bono vox, bebedor de vinho e leitor da bíblia

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SOCIEDADE 27
PÚBLICO • QUARTA-FEIRA, 9 NOV 2005
BONO VOX, BEBEDOR DE
VINHO E LEITOR DA BÍBLIA
Por aqui já passaram cinco mil visitantes desde sábado. Na Praça da Figueira, no centro de Lisboa,
um pavilhão apresenta o modo como, ao longo de séculos, a cultura, a arte, as línguas e as pessoas
se foram relacionando com a Bíblia. Por António Marujo
PEDRO MELIM
A confissão de Bono Vox está
entre as de Eça de Queirós,
Napoleão ou Isaac Newton.
Diz o vocalista da banda
de rock: “Sou um músico
‘escrevinhador’, fumador de
charutos, bebedor de vinho,
leitor da Bíblia.” Ao lado, a
memória de Isaac Newton: “É
impossível escravizar mental
ou socialmente um povo que
lê a Bíblia.”
Na Praça da Figueira, em
pleno centro de Lisboa, o
pavilhão A Bíblia em Festa
assume-se como uma das presenças mais significativas no
espaço público, no âmbito do
Congresso Internacional para
a Nova Evangelização, que até
domingo decorre na capital.
Bono conclui: “Sou um
exibicionista que adora pintar quadros daquilo que não
vê. Um marido, um pai, amigo dos pobres, às vezes dos
ricos. Um activista vendedor
ambulante de ideias. Jogador
de xadrez, estrela de rock em
part-time, cantor de ópera no
grupo pop mais barulhento do
mundo. Que tal?”
As citações de Bono e
Newton são duas das frases
na terceira sala do pavilhão.
Passam extractos de filmes,
mostram-se reproduções de
obras-primas da arte ocidental, citam-se Napoleão
e John Kennedy, Pessoa e
Camões, expõem-se edições
da Bíblia com gravuras de
Gustave Doré e com quadros de mestres da pintura.
Pretende-se mostrar como a
Bíblia influenciou “milénios
de cultura e civilização”.
Em fundo ouvem-se os testes de som e voz, para o concerto de sexta-feira, no Rossio.
No pavilhão, são as vozes
que envolvem os visitantes
– cinco mil desde sábado, na
contagem de ontem à tarde.
Às vezes chegam grupos que
enchem as cinco salas. Neste
fim de tarde, o ritmo permite
ver a exposição com mais
sossego.
Eunice Muñoz cruza a sua
leitura do hino à caridade – “O
amor é paciente e prestável”
– com vozes a ler passagens da
Bíblia em várias línguas. Chinês, árabe, italiano, português,
FÁTIMA E CINEMA
Hoje, os mais de 1500
participantes no Congresso
Internacional para a
Nova Evangelização vão
a Fátima. De manhã, a
conferência, sobre a sede
de espiritualidade, estará a
cargo da italiana Graziella
de Luca. Ao fim do dia,
em Lisboa, as principais
propostas estão na
Cinemateca: O Evangelho
segundo São Mateus,
de Pasolini (19h00), e
Thérese, de Alain Cavalier,
(21h30) são os filmes
propostos. Às 21h00, no
Palácio da Independência,
debate-se a “promoção
da vida”: o processo
de desenvolvimento, a
qualidade e a fase terminal.
e organizado pela Sociedade
Bíblia (interconfessional, de
origem evangélica) e pela
Difusora Bíblia (católica),
a pedido da organização do
congresso. Uma frase, da primeira carta de Pedro, recebe
quem entra: “Todo o homem
é como a erva e toda a sua
glória como a flor da erva. A
erva seca e a flor cai, mas a
palavra do Senhor permanece
para sempre.”
Há bíblias antigas, recentes, traduções em línguas improváveis
inglês, muitas outras. Um dos
televisores passa a legenda: “A
Bíblia completa está traduzida
em 422 línguas. O objectivo é,
até 2025, tê-la traduzida em
todas as restantes (6500 no
total).”
