Arquivos Catarinenses de Medicina ISSN (impresso) 0004- 2773 ISSN (online) 1806-4280 RELATO DE CASO Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos Heart Disease and motor development in Down syndrome: a case series Andreza Hoepers1, Isabel de Castro Schenkel2, Camila Isabel Santos Schivinski3 Resumo Abstract Considerada a síndrome mais comum na população, a síndrome de Down (SD) é caracterizada por atrasos motores decorrentes da hipotonia muscular generalizada e frouxidão ligamentar. Malformações podem estar associadas, mas são as cardiopatias congênitas (CC) que influenciam diretamente no prognóstico, principalmente no primeiro ano de vida. Sendo assim, o objetivo desse relato de uma série de casos foi de apresentar o desenvolvimento motor de crianças com SD, portadoras e não portadoras de CC. Além disso, comparar os resultados com marcos de desenvolvimento já descritos na literatura e relacionar com aspectos sócio-econômicos. Para isso, participaram 8 crianças, com média de idade de 13,72 meses, sendo 5 sem CC e 3 cardiopatas. As crianças foram submetidas à aplicação da escala Brunet e Lézine para a avaliação do desenvolvimento motor e os pais responderam um questionário referente a dados sócio-econômicos e condições pré, peri e pós-natal. As crianças sem CC apresentaram classificação muito inferior ou inferior, em quase todas as áreas da escala, com exceção de dois casos, que tiveram um desempenho um pouco melhor nas áreas postural, social, óculomotriz e global. Um destes casos apresentou nível normal baixo na área da linguagem e social. No grupo de cardiopatas, um dos casos não apresentou nenhum resultado abaixo de normal médio e uma criança demonstrou um nível acima do muito inferior apenas no item social. Esta série de casos identificou crianças com SD cardiopatas com desenvolvimento motor semelhante ao de crianças sem CC, sendo que fatores sócio-econômicos podem ter influenciado neste resultado. Considered the most common syndrome in the population, Down syndrome (DS) is characterized by motor delays arising from generalized muscle hypotonia and ligament laxity. Malformations may be associated with the syndrome, but congenital heart disease (CHD) are directly influencing the prognosis of patients, especially in the first year of life. Therefore, the purpose of this report a case series was to present the evaluation of motor development in children with DS, suffering and not suffering with CHD. Moreover, comparing the results with developmental milestones already described in the literature and relate to socio-economic aspects. The participants were 8 children, mean age was 13.72 months, and 5 patients without CHD and 3 heart disease. Children were submitted to the scale and Brunet Lezine for the assessment of motor development and the parents answered a questionnaire on the socio-economic conditions and prenatal, perinatal and postnatal periods. Children without CHD had much lower ratings, or less, in almost all areas, except for two cases where, who fared a little better in the areas posture, social, and global óculomotriz. One of these cases had low normal level in the area of language and social. In the group of CHD children, a case has not produced any result below the normal average and one child showed a much lower level above only in the social item. This series of cases identified CHD children with motor development similar to that of DS without CHD, and socioeconomic factors may have influenced this result. Descritores: Síndrome de Down. Cardiopatia. Desenvolvimento. Key-words: Down Syndrome. Development. Cardiac disease. 1. Graduada em Fisioterapia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC. Brasil. 2. Graduada em Fisioterapia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, SC. Brasil. 3. Professora Doutora da disciplina de Estágio Supervisionado em Pediatria do curso de Fisioterapia da UDESC, Florianópolis, SC. Brasil. Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 86 Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos Introdução acompanham a síndrome: cardiopatias, prega palmar única, baixa estatura, atresia duodenal, comprimento reduzido do fêmur e úmero, bexiga pequena e hiperecongênica, ventriculomegalia cerebral, hidronefrose e dismorfismo da face e ombros1. Alterações como braquicefalia; fissuras palpebrais; hipoplasia da região mediana da face; diâmetro fronto-occipital reduzido; pescoço curto; língua protusa e hipotônica; distância aumentada entre o primeiro e o segundo dedo dos pés; crânio achatado, mais largo e comprido; narinas normalmente arrebitadas por falta de desenvolvimentos dos ossos nasais; quinto quirodáctilo muito curto, curvado para dentro e formado com apenas uma articulação; mãos curtas; ouvido simplificado; lóbulo auricular aderente e coração anormal também podem estar presentes1. Embora muitas das malformações citadas possam definir o curso clínico destas crianças, são as cardiopatias congênitas (CC) que influenciam diretamente o prognóstico e a sobrevida delas, sendo a maior causa da morbidade e mortalidade nos primeiros anos de vida8. A maioria das malformações pode ser cirurgicamente corrigida, diminuindo sobremaneira a mortalidade9. As primeiras evidências históricas a respeito da Síndrome de Down (SD) são representadas por esculturas atribuídas à civilizações que viveram no México e em outras localizações da América Central entre 1500 a.C. e 300 d.C. Segundo alguns autores, a utilização de crianças com SD na idade média como “modelos” de figuras angelicais era prática comum entre pintores e escultores1. A SD corre em todas as raças e em ambos os sexos, sendo sua incidência de uma vez a cada 600 nascimentos e mais freqüente quando nas mães com idade mais avançada2, havendo uma relação importante entre a concepção de crianças Down e a idade materna acima de 35 anos. Aos vinte anos o risco é de 1 para 1600, enquanto que aos 35 anos é de 1 para 3703. O diagnóstico é realizado, basicamente, pelo fenótipo do paciente (fácies característica), hipotonia generalizada e retardo no desenvolvimento, sendo confirmado através de realização de cariótipo. Outras alterações mostram-se frequentes, como: tireóide, gastrointestinais, ósseas, oculares e hematológicas4. A hipotonia muscular generalizada e a frouxidão ligamentar, associados à SD, contribuem com a maior parte dos atrasos motores e com os prejuízos músculo-esqueléticos secundários observados nos pacientes5. A incidência estimada de defeitos cardíacos congênitos na SD é de 1: 2 nascidos vivos em contraste com 1: 120 a 1: 140 na população geral. As malformações cardíacas afetam entre 40 e 50% dos casos com SD10,11, enquanto sua prevalência no recém-nascido sem SD varia de 40 a 60%12. Existe uma incidência de CC significativamente superior nas mulheres com SD comparadas aos homens2. Dentre as CC destaca-se o prolapso mitral, defeitos do septo átrio-ventricular, do septo ventricular e do septo atrial, persistência do ducto arterial e tetralogia de Fallot. Sendo, que dos 40% dos pacientes com CC, 43% têm DSAV (defeito do coxim endocárdio); 32% dos casos referem-se à comunicação intraventricular (CIV); em menor escala surgem comunicação interatrial (CIA), persistência do canal arterial (PCA) e Tetralogia de Fallot12. Aproximadamente 30% dos pacientes têm malformações cardíacas severas que obrigam a correção cirúrgica precoce. Devido à elevada incidência de comprometimento cardíaco, preconiza-se que todas as crianças, mesmo as assintomáticas, sejam submetidas a ecocardiograma durante os primeiros seis meses de vida9, considerando que as CC são as causas mais comuns de morte até 1 ano de idade. Isso porque apesar do que se sabe a respeito da prevalência de cardiopatias em bebês com SD, em muitos deles a anormalidade cardíaca não é diagnosticada precocemente. Esse fato se dá por eles não apresentarem cianose, terem ausculta normal e, com isso, não serem submetidos à investigação, o que determina um retardo no diagnóstico e no tratamento11. Felizmente, o advento de exames, como o ultrassom bidimensional e Doppler, facilitou o diagnós- A sequência no desenvolvimento da criança com SD geralmente é bastante semelhante à de crianças sem a síndrome. O que frequentemente difere entre os dois grupos é que na SD as etapas e os grandes marcos são atingidos em um ritmo mais lento6. Outro fato relevante é que, compatível com o retardo no desaparecimento dos reflexos primitivos, está um atraso na aquisição das reações posturais de proteção, retificação e equilíbrio, essenciais ao desenvolvimento do equilíbrio, além de diminuição na velocidade destas reações5. Grande parte da preocupação com o desenvolvimento motor na SD se refere à locomoção, em especial à marcha, devido ao considerável