Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo, volume 19, no 2, ano 2000. ELETRO E FOTO INJEÇÃO DE ELÉTRONS E ÍONS Li+ E H+ EM FILMES FINOS DE ÓXIDO DE W J. R. Galvão, J. Scarminio, A. S. Rocha, T. Chiaramonte, I. S. Scarminio* e A. Urbano Lab. FILMAT, Depto. de Física, Depto. de Química*, UEL; 86.051-990 Londrina, Pr [email protected] Palavras-chave: inserção de cargas iônicas, eletrocromismo, fotocromismo, tensão mecânica, filmes de óxido de W. rem elétrons e íons H+ para o interior do material, através de buracos nele fotogerados por irradiação UV3. A caracterização dos íons inseridos eletro e fotoquimicamente tem sido feita diretamente por técnicas de análise elemental, tais como NRA, RBS, SIMS e AES4,5. Em 1989 propusemos uma técnica para caracterizar indiretamente a inserção de prótons H+ em filmes finos de Pd depositados sobre vidro, através da medida da tensão mecânica gerada6. Desde então, a técnica tem sido extensivamente usada para caracterização da inserção de íons Li+, Na+ e H+ em filmes eletrocrômicos7. Mostramos neste trabalho os resultados da caracterização da inserção de cargas eletrônicas e iônicas nos efeitos eletrocrômico e fotocrômico, ambos observados em filmes de óxido de W. Para tanto, foram medidas as alterações nas absorvâncias óticas, e as correspondentes tensões mecânicas, geradas durante a ocorrência dos dois fenômenos. Até onde sabemos, este é o primeiro relato de medidas da tensão mecânica no efeito fotocrômico. Resumo: Estudou-se a inserção/extração eletroquímica de elétrons e íons Li+ e a inserção fotoquímica de elétrons e íons H+, em filmes finos de óxidos de W, observando-se as alterações provocadas no espectro ótico (absorvância ótica) e também a tensão mecânica gerada com as inserções iônicas. As alterações óticas provocadas pelo primeiro processo dão origem ao fenômeno conhecido como eletrocromismo, e pelo segundo, como fotocromismo. No efeito eletrocrômico a transmitância ótica variou reversivelmente entre 6% a 75%, no fotocrômico de 65% a 77%. As correspondentes tensões mecânicas máximas geradas, foram iguais a 23,0x107 N/m2 e 3,8x107 N/m2, respectivamente. Abstract It was studied the electrochemical injection/extraction of electrons and ions Li+ and the photo injection of electrons and ions H+ into tungsten oxide films by observing changes in the optical spectrum (optical absorbance) and also the stress generated due to the ionic insertion. The optical changes observed in the first process gives rise to the phenomena known as electrochromism and, in the second as photochromism. We observed a reversible change between 6% and 75% on the optical transmittance in the electrochromic effect and a darkening from 65% to 77% in the photochromic effect. The maximum corresponding stress generated was 23,0x107 N/m2 and 3,8x107 N/m2, respectively. 2. Experimental Filmes de óxidos de W de 3000 Å, foram depositados por sputtering reativo sobre lamínulas de vidro Corning recobertas com um filme condutor de ITO, usando-se um alvo de W metálico. O plasma (Ar+O2) foi mantido à pressão de 7,0x10-3mbar, sob um fluxo constante de O2 de 0,9sccm. Para as medidas óticas e mecânicas, foram usados filmes na forma de tiras de 30x3mm. As medidas foram realizadas usando-se um sistema por nós projetado, esquematizado na Fig.1, e já detalhadamente descrito8. No efeito eletrocrômico, o quadrado pontilhado representa a cela eletroquímica WO3/Li+,ClO4-/Pt e no fotocrômico, um fotoreator selado, onde gases orgânicos podem ser inseridos na câmara contendo o filme. A absorvância ótica em 632,8 nm foi obtida por meio de um laser semicondutor e um fotodiodo, e a tensão mecânica por meio de um fotodetetor de posição, medindo-se o desvio do feixe do laser refletido no filme. Íons Li+ foram eletroquimicamente inseridos e retirados do filme, pela técnica de voltametria cíclica (VC), usando-se um potenciostato/galvanostato. Íons H+ foram fotoquimicamente inseridos nos filmes