SOCIEDADE CIVIL “É FUNDAMENTAL QUE OS MÉDICOS DENTISTAS DEEM ATENÇÃO A SI PRÓPRIOS, PARA PODEREM INVESTIR NO OUTRO” A Dra. Elsa Conceição Silva é psicóloga clínica há cerca de 30 anos, contando com uma vasta experiência de casos em que o sorriso é uma peça-chave para a autoestima e regulação emocional O JornalDentistry - Qual a importância de uma dentição saudável, ou de um sorriso bonito, no equilíbrio emocional e mental de um indivíduo? Dra. Elsa Conceição Silva- O equilíbrio emocional, psicológico e mental está relacionado com a regulação emocional. Por vezes somos assaltados por emoções intensas que nos perturbam e não sabemos o que fazer com elas. Estas emoções aparecem e desaparecem. Nesse sentido, podemos afirmar que existe uma regulação emocional. Quando sabemos fazê-la, temos um equilíbrio emocional em que percebemos o que se está a passar connosco, conseguindo lidar com isso e não ficando presos a essas emoções passadas. Podemos, por vezes, ter uma dentição saudável mas não ter os dentes alinhados e um sorriso bonito. Existem pessoas que, embora tenham uma boa dentição, têm grandes espaços entre os dentes e necessitam de intervenções estéticas para que se sintam bem no que diz respeito à sua autoestima. O sorriso torna as pessoas mais confiantes. No meu dia-a-dia observo que existem vários tipos de comunicação, e a analógica também é importante, pois prende-se com expressões faciais, entre outros aspetos. As pessoas que sentem que apresentam problemas de dentição não sorriem de forma aberta, não mostram os dentes, têm sempre algo a esconder, perdendo algum contacto social. Se este tipo de situações forem ultrapassadas e as pessoas tiverem sorrisos bonitos, sem dúvida que no seu desenvolvimento psicoafetivo, que é fundamental para o equilíbrio emocional, as pessoas irão crescer, desenvolver-se e tornar-se adultos mais confiantes neles próprios. A dentição é um aspeto sem dúvida importante, mais do que muitas vezes possamos pensar, e em Portugal começámos há relativamente pouco tempo (duas a três décadas) a olhar mais para isso. Este aspeto é determinante na construção na identidade de uma pessoa, pois o indivíduo sente-se como um todo, e com certeza que o sorriso é fundamental, pois é a forma como interagimos, comunicamos. Com o crescimento e o desenvolvimento é cada vez mais importante que o sorriso seja feito em confiança. É frequente aconselhar uma consulta de medicina dentária aos seus pacientes, no sentido de, ao melhorar a estética do sorriso, potenciar a recuperação da autoestima? Sim, desde há muitos anos. Sobretudo nas áreas das dependências, onde há elevados consumos de drogas, mais precisamente heroína e cocaína, as pessoas ficam com uma dentição completamente comprometida. 8 www.jornaldentistry.pt Quando a própria pessoa, na psicoterapia, nos diz que não se sente à vontade com o seu sorriso, porque lhe faltam dentes, ou porque acha que os dentes são muito escuros, ou têm grandes espaços, eu não faço esse aconselhamento logo nas primeiras sessões. Mas esta questão do sorriso é abordada rapidamente. Há uns anos fiz um trabalho com um médico dentista e, quando começámos a conversar, fiquei mais sensibilizada para estes aspetos. Gostava ainda de salientar que, a nível do Serviço Nacional de Saúde (SNS), devia existir um investimento maior. Tenho o exemplo de uma paciente que não se sentia confortável com o seu sorriso, porque as raízes estavam expostas. Foi a uma consulta e está a fazer uma intervenção, que está quase concluída, e quando falamos ela revela-me o quão contente está desde que colocou o primeiro implante. Contudo, esta senhora tem possibilidades financeiras, como tantas que atendo no consultório. A nível hospitalar, ou em muitos centros de ação social, esta questão é um problema. A saúde oral ainda está muito aquém, a nível do SNS. As pessoas que