atraso na sua aquisição. Enquanto bebês não portadores de SD, em média, sentam independentemente, ficam em pé sozinhos e andam com 6, 11 e 12 meses de idade, respectivamente, bebês com a síndrome fazem o mesmo com 9, 18 e 19 meses7. Sendo que a média de alcance do andar independente na SD pode variar de 22,3 a 30 meses, em comparação com as crianças não sindrômicas, em que a média é de 11,7 meses3. Além disso, as crianças com prejuízos motores possuem riscos potenciais de desenvolverem problemas secundários, especialmente nas áreas da cognição, comunicação e desenvolvimento psicosocial5. Em muitos casos ocorrem outras manifestações associadas, sendo as principais alterações orgânicas que 87 Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos tico precoce destas condições. O ecocardiograma deve ser realizado em todas as crianças com SD, ainda durante o período neonatal, independentemente de haver ou não suspeita de CC ao exame clínico2. (UDESC). O processo de amostragem foi caracterizado como não-probabilístico do tipo intencional. Considerou-se como critério de inclusão crianças até dois (2) anos de idade, com diagnóstico de SD confirmado por exame clínico e cariótipo. Foram excluídas as crianças com doença neurológica e/ou ortopédica associada à síndrome. Todos os casos incluídos estavam em seguimento médico ambulatorial e participavam de um programa de estimulação precoce na instituição mencionada. Os pais dos participantes foram esclarecidos em relação ao método de avaliação e consentiram com o estudo. Além das CC, dados da literatura comprovam que os portadores da SD podem apresentar anomalias pulmonares estruturais precoces (alterações de microvasculatura pulmonar) seguidas de hipertensão pulmonar que, em vigência de CC com fluxo sanguíneo esquerda-direita, produz maior fluxo intrapulmonar, com piora da hipertensão, evoluindo para hipertensão pulmonar permanente (Síndrome de Eisenmenger), situação esta irreversível13. Parâmetros analisados O diagnóstico de CC deve ser o mais precoce possível, para que se possa programar o tratamento cirúrgico, quando indicado. Além disso, viabiliza o acompanhamento de possíveis atrasos no desenvolvimento e detecção de patologias associadas, permitindo melhor seguimento do curso clínico da doença, o que pode melhorar a sobrevida dos pacientes e diminuir os gastos com internações secundárias a CC14. As crianças selecionadas foram submetidas à aplicação da escala Brunet e Lézine15, por um único e mesmo examinador, no período da manhã, sem terem sido expostas a qualquer tipo de intervenção terapêutica prévia. Para avaliação, as mesmas foram posicionadas em um colchão no chão ou tatame, parcialmente desnudas, para proporcionar liberdade de movimento. Durante o exame, utilizou-se um kit de objetos, sendo: 10 cubos, vermelho vivo, de 2,5cm de aresta; uma xícara de alumínio; uma colher; uma campainha metálica brilhante de 12cm de altura; um chocalho pequeno; um anel de madeira vermelho de 13cm de diâmetro amarrado a uma fita de 25cm; um espelho de 30cm x 25cm; um pano quadrado (tecido não transparente); uma pastilha de 8 mm de diâmetro; um lápis azul (10cm); um bloco de papel de 20cm x 13cm; um frasco de vidro de 9cm de altura com o gargalo de 2cm de diâmetro. Sabendo das potenciais alterações cardiovasculares, pulmonares, comportamentais e de interação com o meio ambiente que as patologias cardíacas desencadeiam na criança, nota-se a importância de se verificar em quais proporções isso acontece, ou seja, o quanto às CC interferem no desenvolvimento motor do lactente com SD. O impacto das CC no desenvolvimento motor de pacientes com essa síndrome tem sido pouco investigado, fazendo-se necessário um estudo com essa abordagem, visto que um melhor entendimento dessa associação de doenças pode facilitar o manejo multiprofissional e o aprimoramento de intervenções terapêuticas na SD. Sendo assim, o objetivo do relato desta série de casos é apresentar a avaliação do desenvolvimento motor de crianças com SD, portadoras e não portadoras de CC e relacionar os resultados com os marcos de desenvolvimento motor normal descritos na literatura. Além disso, associar o grau de desenvolvimento motor com aspectos sociais e econômicos, como renda familiar, escolaridade dos pais, condições de moradia, dentre outros. A escala de desenvolvimento psicomotor da primeira infância Brunet-Lézine15 