UM OLHAR SOBRE A CERÂMICA DA FORTALEZA DE NOSSA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
UM OLHAR SOBRE A CERÂMICA DA FORTALEZA DE
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
LUCIENE ROSSI
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
APRESENTADO PARA A OBTENÇÃO DO
TÍTULO DE BACHAREL EM
HISTÓRIA,
CENTRO
DE
FILOSOFIA
E
CIÊNCIAS
HUMANAS, UFSC.
ORIENTADORA: DRA. TERESA D. FOSSARI COORIENTADORA: Me. MARIA MADALENA VELHO
DO AMARAL.
Florianópolis/SC, junho de 2008.
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
UM OLHAR SOBRE A CERÂMICA DA FORTALEZA DE NOSSA
SENHORA DA CONCEIÇÃO
LUCIENE ROSSI
Trabalho de Conclusão do Curso de História da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito parcial para a obtenção do diploma de graduação em
História. Aprovado pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
___________________________________
Dra. Teresa Domitila Fossari
___________________________________
Dr. Paulo Pinheiro Machado
___________________________________
Me. Cristina Castellano
2
AGRADECIMENTOS
O desenvolvimento desta pesquisa foi acompanhado por pessoas que
merecem meus sinceros agradecimentos.
Agradeço à Orientadora, Dra. Tereza Domitila Fossari, pelo acolhimento,
confiança, paciência e pelo tempo empreendido nesta pesquisa.
À Co-orientadora Me. Maria Madalena Velho do Amaral, por ter me iniciado
na Arqueologia Histórica, por dispor do material utilizado e pelos conselhos relativos
a este trabalho.
A todos os funcionários do Museu Universitário pelo apoio e por permitirem a
utilização do espaço, materiais e o auxílio.
Ao Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado por toda atenção dispensada.
À Cristina Castellano por aceitar prontamente ao convite.
Ao Professor Dr. Valmir Francisco Muraro, por nos fazer pensar durante
todo o curso.
E finalmente, ao meu marido Wilson, meu filho Cauã, pelo carinho e
compreensão, aos meus irmãos Denis e Tatiana por todo o auxílio, meus sogros
Sheyla e Wilson pelo estímulo, e principalmente aos meus pais, Deolinda e
Antônio que tornaram esse sonho possível.
3
No passado, podiam-se acusar os
historiadores de querer conhecer somente
as ‘gestas dos reis’. Hoje, é claro, não é
assim. Cada vez mais se interessam pelo
que seus predecessores haviam ocultado,
deixando de lado ou simplesmente
ignorado. ‘Quem construiu Tebas das sete
portas?’ – perguntava o ‘leitor operário’ de
Brecht.
As fontes não nos contam nada
daqueles pedreiros anônimos, mas a
pergunta conserva todo seu peso.
Carlo Ginzburg
4
Resumo
Esta monografia trata de uma análise realizada no material cerâmico coletado,
através de pesquisas arqueológicas, na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição.
Não utilizamos todas as cerâmicas coletadas, mas uma em particular, a cerâmica de
barro cozido de fabricação local. Desta cerâmica foram trabalhadas apenas aquelas
com decoração, produzidas por técnicas manuais e por meio de torno oleiro.
Tivemos então, por objetivo, verificar se houve ou não uma continuidade nos
padrões decorativos, nessas cerâmicas, depois da implantação do torno de oleiro
pelos açorianos. Buscamos, desse modo, dar um novo enfoque ao estudo da
cerâmica que teria sido utilizada pela população que habitou a Fortaleza de Nossa
Senhora da Conceição. Deste modo, tentando contribuir tanto para o
aprofundamento do estudo cerâmico no período colonial, em áreas do litoral de
Santa Catarina, como colaborar com a produção de uma História Catarinense.
Palavras-chave: História, Arqueologia, Fortaleza e Cerâmica
Abstract
This monograph has as objective to show an accomplished analyze made in the
ceramic material collected, through archeological researches, in Fortaleza de Nossa
Senhora da Conceição. Not all ceramic was used, but one in matter, the mud cooked
ceramic from a local production. Among these ceramic just the ones with decoration,
were selected, they were composed for pieces produced by manual techniques and
through lathe potter. We had then, for objective, verify if there was or no continuity in
the ornamental, patterns, after the implantation of potter's lathe for the Azoreans. We
looked for, this way, to give a new focus to the ceramic study that would have been
used by the population that inhabited Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição,
trying to contribute deeper as such into in the colonial period for the ceramic study, in
areas of Santa Catarina coast, as to collaborate with the production for the
Catarinense history.
Word-key: History, Archeology, Fortaleza and Ceramic
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................09
1BRASIL, REGIÃO SUL, FORTALEZAS E GRUPOS ÉTNICOS..............................13
1.1 Contextualizando o século XVIII........................................................................13
1.2 O que havia para proteger no Sul do país?.......................................................16
1.3
A
Fortaleza
de
Nossa
Senhora
da
Conceição22..................................................22
1.4 As etnias presentes no litoral de Santa Catarina no período Colonial............27
2 HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA.................................................................................33
2.1História e Cultura Material.................................................................................33
2.2
Aspectos
envolvidos
no
estudo
da
cerâmica...................................................Erro! Indicador não definido.37
3 A PESQUISA ARQUEOLÓGICA NA FORTALEZA DE NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO.............................................................................................................40
3.1 A pesquisa arqueológica em campo...............................................................40
3.2 A pesquisa arqueológica em laboratório.........................................................41
4 A PRODUÇÃO DA CERÂMICA COLETADA NA FORTALEZA DE NOSSA
SENHORA
DA
CONCEIÇÃO:
POSSÍVEIS
ORIGENS
E
A
TRADIÇÃO
NEOBRASILEIRA.......................................................................................................43
4.1 Etapas percorridas para a análise da cerâmica................................................47
4.2 Análise do material cerâmico e outras possibilidades......................................48
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................59
REFERÊNCIAS..........................................................................................................60
ANEXOS.....................................................................................................................68
6
Índice de Figuras
Figura 1: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição................. 50
Figura 2: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição................. 50
Figura 3: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição................. 51
Figura 4: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição................. 52
Figura 5: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição................. 52
Figura 6: cerâmicas de sítio pré-colonial Guarani............................................. 55
Figura 7: cerâmicas de sítio pré-colonial Guarani............................................. 55
Figura 8: cerâmica de sítio pré-colonial de falantes Bantu ............................... 56
Figura 9: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição................. 56
Figura 10: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição............... 56
Figura 11: cerâmica de sítio pré-colonial de falantes Bantu ............................. 57
Figura 12: cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição............... 57
7
Índice de Anexos
Figura 1: Mapa com localização das Fortalezas ...............................................68
Figura 2: Fotografias da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição...............69
Figura 3: Mapa de localização do Complexo Militar de Fortalezas....................70
8
INTRODUÇÃO
No município de Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, foi
construído no século XVIII um Complexo Militar1 de quatro Fortalezas2. Essa
estrutura militar tinha o objetivo de proteger a Ilha de Santa Catarina, considerada
um importante ponto de apoio de onde “[...] poderiam sair reforços de toda ordem,
necessário à conservação do domínio [...]”3 português.
Hoje, essas construções integram o Patrimônio Histórico Nacional e são os
principais pontos de atração turístico-cultural da grande Florianópolis. Desde a
restauração elas são visitadas anualmente por mais de 200 mil pessoas4.
O projeto de restauração dessas fortalezas esteve inserido em um projeto
maior “Fortalezas da Ilha de Santa Catarina – 250 anos na História Brasileira” que foi
desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o apoio
financeiro do Banco do Brasil. Este projeto também previu pesquisas arqueológicas,
pela equipe do Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral (MU/UFSC) 5, com o
objetivo de orientar as restaurações e, principalmente, produzir conhecimento sobre
os ocupantes das fortalezas, enquanto desempenharam sua função militar.
A pesquisa arqueológica da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, em
especial, proporcionou, à equipe de seis estudantes6 do curso de graduação em
História, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um aprendizado
prático sobre as várias etapas dos trabalhos arqueológicos, desde a coleta de
dados, através das escavações, até o manuseio em laboratório dos materiais
encontrados.
À medida que desenvolvíamos as pesquisas em campo fomos percebendo a
diversidade de evidências materiais, através dos fragmentos de vidraria, cerâmicas,
1
Ver Anexo – Figura 1
Esse complexo defensivo é composto pela: Fortaleza de Santa Cruz (1739), Fortaleza de São José
da Ponta Grossa (1740), Fortaleza de Santo Antonio (1740), na Barra Norte. E na Barra Sul foi
construído somente a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição (1742).
3
CABRAL, Oswaldo R. As defesas da Ilha de Santa Catarina no Brasil-colônia. [S.I.]: Conselho
Federal de Cultura, 1972. p.11
4
PROJETO Fortalezas Multimídia. Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba.
Disponível em: <fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=aracatuba>. Acesso em:
15 out. 2007a.
5
Além da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição o MU/UFSC pesquisou arqueologicamente a
Fortaleza de Santa Cruz e a Fortaleza de São José.
6
Equipe da qual fiz parte, executando trabalhos em campo e laboratório.
2
9
botões, cachimbos, etc. - indícios de um cotidiano vivido pelos sujeitos que ali
habitaram.
Mas, eram as cerâmicas mais rústicas com decoração que nos chamava a
atenção. Estamos aqui nos referindo à decoração plástica feita por incisões e não
por pintura. Fomos observando que entre as peças decoradas, alguns padrões se
diferenciavam das decorações aplicadas na cerâmica de influência açoriana e
naquelas coletadas em sítios pré-coloniais. Desta maneira, nossa observação estava
em um tipo específico de cerâmica de origem não identificada naquele momento.
Começamos a nos perguntar então: quem teria confeccionado aquela
cerâmica, até então, desconhecida? Nas demais Fortalezas, foram encontradas,
evidências desse tipo de produção cerâmica7, algumas delas interpretadas como de
influência indígena8. Acrescente-se ainda que, provavelmente, no período colonial, a
produção cerâmica também teria influência dos contingentes africanos9, presentes
em todas as regiões do Brasil. Enquanto que a introdução do torno no litoral de
Santa Catarina, no século XVIII,10 é remetida aos açorianos.
Terminadas as pesquisas em campo em 2001, a equipe deu início as
pesquisas em laboratório, os materiais foram separados em artefatos11 e não
artefatos12. Os artefatos foram ainda agrupados de acordo com a indústria: lítica,
cerâmica, vidraria e outras.
Mesmo depois de concluídas as pesquisas de laboratório, a cerâmica
decorada continuava a nos intrigar, conversando com a arqueóloga Maria Madalena
Velho do Amaral e com colegas de equipe sobre o assunto. Elegemos esse material
como objeto de estudo, para esta pesquisa de conclusão de curso.
Conversando com a orientadora desta monografia, arqueóloga Teresa
Domitila Fossari, sobre as cerâmicas decoradas provenientes da Fortaleza de Nossa
7
Estamos nos referindo apenas a cerâmica que poderia ter sido fabricada na região, ou seja, uma
cerâmica de fabricação mais grosseira, não aquela vinda da Europa, comumente conhecida como
louça branca e porcelana.
8
Esta interpretação foi feita através de uma comunicação pessoal, pelo professor Arno Kern. Apud:
FOSSARI, Tereza Domitila (Coord.). A pesquisa arqueológica do sítio histórico São José da Ponta
Grossa. Anais do Museu de Antropologia, Florianópolis, nº 19, 1992. p.45.
9
JACOBUS, André. Resgate arqueológico e histórico do registro de Viamão: Guarda Velha,
Santo Antônio da Patrulha–RS. Dissertação (Mestrado em História)–Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 1997.
10
PIAZZA, Walter Fernando. A cerâmica popular catarinense. Boletim da Comissão Catarinense de
Folclore. Florianópolis, n. 11, mar. 1952.
11
Artefato são objetos materiais portáteis ou imóveis fabricados e/ou usados pelo homem.
12
Os não artefatos são considerados ecofatos, que correspondem aos materiais orgânicos ou
inorgânicos, cuja presença no sítio pode representar frações de elementos da paisagem coletados e
utilizados, como recursos alimentares.
10
Senhora da Conceição, surgiu a problemática: tentar confirmar ou descartar a
hipótese de uma possível continuidade nos padrões decorativos, aplicados nas
cerâmicas produzidas por técnica manuais e através do torno oleiro,
no litoral
catarinense.
Neste estudo, acreditamos ser válida a associação dos aspectos tecnológicos
ao estilo decorativo, na classificação da cerâmica decorada, para possibilitar dessa
forma, uma análise mais aprofundada sobre as técnicas utilizadas pelos
grupos/indivíduos que a confeccionaram.
Seria possível ainda, a título de observação, tentar perceber se alguma
decoração presente na cerâmica da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição se
assemelha às decorações de cerâmicas produzidas por grupos: indígenas, africano
ou luso. Grupos estes que, por estarem presentes na Ilha de Santa Catarina no
século XVIII, provavelmente, seriam os produtores dos artefatos cerâmicos.
Buscamos assim, dar um novo enfoque a análise da cerâmica, que teria sido
utilizada pela população que habitou a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição,
tentando contribuir para o aprofundamento de estudos de materiais cerâmicos do
período colonial, particularmente em áreas do litoral de Santa Catarina.
Colaborando, conseqüentemente, com a História Catarinense.
Para esta monografia, tratamos a cerâmica como um “[...] testemunho vital de
uma época, de um projeto de vida, de um arranjo cultural [...]”
13
. Neste sentido, ao
invés de buscarmos fundamentos somente em fontes documentais, utilizamos
também a fonte material, que é a cerâmica arqueológica coletada na Fortaleza de
Nossa Senhora da Conceição.
Esses artefatos foram utilizados, então, como fontes históricas e como campo
de fenômenos históricos14, que além das informações sobre sua materialidade,
também fornecem informações de natureza relacional, ou seja, “[...] sua carga de
significação refere-se sempre, em última instância, às formas de organização da
sociedade que a produziu.”15
Este trabalho encontra-se dividido em quatro capítulos. O Capítulo 1
contextualiza o período estudado, os acontecimentos políticos, econômicos e
13
FOSSARI, Tereza Domitila (Coord.). A pesquisa arqueológica do sítio histórico São José da Ponta
Grossa. Anais do Museu de Antropologia, Florianópolis, nº 19, 1992. P. 41.
14
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História da USP, São Paulo, n. 115, 1983. p. 107.
15
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História da USP, São Paulo, n. 115, 1983. p. 107.
11
culturais do século XVIII, no Brasil, que vieram a contribuir para o início do período
militar catarinense. Traz com um histórico sobre a Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição, sítio arqueológico16 onde coletamos a cerâmica estudada.
Apresenta um panorama geral dos grupos étnicos presentes naquele
momento em Desterro17, com o intuito de levantar, nos capítulos seguintes, os
possíveis produtores das cerâmicas que foram encontradas naquela Fortaleza.
O Capítulo 2 faz uma breve descrição sobre a evolução no estudo e análise
histórica com relação às fontes utilizadas, mostra também, uma definição de cultura
material e Arqueologia Colonial. E, ainda, considerando que, da cultura material, o
enfoque do trabalho é a cerâmica arqueológica, procura traçar algumas linhas para
esclarecer aspectos das variáveis que contam num estudo deste porte.
Esclarecimentos esses que se fazem necessários por se tratar de uma monografia
realizada no Departamento de História da UFSC.
O Capítulo 3 apresenta uma descrição resumida das etapas referentes à
pesquisa arqueológica realizada na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição,
dentre elas, a pesquisa de campo e de laboratório tendo em vista elucidar tais
processos.
