Emoções, Sociedade e Cultura Uma resenha - CCHLA

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BARBOSA, Raoni Borges. “Emoções, sociedade e cultura
– uma resenha” RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da
Emoção, v. 11, n. 32, pp. 618-627, Agosto de 2012. ISSN
1676-8965.
RESENHA
http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html
Emoções, Sociedade e Cultura
Uma resenha
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. 2009. Emoções, Sociedade e Cultura – A categoria de análise emoções como objeto de
investigação na sociologia. Curitiba: Editora CRV. 104p.
A obra Emoções, Sociedade e
Cultura, do professor doutor
Mauro Guilherme Pinheiro
Koury, aborda de forma
didática e abrangente a
gênese, o significado e a
operacionalização da categoria emoções na análise e
investigação
sociológicas,
destacando-se, assim, como
um manual imprescindível
ao estudante e pesquisador
em sociologia e antropologia
das emoções pela extensão e
profundidade com que
delimita a problemática em
tela.
Esta proposta se concretiza mediante um passeio
criterioso pelos clássicos da
sociologia, bem como pelos
estudos realizados no bojo
da sociologia e antropologia
das emoções – disciplina
consolidada a partir da
década de setenta do século
passado,
na
sociologia
estrangeira, e cujo processo
de enraizamento na academia brasileira pode ser
verificado nos últimos vinte
anos.
O estudo em questão se
distribui em três capítulos,
tendo os mesmos sido
embasados por um momento introdutório e sintetizados
num momento conclusivo.
A categoria emoções é
apresentada como conceito
fundamental para a apreensão do humano e do social, a
partir do qual a problemática
metodológica do entendimento da relação entre
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indivíduo social e sociedade
deve ser encarada.
A
proposta
teóricometodológica da sociologia
das emoções constitui um
caminho para a superação
dos paradigmas estruturalfuncionalista e marxista, centrado numa análise totalizante e linear do social, em
favor de uma postura centrada na observação da ação
social individual, do self e das
emoções que perfazem a
interação entre os atores
sociais de uma sociabilidade
dada.
O fenômeno das emoções
passa a ser definido, assim,
como problema sociológico
e antropológico, como
constructo sociocultural, cabendo ao estudioso entender
como se dá o processo de
gênese e a dinâmica da
cultura emocional a partir
das experiências e vivências
emocionais de atores sociais
concretos
imersos
no
conflito real do contexto
social relacional em que
agem.
A cultura emocional, ancorada num sistema espaçotemporal de coordenadas,
significa um repertório es-
pecífico
de
conceitos
simbólicos, linguísticos e
comportamentais. Nesta matriz axiológica em constante
rearranjo, em que cada ator
realiza individualmente as
emoções sociais, a interação
assume contornos estáveis e
as emoções se sucedem
como produtos relacionais
no jogo indivíduo-sociedadecultura.
Entender a dimensão subjetiva, o móbil da ação social
de um ator social concreto,
se faz tão importante quanto
apreender
a
dimensão
objetiva, as formas relacionais em que se instituem a
ação social, das emoções.
O objeto maior, porém, da
sociologia e da antropologia
das emoções constitui, numa
linguagem simmeliana, a
análise do conflito entre
cultura objetiva e cultura
subjetiva. Neste sentido se
coloca a questão do comdicionamento ou da determinação das emoções
individualmente vividas pelas formas relacionais da
cultura objetiva, bem como
do impacto da cultura subjetiva na rede imaginária e
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instituinte da cultura objetiva.
A problemática da intersubjetividade, ou seja, a
apreensão das bases subjetivas da ação social vem
sendo abordada desde a
formação da sociologia e da
antropologia enquanto disciplinas científicas, muito
embora seja recente a formação de subdisciplinas para
a análise exclusiva das emoções no social.
Neste sentido, o professor
Koury preocupou-se em
discutir as bases teóricometodológicas da sociologia
das emoções, apresentando
o estado da arte, bem como
em refletir as consequências
deste novo campo do saber
com a sociologia geral.