é composta por 150 itens e avalia crianças de 0 a 30 meses de idade em quatro áreas do desenvolvimento: controle postural e motricidade; linguagem; coordenação óculo-motriz ou conduta de adaptação na visão do objeto; relações sociais e pessoais. Apresenta 10 itens de testagem para cada mês, sendo que os 6 primeiros referem-se a testes posturais, óculo-motores, da linguagem e sociais e, os 4 últimos, são questões sobre o controle postural, a linguagem e a sociabilidade, as quais foram respondidas pelos pais por serem melhor observadas por eles. A classificação dos níveis motores é apresentada na tabela 1. Materiais ou Métodos e Procedimentos: amostra, instrumentos e procedimentos Os primeiros seis itens da avaliação consistem em apresentar à criança os instrumentos que compõem o kit de avaliação e observar suas reações mediante o objeto. Os quatro últimos itens da escala envolvem perguntas, que foram respondidas pelas mães. De posse do número de pontos, realizou-se a conversão dos mesmos em idades de desenvolvimento, para então proceder com o cálculo dos quocientes de desenvolvimento Sujeitos e casuística Este é um estudo descritivo, do tipo série de casos, realizado na Associação dos Portadores da SD e APAE de Florianópolis-SC, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 88 Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos A tabela 3 apresenta a idade de desenvolvimento e a cronológica de cada paciente, de acordo com as áreas avaliadas na escala, sendo os casos 6, 7 e 8 portadores de CC. A tabela 4 apresenta os dados sócio-econômicos de maior relevância para o estudo, obtidos na aplicação do questionário aos pais ou responsáveis17. e encontrar o nível motor (classificação) de cada área (tabela 1). No caso de crianças prematuras, as idades cronológicas foram corrigidas antes do cálculo dos quocientes de cada área. Também foi aplicado aos pais ou responsáveis pela criança um questionário17 para obtenção dos dados sócio-econômicos e das condições pré, peri e pós-natal. Trata-se de um questionário composto por 33 perguntas dispostas em 5 grupos identificados por letras do alfabeto. Tais grupos, em sua ordem de apresentação, englobam: dados de identificação da criança (A), dados físicos dos pais (B), profissão dos pais e renda familiar (C), nível de instrução escolar dos pais (D), condições de moradia (E), condições ligadas à gestação (F), condições ligadas ao nascimento da criança (G), amamentação (H) e, finalmente, visitas ao pediatra durante o primeiro ano de vida da criança (I). Em relação aos outros itens deste questionário, todos os casos apresentaram a mesma resposta em relação à condição de moradia (água encanada, esgoto com fossa e construída de material) e nenhuma das mães referiu ser usuária de drogas. Também afirmaram ter recebido assistência médica mensal durante a gestação da criança e terem comparecido mensalmente ao pediatra no primeiro ano de vida da criança. Relataram que o parto aconteceu no hospital, negaram intercorrência ao nascimento (infecção, problema respiratório e de coração) e que o filho fosse gemelar. Resultados Discussão Foram avaliadas oito crianças, sendo cinco do sexo feminino e três masculinos. Das 8 crianças, 5 não apresentavam nenhum tipo de cardiopatia. A idade média das crianças foi de 13,72 meses, sendo de 15,3 meses no grupo de crianças com CC e de 12,78 para crianças sem doença. A presença e tipo de CC, sexo e idade dos casos estão descritos na tabela 2. Esta série de casos sobre o desenvolvimento motor de crianças com SD, com e sem CC, evidenciou resultados interessantes em relação às suposições referidas na literatura. Além de consideradas comorbidades importantes, sabe-se que as disfunções cardíacas podem ocasionar dispnéia aos mínimos esforços, apatia, hospitalizações frequentes e prolongadas, o que resultam em hipoatividade, imobilismo e relativa restrição às aquisições motoras. Essa situação, em decorrência do quadro cardíaco, pode predispor ao atraso no desenvolvimento motor que, nos casos de crianças com SD, pode ser ainda mais acentuado18. Neste relato, o atraso no desenvolvimento motor esteve presente na maioria das crianças avaliadas e, ao contrário do que se suspeita, não foi mais evidente nas crianças com doença CC. Em relação à pontuação na escala de desenvolvimento motor de Brunet e Lézine, o grupo de crianças sem CC apresentou