O Capítulo 4, foco central desta pesquisa, traz o estudo e análise da
cerâmica decorada, coletada no sítio arqueológico da Fortaleza de Nossa Senhora
da Conceição, além de levantar algumas questões, a título de prospecção, sobre os
possíveis grupos étnicos que a produziram e a inserção, de alguns artefatos
cerâmicos da Fortaleza, como sendo de Tradição Neobrasileira.
16
Um sítio histórico é um espaço de concentração de vestígios arqueológicos. Apud: MENESES,
Ulpiano Bezerra. Identidade cultural e Arqueologia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 20, 1984. p. 34
17
Desterro foi o nome da Ilha de Santa Catarina até 1894, modificado posteriormente para
Florianópolis.
12
1 Brasil, Região Sul e Fortalezas
Tentar perceber os acontecimentos do século XVIII se faz necessário à
medida que este é o contexto em que se inseriram e funcionaram as fortalezas,
essas que integravam o complexo militar da costa catarinense. É interessante aqui
apresentar um histórico da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, o sítio
arqueológico onde foram coletadas as cerâmicas estudadas nesta monografia,
tentando ainda, perceber em bibliografia e documentos,
que populações
compunham o contingente étnico em Desterro no mesmo período.
1.1 Contextualizando o século XVIII
No final do século XVII e início do XVIII mudanças políticas, econômicas e
culturais aconteceram, simultaneamente ou conseqüentemente, em todas as partes
do país. A diminuição dos lucros com o açúcar, a descoberta de minas de ouro e
diamante, as disputas por limites territoriais.
Essa nova conjuntura não diz respeito somente ao Brasil, enquanto Colônia,
todas essas mudanças, aliadas à crise econômica pela qual Portugal estava
passando causaram uma transformação na Península Ibérica e na Europa. A
Inglaterra e a França, por exemplo, aparecem como novas potências mundiais,
deixando Portugal e Espanha “[...] como estrelas de segunda grandeza.” 18.
Depois da Restauração de 1640, a base econômica de Portugal foi além da
produção de vinho, atividade bem desenvolvida em algumas regiões, criando um
novo esquema de organização produtiva, na mais importante atividade fabril da
época: o lanifício19. A “[...] novidade [se dava na] organização das tecelagens em
manufaturas [...] visando garantir o consumo e ampliação do mercado.”
20
. Esta
atividade teve a garantia de se inserir no mercado europeu através de seus produtos
de baixo preço, pois o fabrico português era muito mais barato do que o inglês21.
18
NOVAIS. Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 5. ed.
São Paulo: Hucitec, 1989. p. 27.
19
MACEDO, Jorge Borges de. Problemas de História da indústria portuguesa no século XVIII.
Lisboa: Impresso pela Associação Industrial Portuguesa, 1963.
20
MACEDO, Jorge Borges de. Op. Cit. p.32. Grifo do autor
21
MACEDO, Jorge Borges de. Op. Cit.
13
As ampliações dos mercados lusitanos iam de encontro aos interesses da
expansão britânica.
22
Os ingleses não viam a possibilidade de vender seus tecidos
em Portugal, sem facilitar a venda de vinho português na Inglaterra, então John
Metheuen, em 1703, disse aos ministros portugueses “[...] vistam as nossas
fazendas e nós beberemos o vosso vinho.” 23.
Apesar do Tratado de Metheuen satisfazer os grupos dominantes, a produção
e a manufatura sofreram “[...] uma estagnação generalizada em todos os ramos de
atividade técnica industrial portuguesa, reflexo particular de uma situação em que o
Tratado, a inquisição e o absolutismo seriam os parâmetros explicativos mais
valiosos.” 24.
A posição das colônias, no quadro de equilíbrio das potências, “[...] vai
adquirir importância crescente para assumir, enfim no século XVIII, o papel de
elemento
primordial
deflagrador
das
hostilidades
e
consagrador
das
preponderâncias.” 25.
E como “[...] fundamento para o capitalismo em acelerada ascensão, ficava
comprovado [...] que uma economia colonial estaria sempre associada à
transferência de renda do interior para o exterior.” 26.
Quanto ao Brasil, Portugal colhia as vantagens da aliança inglesa, pois no
Norte fixava-se o Oiapoque como limite com as Guianas Francesas e a França
abandonava suas pretensões de navegação do Amazonas27. Apesar de tais
acontecimentos terem sido benéficos a Portugal, sua preocupação estava na crise
do cultivo de açúcar, pois perdera o monopólio da produção e também seus maiores
consumidores28.
Com a diminuição do comércio e do lucro com o açúcar, a situação se
agravara com o aumento do preço dos escravos, no mercado, e a carência de
moedas29 contribuindo para que Portugal oferecesse várias recompensas aos
22
SODRÉ, Nelson Werneck. Evolução social do Brasil. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1988.
MACEDO, Jorge Borges de. Problemas de História da indústria portuguesa no século XVIII.
Lisboa: Impresso pela Associação Industrial Portuguesa, 1963. p. 45.
24
MACEDO, Jorge Borges de. Op. Cit. Pg.63
25
NOVAIS. Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 5. ed.
São Paulo: Hucitec, 1989. p. 32.
26
SODRÉ, Nelson Werneck. Evolução social do Brasil. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1988. p. 44.
27
NOVAIS, Fernando. Op. Cit.
28
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit.
29
BARRETO, Maria Laura; GALVANI NETO, Rodolfo; GAMBARINI, Adriano. O ouro de Mina. São
Paulo: Fotoinverso, 2001.
23
14
bandeirantes que descobrissem metais preciosos no Brasil. As primeiras minas do
Brasil central foram descobertas na última década do século XVII, em 1693 e 169430.
“Pode-se afirmar que, [...] a agitação geral tornou-se tão grande em Portugal
que, muitas vezes, os navios eram insuficientes para o transporte da multidão
‘aurissedenta’ em demanda das possessões do além-mar.” 31
Portugal fazia então o comércio triangular: navios saiam de Lisboa para a
África, carregados de manufaturas, bebidas, tabaco e armas para serem trocados
por escravos negros, transportados depois para a costa brasileira. As frotas saiam
do Rio de Janeiro com ouro, prata, pedras preciosas e couro; da Bahia com açúcar,
tabaco, Pau-brasil e de Pernambuco com as madeiras, retornando a Portugal. 32.
Em meio a essa revolução econômica houve uma série de conflitos sociais
que geraram diversas revoltas, como: a rebelião maranhense de Beckman, a Guerra
dos Emboabas, a Guerra dos Mascates, a Inconfidência Mineira e a Inconfidência
Baiana33.
Na região das minas de ouro, houve a Guerra dos Emboabas, entre os
bandeirantes (descobridores dos veios de metal precioso) e todo o restante da
população que se dirigiu a essa região depois da divulgação da notícia da
descoberta. Os bandeirantes perderam essa guerra civil e se dividiram, alguns
seguindo em busca de novas minas, que foram encontradas em Cuiabá34, Goiás,
Ceará e Bahia35, outros foram em busca do gado vacum na região, hoje, do Rio
Grande do Sul.
A mineração proporcionara à Colônia as prévias transformações à autonomia,
com o desenvolvimento demográfico, a ocupação e povoamento de novas regiões, o
surgimento das comunicações internas e a circulação terrestre36. Mas também
trouxe outros resultados, como a exploração sub-humana do trabalhador, as
doenças e a fome da população colonial que “[...] vivera num crônico estado de
subnutrição”37, pois os mineiros e as fazendas de cana-de-açúcar desprezavam o
30
PILLETI, Nelson.História do Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
BARRETO, Maria Laura; GALVANI NETO, Rodolfo; GAMBARINI, Adriano. O ouro de Mina. São
Paulo: Fotoinverso, 2001. p. 32. Grifo do autor.
32
PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no Brasil Colonial. Campinas: Ed. da Unicamp,
1986.
33
SODRÉ, Nelson Werneck. Evolução social do Brasil. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1988.
34
HOLANDA, Sérgio Buarque. Monções. São Paulo: Brasiliense, 2000.
35
BARRETO, Maria Laura. Op. Cit.
36
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit.
37
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: Colônia e Império. 13. ed. São Paulo:
Brasiliense. 1991. p. 43.
31
15
cultivo de gêneros alimentícios. A “[...] região sofreu epidemias de fome em plena
prosperidade.” 38
Apesar de esses trabalhadores passarem por tantas necessidades, um
imenso comércio se fez com a criação de bovinos, que eram enviados justamente
para a região das minas de ouro. Alguns fazendeiros da região nordeste do país,
não se dedicavam nem ao cultivo da cana-de-açúcar, nem do tabaco, mas à
pecuária. Essas criações de bovinos iriam alimentar o início da indústria da
mineração, porém suas reservas não foram suficientes e tampouco sua situação
geográfica ajudou a tal função39.
A grande procura de gado, na região das minas, e a expulsão dos paulistas
das mesmas fizeram com que eles se voltassem para o Sul do Brasil, onde havia
milhões de cabeças errantes nos pampas, que ali estavam desde o fim das missões
dos jesuítas, dizimadas no século XVII. O comércio e a criação de bovinos nessa
região tornaram-se lucrativo. Foi em função da grande necessidade de
abastecimento de carne, no Brasil, que a região sul foi incorporada à economia
Colonial.40
O objetivo da política portuguesa, até o fim da era colonial, foi de absorver os
gêneros coloniais necessários ao comércio metropolitano e vender o excedente com
grandes lucros, nos mercados europeus. Tal objetivo foi alcançado, embora para
isso tenha mantido o Brasil sob um rigoroso regime de restrições econômicas e
opressão administrativa, abafando a maior parte das possibilidades do país 41.
1.2 O que havia para proteger no Sul do país?
Como apontado acima, o século XVIII foi um momento de muitas mudanças,
tanto para o Brasil como para Portugal. No entanto, alguns historiadores42, acreditam
que foram dois os principais fatores que, simultaneamente, culminaram para a
construção das Fortalezas em Santa Catarina: a disputa pela região do extremo Sul
38
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra,
1979. p. 65.
39
SIMONSEN, Roberto. C. História econômica do Brasil (1500-1820). 3º ed. São Paulo: Companhia
Editorial Nacional, [19-?]. p.186.
40
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Nova História de Santa Catarina. 5. ed. rev. Florianópolis: Ed.
UFSC, 2004.
41
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: Colônia e Império. 13. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1991.
42
Como Maria Luiza Bertulini Queiroz.
16
brasileiro - que era fornecedora de produtos para o mercado colonial - e a corrida
pelo ouro.
A região, que hoje corresponde ao Rio Grande do Sul, era um território de
interesse aos planos lusitanos por causa da prata, dos produtos para exportação (o
couro e a erva-mate) e da carne - que era levada até as minas, na região central do
Brasil. Então o receio de uma invasão à região Sul teria seu fundamento, pois
Portugal perderia o território, os recursos alimentares - que bem ou mal sustentavam
principalmente a região mineradora e também, os produtos coloniais de exportação.
O couro que era um desses produtos de exportação era bastante explorado.
Entre 1698 e 1703, Portugal carregou 52 barcos com couro, fundeados no porto de
Sacramento e a Inglaterra, entre 1726 e 1729, através da South Sean Company
comprou trezentos mil couros para serem comercializados na Europa43. Em fins do
século XVIII a Enciclopédia de Artes e Manufaturas, publicada na França, trazia no
Tomo III em Quadros Gerais das Artes e Ofícios, todos os procedimentos
relacionados com o preparo e uso das peles e couro44.
As vacarias eram repletas de gado vacum de onde vinha o couro, a carne em
pé e a carne seca. Além das tropas de mulas que eram levadas para as feiras de
São Paulo. Essas rotas de ligação do sul em direção ao sudeste do país foram
abertas em demanda de territórios abundantes em riquezas 45. Eram caminhadas de
meses e em muitas das paragens surgiram cidades como Ponta Grossa,
Curitibanos, Curitiba, Lages e Guarapuava 46.
Muitos aventureiros espanhóis e portugueses utilizavam estas estradas desde
longa data, mas “[...] os brancos nada fizeram além de acompanhar uma
antiqüíssima estrada de índios que comunicava as nações guaranis do Paraguai e
as do litoral Atlântico.” 47.
A “[...] expansão das atividades da Colônia [portuguesa tomou] rumos
inaceitáveis para os espanhóis, com a dilatação das estâncias e o aumento
43
PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no Brasil Colonial. Campinas: Ed. da Unicamp,
1986.
44
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil (1500-1820). 3. ed. São Paulo: Companhia
Editorial Nacional, [19-?].
45
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: Colônia e Império. 13. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1991.
46
SANTOS, Silvio Coelho dos. Nova historia de Santa Catarina. 4. ed. rev. e ampl. Florianópolis:
Terceiro Milênio, 1998.
47
PRADO JÚNIOR, Caio. Op. Cit. P. 146.
17
considerável de seus rebanhos [...]”
48
. Assim a pressão espanhola aumentou em
relação às fronteiras do Prata, pois Portugal garantiu seu domínio pelas
campanhas49 e a inserção da região do extremo Sul, na sua economia colonial.
As lutas entre as duas Coroas Ibéricas tornaram-se crescentes e no início do
século XVIII, Portugal foi levado a fazer uma reavaliação de sua estrutura militar em
terras brasileiras50, diante dos acontecimentos anteriores de ocupação do nordeste
brasileiro pelos holandeses em 1630 – 1654, dos ataques franceses ao Rio de
Janeiro, em 1710 e 1711 e da “[...] evidência de que, no sul do país, dificilmente se
teria meios de obstar um ataque estrangeiro efetivo, por terra ou mar.” 51
A Metrópole então “[...] centrou seus esforços bélicos nas áreas de circulação,
preocupando-se em assegurar as condições de escoamento dos produtos coloniais,
defendendo as costas brasileiras contra as investidas provenientes dos oceanos.” 52
De Portugal foi enviado ao Brasil, o engenheiro militar português, Brigadeiro
José da Silva Paes, no ano de 173553 com projetos de fortificar o Rio de Janeiro e
Santos, locais onde ficavam os principais portos de escoamento dos produtos de
exportação brasileiro para Portugal.
Em 1737, foi enviado ao sul, onde, criou o primeiro povoado oficial da região:
São Pedro do Rio Grande, além da Estância Real de Bojuru54 e erigiu um sistema
defensivo implantando o “Forte de São Miguel, o Forte de Jesus-Maria-José, no
porto [...] e no Estreito [...] uma fortificação que se estendia da Lagoa dos Patos até
o Saco da Mangueira [...].” 55
As disputas por essa região tiveram início no século XVIII. Em 1715, com o
Tratado de Utrecht, começou uma longa série de tratados diplomáticos entre
Portugal e Espanha pela posse de territórios e definição de limites na região do
48
QUEIROZ, Maria Luiza Bertulini. A Vila do Rio Grande de São Pedro (1737-1822). Rio Grande do
Sul: FURB, 1987. p. 37.
49
Tendo a definição de campanha como um nome genérico dado à região pastoril de planícies na
região sul do Brasil.
50
PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no Brasil Colonial. Campinas: Ed. da Unicamp.
1986.
51
QUEIROZ, Maria Luiza Bertulini. Apud: CESAR, Guilhermino. Antecedentes da fundação do Rio
Grande do Sul. Separata da Revista de História. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 1970. p. 08.
52
PEREGALLI, Enrique. Op. Cit. p. 64.
53
AHU. Núcleo Rio de Janeiro. Caixa nº49, doc. 63. Apud: PIAZZA, Walter Fernando. Um “iluminado”
oitocentista: José da Silva Pais. Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, Rio
Grande, ano 4, v. 1/2, jan./dez. 1983. p.75.
54
PIAZZA, Walter Fernando. Op. Cit. P. 77.
55
QUEIROZ, Maria Luiza Bertulini. Op. Cit. p. 50.
18
Prata. Neste primeiro tratado a Espanha reconheceu a Colônia do Sacramento como
propriedade Portuguesa.