A voz de Eunice, poética,
quente, na última sala do
pavilhão, chama a atenção
de quem passa: “Agora,
existem três coisas: fé,
esperança e amor. Mas a
mais importante… a mais
importante é o amor.” Luís
Moura, 65 anos, chega ao fim
da visita, pausada. “Gostei do
que vi e que culmina com esta
leitura sobre o amor. Se toda a
gente pensasse no amor, não
haveria tanto egoísmo, tantas
guerras ou racismo”, diz. “O
pavilhão mostra que há algo
que tem que ser transmitido:
só o amor pode transformar
o mundo.”
O pavilhão foi preparado
“Despertar consciências”
Nuno Andrade, 29 anos, católico, acha a ideia do pavilhão
“positiva”: “Temos um livro,
o livro dos livros, que talvez
muita gente não valorize.
Muitas vezes vamos à missa
mas não temos muita vontade
de conhecer a verdadeira palavra, e não devíamos ouvir só
os padres a falar.”
À entrada, uma pequena
montra com diferentes edições e obras sobre a Bíblia
– um Novo Testamento para
adolescentes, por exemplo. À
frente, a Bíblia em Braille, em
CD-ROM, em áudio, bíblias
antigas e recentes, traduções
em línguas improváveis.
Fica-se a saber que, nos últimos cinco anos, foram vendidos mais de 600 milhões de
exemplares da Bíblia em todo
o mundo. Na segunda sala, há
“uma vastíssima biblioteca”:
76 caixas empilham-se, cada
uma com um título de um
livro bíblico. Mostram-se
os suportes do texto: argila,
papiro, pergaminho, papel,
o primeiro livro impresso,
o mega-voice (toda a Bíblia,
em áudio, no tamanho de um
cartão de crédito).
Dionísia Mendes, 69 anos,
de Rio de Mouro (Sintra), diz
que a ideia é interessante:
“Talvez consiga despertar algumas consciências”, diz. ■
Sida e pobreza
em debate no
congresso
Todos os dias há em
média quatro dezenas
de ateliers no Congresso
Internacional para a Nova Evangelização, que
esta semana decorre em
Lisboa. Num deles uma
dezena de pessoas – duas das quais francesas
– falam da sida, a partir
da experiência do grupo
Tibériade que, em Paris,
acolhe seropositivos.
Éliane Hardy diz que
o objectivo da associação é o acolhimento dos
doentes. “Não julgamos
ninguém. Não falamos
do preservativo. Dizemos
que se protejam, que não
espalhem a morte, mas
não falamos explicitamente do preservativo.
O mais importante é que
se sintam amados, não é
nossa intenção convertêlos à Igreja Católica.”
A francesa conta episódios em que os doentes
só querem desabafar. Ou
pedem mesmo uma mão
para agarrar, quando
se sentem moribundos.
Como um a quem Éliane
sentiu que devia visitar
no hospital. Morreu na
madrugada seguinte,
soube ela um dia depois.
As participantes portuguesas – todas mulheres
– querem saber se o grupo
tem alguma extensão para Portugal. Não, responde Éliane. E contam casos
que conhecem – como o do
homossexual amigo que
fez o convite para “amadrinhar” a sua união com
um companheiro.
Os ateliers que, no
congresso, tratam de
questões sociais têm menos adesão do que os que
tratam de temas como a
oração ou a vida paroquial. Um deles, que iria
tratar da prostituição,
foi cancelado por não ter
participantes inscritos.
Ontem, no entanto,
houve vários debates
de âmbito social. Na
conferência da manhã,
o alemão Ulrich Kny
contou a experiência de
dois anos numa favela
em Porto Alegre (Brasil):
crianças de rua, semabrigo, pobres a comer
em pocilgas. “A Igreja
tem que estar junto dos
pobres, como Cristo também esteve”, justificou ao
PÚBLICO. A.M.
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