Íntegra da Carta Econômica

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Carta Econômica
Setembro-08
A Força do Pêndulo.
Os ciclos econômicos são caracterizados pelos seus movimentos pendulares. Durante um período eles
movem-se em uma direção, o processo persiste até o momento em que o equilíbrio se torna insustentável e inicia-se a
reversão. A partir desse instante, o movimento volta a buscar o equilíbrio anterior. Assim, esses ciclos são processos
permanentes de idas e vindas. Contudo, há oportunidades em que a amplitude da volta do pêndulo traz impactos
extremamente negativos e leva ao desequilíbrio. Esta breve digressão é um resumo da análise de risco para a
economia brasileira e que está estreitamente ligada à interrupção do ciclo expansionista da economia internacional e
seus impactos para as contas externas.
Não há dúvidas de que o momento positivo vivenciado pela economia brasileira nos últimos anos foi muito
favorecido por externalidades que melhoraram significativamente os termos de troca do país e permitiram uma súbita
redução na vulnerabilidade externa. Todavia, já estão mais que evidentes os sinais de que essas condições não mais
se sustentam. Além da redução dos preços das commodities, o comércio internacional já aponta uma desaceleração
significativa do crescimento das exportações mundiais, caindo de 13% ao ano em 2007 para hoje uma expansão de
7%. A crise deflagrada no mercado internacional de crédito, gradualmente vem impactando os principais indicadores
de atividade dos países da zona do Euro, no Japão e nos EUA que, por sua vez, respondem por cerca de 50% do PIB
mundial.
Assim, certamente o desaquecimento dos países ricos afetará o desempenho econômico dos emergentes. Nos
últimos meses, o Brasil tem sentido esses efeitos, com a deterioração dos prêmios de risco e a forte queda no mercado
acionário, ainda que a depreciação cambial ainda seja tímida. Para o médio prazo, há o risco de que o
comportamento futuro dos preços e a demanda pelas commodities, que compõem parte expressiva da pauta de
exportações, produza uma piora significativa no desempenho das contas de comércio, que aliás já vêm apresentando
uma deterioração. Por fim, há ainda o temor de que se repitam os cenários de estresse de um passado não tão
distante.
Segundo os números do Banco Central, o saldo nas transações correntes apresentou uma súbita reversão que
justifica a apreensão. O saldo acumulado em 12 meses saiu de um superávit de US$ 1,7 bilhão em dezembro de 2007,
para um déficit de US$ 19,5 bilhões em julho, o que corresponde a 1,41% do PIB. Ao se olhar o saldo das contas, vêse que a inflexão surge como reflexo da queda do saldo positivo na balança comercial, da elevação do déficit na conta
de serviços e da remessa de rendas para o exterior. A queda do saldo comercial é fruto da vigorosa expansão das
importações que, em julho, cresciam a uma taxa anual de 46% ante o crescimento de apenas 23% das exportações. Já
a expressiva remessa de lucros e dividendos surge como a combinação da boa performance das filiais das
multinacionais com a necessidade das empresas enviar recursos para as suas matrizes.
Composição do Saldo em Conta Corrente
(US$ milhões) - acumulado em 12 meses
Saldo
dez-02
jun-03
dez-03
jun-04
dez-04
jun-05
dez-05
jun-06
dez-06
jun-07
dez-07
jul-08
(7.635)
1.355
4.176
7.957
11.677
12.548
13.983
11.505
13.643
13.283
1.713
(19.494)
Balança
Comercial
13.123
20.934
24.794
29.383
33.640
38.302
44.702
44.585
46.456
47.499
40.026
30.758
Rendas
Serviços
(4.957)
(4.547)
(4.930)
(4.528)
(4.677)
(6.409)
(8.309)
(8.950)
(9.639)
(11.462)
(13.052)
(15.671)
(18.191)
(17.725)
(18.552)
(20.119)
(20.521)
(22.681)
(25.968)
(28.040)
(27.480)
(26.967)
(29.290)
(38.497)
Transferências
Unilaterais
2.390
2.694
2.865
3.222
3.235
3.335
3.558
3.910
4.306
4.213
4.029
3.916
Fonte: Banco Central
A análise da evolução do saldo das transações em conta corrente exige atenção não só pela magnitude dessa
mudança, mas principalmente da sustentabilidade dessa trajetória. Após cinco anos consecutivos de saldos positivos,
o retorno dos déficits em conta corrente ainda é visto com naturalidade pelo Banco Central que aponta como
atenuantes o nível historicamente baixo em relação à média de 1,75% do PIB entre os anos de 1947 e 2007 e também
pelo fato de que os mesmos serem inferiores aos apresentados pelas economias emergentes com classificação de risco
Este documento foi preparado pela Assessoria Econômica da ABBC, com finalidade única de prestar informações ao mercado. Esse trabalho reflete a opinião
pessoal, não devendo ser interpretado como oferta ou solicitação de oferta para comprar ou vender quaisquer títulos e valores mobiliários ou produtos e
instrumentos financeiros. É vedada a reprodução, distribuição ou publicação deste material, integral ou parcialmente.