Em 1750 foi assinado o Tratado de Madri que anulava o Tratado de
Tordesilhas e a posse da terra caberia a quem a estivesse ocupando, naquele
momento. Portugal renunciou à Colônia do Sacramento em troca dos Sete Povos
das Missões, em terras do atual Rio Grande do Sul, mas, devido à revolta na região
das Missões, pela população que ali vivia, em 1761 anulou-se o Tratado de Madri.
Assim, os Sete Povos das Missões continuou sendo espanhol e a Colônia do
Sacramento permanecendo portuguesa. 56
As tropas espanholas invadiram, em 1777, a Colônia do Sacramento, a Ilha
de Santa Catarina e as regiões do Rio Grande do Sul. Logo depois, em 1778, foi
assinado o Tratado de Santo Ildefonso, pelo qual Portugal ficou com a ilha de Santa
Catarina e quase todo o Rio Grande e a Espanha com Sacramento e os Sete Povos
das Missões57.
E finalmente em 1801 foi assinado o Tratado de Badajós, onde a Espanha
renunciou à posse desse território em favor de Portugal58. Pois, mesmo com o
Tratado de Santo Ildefonso, os portugueses permaneceram no território dos Sete
Povos das Missões.
Concomitantemente a essas disputa territoriais, o aumento na produção de
ouro e diamantes finalmente determinou Portugal “[...] a pôr um pouco de ordem em
sua colônia, ordem mantida com artifícios, pela tirania dos que se interessavam em
ter mobilizado todas as forças econômicas do país para lhe desfrutarem, sem maior
trabalho, os benefícios [...].”59
A crescente lucratividade do principal produto de interesse lusitano, o ouro,
pode justificar, a princípio, a corrida militar no Brasil Meridional. Von Eschwege,
mineralogista alemão contratado por Portugal, elaborou cálculos baseado apenas
nas arrecadações do quinto, no intuito de quantificar a produção aurífera em Minas
Gerais de 1700 a 1820:
56
PILLETI, Nelson. História do Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
SIMONSEN, Roberto. C. História econômica do Brasil (1500-1820). 3. ed. São Paulo: Companhia
Editorial Nacional, [19-?]
58
PILETTI Nelson. Op. Cit.
59
HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. 13. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979. p. 69.
57
19
De 1700 a 1713....................13 arrobas e 53 marcos
De 1714 a 1725....................312 arrobas e 32 marcos
De 1725 a 1735....................500arrobas
De 1735 a 1751....................2.049 arrobas e 59 marcos
60
De 1751 a 1820....................4.255 arrobas e 18 marcos
A tabela demonstra que as datas de construção de todos os fortes da região
sul, combinam com o período de maior extração e envio do ouro brasileiro a
Portugal.
Em 1721, “o conselho Ultramarino alerta a Coroa sobre o perigo da presença,
cada vez mais constantes, de navios estrangeiros nas costas desguarnecidas [do
Brasil], sobretudo a partir das notícias de descoberta de ouro na Capitania de São
Paulo.” 61
Com relação à Ilha de Santa Catarina, havia o alerta de que:
Espanhóis, franceses, ingleses, russos aqui se reabasteciam, prosseguindo
a sua derrota para o Rio da Prata ou para os mares do Sul. Explica-se a
interação do aportamento pela sua posição geográfica [...] Santa Catarina,
paralela ao continente, abria passagem, quase sem precisar mudar o rumo
(....). Essa excepcional situação tornou a ilha [...] um dos pontos conhecidos
62
e cobiçados pelos espanhóis [...] devido a seus domínios platinos.
Esse porto de reabastecimento também era utilizado por Portugal, no século
XVIII, pois da Ilha poderiam enviar reforços às tropas lusitanas63 no sul do país.
Como foi, por exemplo, utilizado por Dias Velho, primeiro povoador de Desterro, com
“[...] o intento de ‘preparar terreno’ para Manoel Lobo lançar os fundamentos da
Colônia do Sacramento, no estuário do Prata”64.
No ano de 1738 Silva Paes, engenheiro militar português, que se encontrava
no extremo sul do Brasil, recebeu ordens para que fosse à Ilha de Santa Catarina e
fizesse uma fortificação65. E em 1739 ele assumiu o governo de Santa Catarina66,
concretizando o plano militar português de dominação efetiva do território brasileiro.
Essa medida, de guarnecer a região catarinense, pode ter sido resposta à
soma de dois fatores: a preocupação com os portos da Ilha de Santa Catarina e
60
LIMA JÚNIOR, Augusto de. A capitânia das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed.
da USP, 1978. p. 48.
61
QUEIROZ, Maria Luiza Bertulini. A Vila do Rio Grande de São Pedro (1737-1822). Rio Grande do
Sul: FURB. 1987. p. 30.
62
PEREIRA, Carlos da Costa. Santa Catarina. Revista de propaganda do Estado e dos
Municípios. Florianópolis. Ano 1, n. 1, 1939. p. 09.
63
CABRAL, Oswaldo R. As defesas da Ilha de Santa Catarina no Brasil-colônia. [S.l.]: Conselho
Federal de Cultura, 1972.
64
TAUNAY, Afonso. Apud: PEREIRA, Carlos da costa. Op. Cit. P. 11.
65
PIAZZA, Walter Fernando. O Brigadeiro Jose da Silva Paes: estruturador do Brasil meridional.
Florianópolis: Ed. da UFSC; Rio Grande do Sul: Ed. da FURG, 1988.
66
PEREIRA, Carlos da costa. Op. Cit.
20
Continente próximo, e, como já vimos, o receio de uma invasão à região sul
brasileira, fatores que, entre outros, levariam os invasores direto para ao interior do
Brasil, através das rotas dos tropeiros.
No entanto, podemos supor ainda um terceiro fator para que Portugal tivesse
tido interesse de proteger o entorno da Ilha de Santa Catarina: a especulação de
uma possível existência de ouro na região catarinense. As informações sobre a
existência de ouro nessas terras são registradas em documentos os mais diversos.
Um deles mostra que, em 1711, o capitão Miguel Dias, que morava na
Enseada de Garoupas, passou para São Francisco “[...] por se haverem acabado as
minas onde em algum tempo se tirava bastante ouro.” 67 Mas ele tinha notícia de que
no Rio Itajaí “[...] se supunha haver muito ouro e grandiosas minas se se buscassem
pelas disposições de terras e ribeiros que havia [...].” 68
Por volta de 1720 chega à região da Ilha de Santa Catarina Francisco Pires
Medeiros, filho do primeiro povoador enviado a Desterro - Dias Velho, alegando “[...]
que viera com ânimo de fazer algumas diligências para descobrir o ouro, que seus
irmãos, já finados, ainda em vida de seu pai acharão [sic]69 nos Mattos da terra
firme, em lugar que elle pouca notícia tinha [...].”70.
No ano de 1740 uma esquadra britânica passou por Santa Catarina e seu
comandante George Anson, deixou o seguinte registro:
Os mesmos motivos que levaram o rei de Portugal a subjugar os paulistas,
[logo que se soube que a região paulista era abundante em ouro]
produziram-se também na Ilha de Santa Catarina, [...] porque o governo do
Rio Grande nos contou que existem nas vizinhanças desta ilha rios
consideráveis, que continham grandes riquezas, e que era por isto que
havia sido enviado um Governador de ação no métier da guerra, com uma
71
guarnição e que se havia fundado uma nova Colônia.
Quanto à existência de ouro e prata, a Câmara Municipal da Cidade de
Desterro, em oficio de 25 de setembro de 182972, dirigido ao Governador da
Província esclarecia dizendo: “[...] que no sertão do rio Itajahi tirara ouro de muito
boa qualidade [...] e que as terras do rio Tijucas-Grande são ouríferas; que no sertão
67
Anais da Biblioteca Nacional, vol. [ilegível]. Apud: PEREIRA, Carlos da Costa. Santa Catarina.
Revista de propaganda do Estado e dos Municípios. Florianópolis. Ano 1 n. 1 1939.P. 12.
68
PEREIRA, Carlos da Costa. Santa Catarina. Revista de propaganda do Estado e dos
Municípios, Florianópolis. Ano 1, n. 1, 1939. p. 12.
69
Optamos pela grafia original do documento.
70
COELHO, Manoel Joaquim D’Almeida. Memória Histórica da Província de Santa Catharina.
Typografia Desterrense de J. J. Lopes, 1856. p.13.
71
ANSON, George. Capítulo III. In: HARO, Martim Afonso Palma de (Org.). Ilha de Santa Catarina:
relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. 4. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1996. p.69.
72
Em nota o autor coloca que é provável que essa prata tenha sido encontrada no ano de 1789,
apesar de o ofício datar de 1829
21
da Villa de São José [...] tirara prata que fizera fundir nesta cidade.”
73
. Ainda para a
região de Itajaí é citado que “[...] nas vizinhanças do Rio Itajahi existe o mais
precioso dos metais, o ouro.” 74
Além do mais precioso dos metais, o ouro, também poderia ser encontrado
em diversos lugares da Capitania de Santa Catarina o mais necessário de todos os
metais, o ferro75. Assim como o chumbo, o cobre, ametistas, carvão, pedras de
amolar, cristais de rocha76 e também argilas de diferentes cores e qualidades77.
Ao destacar relatos sobre a presença de ouro na região de Santa Catarina,
aparentemente sem comprovação, nossa preocupação se atém à ‘existência da
idéia’ de que havia ouro no local e na repercussão que essa notícia teve em outras
localidades, ou mesmo em Portugal e não houve de nossa parte, em nenhum
momento, a intenção de constatar a veracidade desse fato, até porque estaríamos
fugindo do foco de nosso trabalho.
1.3 A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição
A intenção de Portugal não era de proteger somente a região platina, mas
todo o Brasil meridional, construindo fortificações no Rio de Janeiro, Santos, Rio
Grande do Sul e Desterro.
Em 24 de maio de 1738, foi determinado em carta pela Coroa Portuguesa,
que Silva Paes fizesse na Ilha de Santa Catarina, uma fortificação “[...] qual ele
entender [sic] ser capaz [de atender] a guarnição, artilharia, armas e mais
apetrechos de guerra [...] para que não suceda que o nosso descuido [sic] faça
despertar a ambição de alguma nação que pretenda ocupar a dita Ilha”78.
E em 7 de maio de 1739 Silva Paes assumiu o governo de Santa Catarina,
organizando a administração civil e militar, “[...] criando um batalhão de artilheirosfuzileiros [...] promovendo a construção da casa do governador e da igreja matriz.”79.
73
COELHO, Manoel Joaquim D’Almeida. Memória Histórica da Província de Santa Catharina.
Typografia Desterrense de J. J. Lopes, 1856. p.50.
74
BRITO, Paulo Joze Miguel. Memória política sobre a Capitania de Santa Catarina. Rio de
Janeiro: Typografia da Academia Real das Sciencias, 1829. p. 57.
75
BRITO, Paulo Joze Miguel de. Op. Cit.
76
COELHO, Manoel Joaquim d’Almeida. Op. Cit.
77
BRITO, Paulo Joze Miguel de. Op. Cit. e COELHO, Manoel Joaquim d’Almeida. Op. Cit.
78
AHU. Núcleo SP doc. º 1105. Apud: PIAZZA, Walter Fernando. O Brigadeiro Jose da Silva Paes:
estruturador do Brasil meridional. Florianópolis: Ed. da UFSC; Rio Grande do Sul : Ed. da FURG,
1988. p. 126.
79
PEREIRA, Carlos da Costa. Santa Catarina. Revista de propaganda do Estado e dos
Municípios, Florianópolis. Ano 1 n. 1 1939. P. 122.
22
Nesse mesmo ano Silva Paes iniciou a construção da Fortaleza de Santa
Cruz, a primeira das quatro fortificações do complexo militar que ele projetou. Essas
fortalezas situam-se, três no canal da Baia Norte, formando um triângulo defensivo e
a última no canal da Barra Sul.
O triângulo era formado pela Fortaleza de Santa Cruz na Ilha de Anhatomirim,
construída entre os anos de 1739 e 1741; Fortaleza de Santo Antônio na Ilha de
Ratones Grande com início de sua construção em 1740, findada em 1744; Fortaleza
de São José localizada no Morro da Ponta Grossa, com a mesma data de inicio e
término da anterior. Na Baía Sul a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, foi
erguida na Ilha de Araçatuba e a sua construção teve início no ano de 174280 e foi
findada em 1744.
A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, foco de nossas pesquisas,
recebeu esse nome em homenagem à Conceição da Santa Virgem81. É também
conhecida por outros nomes: Fortaleza da Barra Sul, Fortaleza dos Naufragados,
Fortaleza de Nossa Senhora da Encarnação82 e Forte de Araçatuba - este por
determinação ministerial de 28 de agosto de 189483.
A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição84 na Ilha de Araçatuba, está
localizada na entrada do canal da Barra Sul, entre o Pontal de Araçatuba e as ilhas
dos Papagaios, no Município de Palhoça (continente) e a Ponta dos Naufragados,
no extremo Sul da Ilha de Santa Catarina.
80
Existe uma contradição entre os autores sobre a data de início da construção da Fortaleza de
Nossa Senhora da Conceição. Segundo BRITO, Paulo Joze Miguel. Memória política sobre a
Capitania de Santa Catarina. p. 22 e CABRAL, Oswaldo R. As defesas da Ilha de Santa Catarina
no Brasil-colônia. p. 41, o ano de construção foi 1742. No entanto, o mesmo autor, CABRAL,
Oswaldo R. História de Santa Catarina. p. 60 e PIAZZA, Walter Fernado. O Brigadeiro Jose da
Silva Paes. p. 130, apontam a data de 1741.
81
VIEIRA, Eurípedes Falcão. Os Fortes de Silva Pais. Revista do Departamento de
Biblioteconomia e História, Rio Grande do Sul, ano 1, v. 1, jul./dez. 1978.
82
CABRAL, Oswaldo R. As defesas da Ilha de Santa Catarina no Brasil-colônia. [S.l.]: Conselho
Federal de Cultura, 1972.
83
CALDAS, Candido. História Militar da Ilha de Santa Catarina. Notas/Candido Caldas.
Florianópolis: Lunardeli, 1992.
84
Utilizamos, para esta monografia, o nome originalmente dado por Silva Paes. Assim como foi feito
para toda a pesquisa arqueológica. Apud: AMARAL, Maria Madalena Velho do. A pesquisa
Arqueológica na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba: Município de
Palhoça/SC. Palhoça, 2003. Relatório de Pesquisa.
23
A Ilha de Araçatuba está sujeita a fortes correntes marítimas85, o que causa
rebentação do mar em seus rochedos, dificultando, assim, o desembarque nessa
Ilha. Tal dificuldade vem sendo sentida desde o século XVIII:
O porto é péssimo e só a canoa dá entrada em tempo bom, o que raras
vezes acontece, havendo para isso um prático seguro. Por ser lavada pelo
mar, não tem outras águas senão as de duas nascentes salobras, o que se
86
remediaria, fazendo-lhe uma boa cisterna.
O trapiche ainda não havia sido construído em 1837, mas constava no
orçamento feito para essa Fortaleza pelo Engenheiro Sepúlveda Everad, e enviado
ao Presidente da Província, “[...] há a necessidade da construção de um trapiche de
pedra seca, pois esta abunda na ilha.” 87
Durante os 267 anos de sua existência, a Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição foi recebendo novas construções até formar seu conjunto atual 88.
Também sofreu duas reformas em 1780 e 185089.
Segundo a iconografia de 1760 da Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição, percebe-se que havia a Bateria Principal, a Casa do Comandante, o
Quartel da Tropa, o Paiol da Pólvora, a Fonte de Água e outras duas construções –
que, por sua localização, podem ser a Casa do Ajudante e Quartéis90.
Em um levantamento feito em 1786 aparecem duas novas construções: um
novo Paiol da Pólvora e o Armazém da Praia. Provavelmente tais acréscimos
tenham sido feitos na reforma de 178091 pela qual passou a Fortaleza.