irradiando-os com luz UV, num ambiente de vapor de formaldeído. A Fig. 2 mostra o esquema do fotoreator: um tubo cilíndrico de vidro contém em uma base uma janela de quartzo e na outra uma de vidro. A amostra é presa por uma extremidade, de forma que pode ser totalmente iluminada 1. Introdução Reações de transferência de cargas eletrônicas podem ser realizadas tanto por processos eletroquímicos quanto fotoquímicos, resultando em alterações nas propriedades químicas e físicas do material. Algumas destas reações, são acompanhadas de correspondentes transferência de contra-íons, para manter-se a neutralidade elétrica do material. Quando alterações consideráveis são provocadas na absorção ótica do material, o primeiro processo de transferência de cargas dá origem ao fenômeno conhecido como eletrocromismo, e o segundo processo ao fenômeno do fotocromismo1. No eletrocromismo, alterações reversíveis nas propriedades óticas são provocadas pela inserção e extração de elétrons e de contra-íons, do tipo Li+, Na+ e H+, do interior do material, por meio de um campo elétrico aplicado sobre ele2. No fotocromismo, reações de superfície transfe36 Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo, volume 19, no 2, ano 2000. pela luz UV, com a luz do laser incidindo sobre a extremidade livre. O reator pode ser evacuado, possibilitando a entrada de vapores de compostos orgânicos, cuja solução fica no interior de um kitasato conectado ao reator. Duas válvulas de vácuo permitem a operacionalização do processo. Como fonte de radiação UV usou-se uma lâmpada de Hg de baixa pressão, de 125 W. A transmitância T e a densidade óptica DO foram calculadas pelas expressões, fotodiodo [1b] Para a bomba de vácuo Fodetetor de posição Válvula de vácuo Fig. 2. Esquema do fotoreator construído para medidas in situ e simultâneas da transmitância ótica e da tensão mecânica. grando-se a curva experimental J versus tempo). A eficiência eletrocrômica média η (definida como η=∆DO/∆ρ e calculada entre os extremos da curva DO versus ρ) foi igual a 48 cm2/C. Este é um valor típico de η para filmes depositados por sputtering. T variou ciclicamente entre 6% e 75%. Tempo, t(s) 0 100 200 300 400 1,2 DO J 1,0 -2 0,2 0,8 0,0 0,6 -0,2 0,4 0,2 fotodiodo -0,4 fonte móvel de luz UV Dens. de corrente, J (mA.cm ) filme/substrato Suporte Densidade ótica, DO 1 dy ⋅ (rt − ro )⋅ 2ds dr cal onde d é a distância do filme ao fotodetetor de posição, s o comprimento livre do filme, r0 e rt são respectivamente, as voltagens normalizadas do fotodetetor de posição no início e após um tempo t de experimento e [dy/dr]cal o coeficiente de calibração do fotodetetor. Assim, T e σ são obtidos medindo-se, respectivamente, as variáveis I e rt, pois todos os outros parâmetros das equações [1] e [2] são constantes determinadas pela montagem experimental. laser Janela de vidro laser [2] r Janela de quartzo [1a] onde I é o valor da tensão medida no fotodiodo, com o feixe do laser transmitido através do filme, I0 é o valor da tensão medida no escuro (T=0%), obtida bloqueando-se o feixe do laser sobre o fotodiodo e Iref o valor da tensão no claro (T=100%), obtida incidindo-se o feixe do laser através da cela+eletrólito, no caso do eletrocromismo e através das janelas do fotoreator (com fonte de luz UV ligada), no caso do fotocromismo. A tensão mecânica σ (em N.m-2) foi obtida como8, fotodetetor de posição Composto orgânico Lâmpada de Hg (móvel) (filme) I − I0 T= , I ref − I 0 DO = − log T , σ t = 56,1x10 7 ⋅ densidade ótica DO (absorvância) com a carga eletrônica ρ, inserida e extraída eletroquimicamente, (ρ foi obtida inte- 0,0 -5,0 -10,0 -15,0 -20,0 -2 Fig. 1. Esquema do sistema usado para as medidas das inserções eletrônicas e iônicas em filmes eletrocrômicos e fotocrômicos. 