O primeiro capítulo, - A
Sociologia das emoções e os
Clássicos, - trata da problemática da intersubjetividade nos
estudos de Durkheim, Marx,
Mauss, Simmel, Weber,
Tarde e Tönnies. Estes
autores compartilham o
conceito de emoções enquanto base latente da ordem social e como locus de
exteriorização dos processos
interativos de uma sociabili-
dade dada. Pese as divergências teóricas e metodológicas, a sociologia clássica se
encontra como ciência da
modernidade.
Durkheim, em seu esforço
para definir o social como
dimensão de lógica própria e
que determina a ação social
individual,
entendia
a
sociabilidade como produto
dos fatos sociais (exteriores,
gerais, coercitivos), de modo
que as emoções estavam
inseridas nos mecanismos
coercitivos fundantes da
ordem social (solidariedade
mecânica, no caso da
comunidade; solidariedade
orgânica, em se tratando da
sociedade) e de seus sentidos
possíveis. Para Durkheim as
emoções se esgotam no
social, ao contrário do que
mais tarde postularia Mauss,
para quem as emoções
compreendem,
também,
processos psíquicos e fisiológicos.
Marx, assim como Durkheim, localiza as emoções
no social a partir de uma
perspectiva macrossociológica e exterior, de modo que
o conflito inerente à interação social entre atores
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sociais concretos, bem como
as tensões e negociações nas
trocas simbólicas, não são
alcançados pela categoria
analítica marxiana da classe
social. Ao compreender a
estrutura e a dinâmica social
a partir dos conceitos de
modo de produção e
relações de produção, Marx
reduz a cultura subjetiva
auma lógica linear e totalizante.
Durkheim e Marx concebem o indivíduo social
dentro de uma totalidade,
seja moral ou econômica,
que determina a ação social
individual e, consequentemente, a experiência e a
vivência da emoção. Tal
paradigma foi em parte
superado por Durkheim a
partir de sua descoberta do
simbólico.
Esta dimensão do social
foi aprofundada por Mauss
no conceito de fato social
total, cujo conteúdo abarca a
ação e as emoções sociais
individuais. Mauss rompe
com o discurso de conteúdos generalizantes e parte
para a observação de
sociabilidades
específicas
enquanto configuração do
social, localizando, neste
topos, as emoções sociais.
O indivíduo social é,
finalmente, alçado a uma
categoria autônoma, de
modo que sua ação social se
dá na sociedade, mas
também enquanto relação
com a sociedade. Assim, o
indivíduo social específico
traz em si o indivíduo social
geral sob as pressões
renovadoras do conflito
inerente às relações do jogo
interacional. As emoções,
por sua vez, embora forças
coletivas universalmente assentadas, se tornam inconscientes ao serem internalizadas individualmente e,
ininterruptamente, ressignificadas cultural e socialmente.
Simmel
constrói
seu
modelo de análise social a
partir da dicotomia forma/conteúdo. O conteúdo
da vida social compreende
os fatores biológicos e
psíquicos individuais que
direcionam os atores sociais
para a sociação, de modo
que à Sociologia cabe entender as formas sob as
quais esta se apresenta. A
sociedade, na perspectiva
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simmeliana, se constitui
enquanto interação entre
indivíduos – sociação –,
abarcando a mesma um
conteúdo (interesse, propósito, motivo) e uma forma
(modo de interação).
As formas de sociação
podem agregar-se cumulativamente, gerando estruturas
sociais
institucionalizadas
que passam, então, a constranger as formas de sociação operadas em seu bojo.
Tal estrutura objetiva, pórém, permanece vinculada
aos indivíduos em interação.
Weber é tributário de
Simmel, quando da elaboração de uma teoria da ação
social fundada no indivíduo
relacional
movido
por
valores individuais. Ambos
os autores se debruçam
sobre a questão da subjetividade e da racionalidade,
acompanhado, assim, a
paradoxal
ascensão
do
individualismo em paralelo
com o esgotamento das
comunidades de sentido.
Verifica-se, portanto, que
para Simmel e Weber o
fundamento do social é a
interação, os processos
relacionais ou, ainda, a
intersubjetividade, a partir
do que se configura a troca,
sempre tensa, de sentido e a
construção de racionalidades
e
identidades
sociais
concretas.
O móbil da ação social são
as emoções, sobre as quais
se
estruturam
lógicas
discursivas e estratégias de
poder entre os indivíduos
em relação. Assim, a análise
social se dá mediante a
observação dos projetos
sociais/individuais construídos numa sociabilidade
dada.