Uma documentação de 1837 fala da necessidade de reparos nas muralhas e
nos edifícios da Fortaleza de Nossa senhora da Conceição e que o Quartel do
Destacamento deveria ser dividido em dois pequenos quartos.92
Em 1850 o conjunto de edificações dessa Fortaleza se compunha das
seguintes construções: Casa da Guarda, Quartel do Almoxarifado (que incluía a
85
AMARAL, Maria Madalena Velho do. A pesquisa Arqueológica na Fortaleza de Nossa Senhora
da Conceição de Araçatuba: Município de Palhoça/SC. Palhoça, 2003. Relatório de Pesquisa.
86
Monsenhor Pizarro. Apud CABRAL. Oswaldo Rodrigues. As defesas da Ilha de santa Catarina no
Brasil-Meridional. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 45.
87
ARQUIVO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Relatórios dos Engenheiros ao Presidente da
Província, 1837.
88
AMARAL, Maria Madalena Velho. Op. Cit.
89
SOUZA, Sara Regina Silveira de. As fortificações catarinenses: Notas para uma revisão histórica.
Florianópolis: Ed. UFSC. 1991.
90
AMARAL, Maria Madalena Velho. Op. Cit
91
PROJETO Fortalezas Multimídia. Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba.
Disponível em: <fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=aracatuba>. Acesso em:
15 out. 2007a.
92
ARQUIVO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Relatório do engenheiro Sepúlvida Everard ao
Presidente da província, 1837.
24
Casa do Comandante e do Ajudante, contíguo ao Quartel da Guarnição), uma
Bateria Principal e uma Bateria que defendia o porto93.
No final do século XIX os edifícios se encontravam já bastante arruinados,
conforme relatório de 189994. E, atualmente, as ruínas da Fortaleza contam com
nove edificações: o Novo e o Antigo Paiol da Pólvora, Quartel da Tropa, Casa do
comandante, Casa da Palamenta, Casa dos Moços I e II, Casa da Guarda, Armazém
da Praia, duas Baterias, Fonte d’Água e Cisterna95.
As fortalezas catarinenses, de um modo geral, apresentam a mesma
linguagem plástica arquitetônica entre elas, refletindo inspirações do Renascimento,
tanto nas soluções arquitetônicas – como os pórticos de entrada, as escadarias, os
volumes e na modulação das aberturas96 - quanto nas técnicas construtivas. Os
projetos levaram em conta as condições topográficas de cada fortificação, para que
se ajustassem em promontórios rochosos, sopés de montanhas ou rasos cabos,
junto à foz dos rios97.
No caso da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição um detalhe em seu
projeto original se destaca, a bateria principal de canhões tem formato circular98 e
situa-se em um pequeno platô na posição mais elevada do conjunto.
Verificando que a Fortaleza fica no meio do canal, acreditamos que o
formato circular e sua localização na parte mais elevada da Ilha proporcionariam
uma visão de 360° aos soldados que estivessem na bateria principal de canhões.
A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, destinada a proteger a
entrada da Baía Sul da Ilha de Santa Catarina contra possíveis invasores
estrangeiros, teve atuação marcante durante a invasão espanhola em 1777, na
Revolução Farroupilha e na Revolução Federalista.
Em 1839, apesar de sua tropa ter capitulado perante uma corveta da
esquadra espanhola, eles se rebelaram, quando, após a tomada de Laguna, os
93
Segundo relatório dos Engenheiros ao Presidente da Província. Apud: SOUZA, Sara Regina
Silveira de. As fortificações catarinenses. Notas para uma revisão histórica. Florianópolis: Ed.
UFSC, 1991.
94
PROJETO Fortalezas Multimídia. Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba.
Em: <fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=aracatuba>. Acesso em: 15 out.
2007a.
95
Ver Anexo- Figura 3.
96
VEIGA, Eliane Veras da. As fortificações catarinenses no Brasil colonial: introdução ao seu
estudo. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988.
97
FOSSARI, Tereza Domitila (Coord.). A pesquisa arqueológica do sítio histórico São José da Ponta
Grossa. Anais do Museu de Antropologia, Florianópolis, n. 19, 1992.
98
Ver anexo – figura 3
25
farroupilhas seguiram em perseguição às tropas imperiais que haviam se retirado de
Laguna. Os insurgentes avançaram ao norte e só foram detidos na planície do rio
Massiambú, porque o Morro dos Cavalos proporcionava um bom entrincheiramento
às forças imperiais que detiveram o avanço dos farrapos99.
No intervalo de tempo em que a frente de batalha se estabilizou nesse local
alguns praças da guarnição da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição se
rebelaram contra seu comandante e se juntaram às forças farroupilhas estacionadas
na planície do rio Massiambú.100
Os maus tratamentos, as injúrias continuadamente lançadas contra os
Brasileiros pelo Comandante da Fortaleza do Sul contra nós, de comprimir
despertaram no coração do virtuoso soldado José Pinto Ribeiro a nobre ira
de um verdadeiro filho da terra de Santa Cruz possuído dela assentou no
silêncio o seu projeto, e previa a fé do secreto, o comunicou depois ao seu
Sargento; ambos juraram imolar-se para Pátria, e Deus abençoou a
generosa conjura.
A noite do dia onze devia presenciar o heroísmo destes dois Campeões da
Liberdade brasileira: a uma hora da madrugada do dia doze, seis tiros de
pessas [sic] patentearam aos tiranos que nem sempre seus crimes ficam
impunidos: [sic] um 2.º Tenente espirava aos golpes daqueles Patriotas, e o
1.º Tenente que comandava a guarnição aprisionado juntamente com outro
2.º Tenente, um 1.º Sargento, e um Cadete; e as sete horas o denodado
José Pinto Ribeiro, depois de ter entregado o Comando ao Sargento,
acompanhado por três camaradas, veio pedir socorro aos nossos, que de
súbito foi lhe dado de tropas, e embarcações: as oito horas o pavilhão da
República tremulava sobre a fortaleza: o Comandante da Vanguarda
aumentava sua força com quarenta e quatro soldados, e apossou-se de
cinqüenta armas de Infantaria, cinqüenta baionetas, cinqüenta patronas,
cinqüenta cinturões, três mil para mais cartuxos de infantaria, vinte e duas
arrobas de pólvora, arriba de três mil balas de canhão, uma prodigiosa
quantidade de velas mistas, e de espoletas, cinco peças montadas e cinco
101
para montar.
Em 1887, esta Fortaleza serviu de depósito para a pólvora que foi retirada da
Fortaleza de Anhatomirim. Passando a ser provisoriamente o depósito de pólvora do
comércio102.
Durante a Revolução Federalista de 1893
A fortaleza recebeu alguns velhos e antiquados canhões de ferro que se
achavam enterrados pela metade nas proximidades da Alfândega do
Desterro, medida extrema tomada pelo comandante da guarnição dessa
cidade, ante a ameaça de ataque por parte dos navios da esquadra
103
rebelde.
99
www.labhstc.ufsc.br/jornada/textos/Gustavo%20Marangoni%20Costa.doc. A participação popular
na República Juliana
100
www.labhstc.ufsc.br/jornada/textos/Gustavo%20Marangoni%20Costa.doc. A participação popular
na República Juliana
101
O Povo. N.º 102. Caçapava, 18 de setembro de 1839. Suplemento Especial ‘Boletim da Vanguarda
da Divisão Libertadora’
102
Laboratório de Imigração, UFSC. Relatório de Presidente da província, 1887.
103
CALDAS, Candido. História Militar da Ilha de Santa Catarina. Notas/Candido Caldas. Florianópolis:
Lunardeli. 1992. PP. 89
26
Entrando no século XX “(...) as paredes e bastiões [da Fortaleza de Nossa
Senhora da Conceição] sofreram o impacto de projéteis que, em exercício de tiro
real, eram lançados sobre elas.104
Em 1954 esta Fortaleza foi colocada fora de serviço por ato do governo 105.
Ela pertence hoje ao Ministério do Exército. E o conjunto foi tombado como
Patrimônio Histórico Nacional em 1980106.
Em 1991 a Fortaleza recebeu escoramentos e consolidações emergenciais e
encontra-se hoje como parte de um projeto de revitalização através da Universidade
Federal de Santa Catarina, com recursos do Ministério de Esportes e Turismo.
E em 2000/2001 a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição foi alvo de
pesquisas arqueológicas, como já foi mencionado na introdução, sendo que parte de
seus resultados formam a base desta monografia.
1.4 As etnias presentes no litoral de Santa Catarina no período
colonial.
Apresentamos aqui, um breve histórico, apoiado em bibliografia e
documentação pertinente, para tentar perceber quais as possíveis etnias que vieram
ou foram trazidos ao litoral de Santa Catarina, no século XVIII, tentando dessa forma
nos basear com maior precisão sobre as possíveis tradições culturais que,
provavelmente, poderiam ser identificadas através da produção da cerâmica
estudada nesta monografia.
Os primeiros contatos feitos entre Guarani e europeus - navegantes,
náufragos, degradados, desertores, missionários e vicentistas - no litoral catarinense
aconteceram no século XVI. No século XVII, começou o tráfico de africanos trazidos
por Portugal para terras brasileiras. E no século XVIII as promessas feitas pela
Coroa aos açorianos fizeram com que centenas de pessoas atravessassem o
oceano em busca de melhores condições de vida. Chegam assim os açorianos e
madeirenses ao sul do Brasil.
104
CABRAL. Oswaldo Rodrigues. As defesas da Ilha de santa Catarina no Brasil-Meridional. Conselho
Federal de Cultura. Rio de Janeiro 1972. PP. 5
105
BARRETO. A. Cel. Fortificações do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército-Editora. [19-?].
106
PROJETO Fortalezas Multimídia. Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba.
Em: <fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=aracatuba>. Acesso em: 15 out.
2007a.
27
Do Sudeste ao Sul do país também foram realizadas muitas incursões de
grupos
liderados
por
vicentistas
e
posteriormente
por
militares,
sempre
acompanhados por índios e/ou por africanos. Deste modo a população não
portuguesa também esteve presente no cotidiano dessa circulação, construindo
novas cidades ou na luta por novas terras.
Tanto luso-descendentes como africanos e índios, que se dirigiram para a
região sul do país, foram responsáveis pelo surgimento das primeiras vilas107: em
Santa Catarina, como Desterro, São Francisco do Sul e Laguna.
Por volta de 1651, Francisco Dias Velho Monteiro fundou um povoado na Ilha
de Santa Catarina, local que se encontrava “[...] praticamente despovoado de
indígenas.”108. No entanto em sua incursão ele levou para a Ilha de Santa Catarina
500 índios, dois padres da Companhia de Jesus, alguns agregados109 e 25
escravos110 africanos (ou afro-descendentes). Após sua morte, seus filhos foram
para a Vila de Laguna e ficaram na Ilha somente alguns índios que ele havia trazido
de São Vicente111.
Em 1622 foi construída uma casa para a instalação de uma missão de
catequese junto aos índios Guarani112. Os padres da Companhia de Jesus, com esta
“[...] residência fixa para os seus missionários, [vinham] mantendo assim missões
continuadas entre os silvícolas [...]”113
Em 1652 Domingos de Brito Peixoto se estabeleceu, na localidade que hoje é
conhecida por Enseada de Brito, e em 1676 fundou a Vila de Laguna, trazendo um
contingente de escravos, soldados, oficiais e diversas famílias114.
107
Santos, Sílvio Coelho. Índios e Brancos no sul do Brasil: a dramática experiência Xokleng.
Florianópolis: Edeme, [19-?]. p. 54.
108
Ibidem. p. 42.
109
1540 a 1687. Disponível em: <www.ufsc.br/~esilva/Segunda.html>. Acesso em: 10 mar. 2008.
110
CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octavio. Cor e mobilidade social em Florianópolis:
aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São Paulo:
Nacional, 1960. p. 45.
111
BRITO, Paulo Joze Miguel. Memória política sobre a Capitania de Santa Catarina. Rio de
Janeiro: Typografia da Academia Real das Sciencias, 1829. Reimpressão – Florianópolis: Livraria
Central, 1932. p.18
112
Relato deixado pelo viajante Auguste SAINT-HILAIRE, que esteve na Ilha de Santa Catarina no
ano de 1824 e afirma ainda existir esta construção. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem a Curitiba
e Santa Catarina. São Paulo: Itatiaia; Ed. da USP, 1978.
113
HOBOLD, Paulo. Apud: FOSSARI, Tereza Domitila A população pré-colonial Jê na paisagem da
Ilha de Santa Catarina. 2004. Tese (Doutorado em Geografia)–Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
114
CADORIN,
Adilcio.
História.
Disponível
em:
<www.lagunainfoco.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=12&Itemid=27&limit=1&limi
tstart=2>. Acesso em: 30 mar. 2008.
28
Em 1679, Jorge Soares de Macedo com aproximadamente 200 índios, indo
de Santos em direção ao Rio da Prata, teve três embarcações viradas na Ilha de
Santa Catarina115.
Em 1711 foram de São Paulo para a Ilha de Santa Catarina “[...] uma porção
de índios domesticados, e algumas famílias, entre as quais a de Salvador de Souza,
nomeado Capitão–Mor e Manoel Manso de Avelar, nomeado Sargento-Mor, além de
outros naturais de Portugal.” 116.
Em 1712 existiam na Ilha “[...] 12 ou 15 sítios dispersos [...] à beira mar nas
pequenas enseadas fronteiras à terra firme, os moradores que os ocupam são
portugueses, uma parte de europeus fugitivos e alguns negros; vêem-se também
índios, alguns servindo voluntariamente aos portugueses [...].” 117.
Calcula-se que em “1720 a Ilha de Santa Catarina continha 27 casais, com
mais de 130 pessoas de confissão.”
118
. E em 1737 chega a primeira guarnição de
infantaria, com um capitão de 1º linha, um alferes, dois sargentos, cinqüenta e dois
soldados e sete artilheiros para guarnecer a Ilha119.
E em 1739 tomou posse em Desterro o Brigadeiro José da Silva Paes, “[...]
trazendo do Rio de Janeiro uma tropa e empregados, com os quais organizou as
repartições civis.”
120
Em uma carta, datada de outubro de 1739, Silva Paes diz que
“[...] pella pouca gente que tenho, não chegão a sento e sincoenta pessoas, entre
soldados, Pedreyros, carpintr., Ferreyros, Índios e escravos [...].”121.
Os índios “[...] eram requisitados por dois ou três anos, tanto para o transporte
de mantimentos [...] como para trabalhar nos caminhos da capitânia ou para servir
115
COELHO, Manoel Joaquim D’Almeida. Memória Histórica da Província de Santa Catharina.
Typografia Desterrense de J. J. Lopes, 1856. p. 10.
116
COELHO, Manoel Joaquim D’Almeida. Op. Cit. p. 11.
117
Frézier, Amédeé François. Capítulo I. In: HARO, Martim Afonso Palma de (Org.). Ilha de Santa
Catarina: relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. 4. ed. Florianópolis: Lunardelli,
1996. P.23.
118
COELHO, Manoel Joaquim d’Almeida. Op. Cit. p. 13.
119
COELHO, Manoel Joaquim d’Almeida. Op. Cit. p. 14-15 e CABRAL, Oswaldo R. As defesas da
Ilha de Santa Catarina no Brasil-colônia. p. 57.
120
COELHO, Manoel Joaquim d’Almeida. Op. Cit. p. 16.
121
INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO SUL; 1948:94. Apud: FOSSARI,
Tereza Domitila (Coord.). A pesquisa arqueológica do sítio histórico São José da Ponta Grossa.
Anais do Museu de Antropologia, Florianópolis, n. 19, 1992. p.18.
29
nas fortalezas lusitanas”.122 E o exército poderia “[...] requisitar trabalhadores
escravos para trabalhar nas fortalezas militares [...].” 123.