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semelhante ao Brasil. A autoridade monetária sublinha que, até então, o saldo negativo tem sido facilmente
financiado por um forte ingresso de recursos do exterior.
Saldo em Transações Correntes
País
Standard&Poors
Saldo das TC/PIB
África do Sul
BBB+
-8,8%
Croácia
BBB
-8,6%
Romênia
BBB-8,5%
Hungria
BBB+
-3,5%
Índia
BBB-1,5%
Brasil
BBB-1,3%
Peru
BBB-1,1%
México
BBB+
-0,1%
Tailândia
BBB+
3,6%
Rússia
BBB+
5,9%
Média
-2,4%
Fonte: Banco Central-Relatório Focus
O otimismo com a economia brasileira tem atraído somas expressivas de investimentos estrangeiros diretos
e, por causa da taxa de juros interna elevada, em investimento em carteira, principalmente os de renda fixa. Assim, a
conjugação desse ambiente favorável tem proporcionado a manutenção do superávit do mercado de câmbio, o
acúmulo de reservas internacionais e uma melhoria na composição do passivo externo, ainda que haja déficits nas
transações em conta corrente. A questão que fica é até que ponto essa situação seguirá confortável?
A identidade contábil macroeconômica ajuda a interpretação dessa dinâmica. Segundo a mesma, os déficits
em conta corrente representam um maior volume das importações em relação ao das exportações de bens e serviços,
ou refletem um excesso de demanda sobre a oferta agregada, ou ainda mostram que o consumo (público e privado) e
o investimento superam a poupança interna. Assim, os déficits externos preencheriam esse hiato e a poupança externa
seria utilizada para financiar o consumo e os investimentos. Assim, dada a relativa estabilidade da poupança
nacional e o crescimento da renda em ritmo inferior ao do consumo, os atuais déficits em conta corrente têm tido um
papel fundamental na viabilização da expansão dos investimentos em um ritmo de 14,8% ao ano.
Nessa linha, se mantidos os ritmos de crescimento do consumo privado e dos investimentos em uma
velocidade superior ao da expansão do produto interno bruto e na ausência de uma redução significativa do consumo
público, é natural que haja uma continuidade dos saldos negativos em conta corrente. A sustentabilidade dependeria
do controle da evolução dos componentes da demanda agregada que seria feito através do instrumento taxa de juros.
Dessa forma, essa argumentação baseada em uma identidade contábil não atribui papel relevante para a taxa de
câmbio na determinação na demanda agregada e no saldo das transações em conta corrente.
Estudos econométricos realizados pelo Banco Central apontam a demanda doméstica como o fator mais
importante para a determinação do volume das importações, o que corroboraria a hipótese acima. Para as
exportações, as simulações indicam que as vendas externas responderiam preponderantemente ao ritmo de
crescimento mundial do comércio. Os modelos, também, apontam uma correlação positiva entre crescimento
econômico e os pagamentos de juros da dívida externa e negativa com as remessas de lucros e dividendos, dado que
as empresas tendem a reinvestir no país os ganhos obtidos. É bom lembrar, no que tange a essas últimas, a evidência
recente é contraditória.
Assim, se verdadeiros esses pressupostos, o atual ciclo de aumento da taxa de juros vai reduzir a demanda
interna, combater a pressão inflacionária e, paralelamente, permitir que o déficit em conta corrente se acomode em
uma trajetória sustentável, ainda que o aumento do diferencial entre as taxas de juros interna e a externa possa
manter atrativas as operações de arbitragem. Mas será que se pode desprezar por completo o papel da taxa de
câmbio no comportamento das contas correntes e na demanda agregada? Não teria o nível da taxa de câmbio
influência nos gastos privados com consumo, no investimento privado e, consequentemente, sobre a poupança
nacional?