Tarde apreende a gênese
do social nas relações entre
subjetividades, em constante
disputa por forças conservadoras/inovadoras, de modo
que a interação social se
concretiza
de
forma
dinâmica no espaço-tempo,
ora num processo de
repetição, de adaptação ou
de oposição. A intersubjetividade está ancorada no
pressuposto ontológico sócio-comunicativo humano,
donde se infere sua natureza
supra-social. A análise social,
nesta perspectiva, significa
entender as agências e
agendas geradas no jogo
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comunicacional entre subjetividades em relação, ou
seja, o fluxo emocional no
espaço societal.
Tönnies organiza sua visão
do social com base nas
categorias comunidade/sociedade, de modo a diferenciar os modos de vida prémodernos da sociabilidade
moderna calcada no individualismo e na privatização
das emoções.
O segundo capítulo A
sociologia das emoções na
atualidade aborda o objeto de
análise e o embasamento
teórico-metodológico deste
novo campo disciplinar, ora
divido em um posicionamento positivista e num
outro antipositivista, bem
como na controvérsia a
respeito dos precursores da
sociologia das emoções: se a
sociologia clássica ou os
estudos de Elias, Sennet e
Lynd.
As diversas leituras da
sociologia das emoções na
atualidade convergem no
sentido de reconhecer a
análise social como análise
da intersubjetividade na interação social em sua relação
tensa com os processos
objetivos de organização do
espaço societal. Ao todo são
apresentadas
quatro
propostas de trabalhar a
sociologia das emoções.
Autores como Collins,
Hamond, Gordon, Burkitt,
Rawls, bastante influenciados pelo debate entre
interacionistas e estruturalfuncionalistas, entendem a
sociologia das emoções como tributária da sociologia
clássica.
Collins atualiza o modelo
analítico de Durkheim ao
introduzir no pressuposto de
ordem social estabilizado
pela solidariedade e pelo
compromisso moral a análise
de interações rituais numa
dimensão microsocial. Hammond, também adepto de
uma perspectiva micro,
concentra sua análise nas
práticas cotidianas individuais e na forma que estas se
organizam a partir do
acúmulo de experiências
sociais. Gordon se vale das
categorias parsonianas de
personalidade e estrutura
social para conduzir análises
nos planos micro e macrossocial das emoções e dos
sentimentos.
Burkitt
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fundamenta sua análise a
partir da categoria indivíduo
como sujeito relacional, cuja
ação social se explica na
experiência social e cultural
acumulada. Rawls opera a
análise das relações indivíduo-sociedade, sendo esta
última a construtora das
emoções.
Um segundo caminho na
sociologia e antropologia das
emoções
é
fortemente
marcado pe-los trabalhos de
Mauss e seu conceito de
reciprocidade. Nesta tradição de pensamento, a
sociedade aparece como
locus que possibilita a ação
social individual, munindolhe de informação, tanto a
partir da etiqueta social
quanto a partir de um código
imaginário de sentimentos.
A ritualização de práticas
cotidianas funda, assim, uma
sociabilidade dada.
Uma terceira vertente da
sociologia e da antropologia
das emoções se inspira
notadamente no interacionismo, no interacionismo
simbólico e na etnometodologia, de modo que entende
a construção do social na
interação emotiva entre
indivíduos. Autores engajados nesta proposta apresentam trabalhos sobre a
micropolítica das emoções
(Clark) e sobre a economia
política das emoções (Hochschild), por exemplo.
Mead e Park, fundadores
da psicologia social americana e da ecologia urbana,
respectivamente, são os
timoneiros desta proposta e
os responsáveis pela consolidação
da
influência
simmeliana: perspectiva microssociológica, análise da
dinâmica de trocas entre as
estruturas simbólicas identitárias e percepção da
cidade moderna como comunidade ambivalente e
imersa em conflito.
Autores como Garfinkel,
Goffman, Blumer e Schutz
são expoentes desta terceira
vertente da sociologia das
emoções. Em seus trabalhos
se destaca a preocupação em
discutir a vida emocional
como fundamento do fenômeno social, de modo que a
análise social se dirige para a
compreensão de como os
indivíduos sociais se conectam a uma estrutura ritual
societária, de como emoções
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são organizadas em estilos
de vida e de como projetos
cultuais societários e individuais produzem códigos
simbólicos de ação.