Além dos serviços militares e domésticos, o trabalho de escravos africanos,
também era utilizado na pesca e agricultura124. Na Ilha de Santa Catarina e
proximidades foram instaladas armações de baleias, em torno de 1740 com a
Armação de Nossa Senhora da Piedade, seguida pela construção da Armação da
Lagoinha, Itapocorí, Garopaba, Imbituba e Ilha da Graça125. Todo esse
empreendimento contava com cerca de 500 escravos126 africanos ou afrodescendentes.
Na vila também moravam negros libertos. Parte deles prestavam serviços de
guia e ajudante127 aos viajantes que aportavam em Desterro, outros eram
curandeiros que utilizavam plantas, óleos e raízes para tratar os doentes, moradores
locais ou não128.
No final de 1748 e início de 1749 chegaram os primeiros imigrantes açorianos
e madeirenses, cerca de 6.000 pessoas até o ano de 1756129, para ocupar o
território da Ilha e continente catarinense. E em 1751 se estabelecem na Ilha os
jesuítas da Companhia de Jesus130.
Em um relato de 1763 de um viajante é mencionada a existência de barcos
utilizados pelos moradores da Ilha para levarem víveres a bordo dos grandes navios
que ali atracavam, mostrando a influência indígena no cotidiano da população, a
Piroga é uma espécie de bote feito de um só tronco de árvore, côncavo,
que os selvagens da América meridional tinham o costume de usar.
Acrescentam na parte traseira algumas pranchas para tornar mais alta as
122
DI, v. 6, p. 163; v.33, p. 60; v.67, p. 27. Apud: PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no
Brasil Colonial. Campinas: Ed. da Unicamp. 1986. p. 113
123
DI – v. 78, p. 194. Apud: PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no Brasil Colonial.
Campinas: Ed. da Unicamp. 1986. P. 114
124
CARDOSO, Fernando Henrique. Negros em Florianópolis: relações sociais e econômicas.
Florianópolis: Insular, 2000. p. 57.
125
LEITE, Ilka Boaventura. Descendentes de africanos em Santa Catarina: Invisibilidade Histórica ou
segregação. Textos e Debates: UFSC. 1989. p. 19.
126
PORTER, David. Capítulo X. In: HARO, Martim Afonso Palma de (Org.). Ilha de Santa Catarina:
relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. P. 217.
127
PERNETTY, Antoine Joseph. CapítuloIV. In: HARO, Martim Afonso Palma de. Op. Cit. p. 85.
128
Ibidem. p. 105.
129
HUBENER, L. M. A imigração açoriana. Programa de treinamento de Guias Turísticos. DAEX.
UFSC. Florianópolis. p. 02.
130
COELHO, Manoel Joaquim D’Almeida. Memória Histórica da Província de Santa Catharina.
Typografia Desterrense de J. J. Lopes, 1856. p. 30.
30
bordas. Às vezes costumam desenhar figuras de selvagens ou de coisas
grotescas.
131
Nesse mesmo ano, a região central de Desterro, próximo à Casa do
Governador, conta com cerca de 150 casas, “[...] a guarnição ocupa uma parte e a
outra é ocupada pelos brancos de um lado e os negros ou mulatos do outro. Vêemse na Ilha de Santa Catarina homens de todo o tipo de pele, do negro até o
branco”.132.
Em 1776 a Ilha recebeu seiscentos africanos ou afro-descendentes que
pertenciam ao regimento de Pernambuco, enviados a mando do Marques de
Pombal133.
Em 1803 a cidade de Desterro contava com cerca de 2.000 a 3.000
portugueses pobres e alguns escravos negros,
[...] eles estavam, nesta época, construindo uma igreja, que em muitos
países católicos é considerado muito mais importante do que hospitais ou
outras edificações úteis. Eu fiquei surpreendido ao ver numa noite por volta
das dez horas, quando me dirigia para bordo, diversos escravos negros de
ambos os sexos carregando pedras para aquele propósito; mas minha
admiração diminuiu um pouco, quando constatei que a recompensa por
134
esse zelo religioso menos a eles do que aos seus senhores.
Os indígenas a partir do século XIX eram vistos como uma ameaça, os relatos,
como apresentado abaixo, passaram a mostrar que eles eram temidos e chamados
de “gentio brava”
135
. “O povo está exposto aos ataques dos nativos, [...] esses
ataques não são, entretanto, levados a efeito com qualquer conseqüência
sangrenta; os nativos se contentam em pilhar e levam consigo particularmente o
gado pertencente aos portugueses.” 136
Como já foi dito não se tem nenhuma documentação específica sobre os
trabalhadores que construíram as Fortalezas. No entanto, sabe-se que tanto
indígenas quanto africanos e brancos estavam presentes na Ilha de Santa Catarina
131
PERNETTY, Antoine Joseph. Capítulo IV. In: HARO, Martim Afonso Palma de (Org.). Ilha de
Santa Catarina: relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. 4 ed. Florianópolis:
Lunardilli, 1996. p. 80.
132
Ibidem. p. 82.
133
RIHGB – tomo 32: 20,1978: Apud: PEREGALLI, Enrique. Recrutamento Militar no Brasil
Colonial. Campinas: Ed. da Unicamp, 1986. p. 115.
134
KRUSENSTERNS, Adam Johann von. Capítulo VII. Apud: HARO, Martim Afonso Palma de. Op.
Cit. p. 139.
135
LANGSDORFF, G. H. von. Capítulo VII. In: HARO, Martim Afonso Palma de. Op. Cit. p. 164.
136
KRUSENSTERNS, Adam Johann von. Capítulo VII. In: HARO, Martim Afonso Palma de. Op. Cit.
p. 140.
31
nesse período. Por isso é possível supor que os mesmos estariam presentes na
construção das cinco primeiras fortificações catarinenses.
Neste caso, talvez parte dos fragmentos cerâmicos coletados na Fortaleza de
Nossa Senhora da Conceição seriam vestígios da cultura material de escravos
indígenas e africanos. Estes poderiam ter participado não só de tais construções,
mas, do mesmo modo, prestado os mais diversos serviços durante o tempo em que
as fortificações desempenharam suas funções militares.
32
2 História e Arqueologia
Alguns estudos históricos vêm se desenvolvendo em direção a novas formas
de análise, onde são empregadas diferenciadas fontes. Outros se preocupam em
dar um olhar diversificado a estudos anteriormente realizados, mostrando que há
diferentes maneiras de se observar o mesmo fato. Além disso, há estudos de
conotação interdisciplinar, que buscam outras perspectivas de análise histórica.
Para esta monografia, por um lado, serão destacados aqueles que vêm sendo
desenvolvido através da utilização de fontes diferenciadas, mais particularmente o
uso da cultura material como fonte para a produção do conhecimento histórico. Por
outro lado, considerando que esta fonte diz respeito à arqueologia, assim podemos
também considerá-la como uma pesquisa interdisciplinar.
2.1 História e Cultura Material:
Desde os tempos de “[...] Heródoto e Tucídices, a história tem sido escrita [...]
de forma dominante [...] pela narrativa dos acontecimentos políticos e militares,
apresentando a história de grandes feitos de grandes homens” 137.
Por volta do século XVIII alguns intelectuais europeus preocuparam-se com a
‘história das sociedades’, uma história referente às leis e comércio, à moral e aos
costumes138. Dessa forma alguns historiadores se tornaram especialistas em História
da literatura e da música, outros em uma história sociocultural e assim por diante139.
No final do século XIX, na França, historiadores discutiam a ‘História
Científica’ e nos Estados Unidos sob a bandeira da ‘Nova História’ alguns
pesquisadores defendiam que “[...] a história inclui qualquer traço ou vestígio das
coisas que o homem fez e pensou, desde o seu surgimento sobre a terra”
140
, assim
o estudo de uma nova história deveria “[...] utilizar-se de todas as descobertas sobre
a humanidade, que estão sendo feitas por antropólogos, economistas, psicólogos e
sociólogos” 141.
137
BURKE, PETER. A Escola dos Annales (1929-1989) A Revolução francesa da historiografia. 4º
reimpressão. Ed: UNESP. p.18.
138
BURKE, Peter. Op. Cit.
139
Idem.
140
ROBINS, James Harvey. Apud: BURKE, Peter. . A Escola dos Annales (1929-1989) A Revolução
francesa da historiografia. 4. reim. São Paulo: Ed. da UNESP, [19-?]. p. 20.
141
Ibidem.
33
Ainda no século XIX, surgiu o estudo da História das formas, das imagens e
da iconografia142. E no início do século XX foi lançada a revista francesa
denominada de Annales d’historie économique et sociale. A importância dessa
revista foi a difusão de uma abordagem nova e interdisciplinar da história, voltada
para problemas143 e para mudanças de longa duração144.
[...] a tendência ilustrada na França pela Escola de Annales teve por virtude,
não como ela acreditou desvencilhar-se do acontecimento e do contingente,
mas tornar-se multidimensional, integrando nela o substrato econômico e
técnico, a vida cotidiana, as crenças e os ritos, as atitudes diante da vida e
da morte de uma época. Ela apenas começa a reconhecer o acontecimento
e o contingente que paradoxalmente foram, após trinta anos, reencontrados
145
na Cosmologia, na Física, na Biologia.
As novas idéias não foram prontamente aceitas, a renovação provocou muita
discussão entre adeptos e opositores. Mas essa nova abordagem foi ganhando não
só novos estudiosos como novas linhas de pesquisa - como a história da infância, da
loucura, da feminilidade entre outras146.
No momento em que os historiadores começaram a fazer novas perguntas
sobre o passado, escolhendo “[...] novos objetos de pesquisa, tiveram que buscar
novos tipos de fontes [...]” 147.
O conceito de fonte histórica, descrita como meio de conhecimento abrange
“[...] tudo o que nos proporciona material para a reconstrução da vida histórica”
148
.
Pode-se dizer então que fonte histórica149 é todo e qualquer material utilizado pelos
historiadores que serve de evidência para os argumentos da análise ou
interpretação em suas pesquisas. Assim outros tipos de fontes históricas, que não os
documentos oficiais, ganharam credibilidade. Entre as novas fontes, hoje, figura a
cultura material.
Por cultura material poderíamos entender aquele segmento do meio físico
que é socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém
142
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989) A Revolução francesa da historiografia. 4.
reim. São Paulo: Ed da UNESP, [19-?].
143
Idem.
144
BURKE, Peter (org.). A escrita da História: Novas perspectiva. São Paulo: Ed. da Unesp. [19-?].
145
MORIN, Edgar. A epistemologia da complexidade. In: MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis. A
inteligência da complexidade. São Paulo: Petrópolis, 2000. P. 129
146
BURKE, Peter (org.). Op. Cit.
147
Ibidem. P. 25.
148
BAUER. In: PIAZZA, Walter Fernando. A fonte primária da história arqueológica catarinense. In: III
Simpósio dos Professores Universitários de História, 1967, FRANCA/SP.
149
As fontes históricas são, em geral, divididas em: fontes primárias e fontes secundárias. Onde
fontes primárias são aquelas que remetem diretamente ao objeto de estudo e as secundárias,
possuem uma intermediação intelectual entre o pesquisador e seu objeto. Deve-se entender, aqui,
por intermediação intelectual como o esforço analítico ou interpretativo que alguém já tenha feito
sobre o mesmo tema ou sobre temas afins.
34
pressupor que o homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio
físico, segundo proposições e normas culturais. Essa ação, portanto, não é
aleatória, casual, individual, mas se alinha conforme padrões entre os quais
150
se incluem os objetos e projetos. .
A cultura material é geralmente reconhecida através dos artefatos, no entanto
o termo abrange mais que objetos individualizados incorporaram-se também à
cultura material estruturas, modificações da paisagem, até o próprio corpo, na
medida em que ele é passível de manipulação (mutilações, pintura, etc.) 151, ou seja,
quaisquer elementos que foram produzidos pelo homem.
O “[...] termo cultura material, além das ambigüidades possíveis denota que a
matéria tem matriz cultural e, inversamente, que a cultura possui uma dimensão
material.” 152 Os restos da cultura material formam o registro arqueológico, apesar de
inicialmente estes não se constituírem dados em si, mas fenômenos, cujas
possibilidades de leituras e interpretações permitem que o arqueólogo as transforme
em informações153.
Por sua vez o registro arqueológico engloba restos materiais de atividades
culturais, “[...] concentrados nos espaços de antigos assentamentos e os locais onde
estas atividades se desenvolveram tecnicamente - apresenta-se numa paisagem
contemporânea sob forma de sítio arqueológico.”154.
O estudo a partir da cultura material permite que sejam feitas, por exemplo,
análises sobre aspectos da organização técnica e social do trabalho, estatística de
especialização de um grupo, mecanismos de inovação ou reforço da tradição, graus
de flexibilidade no uso pessoal do repertório artesanal do grupo, socialização das
inovações155.
Duas questões são levantadas aos historiadores que se interessam pela
cultura material, a primeira, diz respeito ao modo de perceber a cultura material
150
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História da USP, São Paulo, n. 115, p. 103-117, jul./dez.1983. p. 112.
151
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra. Op. Cit.
152
REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material.
Anais do Museu Paulista. V.4 p. 265-82 jan./dez. 1996. p. 74.
153
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. Apud: FOSSARI, Tereza Domitila. A população pré-colonial
Jê na paisagem da Ilha de Santa Catarina. 2004. Tese (Doutorado em Geografia)–Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
154
FOSSARI, Tereza Domitila. A população pré-colonial Jê na paisagem da Ilha de Santa
Catarina. 2004. Tese (Doutorado em Geografia)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. p. 52.
155
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História da USP, São Paulo, n. 115, p. 103-117, jul./dez.1983.
35
como produto e como vetor de relações sociais156, a segunda localiza-se na
operação que insere a cultura material no processo historiográfico de produção do
conhecimento157.
Muitas vezes o documento material é utilizado em pesquisas históricas
simplesmente para comparação ou confirmação em relação a outras fontes,
seguindo como “[...] um documento de segunda categoria [...] notando-se um
descompasso entre os padrões estabelecidos de validação do conhecimento
histórico e o valor probatório reconhecido nas fontes materiais”158. Dessa forma a
interdisciplinaridade torna-se mais uma sobreposição do que uma efetiva articulação.
Articulação essa que pode ser obtida através de uma combinação de fontes, em um
estudo paralelo entre diversas fontes.
Em relação à pesquisa arqueológica no Brasil, ela pode ser vista sob dois
grandes períodos, que correspondem à arqueologia pré-colonial e arqueologia
colonial.
O termo pré-colonial, por não acarretar maiores equívocos, é adequado para
designar o período mais remoto de nossa História, anterior ao domínio luso. Período
que, aliás, é longo e compreende uma grande diversidade cultural 159. Enquanto a
Arqueologia Colonial se faz através do estudo de tempos posteriores à ocupação e
dominação européia, em que os sítios arqueológicos são
historicamente
documentados.
A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição se enquadra no estudo da
Arqueologia Colonial, por se tratar de um projeto português do século XVIII e
também por ser historicamente documentada.
Nesta monografia foram observados fragmentos deixados ou descartados no
cotidiano dos militares da guarnição que ocupou a Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição e que se tornaram fonte historiográfica para nossa pesquisa.
156
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades antigas. Revista
de História da USP, São Paulo, n. 115, p. 103-117, jul./dez.1983.
157
REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material.
Anais do Museu Paulista. V.4 jan./dez. 1996. p. 265.
158
Ibidem. P. 75.
159
FOSSARI, Tereza Domitila. A população pré-colonial Jê na paisagem da Ilha de Santa
Catarina. 2004. Tese (Doutorado em Geografia)–Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.