classificação muito inferior na área postural, com exceção da criança número 2, que atingiu o nível normal médio. No que diz respeito à área óculomotriz, os pacientes apresentaram níveis motores mais variados, conforme tabela 3, sendo que os casos 3 e 5 demonstraram nível muito inferior. Na área da linguagem a maioria dos casos apresentou classificação muito inferior, com exceção da criança 2 (nível inferior) e a 4 (normal médio). O desempenho social das crianças 1 e 5 foi classificado como de nível muito inferior, e os outros casos tiveram um desempenho melhor. Na área global observou-se um desempenho muito inferior nas crianças 3 e 5, inferior nas crianças 1 e 4, e normal baixo no caso 2 (tabela 3). No estudo de Mancini e colaboradores, realizado com 16 crianças, observou-se que o desempenho funcional de crianças com SD é inferior ao de crianças normais. Entretanto, as interações entre patologia e grupo etário revelaram que este desempenho inferior não se mantém constante no contínuo do desenvolvimento6. No corrente relato, o paciente que apresentou maior atraso, tendo comprometida todas as áreas analisadas pela escala de Brunet-Lézigne15, foi o paciente 3, sem CC. Já o paciente que apresentou melhor desempenho foi o paciente 7, portador de CIA e CIV (sem necessidade de intervenção cirúrgica), cujo quociente de desenvolvimento demonstrou níveis semelhantes aos de uma criança não sindrômica. Na avaliação realizada com as 3 crianças com CC, a de número 7 apresentou os melhores resultados, atingindo nível motor normal médio nas áreas postural, óculomotriz, social e global e, na área da linguagem, teve classificação muito superior. O caso número 6 apresentou classificação muito inferior em todas as áreas, assim como a criança 8, que demonstrou um nível acima do muito inferior apenas no item social. No que se refere ao desenvolvimento de habilidades motoras, as evidências revelam que crianças com 89 Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos psicológicas e afetivas) e as condições econômicas, sociais e culturais dessa família20. SD apresentam atraso nas aquisições de marcos motores básicos, indicando que estes marcos emergem em tempo diferenciado (superior) ao de crianças com desenvolvimento normal6. A literatura também apresenta informações sobre o desempenho cognitivo de crianças com SD, indicando que estas apresentam atraso ou retardo mental, que na verdade, é a manifestação de um sintoma desta condição genética19. A baixa escolaridade materna é tida como fator de risco para atraso do desenvolvimento neuropsicomotor associado à qualidade do ambiente13. Porém, neste relato, a escolaridade das mães parece não ter sido determinante para o desenvolvimento motor das crianças. Já a escolaridade paterna, nos casos das crianças cardiopatas, parece ter influenciado positivamente, considerando que as mesmas não apresentaram tanto comprometimento quando comparadas às crianças sem cardiopatia. Também relacionados ao ambiente e condições socioeconômicas, outros aspectos que podem ser atribuídos ao desenvolvimento apresentado pelo cardiopatas seriam: renda familiar e condições de moradia relativamente adequadas. O atraso no tempo para alcançar os marcos motores típicos é especialmente notado no primeiro ano de vida, período este marcado pela aquisição das habilidades motoras básicas, como o rolar, o sentar e o ficar em pé. Em média, lactentes com SD adquirem controle de cabeça dos 3 aos 8 meses, o rolar de prono para supino dos 4 aos 10 meses, o sentar independente dos 6 aos 18 meses, o arrastar dos 7 aos 21 meses, o engatinhar dos 8 aos 25 meses e a marcha independente dos 13 aos 45 meses. Por outro lado, os lactentes típicos comumente adquirem estas mesmas habilidades motoras dos 2 aos 6, dos 4 aos 10, dos 5 aos 9, dos 6 aos 11, dos 7 aos 13, e dos 9 aos 17 meses, respectivamente3. É importante enfatizar que diversos estudos epidemiológicos mostram as vantagens da amamentação e do leite materno para saúde, crescimento e desenvolvimento da criança21. Além disso, a amamentação realizada diretamente no seio é um grande facilitador para o desenvolvimento da musculatura facial da criança, e resulta em uma diminuição de infecções do aparelho respiratório durante o período neonatal22. Baseado na literatura, pode-se incluir na justificativa do maior atraso de desenvolvimento da criança 3, o fato de ser o