Uma quarta leitura da
sociologia das emoções é
encabeçada por Scheff e
Retzinger. Para estes autores
o novo campo de saber não
é tributário da sociologia
clássica, pois esta foi incapaz
de perceber os vínculos que
conectam os indivíduos
sociais em interação, mas
dos estudos de Elias, Lynd e
Sennet sobre a vergonha,
que teriam, assim, oferecido
uma base teórico-metodológica confiável para análises
posteriores sobre emoções
específicas no social. Esta
proposta é levada adiante
por autores como Hartling,
Fragen e Lindner do núcleo
internacional sobre a emoção humilhação e dignidade
humana.
O terceiro capítulo A
Sociologia das emoções no Brasil
trata do aparecimento da
disciplina na última década
do século passado na
academia brasileira. Antes
disso, a emoção foi tratada
na obra de diversos clássicos
brasileiros, porém de forma
abstrata e no bojo de
análises estruturais do espaço societal.
Velho, na sua análise dos
modos de vida bastante
heterogêneos no espaço
urbano, bem como das
dinâmicas
familiares
e
relacionadas à amizade,
constrói seu modelo analítico a partir da influência de
várias fontes (fenomenologia, interacionismo, escola
francesa e etc.). Seu interesse
maior se verifica na relação
tensa entre o indivíduo
social e a cultura, cuja análise
se dá a partir da categoria de
projeto (móbil da ação social
individual, fortemente vinculado aos constrangimentos
da cultura).
Duarte trabalha a temática
da emoção a partir de
diversas categorias específicas, tais como a religiosidade, o sofrimento social, a
sexualidade, o corpo, a
vergonha e etc. Tema central
de seus estudos diz respeito
à gênese do indivíduo na
sociabilidade brasileira.
Autores como Bonelli,
Barros, Eckert, Peixoto,
Motta, Rocha e Giacomazzi
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se destacam no estudo de
temáticas como sofrimento
social, gênero e profissão,
gênero e envelhecimento,
sexualidade, violência urbana e cultura do medo.
Coelho e Rezende, por outro
lado, abordam a questão das
transformações da intimidade e da amizade.
Merecedor de especial
atenção, porém, na sociologia e antropologia das
emoções, no Brasil, é o
estudo de Koury, partindo
de apropriações críticas das
categorias
analíticas
de
Simmel, Mauss e Elias, sobre
emoções
específicas,
mormente em relação aos
medos corriqueiros e ao
sentimento de luto no
espaço urbano, e sobre a
imagem e as formas de
sociabilidade.
Neste sentido, Koury
trabalha o paradoxo da
ascensão do individualismo
em paralelo com o esgotamento das comunidades de
sentido, já verificada por
Simmel, que lança o
indivíduo numa situação de
crise de solidão e anomia e
exige novas etiquetas e
agendas comportamentais.
Koury aborda, ainda, a
questão dos sentimentos, da
memória, e da tensão entre
subjetividade e objetividade
no espaço societal a partir da
imagem fotográfica.
Não bastasse, Koury trata,
também, do medo na cidade
– emoção esta conceituada
como central para a
organização de qualquer
sociabilidade concreta, pois
fundamenta a classificação
ordem/desordem no espaço
societal; bem como, de
forma conexa ao medo, da
questão
do
sofrimento
social.
A obra Emoções, Sociedade e
Cultura, do professor doutor
Mauro Guilherme Pinheiro
Koury, discorre sobre a
categoria
emoções
na
sociologia clássica e introduz
este novo campo disciplinar,
seu embasamento teóricometodológico, suas controvérsias e embates internos,
na academia estrangeira e
brasileira.
A problemática da vida
emocional dos indivíduos
sociais, tão negligenciada
pela perspectiva macrossociológica, totalizante e linear
do estrutural-funcionalismo,
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é colocada como fundamental para o entendimento do
social e do humano, uma vez
que a partir da compreensão
da intersubjetividade se
torna perceptível a singularidade de cada sujeito re-
lacional, ou seja, da cultura
subjetiva, dentro de uma
sociabilidade histórica – da
cultura objetiva.
Raoni Borges Barbosa
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