36
2.2 Aspectos envolvidos no estudo da Cerâmica.
O estudo da cerâmica implica na identificação dos processos de confecção e
na classificação de tipos ou de estilos. Estes ainda são vistos em termos de fases,
horizontes e tradições, ou seja, sob aspectos de suas distribuições espaciais e
durações temporais.
Para analisar os processos de confecção da cerâmica, se faz necessário
primeiro compreender as etapas de tal produção. Em geral, as etapas de confecção
de uma peça cerâmica são: a coleta da argila – matéria-prima, o tratamento da
mesma e a confecção – técnica de produção utilizada160.
Partindo da etapa de confecção, área de maior interesse para esta
monografia, verificamos que para a produção de um vasilhame de cerâmica, não
pode ser utilizado o barro puro, por isso se junta à argila um ‘desengordurante’. Este
pode ser palha cortada miúda, areia, fragmentos de calcário, de cerâmica ou concha
pulverizada. Alguns tipos de argila precisam ser limpos das impurezas, antes de
serem utilizados, em outros casos há necessidade de misturar dois tipos de argilas
para obter a massa pretendida161.
A modelagem da cerâmica se processa manualmente ou por meio mecânico.
Manualmente a modelagem pode ser obtida através da técnica do rolo sobreposto,
do rolo em espiral ou usando moldes. O emprego do torno de oleiro introduz a
modalidade mecânica no trabalho de confecção da cerâmica.
A confecção pela técnica do rolo sobreposto desenvolve-se a partir de uma
placa redonda de argila, onde se fixa “[...] o primeiro rolo de barro e sobre este,
aplica-se um segundo, mais comprido que o primeiro, de modo a obter um círculo
maior e assim sucessivamente.”162
Na técnica do rolo em espiral, “[...] em vez de se aplicar os rolos uns sobre os
outros, faz-se apenas um rolo comprido que se enrola em espiral sobre si próprio”163.
Em ambos os processos as paredes dos vasilhames são posteriormente alisadas à
mão164. Essa técnica de montar os roletes de argila por sobreposição ou em espiral,
160
NASCIMENTO, Ana; LUNA, Suely. Procedimentos para a análise da cerâmica arqueológica. Clio
Série Arqueologia. n.10, 1994. p. 12.
161
FRÉDÉRIC, Louis. Manual prático de arqueologia. Coimbra: Livraria Almeida. 1980.
162
FRÉDÉRIC, Louis. Op. Cit. P. 303.
163
FRÉDÉRIC, Louis. Manual. p. 303.
164
FRÉDÉRIC, Louis. Op. Cit.
37
denomina-se de técnica do acordelamento165. Essas formas de produção manuais
deixam o utensílio com paredes grossas e aspecto grosseiro166.
Quanto à cerâmica produzida através de moldes, sua fabricação consiste em
pressionar, no interior de um molde, pequenas placas finas de argila. Quando o
utensílio
está
seco
destaca-se
sozinho
do
molde.
Em
algumas
peças
confeccionadas com este método fica “[...] a aparência de uma peça trabalhada ao
torno. Apenas as irregularidades interiores [...] e o tipo de decoração podem permitir
[...] reconhecer o seu modo de fabrico.”167. Mas, de um modo geral, o acabamento
das peças não é de extrema precisão, algumas apresentam um aspecto bastante
rústico. ”168
Na produção cerâmica com torno, que pode ser de pedra ou de madeira, este
é movido com o auxílio da mão, de um pau, do pé ou de um torniquete para a
modelagem das paredes. Esta se inicia com um bloco de argila que é colocado no
centro de uma roda horizontal (o torno) que gira e essa força centrífuga que se
desenvolve permite modelar a peça quase sem esforço. “As paredes da peça
tornam-se mais delgadas, têm maior coesão e conservam os traços dos dedos do
oleiro sob a forma de estrias paralelas (sobretudo no interior da peça).”169
Depois de acabado, o recipiente pode ser decorado, pintado ou receber um
engobe (camada de argila quase líquida, destinada a corrigir as imperfeições).170
Estando a peça pronta (modelada e decorada) ela vai para cozedura que pode ser
feita ao ar livre ou em forno.
Se as etapas de fabricação da cerâmica são poucas, diversas são as sua
maneiras de produzi-las, em termos de variações da pasta, formas, tamanhos e
decorações. Tais aspectos permitem observar que “[...] cada cultura e cada região
165
RIBEIRO, Pedro Augusto Mentz; NUNES, Claudio Omar Iahnke. Escritos sobre arqueologia. Rio
Grande do Sul: Ed. da UFRGS, 2001. p. 19.
166
FRÉDÉRIC, Louis. Manual prático de arqueologia. Coimbra: Livraria Almeida. 1980.
167
FRÉDÉRIC, Louis. Op. Cit. P. 304.
168
AGOSTINI, Camilla. Resistência cultural e reconstrução de identidade: um olhar sobre a cultura
material de escravos do século XIX. Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 3, n. 2, Inverno
1998. p. 10.
169
FRÉDÉRIC, Louis. Op. Cit. p. 304.
170
FRÉDÉRIC, Louis. Op. Cit. p. 306.
38
possui a sua cerâmica própria”
171
, uma vez que a maneira de “[...] fazer ou decorar
a cultura material – é um componente ativo na definição de grupos” 172
Os estudos da cerâmica arqueológica incluem o estabelecimento de tipos ou
estilos para identificar as semelhanças ou diferenças culturais de seus produtores.
As referências à diversidade espacial e temporal das culturas pré-coloniais vêm
sendo evidenciadas através do estabelecimento de fases, horizontes e tradições.
No caso das evidências da cerâmica arqueológica do período colonial, estas
também são submetidas à mesma divisão173. As ‘fases’ são compostas por artefatos
que se distribuem em uma área específica e por um tempo limitado; em ‘horizonte’
os artefatos aparecem em uma ampla região, mas por um período de tempo curto; e
a chamada ‘tradição’ são artefatos que permanecem por um largo período de tempo,
mas em uma área geográfica limitada174.
Es importante percibir que las fases, los horizontes y las tradiciones –
unidades básicas de análisis histórico-cultural
175
– derivan principalmente de
las características físicas de los artefactos. Las fases pueden ser definidas
en base a la decoración que aparece en la superfície de la cerámica, por la
manera de tallar puentas de proyectil líticas, o por una combinaciónes
rasgos físicos encontrados en diferentes artefactos. Teóricamente se
considera a los artefactos similares a los documentos históricos, en el
sentido que brindam información sobre la história: son usados para escribir
una especie de história cronológica generalmente sobre la época
prehistórica
176
.
171
FRÉDÉRIC, Louis. Manual prático de arqueologia. Coimbra: Livraria Almeida. 1980. p.306
HEGMON, Michelle. Apud: AGOSTINI, Camilla. Resistência cultural e reconstrução de identidade:
um olhar sobre a cultura material de escravos do século XIX. Revista de História Regional, Ponta
Grossa, v. 3, n. 2, Inverno 1998. p. 10.
173
Segundo Gordon Willey e Philip Phillips. Apud: ORSEN JUNIOR, Charles E. Introducción a La
Arqueología Histórica. Illinois State University Normal, Illinois/E.U.A.. [19-?]. p. 16.
174
Idem.
175
São três as principais linhas de orientação teórica metodológica da arqueologia, sendo: HistóricoCultural ocupada em identificar as culturas do passado, entendendo que as mudanças culturais
estariam vinculadas a movimentos migratórios e através da difusão. A Arqueologia Processual, em
termos gerais, busca isolar e estudar os diferentes processos que operam no interior, e entre as
sociedades, dando ênfase aos aspectos das suas inter-relações com o ambiente, a subsistência e a
economia. Concebe a relação dinâmica dos aspectos econômicos e sociais da cultura com o
ambiente, como sendo fundamental para a compreensão dos processos de mudança cultural.
Inicialmente foi bastante criticada pela demasiada atenção dada aos aspectos da economia e
subsistência em detrimento de outros aspectos da experiência humana, como aqueles de ordem
social e cognitiva. Já a Arqueologia Pós-Processual concebe a cultura material como sendo resultado
das ações deliberadas dos indivíduos. Apud: BAHN, Paul; RENFREW, Colin. Arqueología: teorias,
métodos y practica. Akal ediciones. 1991. [s.l.]
176
ORSEN JUNIOR, Charles E. Introducción a La Arqueología Histórica. Illinois State University
Normal, Illinois/Estados Unidos. [19-?]. p. 16.
172
39
3. A pesquisa arqueológica na Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição
A pesquisa arqueológica na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição foi
realizada durante os anos de 2000/2001 sob a orientação da arqueóloga Maria
Madalena Velho do Amaral e uma equipe formada por 6 alunos do Curso de História
da UFSC177.
O material coletado depois de estudado e analisado foi armazenado na
Reserva Técnica do MU/UFSC. A pesquisa arqueológica foi desenvolvida em quatro
etapas: o levantamento bibliográfico, a pesquisa em campo, a pesquisa em
laboratório e a análise.
A pesquisa bibliográfica reuniu textos e documentos sobre aspectos
geográficos e históricos referentes às Fortalezas. Contou também com leituras de
pesquisas arqueológicas realizados em sítios coloniais, além da busca por
documentação, feita nos Arquivo Público de Florianópolis. Apresentamos a seguir
uma síntese das demais etapas.
3.1 A pesquisa arqueológica em campo
O projeto arqueológico abrangeu o interior e o entorno das seguintes
unidades da Fortaleza: o Quartel da tropa, a Casa da Palamenta, o novo Paiol da
Pólvora, a Cisterna e a Fonte de Água. Ficando as demais estruturas para uma
segunda fase de trabalhos.
Os trabalhos em campo tiveram início com o levantamento fotográfico, para
documentar o estado de conservação em que se encontrava o sítio 178. Depois as
áreas a serem escavadas foram quadriculadas, a demarcação de cada quadrícula
(medindo 1m x 1m) foi feita por estacas e barbante.
As quadrículas foram sendo rebaixadas através da decapagem artificial, em
níveis de 0,10m em 0,10m. As camadas atingiram em sua maioria 5 níveis
arqueológicos no caso do entorno das construções, sendo que o nível 1
correspondia a camada mais atual de depósitos, geralmente contemporâneo, e o
nível 5 à camada mais antiga de ocupação. Depois desse nível foi detectado solo
estéril, ou seja, ausente de material arqueológico. No interior das construções o
177
Equipe da qual fiz parte.
AMARAL, Maria Madalena Velho do. A pesquisa Arqueológica na Fortaleza de Nossa Senhora
da Conceição de Araçatuba: Município de Palhoça/SC. Palhoça, 2003. Relatório de Pesquisa. p. 23.
178
40
nível final correspondeu ao piso de cada recinto, por essa razão o número de
camadas arqueológicas variou de um recinto para o outro.
As etapas de rebaixamento das quadrículas foram descritas em ‘fichas de
campo’, para registrar informações “[...] sobre a natureza da camada e o tipo de
material encontrado – artefatos, ecofatos, estruturas179, além do grau de
interferência moderna [...].”180
Tivemos ainda outros tipos de registros em campo, como o croqui e os diários
de campo. Quando necessário utilizamos folhas quadriculadas para croquis, o que
facilitou os registros sob forma de desenho. Os relatórios de campo foram feitos
diariamente em cadernos - pela arqueóloga e por todos os membros da equipe.
Os artefatos coletados foram acondicionados em sacos plásticos e
etiquetados. As etiquetas foram preenchidas com informações sobre a procedência
de cada material, o nome do sítio, o numeração da quadrícula, o nível da camada
rebaixada, a data em que foi encontrado e alguma observação caso necessário.
Toda a terra retirada das quadrículas foi peneirada, a fim de coletar o material
arqueológico que por algum motivo não foi recolhido dentro da quadrícula. Tanto os
artefatos coletados na quadrícula como na peneira, ou ainda na superfície
receberam registro em etiqueta.
3.2 A pesquisa arqueológica em laboratório
O material coletado por meio das escavações arqueológicas sistemáticas foi
levado ao laboratório, onde inicialmente os separamos em: artefatos, ecofatos
(restos alimentares como ossos, espinhas de peixe, etc.) e amostras de terra.
Os artefatos depois de limpos foram separados de acordo com a categoria de
matéria-prima: vidro, cerâmica, metal, rocha, e outros (botões, dedais, etc.). Cada
categoria de artefato passou a ser analisada separadamente, e os dados levantados
foram descritos detalhadamente em ‘fichas de laboratório’.
Para tratar dos artefatos cerâmicos, nos orientamos pela classificação que a
equipe do MU/UFSC empregou no material coletado na Fortaleza de São José da
Ponta Grossa. Deste modo estabelecemos categorias de acordo com o atributo
pasta:
179
As estruturas que podem ser encontradas no caso das Fortalezas são: dutos para escoamento de
água, soleiras de portas, escadaria, etc...
180
AMARAL, Maria Madalena Velho do. A pesquisa arqueológica na Fortaleza Nossa Senhora da
Conceição – Ilha de Araçatuba. Relatório de pesquisa. Florianópolis, Janeiro de 2003, p. 23.
41
- cerâmica de pasta porosa, grosseira, de coloração não homogenia,
variando em
tons
de
cinza, amarelo,
verde,
preto,
laranja,
que
branca,
que
denominamos de cerâmica de barro cozido;
-
cerâmica
porosa,
porém
de
pasta
homogenia
e
denominaremos de louça branca;
- cerâmica de pasta compacta, que corresponde ao grés.
181
A cerâmica branca e o grés receberam uma atenção especial. Por
recomendação da equipe da reserva técnica do MU/UFSC, essas peças ficaram
imersas em água por alguns dias. Essa água era trocada três vezes ao dia e tinha
por finalidade retirar o excesso de sal, pois este contribui para a descamação do
revestimento vitrificado /esmaltado dos artefatos em questão.
Os artefatos foram recondicionados em sacos plásticos ‘tipo zip’, etiquetados
com as mesmas informações de campo, adicionando-se a data em que foram
manuseando em laboratório. E, finalmente, foram acondicionados em caixas
plásticas higienizadas que também receberam identificação.182 Depois de todos os
processos, os artefatos do laboratório foram armazenados, na reserva técnica do
MU/UFSC.
181
FOSSARI, Tereza Domitila (Coord.). A pesquisa arqueológica do sítio histórico São José da Ponta
Grossa. Anais do Museu de Antropologia, Florianópolis, n. 19, 1992. p. 42.
182
Todos os processos em laboratório e em campo foram descritos conforme experiência particular
minha para os trabalhos realizados na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição sob a coordenação
da arqueóloga Maria Madalena Velho do Amaral, assim como para o laboratório do Museu
Universitário. No entanto, para cada sítio escavado, é necessário diferentes metodologias,
dependendo inclusive do Arqueólogo que conduzirá os trabalhos e da Instituição que se
responsabilizará pelo material escavado.
42
4 A produção da cerâmica coletada na Fortaleza de Nossa Senhora
da Conceição: possíveis origens e a Tradição Neobrasileira
Ao analisar a cerâmica de barro cozido da Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição nosso objetivo foi identificar se houve ou não uma continuidade no
padrão decorativo entre a cerâmica produzida manualmente e a cerâmica
confeccionada por torno de oleiro. Tentamos ainda, a título de observação perceber
os possíveis grupos que a confeccionaram e testar a possibilidade de classificar
parte desta cerâmica como relacionada à Tradição Neobrasileira.
A cerâmica de Tradição Neobrasileira, segundo a literatura arqueológica
brasileira, vem sendo encontrada nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo,
Amapá, Pará, Amazonas, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná183 e
corresponde ao período que vai do século XVI ao século XIX 184.
Não há registro da Tradição Neobrasileira para as cerâmicas encontradas em
antigos assentamentos nas terras catarinenses. No entanto temos que levar em
conta dois fatores:
- que o catálogo, no qual é descrita esta Tradição, foi publicado no ano de
1971.