Se não responde cientificamente a questão, o gráfico abaixo aponta indícios na relação entre a evolução da
poupança nacional e a taxa de câmbio real. Nele pode-se perceber uma correlação negativa entre ambas. Em 2002, a
taxa de câmbio apresentou uma forte depreciação, como isso a taxa real de salários caiu e da mesma forma a
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demanda agregada. Como conseqüência, em 2003, a poupança interna elevou-se fortemente. Esse processo sugere o
teste da hipótese de que uma taxa de câmbio depreciada pode levar a um aumento da poupança interna. Já a partir de
2006, a poupança praticamente manteve-se estável, a despeito da apreciação cambial, do aumento dos salários reais
e do consumo. Assim se realmente for verdadeiro que o câmbio desvalorizado aumenta o nível da poupança, mas no
curto prazo, ele também implicará na contenção das demandas salariais, o que torna politicamente inglória a tarefa.
Poupança Nacional x Taxa de Câmbio Real
Fonte: IBGE/MCM Consultores Associados
20%
190
19%
18%
170
17%
150
16%
130
15%
14%
110
13%
90
12%
70
11%
10%
50
2000.I
2001.I
2002.I
2003.I
2004.I
Poupança Acumulada em 4 trim (% PIB)
2005.I
2006.I
2007.I
2008.I
T axa de Câmbio Real-média trim
De volta para as contas de comércio e desagregando as exportações brasileiras entre produtos básicos e
manufaturados, já se pode constatar uma mudança importante no comportamento das exportações. O quantum das
vendas externas das duas categorias de bens vem apresentando um fraco desempenho. Em julho, no acumulado dos
dozes meses, os produtos básicos apresentavam uma taxa de crescimento de 2,4% ao ano, enquanto os manufaturados
exibiam uma queda de 0,1%. Na mesma base comparativa, o preço dos produtos básicos exportados pelo Brasil,
aumentou 53% e o preço dos produtos manufaturados 18%. Isso torna clara a importância do aumento dos preços do
mercado externo nos saldos positivos da balança comercial.
Colocados a inexorabilidade do ajuste da economia internacional, o papel da taxa de câmbio e o quadro das
contas de comércio, como a economia brasileira poderia ser impactada com a crise dos países ricos? Certamente, os
efeitos dependerão da força com que o pêndulo voltará a buscar o equilíbrio. É cada vez mais clara a possibilidade de
que haja um desaquecimento considerável nas principais economias com impacto significativo no volume de comércio
e no fluxo de capitais.
Apesar de que até o momento os efeitos ainda não se fazem totalmente percebidos, não parece provável que
haja um descolamento entre os países riscos e emergentes. Particularmente para o Brasil, o que deverá ocorrer é uma
defasagem entre os ciclos. Felizmente, por causa da menor vulnerabilidade externa, espera-se um amortecimento da
amplitude do impacto. Desse modo, parece neste momento improvável a repetição do padrão das crises mais
recentes.
Todavia, a contração no comércio internacional e nos preços das commodities que compõem a pauta de
exportação refletirão em uma piora no desempenho da balança comercial e na redução do fluxo de capitais o que
tenderá a depreciar o real que será reajustado conforme a percepção que os agentes econômicos tenham da
sustentabilidade da trajetória das transações correntes. A melhor composição do passivo externo, o acúmulo de
cerca de US$ 200 bilhões em reservas cambiais e até o efeito positivo da desvalorização cambial sobre as contas
públicas contribuem para conferir um certo grau de tranqüilidade.
Ainda que se espere que o caminho para o equilíbrio não seja turbulento, muito provavelmente a nova
situação implicará em um menor dinamismo para a atividade econômica. Exigirá uma taxa de câmbio depreciada, a
queda nos salários reais e um aperto monetário para reduzir a demanda. O grau dessa perda de dinamismo variará
conforme o comportamento do real e do grau de resposta da política monetária à evolução da inflação, que por sua
vez dependerá do efeito líquido da depreciação do câmbio em relação à queda nos preços das commodities.
Setembro/2008
Everton P.S. Gonçalves
Assessor Econômico da ABBC e Dr em Economia pela FGV/SP - [email protected]
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