sentem que apresentam problemas de dentição não sorriem de forma aberta, têm sempre algo a esconder, perdendo algum contacto social Se fizermos um levantamento dos centros de saúde, verificamos que são muito poucos os médicos dentistas que se encontram lá a trabalhar. Muitos hospitais até foram fechando algumas consultas, e estes recursos ficaram muito restritos. E quando existe intervenção ou é para tratar os dentes ou é para extrair. Em tudo o que diga respeito a próteses não há qualquer comparticipação, praticamente. Felizmente, atualmente, vemos jovens médicos dentistas que se organizam para fazer voluntariado e dar resposta a estes casos, mas esta é apenas uma gota de água no oceano. Conheço muitas pessoas que não arranjam emprego porque não têm dentes, e não têm possibilidades económicas para colocarem as próteses. Em pessoas com o rendimento social de inserção não há nada a fazer, e isto gera problemas de saúde, até mesmo em termos de mastigação. Que resultados produz este aconselhamento? Os resultados são imensamente positivos. É muito interessante observar que as pessoas, logo após a primeira consulta, mesmo antes de terem iniciado o tratamento, têm uma motivação muito grande. Atualmente os médicos den- tistas utilizam as novas tecnologias, o que também é muito importante, e questionam os pacientes sobre o motivo de terem os dentes naquele estado, ou o motivo por que ficaram com o rosto de tal forma, mostrando ao paciente como é que ele pode obter determinado efeito. Nesse momento as pessoas sentem que algo está prestes a mudar, e mesmo ainda antes de terem feito algo começam logo a surgir mudanças em termos do seu equilíbrio, autoestima, do contentamento consigo próprio. Percebe-se nitidamente que este aspeto fortalece a pessoa, que mesmo antes de ter iniciado a intervenção já se sente com a intervenção feita, com outro sorriso. Costuma encaminhar os seus pacientes para médicos dentistas de sua confiança? Tenho por hábito enviar pacientes para médicos dentistas nos quais reconheço qualidade e capacidade. Se eu, enquanto psicóloga, estou a enviar os pacientes para o médico dentista, é porque estas pessoas podem apresentar traços depressivos, ou outras vulnerabilidades, e é importante que este profissional, fora das suas capacidades científicas e técnicas, tenha uma boa capacidade de aproximação ao paciente e que consiga perceber as dificuldades das pessoas na forma como estas se relacionam com os outros, por não se assumirem como pessoas felizes, com bem-estar, estruturadas. Os médicos dentistas estão sujeitos diariamente a elevados níveis de stress, a algum isolamento, e têm uma profissão de grande responsabilidade. Qual a importância de manterem o equilíbrio psicológico? Esse é um aspeto importante. Existe algo fundamental: cada pessoa deve ter algum conhecimento de si próprio e daquilo que considera bem-estar e equilíbrio. A regulação emocional e o equilíbrio dependem muito de pessoa para pessoa. É fundamental o médico dentista manter esse equilíbrio, de modo a ajudar a construir a confiança dos seus pacientes. Para uma pessoa, pode significar estar com um grupo de amigos, para outra pode ser ler, praticar desporto, ou mesmo até estar apenas num estado de contemplação. É importante que a pessoa que está sujeita a elevados níveis de stress tenha uma vida com compensação, e que se sinta gratificada pela vida que tem. É, por isso, fundamental que os médicos dentistas se descubram a si próprios, que conheçam aquilo que os equilibra e que tenham uma panóplia de atividades que os façam sentir bem. É fundamental que deem atenção a si próprios, para poderem investir no outro. Acaba por ser um pouco paradoxal, mas a verdade é que quando estamos a fazer um esforço para estar com o nosso paciente ele percebe isso. n Elsa Conceição Silva, psicóloga clínica [email protected]