- até esta data nenhuma das Fortalezas (sítios arqueológicos coloniais)
haviam sido pesquisadas arqueologicamente.
Desta maneira o presente trabalho busca preencher esta lacuna, de que
possivelmente a cerâmica produzida no período colonial e utilizada na Fortaleza de
Nossa Senhora da Conceição, pode fazer parte dessa Tradição denominada de
Neobrasileira185, uma vez que ela é definida como:
[...] uma tradição cultural caracterizada pela cerâmica confeccionada por
grupos familiares, neobrasileiros ou cablocos, para uso doméstico, com
técnicas indígenas e de outras procedências, onde são diagnosticadas as
decorações: corrugada, escovada, incisa, aplicada, digitada, roletada, bem
como asas, bases planas em pedestal, cachimbos angulares, discos
186
perfurados de cerâmica e pederneiras
183
SIMÕES, Mário F. Índice das fases arqueológicas brasileiras (1950-1971). Belém: Museu
Paraense Emilio Goeldi, 1972. Publicações Avulsas. ps. 7/ 9 e 11.
184
BROCHADO, José Proenza. Migraciones que difundieron La tradicion alfarera Tupiguarani.
Relaciones. Tomo VII Nueva serie. Buenos Aires. 1973. P. 29. Grifos do autor.
185
A denominação de Tradição ‘Neobrasileira’ foi dada na década de 60, por alguns participantes do
Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), pois era necessária uma definição para
a cerâmica produzida por populações do período colonial
186
CHMYZ, Igor. Terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica. 2. ed. rev. e ampl. Cadernos
de Arqueologia do Museu de Arqueologia e Artes Populares, Paraná, ano 1, n. 1, 1976.
43
Podemos tentar perceber através da decoração se essa cerâmica foi
produzida com técnicas indígenas e de outras procedências, considerando no caso,
como sendo de ‘outra procedência’ a possível contribuição africana. A idéia de que
“[...] determinadas cerâmicas nas Américas possivelmente tenham uma contribuição
africana, há pouco tempo vem se fortalecendo”
187
. Esses grupos não teriam trazido
somente sua mão-de-obra, mas também sua tecnologia em confeccionar cerâmica e
peças em metal188.
Com relação ao termo Neobrasileira, há pesquisadores que o consideram
impróprio, por ser um termo vago, que abrange um espaço temporal de
aproximadamente 500 anos e uma área geográfica de 8,5 milhões de quilômetros
quadrados189. Preferindo por essas razões chamá-las de cerâmica de produção
local-regional190.
Outro pesquisador é de opinião que o termo “[...] não deveria ser equiparado
a cerâmica pré-colonial [...] neste sentido o conceito de Tradição não se adequaria
às cerâmicas históricas”
191
. Essas cerâmicas de pós-contato constituem-se em um
“[...] complexo de origens diferentes, das quais ainda não temos o suficiente
conhecimento [...]” 192.
Há diferenças entre as cerâmicas de pós-contato de diferentes regiões, mas
também “[...] certas semelhanças [...] como algumas formas de decoração, por
exemplo, que se repetem em contextos diferentes. Resta questionar qual o
significado dessas similaridades” 193.
Até o momento não foi desenvolvido nenhum estudo mais aprofundado sobre
a cerâmica de barro cozido coletada, através de escavações sistemáticas, nas
Fortalezas pesquisadas pela equipe do MU/UFSC.
187
JACOBUS, André. Resgate arqueológico e histórico do registro de Viamão: Guarda Velha,
Santo Antônio da Patrulha–RS. Dissertação (Mestrado em História)–Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 1997. P. 66.
188
CAMPOS, Guadalupe do Nascimento. Transferência de tecnologia para o Brasil por escravos
africanos. Disponível em: <http://www.arqueologia-iab.com.br/artigos/artigo3.pdf>. Acesso em: 30
mar. 2008.
189
ZANETTINI, Paulo Eduardo; MORAES, Camila Azevedo. Contribuição para a discussão em torno
da cerâmica ‘Neobrasileira”: algumas reflexões sobre a louça produzida na Capitânia de São Paulo
entre os séculos XVII e XIX. In: SIMPÓSIO CERÂMICA NEOBRASILEIRA: POSSIBILIDADES DE
IDENTIFICAÇÃO CULTURAL AO LONGO DOS SÉCULOS XVII E XIX, 1988. Anais eletrônicos.
Disponível em: <www.cadernosociomuseologia.ulusofona.pt/sociomuseologia_1_22/Cadernos%201988.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2007.
190
André Jacobus denomina cerâmica local e Paulo Eduardo Zanettini de local-regional.
191
JACOBUS, André. Op. Cit. p.65.
192
Idem.
193
ZANETTINI, Paulo Eduardo; MORAES, Camila Azevedo. Op. Cit. p. 19.
44
O nosso estudo consistiu-se, assim, em uma primeira tentativa de dispensar
um tratamento mais aprofunda ao material cerâmico coletado em uma das referidas
fortalezas. Deste modo, sendo inicial não podemos dar conta de esgotar o assunto –
já que existem inúmeras maneiras de se analisar as fontes materiais, como a
cerâmica.
Entre a cerâmica de barro cozido, coletadas na Fortaleza de São José194,
uma delas foi descrita, em comunicação pessoal pelo professor Arno Kern,195 como
de tradição Tupi-Guarani196. As cerâmicas encontradas em sítios pré-coloniais dessa
tradição são classificadas como uma produção feita através da técnica do
acordelamento197. Os índios Guarani aplicavam a decoração em sua cerâmica, na
massa de argila ainda fresca, pressionavam com as unhas ou davam pequenos
beliscões ou ainda raspavam as paredes com espiga de milho.198
Pensamos ainda, em uma possível influência africana, tendo visto que os
mesmos estavam presentes no litoral catarinense no período da construção das
Fortalezas. Os africanos trazidos para serem escravos, durante o período colonial do
Brasil, pertenciam em sua maioria a esse grupo lingüístico Bantu, localizado nas
regiões que atualmente correspondem a países como Congo, a República
Democrática do Congo (antigo Zaire), Angola e Moçambique.199 Particularmente
para a cidade de Desterro, têm-se uma indicação200 de “[...] algumas ‘nações’
africanas, cujos membros são encontrados em território catarinense, qual sejam:
‘congo’, ‘moçambique’, ‘cabinda’, ‘angola’, ‘costa da Guiné’ e ‘rebola’[...].”201
Foi feito ainda uma quantificação referente ao número de africanos batizados,
que entre 1.750 e 1.780 teriam sido 326 africanos e de 1.781 a 1.800 cerca de 837
194
Os trabalhos arqueológicos realizados na Fortaleza de São José foram coordenados pela
arqueóloga Teresa Domitila Fossari do MU/UFSC.
195
FOSSARI, Tereza Domitila (Coord.). A pesquisa arqueológica do sítio histórico São José da Ponta
Grossa. Anais do Museu de Antropologia, Florianópolis, n. 19, 1992.
196
Tradição Tupi-guarani corrugada de uma fase pós-contato.
197
RIBEIRO, Pedro Augusto Mentz. Levantamento arqueológico no Médio e Alto Jacuí/RS. BIBLOS,
Rio Grande do Sul, n. 8, 1996.
198
SCHMITZ, Inácio S. J. A cerâmica guarani da Ilha de Santa Catarina. Pesquisas, Porto Alegre, n.
3, 1959.
199
CAMPOS, Guadalupe do Nascimento. Transferência de tecnologia para o Brasil por escravos
africanos. Disponível em: <http://www.arqueologia-iab.com.br/artigos/artigo3.pdf>. Acesso em: 30
mar. 2008.
200
Através de estudos realizados nos arquivos eclesiásticos de Florianópolis – notadamente livros de
batizados de escravos. Apud: PIAZZA, Walte Fernando. A escravidão negra: numa província
periférica. Florianópolis: Garapuvu, 1999.
201
PIAZZA, Walte Fernando. A escravidão negra: numa província periférica. Florianópolis:
Garapuvu, 1999. p. 39.
45
batismos. Esse número vai aumentando até o ano de 1830, quando começam a se
tornar decrescentes.202
Em uma pesquisa etnográfica dos grupos de falantes Bantu, na República dos
Camarões, observou-se que a produção cerâmica para confeccionar as vasilhas é
feito através da técnica do acordelamento, só que não na forma espiralada ou com
sobreposição de anéis, mas uma variação desta última, onde são colocados metade
de anéis de cada vez
203
. E a decoração é feita, em geral, com incisões e
apliques204.
Há uma “[...] grande profusão de padrões decorativos incisos, para a cerâmica
associada a falantes Bantu”205. Dessa forma são “[...] encontrados alguns elementos
semelhantes às encontradas nas cerâmicas históricas do Brasil”206. Contudo, ainda
são raras as publicações de pesquisas arqueológicas coloniais, para as populações
da língua Bantu207.
Continuando o pensamento, de que possivelmente, cada grupo étnico - pelo
qual se constituiu a população no início da colonização do litoral de Santa Catarina,
contribuíu de alguma forma, com modificações na produção e decoração da
cerâmica. Deste modo, a introdução do torno oleiro é remetida aos açorianos e
madeirenses208.
Em um estudo de 1952209 sobre a cerâmica de São José, na Ponta de Baixo,
é descrito que “[...] o método adotado é semelhante em tudo ao açoriano” 210. Em um
documento de 1655 da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo/Portugal foi
registrado que na Ilha Terceira já se produzia cerâmica em grande quantidade.
“Nenhu oleiro uze do seu officio sem licença, e a louça que cozer não tirara do forno
202
PIAZZA, Walte Fernando. A escravidão negra: numa província periférica. Florianópolis:
Garapuvu, 1999. p.15.
203
JACOBUS, André. Resgate arqueológico e histórico do registro de Viamão: Guarda Velha,
Santo Antônio da Patrulha–RS. Dissertação (Mestrado em História)–Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 1997. p. 66.
204
JACOBUS, André. Op. Cit.
205
HUFFMAN T. N. Apud: JACOBUS, André. Op. Cit.
206
JACOBUS, André. Op. Cit. p. 66.
207
Idem
208
CABRAL. Oswaldo Rodrigues. A olaria Josefense. Separata do 9° Volume do Boletim do Instituto
Histórico da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo: Tipografia Andrade. 1951.
209
PIAZZA. Walter Fernando. A cerâmica popular catarinense. Comissão Catarinense de Folclore.
Florianópolis, n. 11. mar. 1952.
210
Ibidem. p. 28
46
sem ser vista pelo juiz do officio, e que o contrario fizer pagara de couma dous mil
reis.”211
4.1 Etapas percorridas para a análise da cerâmica
Para este estudo, foram necessários cinco meses de trabalhos em
laboratório do MU/UFSC, para que pudéssemos desenvolver todas as etapas
referentes à análise das peças cerâmicas da Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição mais precisamente a da cerâmica de barro cozido. Essas etapas se
constituíram de uma triagem inicial, separação e classificação da cerâmica de barro
cozido – feitas a olho nu; estabelecimento de comparações; produção de fotografias
e conclusão.
Uma primeira triagem foi feita para reunir as cerâmicas de barro cozido dos
demais materiais cerâmicos - no caso, cerâmica branca e grés. Depois de reunidas,
estas foram agrupadas em cerâmicas de barro cozido decorada e sem decoração.
Posteriormente, foi classificada em cerâmica de barro cozido decorada produzida
manualmente (pela técnica do acordelamento e por molde212 – denominada de
cerâmica manual) e a cerâmica de barro cozido decorada produzido em torno
(cerâmica de torno).
Além da presença ou não da manufatura através do torno, a decoração
dessas peças é um fator marcante pela sua diversidade e possibilidades, tanto para
analisar se houve uma continuidade em seus padrões decorativos, como para
levantar suposições com relação aos possíveis grupos que a produziram.
Observações difíceis de serem feitas se tratarmos da cerâmica de barro cozido sem
decoração. Por isso optamos em trabalhar com a cerâmica decorada.
Com relação ao material selecionado para esta monografia, é importante
colocar que não foi encontrado nenhum artefato cerâmico decorado inteiro, somente
fragmentos do que já teria sido um utensílio cerâmico. Ao separarmos esses
fragmentos pela sua decoração, corremos o risco de estarmos separando partes não
211
Livro 4.q registro de diplomas; ms. do arquivo da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, flª 12.
Apud: RIBEIRO, Luis da Silva. Oleiros: Etnografia Açoriana. Tomo I. Angra do Heroísmo: [s.n.],
1982 s/ed. P. 579. Este autor ainda descreve todas as etapas de produção da cerâmica e o
equipamento empregado, incluindo o torno para o fabrico das peças. P. 582.
212
As duas formas de produção manual - por acordelamento e por molde, são difíceis de serem
diferenciadas, por se tratar de pequenos fragmentos. Assim, agrupamos as cerâmicas produzida pela
técnica do acordelamento e por molde em uma mesma categoria: produzidas manualmente.
47
decoradas de um mesmo recipiente, pois a maioria dos utensílios apresenta
decoração apenas em sua parte superior, seja na borda ou próximo a ela.
Durante o processo de análise em laboratório, alguns fragmentos cerâmicos
foram descartados. Quando o fragmento era muito pequeno, ou a peça tinha suas
paredes muito desgastadas, fatores que impossibilitavam a análise relativa ao tipo
de modelagem, a mesma foi descartada. Este conjunto somou 17 fragmentos.
Contamos para análise efetiva com 113 fragmentos de cerâmica de barro
cozido decorados, sendo: 60 partes quaisquer da peça, 47 bordas, 5 fragmentos de
cachimbos e 1 fragmento (‘tipo prato’).
Ao concluir todas as etapas de separação e classificação foi feita a
comparação entre os padrões decorativos das mesmas. Tentamos, ainda, verificar
se a decoração da cerâmica de barro cozido coletada na Fortaleza de Nossa
Senhora da Conceição tinha alguma semelhança com cerâmicas encontradas em
sítios arqueológicos pré-coloniais do litoral catarinense – mais precisamente as
produzidas por populações Guarani - e com algumas cerâmicas produzidas pelo
grupo Bantu, coletadas em sítios pré-coloniais do Norte de Angola213 e em Benfica (a
17 km de Luanda) 214.
Após essa última etapa, algumas cerâmicas da Fortaleza foram fotografadas,
a fim de ilustrar a apresentação do trabalho e esclarecer aspectos das conclusões a
que chegamos sobre os artefatos em questão.
4.2 Análise do material cerâmico e outras possibilidades
As pesquisas arqueológicas realizadas na Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição se referem apenas a uma primeira etapa de trabalhos, ficando desta
forma parcial, conseqüentemente os estudos e análises feitos, através de sua cultura
material também. Não podemos, por exemplo, afirmar a existência de cerâmica de
barro cozido decorada em recintos ainda não escavados.
Como já vimos, foram cinco as edificações escavadas215 nessa Fortaleza,
mas as cerâmicas decoradas estavam presentes somente em dois locais, no Paiol
da Pólvora e na Fonte de Água. Também encontramos materiais cerâmicos
213
MARTINS. João Vicente. Os ‘pembos’ (trincheiras defensivas) no nordeste de Angola. Leba, Nº5,
1982.
214
EVERDOSA, Carlos. Arqueologia Angolana. República Popular de Angola. [s.n.], [19-?].
215
Os cinco locais escavados são: Palamenta, Paiol da Pólvora, Fonte de Água, Cistena e Quartel da
Tropa.
48
decorados nos costões e sob algumas grandes rochas próximas a essas
construções – que foram identificados como material de superfície. As peças de
cerâmica de barro cozido decoradas totalizaram 113 fragmentos, sendo:
FONTE D´ÁGUA
Bordas
Outras Partes
Cachimbos (provavelmente feito
TORNO
13
08
-
MANUAL
08
10
03
TORNO
07
12
-
MANUAL
09
29
02
por molde)
PAIOL DA PÓLVORA
Bordas
Outras Partes
Cachimbos (provavelmente feito
por molde)
MATERIAL DE SUPERFÍCIE
Bordas
Outras Partes
Peça (tipo prato)
TORNO
07
-
MANUAL
03
01
01
Na somatória temos 66 fragmentos de cerâmica manual e 47 fragmentos de
cerâmica de torno. Constamos, então, que a maior parte das cerâmicas decoradas
foram confeccionada por técnicas manuais.