único da pesquisa que não recebeu aleitamento materno. No presente estudo, a criança 3 apresentou os níveis motores mais baixos, porém, com base na literatura descrita acima, podemos justificar esse atraso a menor idade cronológica de todos os participantes do estudo, pois em média, a criança com SD possui aquisição das posturas mais baixas num tempo mais prolongado. Além disso, o referido caso é filho da mãe mais velha do estudo (48 anos), sugerindo que a mesma não tenha tanta disponibilidade e disposição pra realização de brincadeiras e atividades de estimulação sensório motora. Ainda sobre a idade materna, um ponto que chama atenção é que a média de idade das mães das crianças cardiopatas relatadas é superior a média das mães de crianças sem CC, podendo sugerir uma ligação entre risco de cardiopatia associada à síndrome e idade materna, o que merece maiores investigações. Nessa linha, Granzotti e colaboradores avaliaram 86 crianças com SD e compararam com dados da literatura referentes a fatores de risco para complicações e observaram diferenças significativas na amostragem estudada, principalmente no que se refere à idade materna e aos diferentes tipos de cardiopatias congênitas observadas (Tetralogia de Fallot em 20% dos casos de CIV 55%).10 A prevalência de anomalias cardíacas congênitas nos pacientes com SD é de 40% a 50%3,5,9. Nos últimos anos observou-se uma melhora significativa na expectativa de vida deles, seja pelo diagnóstico precoce ou pelos tratamentos cirúrgicos mais efetivos. Essa realidade exigiu um melhor preparo clínico dos profissionais que cuidam destas crianças, bem como um suporte mais adequado do sistema de saúde3,21. A melhora no atendimento clínico-cirúrgico tem propiciado o aumento na sobrevida23, sendo que cifras de 85% de sobrevivência no primeiro ano de vida e sobrevida maior que 50 anos para 50% dos indivíduos com SD já são referidas2. Esse fato direciona para uma preocupação multidisciplinar cada vez maior com questões relacionadas à qualidade de vida dos portadores de SD e, nessa linha, a atenção para o desenvolvimento motor, na presença ou não de Já com relação a criança que apresentou melhor desenvolvimento motor, o caso de SD portador da cardiopatia mais complexa, suspeitamos que posa ter havido relação entre o nível de estimulação e a gravidade do quadro da criança. Isso porque a complexidade da doença cardíaca pode ter proporcionado maiores cuidados multiprofissionais por parte dos pais e, consequentemente, a mesma possa ter sido mais estimulada que as demais. O processo de crescimento e desenvolvimento infantil é produto de fatores internos e externos. Dentre os externos, merecem destaque os fatores relacionados à qualidade do meio ambiente onde a criança se encontra, incluindo a alimentação, a higiene corporal e ambiental, o cuidado oferecido pela família (condições Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 90 Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos CC, deve ser cada vez mais objeto de estudo. nográficos. RBGO - v. 24, nº 9. 10.Granzotti JA, Paneto ILC, Amaral FTV, Nunes MA (1995). Incidência de cardiopatias congênitas na síndrome de Down. J. Pediatr. (Rio de Janeiro); 71 (1): 28-30. Conclusão As crianças com SD e CC associada apresentaram desenvolvimento motor semelhante ao das crianças sem doença cardíaca, sendo que a escolaridade do pai, a condição financeira regular e as condições de moradia podem ter influenciado neste resultado. Sendo o número de casos muito pequeno, assim não pode haver comparações entre um grupo e outro, mas torna-se um interessante como um estudo descritivo. Diante disso, pesquisas futuras com amostras maiores são necessárias para analisar a influência da presença de cardiopatias no desenvolvimento das crianças com SD, viabilizando estudos comparativos e procotocolos de tratamentos mais específicos. 11.Friedman W, Silverman N. (2003) Cardiopatia Congênita no Lactente e na criança. In: Braunwald D, et. al. Tratado de medicina cardiovascular. 6 ed., vol 2. São Paulo: Roca. 12.Nisli K. (2009) Prevalence of congenital heart defects in patients with Down’s syndrome. J Pediatr (Rio J); 85(5):377-378. 13.Martins MFD, Costa JSD, Saforcada ET, Cunha MDC. (2004) Qualidade do ambiente e fatores associados: um estudo em crianças de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Publica 2004; 20:710-8. 