3. Resultados e Discussões As Figs. 3 e 4 mostram os resultados obtidos no efeito eletrocrômico. A Fig. 3 mostra a densidade de corrente eletrônica, J, gerada com a aplicação de uma voltametria cíclica a 10mV/s e a correspondente variação no espectro eletrônico do óxido, medida pela dependência da 37 Dens. de carga, ρ (mC.cm ) Fig. 3. DO versus ρ e J versus t, para uma VC aplicada na cela eletroquímica Pt/Li+,ClO4-/Ag. A Fig. 4 mostra a tensão mecânica σ e a DO em função do tempo, num ciclo completo da VC. Tensões mecânicas máximas de até 23,0x107 N/m2 são geradas nestas inserções iônicas. As tensões são de compressão e surgem devido ao aumento restringido do volume do filme (devido a adesão do filme ao substrato), decorrente da inserção eletroquímica dos cátions Li+, segundo a reação eletrocrômica: Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo, volume 19, no 2, ano 2000. [claro]WO3-y + xe- + xLi+ ↔ LixWO3-y[escuro] [3] Verifica-se pela Fig. 4, que quando no ciclo catódico são inseridos íons Li+ até cerca de 15 mC/cm2, a tensão aumenta proporcionalmente à carga, até um máximo de σ igual 22,5x107 N/cm2. Surpreendentemente, antes do fim do ciclo catódico, quando cargas estão sendo ainda inseridas, a tensão mecânica diminui voltando a crescer quando os cátions começam a ser retirados do filme (início do ciclo anódico e reação acima, da esquerda para a direita). Após atingir o valor máximo, σ diminui em todo restante do ciclo anódico até se anular, quando então supõem-se que toda carga iônica inserida tenha sido retirada do interior do filme. Embora seja esperado o aumento (diminuição) da tensão no ciclo catódico (anódico), não sabemos ainda como explicar as oscilações no valor de σ observadas no fim do ciclo catódico e início do anódico. Observa-se pelas duas curvas, que o processo de entrada e saída das cargas eletrônica e iônica são ambos reversíveis. A Fig. 5 mostra os resultados obtidos nas medidas do efeito fotocrômico, onde se observa a variação na DO e a tensão mecânica gerada, em função do tempo de irradiação do filme, com luz UV. Observa-se que tanto DO quanto σ aumentam com o tempo de iluminação. Após 215 minutos de irradiação o filme escurece, com a transmitância ótica variando diminuindo de 76% para 66% e com uma tensão mecânica armazenada igual a 3,8x107 N/m2. eletrônico do filme, enquanto que os íons H+ pelas deformações mecânicas. A reação geral de injeção de elétrons e íons H+ para o interior do filme é exatamente a mesma de [3], com os íons H+ no lugar dos Li+. Deve-se contudo, ter-se em mente que as reações parciais para os dois processos são muito diferentes entre si. Na Fig. 5, podemos observar uma surpreendente correlação entre o comportamento das respostas óticas e mecânicas (deve-se ter em conta que são medidas absolutamente independentes), que podem ser descritas na figura por três regiões distintas: uma região inicial (5 minutos de irradiação), onde se observa uma grande variação na densidade ótica DO e na tensão σ. Ou seja, é fotogerada uma alta densidade de pares elétrons e íons H+ que provocam respectivamente, um brusca variação em DO e em σ. Numa segunda região (até cerca de 26 minutos de luz UV), observa-se que a tensão mecânica mantém-se aproximadamente constante, indicando que uma baixa densidade de carga iônica foi inserida no filme. Esta interpretação é confirmada, pois de fato, a DO correspondente varia muito pouco nesta região. Numa terceira região (acima de 26 minutos), σ e DO crescem ambas monotomicamente com o tempo de irradiação UV, indicando que os elétrons e os íons H+ inseridos no óxido, geram proporcionalmente, uma variação na absorvância ótica e uma deformação mecânica no filme. 