneamento básico incorpora coleta
6
diz que:
ALVES, Júlia F. Metrópoles: cidadania e qualidade de vida.
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
538
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
Não há dúvida que o saneamento básico indica
qualidade de vida no período moderno e é
condição indispensável à urbanidade e/ou
modernidade. Contudo, o que é pouco
analisado são as formas pelas quais o próprio
processo de urbanização cria a escassez e
provoca a destruição ou empobrece a
qualidade de alguns deles – como a água e o ar
atmosférico.
ou no leito do Riacho Doce. Nos Caldeirões, e
E
em
relação
No que tange a discussão sobre o
sanitário,
este
é
no Bairro da Madalena, que são assistidos
pela coleta de lixo, há acúmulo de lixo no
leito e nas margens do rio.
ao
fluvial,
esgotamento
os
efluentes
saneamento básico, agora especificamente nos
domésticos, industriais e hospitalares, são
bairros e localidades em que se desenvolveu a
lançados diariamente no Riacho Doce. Esta
pesquisa, constatou-se que todos possuem
realidade faz com que inúmeras residências
abastecimento
encanada
despejem direta e indiretamente seus esgotos
(irregularmente), porém a qualidade da água é
no leito do Riacho Doce. O contexto se
algo duvidoso e relativo, já que a maioria dos
agrava no loteamento Antônio Dourado
entrevistados alegaram gostar da qualidade da
Cavalcante, no Condomínio de Val Viana,
água (até bebem), por ser bem tratada
Madalena, e nos Caldeirões, pois rio se
enquanto outros de renda mais elevada a
apresenta como um esgoto a céu-aberto. E
utilizam
afazeres
além de servir como “sistema de esgoto”, o
domésticos.De acordo com Rodrigues (1993,
Riacho Doce serve para a drenagem de águas
p. 96) “Verifica-se, entre outros aspectos que
pluviais, logo quando se obstrui o canal com
o acesso à água potável, portanto a um
lixo, ocorrem enchentes em alguns setores da
recurso natural transformado pelo uso, é um
cidade. Um morador da Madalena disse:
indicador de „saneamento básico‟ e qualidade
“Construí a minha casa há 35 anos, e esse
de vida”. Rodrigues (1993, p. 96), também
riacho era limpo. Eu não esperava nunca que
ressalta que, “Segundo os dados da ONU, as
ele fosse ser contaminado a tal ponto que um
águas contaminadas matam 25 mil pessoas
dia viesse a causas transtornos a população. E
por dia. É claro que os mais atingidos são os
as
que ganham baixos ou nenhum salário”.
nenhuma providência”.
apenas
de
água
para
os
autoridades
municipais
não
tomasse
Já a coleta de lixo é realizada duas
A partir da exposição da realidade do
vezes por semana em quase todos os bairros,
saneamento básico dos ribeirinhos da cidade
exceto no Loteamento Antônio Dourado
de Lajedo, e de um olhar crítico sobre o poder
Cavalcante onde os moradores se deslocam
aquisitivo das famílias dos bairros/localidades
para as proximidades da PE 170 para
estudados, pode se perceber que muitos não
depositar o lixo para o recolhimento, que
possuem uma boa qualidade de vida, já que
ocorre uma vez por semana, logo alguns
uma enorme parcela sobrevive em condições
moradores não seguem esse roteiro, e jogam
precárias, desde a situação estrutural da
lixo nos arredores do loteamento, nas margens
moradia até o ambiente insalubre em que
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
539
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
estão inseridos, convivendo com enchentes,
ciliar, o assoreamento do Riacho Doce na
ratos, baratas e mau-cheiro. Logo, não se pode
malha urbana, e a poluição de suas águas, por
ter uma vida digna, não há como dizer que se
meio
vive
conjunto
hospitalares e de lixo, acarretando problemas
habitacional do espaço urbano tem um preço,
ambientais de maior ou menor grandeza,
no caso dos Caldeirões, Felipe Camarão, e
como enchentes, mau-cheiro. Além disso, as
Antônio Dourado Cavalcante, muito baixo
pessoas estabelecem diversas práticas com o
devido à debilidade dos recursos necessários a
Riacho Doce: tomam banho, crianças brincam
vida. Sobre esta lógica capitalista ambiental
em suas margens, criam animais, lavam
urbana Rodrigues (1993, p.16) assevera que,
roupa, jogam lixo, dentre outras.
com
qualidade.
Todo
“a terra, como a água, o ar, são indispensáveis
efluentes
Essa
domésticos,
realidade
industriais,
condicionou
a
à vida. São bens da natureza, que foram
agudização da queda da qualidade de vida de
“transformados” em mercadorias”.
muitos citadinos ribeirinhos de Lajedo, que
Morar “adequadamente” não significa
vivem
inseguros
em
locais
de
riscos
apenas ter um teto, mas sim usufruir daquilo
ambientais, em meio à poluição, ao mau-
que é necessário para um bem-estar físico e
cheiro, a ratos e baratas, convivendo com
psicológico. É residir em um lugar, onde há
enchentes periódicas, fatores tornam os
iluminação, saneamento básico, uma área
lugares em áreas de vulnerabilidade sócio-
verde que proporcione uma temperatura
ambiental que colocam em xeque a sua saúde
agradável. Mas para isso se faz necessário ter
física e mental dos moradores.
um bom emprego, que lhe ofereça uma boa
Deste modo, como pode os ribeirinhos
remuneração. Desta maneira, a qualidade de
da cidade de Lajedo ter uma boa qualidade de
vida é fruto desta conjuntura, com o
vida,
acréscimo de outros implementos básicos,
vulnerabilidade
sócio-ambiental,
expondo
como, alimentação nutritiva, e bons serviços
diariamente
sua
que
de saúde e educação. Sendo assim, está
bairros/localidades que não são assistidos se
distante
quer
para
bairros/localidades
os
citadinos
referidos
no
dos
habitando
com
a
em
lugares
saúde,
saneamento
já
básico
de
em
alta
há
sua
último
integralidade, ferramenta fundamental para
parágrafo conseguirem uma boa qualidade de
assegurar a melhoria no quadro de saúde da
vida, haja em vista que não conseguem se
população. Portanto, muitos são os que
quer morar “corretamente”.
moram na cidade de Lajedo, mas poucos
moram “corretamente”, principalmente os
3. Considerações Finais
Entende-se que a ocupação irregular
condicionou o desmatamento da vegetação
Silva, J. C. F.; Santos, A. L.; Santos, C. C.
ribeirinhos dos Caldeirões, do Loteamento
Antônio Dourado Cavalcante e da Felipe
Camarão.
540
Revista Brasileira de Geografia Física 03 (2011) 520-542
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