14. Mazzoni JTG, et. al. (2006) Avaliação ultra-sonográfica do osso nasal fetal: evolução das medidas ao longo da gestação. Rev Bras Ginecol Obstet.; 28(3): 151-7 Referências 1. Mustachi Z, Rozone G. (1990) Síndrome de Down: aspectos clínicos e odontológicos. São Paulo: Cid. 15.Brunet O, Lézine I. (1981) Desenvolvimento Psicológico da Primeira Infância. Tradução de Ana Guardiola Brizolara. Porto Alegre: Artes Médicas, 159p. 2. Schartzman JS, e cols. (2003) Síndrome de Down. São Paulo: Mennon. 16.Souza JM. (2003) Avaliação do Desenvolvimento Neuropsicomotor de crianças de 6 a 24 meses matriculadas em creches municipais de Florianópolis/ SC (Dissertação). Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, 87p. 3. Canning, CD, Pueschel SM. (1993) Expectativas de desenvolvimento: visão panorâmica. Síndrome de Down: guia par a pais e educadores. Pueschel, S., 8 ed. Campinas/SP: Papirus. 4. Beherman & Vaughan. Clinical Abnormalities of the Autosomes (1987). In: Nelson Textbook of Pediatrics, 13ª ed. Philadelphia: WB Sanders, pg 256-257. 17.Cunha H L. (2000) Desenvolvimento de crianças atendidas no hospital de pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no primeiro ano de vida: aplicação do Teste de Denver II em ambulatório. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UFSP/EPM. 5. Bertoti DB. (2002) Retardo Mental: foco na síndrome de Down. Cap. 8 in: Tecklin JS. Fisioterapia Pediátrica. 3ª Ed. São Paulo: Armed, P 236-259. 18.Garcias G L, Roth M G M, Mesko GE, Boff T A. (1995) Aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor na síndrome de Down. Rev Bras Neurol; 31:245-248. 6. Mancini CM, Silva CP, Gonçalves CS, Martins MS. (2003) Comparação do desempenho funcional de crianças portadoras de síndrome de Down e crianças com desenvolvimento normal aos 2 e 5 anos de idade. Arq Neuropsiquiatr; 61(2-B):409-415 19.Armond LC, Vasconcelos M, Martins MD. (2002) Crescimento e desenvolvimento infantil. In: Carvalho A, Salles F, Armond L, Guimarães M. Saúde da Criança. Belo Horizonte: Editora UFMG, 19-32. 7. Omairi C. Aquisição da noção de espaço ela criança com síndrome de Down, no atendimento de estimulação precoce (dissertação). (2007) Paraná: Universidade Federal do Paraná, 97p. 20.Garcias G L, Roth MGM, Mesko GE, Boff TA. (1995) Aspectos do desenvolvimento neuropsicomotor na síndrome de Down. Rev Bras Neurol; 31:245-248. 8. Vilas Boas LT, Albernaz EP, Costa RG. Prevalence of congenital heart defects in patients with Down syndrome in the municipality of Pelotas, Brazil. (2009) J Pediatr (Rio J). 85:403-407. 21.Matuhara M A, Naganuma M. (2006). Manual instrucional para aleitamento materno de recém-nascidos pré-termo. Pediatria (São Paulo);28(2)81-90. 22.Bueno S G L, Teruya M K. (2004). Aconselhamento em amamentação e sua prática. Jornal de Pediatria 9. Bunduki V, et. al. (2002) Rastreamento antenatal da síndrome de Down utilizando parâmetros ultra-so- 91 Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 Cardiopatia e desenvolvimento motor na Síndrome de Down: série de casos Tabela 3. Valores do quociente e a idade de desenvolvimento de cada caso obtida através da aplicação da Escala Brunet-Lézine15. - Vol. 80, Nº5(Supl). 21. Halpern R, Figueiras ACM. (2004). Influências ambientais na saúde mental da criança. J Ped;80:104-10. 22.Halpern R, Giugliane ERJ, Victora CG, Barros FC, Horta BL. (2002). Fatores de risco para suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de vida. Rev Child Ped;73:529-39. 23.Nascimento R, Madureira FSV, Agne EJ. (2008) Avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças em Centros de Educação Infantil em Concórdia. Rev. Neurocienc.;16/4: 284-291 23.Pueschel S. et al. (1995) Síndrome de Down: guia para pais e educadores. Campinas: Papirus. 24.Piajet J. (2003) A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar. Tabela 1. Classificação dos níveis motores segundo a Escala de Desenvolvimento Psicomotor da Primeira Infância Brunet-Lézine15. Tabela 4. Dados do questionário sócio-econômico aplicado aos pais ou responsáveis pela criança17 Tabela 2. Características dos pacientes – Presença e tipo de CC, idade cronológica e sexo Endereço para correspondência Camila I. S. Santos - Rua Lauro Linhares 1371, apto 01. Edifício Luiz Gustavo - Bairro Trindade - Florianópolis / SC - CEP: 88036-003 - E-mail: [email protected] Arq Catarin Med. 2013 abr-jun; 42(2): 86-92 92