4,0 0,18 DO 25,0 Stress -2 Tensão mec., σ (10 N.m ) σ RO 20,0 15,0 15,0 0,16 7 Tensão mec., σ (N.m x10 ) -2 -2 Dens. de carga, ρ (mC.cm ) 7 20,0 3,0 10,0 10,0 5,0 5,0 2,0 0,14 1,0 Dens. ótica, DO 25,0 0,12 0,0 0 0,0 0,0 0 100 200 300 50 100 150 200 Tempo, t(min) 400 Tempo, t(s) Fig.4. Densidade de carga eletrônica ρ e a tensão mecânica σ, num ciclo de uma VC. A tensão mecânica observada no efeito fotocrômico é também gerada pelo processo de expansão volumétrica restringida do filme: a expansão ocorre com a injeção de íons H+, fotogerados na superfície do filme, que se difundem para seu interior. Prótons H+ e elétrons são extraídos de moléculas orgânicas adsorvidas na superfície do filme, devido a formação de buracos no filme pela irradiação UV. Os buracos transferem elétrons desemparelhados das molécula adsorvida, para os orbitais dos íons W+6 do filme, enquanto que simultaneamente prótons H+ desprendem-se da molécula de formaldeído, difundindo-se para o interior do óxido9. Os elétrons são responsáveis pelas alterações no espectro 38 Fig. 5. Tensão mecânica e variação na DO, no efeito fotocrômico. Comparando-se as Figs. 4 e 5, verifica-se que as tensões mecânicas máximas geradas pelo processo eletroquímico são maiores que pelo fotoquímico. Observa-se também, que o mesmo ocorre para a DO, Figs. 3 e 5. Assim, eletroquimicamente deve ter sido inserida uma maior densidade de cargas eletrônicas, que fotoquimicamente, uma vez que o mecanismo de absorção ótica nos dois fenômenos é o mesmo, ou seja, uma transição de elétrons entre cátions W+5 e W+6 vizinhos10. Consequentemente, se um correspondente contra-íon é sempre inserido para cada elétron injetado (reação [3]), espera-se então que a densidade de íons Li+ inseridos para o interior do filme seja maior que a densidade de íons H+, podendo então explicar as diferenças nas tensões Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo, volume 19, no 2, ano 2000. mecânicas. Além disto, para uma mesma densidade de carga iônica injetada, a tensão gerada pelos íons Li+ deve ser maior que a gerada pelos íons H+, devido a grande diferença entre os dois raios iônicos. Todavia, se analisarmos a região de dependência linear das curvas σ versus DO, Fig. 6, vere24,0 a) 7 -2 Tensão mecânica, σ (10 N.m ) 16,0 5. Agradecimentos 7 -2 4,01.10 N.m 8,0 Agradecemos ao apoio do Grupo de Optoeletroquímica de Materiais, do IF/Unicamp, na deposição dos filmes; à Capes (programa Proap) e a CPG/UEL. 0,0 0,2 3,0 são mecânica de compressão residual, gerada pela expansão restringida do filme, no plano do substrato. Utilizando-se amostras idênticas (gêmeas), verificamos que dentro dos parâmetros dos experimentos realizados, as variações da absorvância ótica e as tensões mecânicas geradas, foram maiores no fenômeno de eletrocromismo que no de fotocromismo. Todavia, a variação da tensão mecânica por unidade de absorvância ótica foi a mesma nos dois fenômenos. 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 b) 6. Referências 2,0 1 1,0 7 -2 4,42.10 N.m 0,0 0,12 0,14 0,16 0,18 DO mos que a tensão mecânica por unidade de DO é basicamente a mesma nos dois processos cromogênicos. Fig. 6. Variação da tensão mecânica com a DO nos fenômenos de eletrocromismo (a) e fotocromismo (b). 4. Conclusões Elétrons e contra-íons Li+ e H+ foram inseridos eletroquímica e fotoquimicamente em filmes de óxidos de W. Observamos os efeitos provocados pela inserção eletrônica, medindo as variações na absorvância ótica do filme (em 632,8 nm) e os efeitos da inserção dos íons, medindo a ten- 39 C.M. Lampert, C.G. Granqvist (Eds.), Large-Area Chromogenics: Materials and Devices for Transmittance Control, vol. 54, SPIE Opt. Eng. Press, Washington, 1990. 2 C.G. Granqvist, Handbook on Inorganic Electrochromic Materials, Elsevier Science B.V., Amsterdam, 1995. 3 G.H. Brown (Ed.), Photochromism, Wiley, New York, 1971.The Focal Press, London, New York, 1970. 4 idem 2, Cap. 7, §7.1 5 A. I. Gavrilyuk, G. M. Gusinskii, A. A. Mansurov, L. A. Rassadin e F. A. Chudnovskii, Sov. Phys. Solid State 28 (1986)1147-1149. 6 J. Scarminio, S. N. Sahu e F. Decker, J. Phys. E.: Scient. Instrum. 22 (1989) 755-757 7 idem 2, Cap. 6, §6.7 8 J. Scarminio e A. Urbano, Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo 19(1), (2000)46-51 9 A. I. Gavrilyuk, Electrochimica Acta 44 (1999)3027-3037 10 U. Tritthart, W. Gey e A. Gavrilyuk, Electrochimica Acta 44 (1999)3039-3049