Estudo atribui ao “azar genético” dois terços dos casos de câncer

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Estudo atribui ao “azar genético” dois terços dos casos de câncer
Apesar de evidências, especialistas ressaltam a importância da prevenção e da detecção
precoce
Foto: Reprodução / Reprodução
Um pesquisador renomado, uma revista científica de ponta e uma afirmação atemorizante. A
combinação ocorreu quando a Science publicou um estudo assinado pelo americano Bert
Vogelstein, uma das reputações mais firmes no ramo da investigação do câncer, com a
conclusão de que dois terços dos casos da doença em adultos teriam como causa a pura falta
de sorte. Não seria possível evitá-los pela adoção dos hábitos saudáveis recomendados por
médicos.
De 30% a 60% dos casos de câncer poderiam ser evitados com uma boa alimentação
O artigo teve imensa repercussão e semeou dúvidas sobre se faria mesmo sentido praticar
exercícios, encher o prato de verduras, evitar contato com certos químicos e abster-se do
álcool na esperança de prevenir tumores. Entre especialistas, a perplexidade por parte dos
leigos chamou tanta atenção quanto o estudo em si.
– O artigo não surpreende nem um pouco quem trabalha na área. Já se tem uma ideia disso há
muito tempo. Fiquei surpreso com a repercussão, porque mostrou que algo não está claro na
cabeça das pessoas – observa Bernardo Garicochea, diretor de ensino e pesquisa do centro de
oncologia do Hospital Sírio-Libanês.
Mesmo cientes do papel do acaso, os profissionais não abrem mão de ressaltar a importância
da prevenção. Pesquisas bem fundamentadas mostram que há uma série de outros
desencadeadores do câncer. Ao cigarro, à dieta e ao álcool, somam-se vírus, poluição e
radiação entre os fatores que comprovadamente alteram a probabilidade de desenvolver a
doença. E todos eles podem ser contornados, reduzindo o risco.
Cálculo bate com dados anteriores
Se o estudo de Vogelstein diz que dois terços dos tumores ocorreriam de forma aleatória,
ainda sobraria um terço que não seria casual. Essa proporção não é muito diferente das que já
se divulgavam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) situa a partir da casa dos 30% a parcela
que seria possível prevenir. Em 2010, um relatório da União Internacional contra o Câncer
calculou em 40% os tumores com potencial de ser evitados.
O certo é que o estudo de Vogelstein não tem caráter definitivo no que diz respeito a aquilatar
o peso do acaso e de fatores ambientais e genéticos na gênese da doença. Para começar,
foram analisados apenas 31 tipos de câncer – próstata e mama, dois dos mais comuns, não
foram estudados. E houve no meio científico uma série de questionamentos e críticas com
relação ao modelo matemático usado, a fatores importantes que deixaram de ser levados em
conta e às interpretações feitas no estudo.
Gilberto Schwartsmann, chefe do serviço de oncologia do Hospital de Clínicas, sugere cautela:
– O artigo de Vogelstein não tem nada de sensacionalista. É cuidadoso e comprova uma
observação que a gente já fazia. Mas é muito cedo para fazer afirmações bombásticas. Aprendi
que é muito difícil um estudo único, feito numa população pequena, explicar tudo de uma
doença tão heterogênea. Essas informações vão acabar se acomodando com as que a gente já
têm. O conceito a reter é que o câncer é um conjunto muito grande de doenças, com muitos
fatores causadores. Uns têm a ver com a genética, outros têm a ver com o ambiente e alguns
têm a ver com o próprio tecido. Seria um desserviço se agora alguém concluísse que não se vai
mais fazer nada de prevenção e detecção precoce, que câncer é só destino. Não é assim.
Coautor do estudo, o biomatemático italiano Cristian Tomasetti também afirma que a
prevenção segue sendo essencial:
– Mudar nosso estilo de vida ainda representa uma ajuda enorme para evitar certos tipos de
câncer.
Mais divisões celulares, mais tumores
Quanto mais as células-tronco de um tecido do corpo humano se dividem, maior a chance de
aparecimento de câncer nesse tecido. Essa é a espinha dorsal do estudo de Bert Vogelstein e
Cristian Tomasetti, da Johns Hopkins University (EUA), que ajuda a compreender por que
alguns órgãos têm mais tumores do que outros.
Vários tecidos do organismo dispõem de células-tronco com capacidade de replicar-se. O
processo garante que células mortas sejam substituídas. A cada cópia, no entanto, existe o
risco de mutações aleatórias no DNA. O acúmulo dessas mutações em determinados genes
pode originar o câncer. Dependendo do tecido, há mais ou menos células-tronco.
Vogelstein e Tomasetti coletaram informações sobre a quantidade de duplicações, ao longo da
vida, para 31 diferentes tecidos. Com ajuda de um modelo matemático, compararam esses
dados com a incidência de câncer nos mesmos tecidos, entre os americanos. Constataram que,
quanto mais duplicações e mutações aleatórias ocorrem em um órgão, mais tumores ele terá.
Os pesquisadores observaram também que em alguns tecidos aparecem mais cânceres do que
seria previsto, se fosse levada em conta apenas a quantidade de mutações aleatórias.
Concluíram que nesses tumores, além do acaso, há outros fatores desencadeando a doença.
Com base nesses dados, os pesquisadores dividiram os tumores em dois tipos: os que são
causados preponderantemente por mutações aleatórias e os que, além das mutações, são
causados também por hábitos de vida ou defeitos genéticos (veja no gráfico abaixo).
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