A espessura das paredes nessas cerâmicas varia entre 0,30 cm e 1,50cm.
Observamos que as mais finas, até 0,60 cm, podem ser atribuídas às cerâmicas
feitas em torno e as paredes de espessura entre 0,60 a 1,50 cm foram medidas nas
cerâmicas confeccionadas manualmente.
Depois das separações e classificações feitas em laboratório, pudemos
observar (pela amostragem) quatro padrões decorativos que se assemelham.
A seguir, as figuras 1 e 2 referentes aos fragmentos cerâmicos da Fortaleza
de Nossa Senhora da Conceição, que apresentam diferentes técnicas de confecção,
mas semelhanças quanto aos padrões decorativos.
49
Figura 1: Em cima – borda cerâmica confeccionada por torno. Embaixo – borda cerâmica produzida
manualmente.
Figura 2: Os dois fragmentos do lado esquerdo – bordas de cerâmica manual. Lado direito – borda
cerâmica de torno.
Os cinco fragmentos fotografados216 (figuras 1 e 2), correspondem a 3 bordas
de cerâmicas produzidas manualmente e duas confeccionadas em torno. Sendo que
essas cerâmicas manuais foram coletadas duas no corredor frontal - parte externa
do Paiol da Pólvora - no nível arqueológico 5 (o nível final dessa construção, ou seja,
o nível de ocupação mais antigo) e uma identificada como material de superfície.
Enquanto as cerâmicas de torno estavam uma no entorno da Fonte de Água217 - no
nível arqueológico 3 e a outra no material de superfície.
216
Todas as fotografias tiradas da cerâmica da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, foram
tiradas no MU/UFSC por Katiely Michielin.
217
Todo o material coletado na Fonte de Água foi encontrado em seu entorno, pois essa Fonte na
verdade é um pequeno poço coberto por uma espécie de casinha.
50
Podemos observar neste caso, que a cerâmica manual estava presente na
camada mais antiga de ocupação da Fortaleza. E a cerâmica de torno foi coletada
em um nível arqueológico intermediário.
Na figura 3, outro padrão decorativo semelhante que pudemos observar.
Ambos os fragmentos foram coletados na Fonte de Água, sendo, mais uma vez, a
cerâmica manual encontrada no nível arqueológico 5 e a cerâmica de torno no nível
03. Permanecendo a observação quanto ao nível arqueológico e o modo de
produção cerâmica, ou seja, constatando-se que a cerâmica manual corresponde a
um período mais antigo em relação àquela confeccionada no torno.
Figura 3: À esquerda –cerâmica manual e à direita – borda de cerâmica de torno.
A figura 4 trás uma cerâmica ‘tipo prato’, confeccionada manualmente (essa
cerâmica teve a espessura medida mais grossa – com 1,5 cm) e duas bordas de
cerâmicas de torno, todas contendo incisões onduladas. Neste caso não foi possível
constatar a relação entre os níveis arqueológicos, pois a cerâmica manual e uma
das bordas cerâmicas de torno (vermelha) foram coletadas entre a construção do
Paiol da Pólvora e da Fonte de Água, portanto, materiais de superfície. Somente o
fragmento de borda menor produzido por torno estava inserido no entorno da Fonte
de Água – pertencendo aos níveis arqueológicos 1 e 2. Para esta continua sendo
válida a observação de que a cerâmica produzida através do torno se encontra em
camadas arqueológicas mais recentes.
51
Figura 4: Fragmento maior – cerâmica ‘tipo prato’ produzida manualmente. Fragmento de borda
vermelha (abaixo) – confeccionada por torno e fragmento menor de borda (à esquerda) – cerâmica de
torno.
A figura 5, conta com a imagem de dois fragmentos com decoração muito
semelhantes. Ambas foram coletadas no Paiol da Pólvora, onde a cerâmica manual
foi coletada no corredor frontal – no nível arqueológico 5 e a cerâmica de torno no
corredor lateral direito – sem identificação do nível. Podendo assim, apenas
confirmar o nível no qual estava inserida a cerâmica manual, que foi a última
camada arqueológica constatada para o entorno desta construção.
Figura 5: à esquerda: fragmento de cerâmica – produção manual. À direita: fragmento de cerâmica–
confecção por torno.
52
Pudemos verificar, dentre as peças de amostragem utilizadas nas
comparações referentes às técnicas de modelagem, que as cerâmicas produzidas
manualmente apareceram sempre em níveis arqueológicos mais antigos. Enquanto
as confeccionadas por torno oleiro foram verificadas para os níveis intermediários –
quando inseridas no contexto da construção.
Supondo, dessa forma, que a implantação do torno oleiro em Santa Catarina,
tenha acontecido depois da construção da Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição. Como colocado por alguns autores218, o torno teria sido implantado pelos
luso/açorianos, que começaram a chegar ao litoral catarinense em 1748, portanto
depois da construção da Fortaleza – esta construída em 1742.
As constatações relativas à continuidade nos padrões decorativos referente à
cerâmica produzida manualmente em relação à cerâmica produzida por torno foram
positivas - como vimos nas fotografias. É possível pensar em algumas hipóteses
para essa continuidade, como por exemplo, uma integração entre os grupos que já
produziam a cerâmica manual e os oleiros que passaram a confeccioná-la através
do torno. Nesta linha de raciocínio podemos supor uma transmissão de
conhecimento e de técnicas de decoração entre os artesãos.
Cabe ainda, levantar a hipótese de que os indivíduos ou grupos que
confeccionavam a cerâmica manual foram inseridos no trabalho das olarias, abertas
em Desterro e no Continente. Temos nos relatos de viajantes registros sobre a
cerâmica de barro cozido sendo vendida em maior escala, no início do século XIX, o
que necessitaria de uma olaria e numerosa mão de obra. Em 1803 há comentários
de existir na Ilha de Santa Catarina “[...] excelente stratus de esplêndida argila
vermelha, com a qual fabricam jarros, utensílios de cozinha, grandes potes de água,
entre outros – exportados em quantidades consideráveis para o Prata e para o Rio
de Janeiro.”219
Temos, por exemplo, a notícia da vinda à Ilha de Santa Catarina, de um fiscal
oleiro Bartolomeu Furtado - na mesma época em que os casais açorianos220. E
218
Oswaldo Rodrigues Cabral e Walter Fernando Piazza.
Mawe, John. Capítulo VIII. HARO, Martim Afonso Palma de (Org.). Ilha de Santa Catarina: relato
de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. 4. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1996. p. 190.
220
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Assuntos insulanos. Florianópolis: [s.n.], 1948.
219
53
apesar de não ter encontrado a datação, a atual Rua Hercílio Luz – no centro de
Florianópolis, já foi chamada de Rua das Olarias221.
Tentamos responder as questões inicialmente propostas para este estudo,
verificando de forma afirmativa para uma continuidade de certos padrões
decorativos, apresentados neste trabalho através de imagens. Analisamos, ainda,
em relação aos níveis arqueológicos que as cerâmicas foram coletadas –
constatando que as peças produzidas manualmente estavam inseridas em níveis
mais antigos e as confeccionada por torno em níveis arqueológicos intermediários.
Contudo, no decorrer do estudo nos deparamos com outras duas questões,
que dizem respeito a uma possível comparação entre a decoração das cerâmicas
encontradas na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição e das decorações em
cerâmicas coletadas em sítios pré-coloniais indígenas Guarani e africanos falantes
Bantu. Além de tentarmos relacionar a cerâmica da Fortaleza como sendo de
Tradição Neobrasileira.
Tais questões serão tratadas, a seguir, a título de prospecção, pois seria
possível desenvolver outros estudos com estas temáticas. Ambas as problemáticas,
em nosso entendimento, se relacionam de alguma forma ao estudo que fizemos
sobre a cerâmica decorada da Fortaleza, mas daremos apenas uma visibilidade
sobre elas, ficando a sugestão para pesquisas futuras.
Com relação aos grupos que possivelmente confeccionaram as cerâmicas de
barro cozido decoradas, coletadas na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição,
podemos através de imagens tentar uma possível comparação entre essa cerâmicas
e das cerâmicas decoradas coletadas em sítios pré-coloniais indígenas Guarani, na
Ilha de Santa Catarina222 e ainda, as cerâmicas decoradas coletadas em sítios précoloniais africanos de falantes Bantu, em Angola223. Sem a preocupação neste
momento com o tipo de confecção.
Falar da cerâmica decorada produzida por grupos Guarani é tão complexo
quanto falar em uma cerâmica confeccionada por grupos Bantu, tanto pelo longo
período de suas existências e produção quanto pela quantidade de padrões
221
ANTIGOS nomes de ruas de Florianópolis. Disponível em: <www.pmf.sc.gov.br> . Acesso em: 10
dez. 2007.
222
Acervo do Museu do Colégio Catarinense.
223
EVERDOSA, Carlos. Arqueologia Angolana. República Popular de Angola. [s.d.]. e MARTINS.
João Vicente. Os ‘pembos’ (trincheiras defensivas) no nordeste de Angola. Leba. Nº5, 1982.
54
decorativos que são referidas a esses grupos. Contudo, através do material de que
dispomos, faremos apenas algumas observações possíveis.
A seguir, nas figuras 6 e 7, imagem de algumas cerâmicas coletada em sítio
pré-colonial Guarani, na Ilha de Santa Catarina. Essas decorações são muito
recorrentes entre o material cerâmico decorado desse grupo. No entanto, não
encontramos nenhuma cerâmica na Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição que
se assemelhe a esse padrão decorativo. A observação de apenas alguns tipos de
padrões decorativos não é suficiente para que possamos fazer qualquer
constatação. Seria necessário um estudo mais aprofundado que contasse com maior
número de peças para uma averiguação acurada.
Figura 6: Fragmentos de cerâmicas decoradas por grupos Guarani - Acervo do Museu do
Colégio Catarinense
Figura 7: Fragmentos de cerâmicas decoradas por grupos Guarani - Acervo do Museu do
Colégio Catarinense
55
Entre o material cerâmico coletado em pesquisas arqueológicas de sítios précoloniais de Angola. Encontramos dois tipos de padrões decorativos que podem ter
alguma similaridade em relação à cerâmica decorada da Fortaleza de Nossa
Senhora da Conceição.
Figura 8: Imagem de um fragmento de borda cerâmica do sítio Macahama
Figura 9: borda cerâmica de torno
225
224
.
com incisões onduladas, material cerâmica da Fortaleza de
Nossa Senhora da Conceição.
226
Figura 10: À direita - dois fragmentos de cerâmica produzidos manual , com incisões onduladas,
cerâmica da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição.
224
EVERDOSA, Carlos. Arqueologia Angolana. República Popular de Angola. [s.d.]. P. 153.
Esse fragmento foi coletado no Paiol da Pólvora - nível arqueológico 4.
226
Os dois fragmentos também foram coletados no Paiol da Pólvora, no nível arqueológico 5.
225
56
Figura 11: Borda de cerâmica com incisões de um sítio em Benfica – próximo a Luanda
Figura 12: fragmento de cerâmica manual
228
227
.
da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição.
Insistimos em dizer que essa aproximação com os possíveis grupos que
confeccionaram as cerâmicas coletadas na Fortaleza de Nossa Senhora da
Conceição, estão aqui apresentadas somente a título de observação. Enquanto
desenvolvíamos a análise no laboratório do MU/UFSC, tivemos a oportunidade de
entrar em contato com o livro sobre pesquisas arqueológicas realizadas em Angola.
Observamos certas semelhanças nestes dois padrões apresentados, tendo em vista
a tentativa de alguns arqueólogos229 em demonstrar que houve influência de grupos
africanos na produção da cerâmica do período colonial, trouxemos tal explanação
para o presente estudo.
Quanto à tentativa de relacionar a cerâmica da Fortaleza como sendo de
Tradição Neobrasileira, são quatro os fatores a serem vistos, primeiro que de acordo
227
EVERDOSA, Carlos. Arqueologia Angolana. República Popular de Angola. [s.d.]. P. 212.
Cerâmica coletada na Fonte de Água no nível arqueológico 5.
229
André JACOBUS, entre outros.
228
57
com sua definição a cerâmica pertencente a essa Tradição é confeccionada por
técnicas ‘indígenas e de outras procedências’, ou seja, ela é produzida através de
técnicas manuais por acordelamento e/ou por molde, o que se confirma para
algumas das cerâmicas analisadas da Fortaleza.
As cerâmicas de Tradição Neobrasileira são utilizadas para ‘uso doméstico’, não
encontrei nenhuma referência de grandes produções cerâmicas antes da chegada
dos açorianos, que trouxeram um novo modo de fabricar a cerâmica – através do
torno, podendo assim supor que a cerâmica produzida antes disso, era destinada
apenas a suprir necessidades locais e cotidianas. Sobre a decoração, a definição
para a cerâmica de Tradição Neobrasileira é de aplicações, entre outra, a de
‘escovadas’, ‘incisas’, ambas constatadas para a cerâmica analisada neste trabalho.
Ainda com relação à cerâmica de Tradição Neobrasileira, é tida como
produzida por ‘neobrasileiros’ ou ‘cablocos’, ou seja, grupos que foram formados
após o contato com os portugueses ou europeus em geral. A cerâmica coletada na
Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, foi muito provavelmente produzida em
datas próximas à sua construção e ocupação militar, ou seja, refere-se a uma
cerâmica de pós-contato.
As questões levantadas objetivaram chamar a atenção para o tema e a
possibilidade de se pensar a cerâmica da Fortaleza como sendo de Tradição
Neobrasileira. Para tratar desse tema será necessário desenvolver trabalhos
posteriores com pesquisas mais amplas e aprofundadas.
58
5
Considerações Finais
Feito e concluído o presente estudo, ficam-nos mais indagações que
certezas. O material analisado, proveniente dos sítios arqueológicos, delimitados na
Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição responde algumas questões propostas
ao iniciarmos nosso trabalho, relacionadas à permanência de certos padrões
decorativos das peças, quando, supostamente, passaram de uma produção de
técnicas manuais para a confecção em torno de oleiro.
Entretanto o transcurso da investigação apresenta novas perguntas
relacionadas à sua ligação com o trabalho cerâmico Guarani ou de procedência dos
falantes Bantu. Tais perguntas, que são porta aberta para novas pesquisas, dizem
respeito à influência indígena na produção das peças e à tecnologia proveniente
aprendida através de mão de obra escrava.
Finalmente a classificação das peças como de Tradição Neobrasileira pode
ser encarada como possível, tendo em vista às características encontradas no
material e próprias de tal classificação.
Além de todas as questões levantadas durante este estudo, existem ainda,
muitas outras possibilidades de análises em relação a cerâmica, como por exemplo,
referências ao tipo de queima, de desengordurantes, entre outros. Há ainda, a
possibilidade de um estudo ampliado, que relacione o material cerâmico das três
fortalezas pesquisadas pela equipe do MU/UFSC. Tem-se também a viabilidade de
estudos referentes a outros tipos de materiais, como a cerâmica branca, vidraria,
objetos pessoais (botões, dedais, etc...). Afinal existe uma grande quantidade e
diversidade de material, de todas as Fortalezas, a serem analisados. Ficando a
sugestão para possíveis estudos posteriores.
A experiência pessoal que se tem, ao concluir um estudo desse, não se refere
somente a escrita e conteúdo, mas também, em todo a busca pelas informações, as
dificuldades e superações nos momentos de análises em laboratório e toda a ajuda
que recebemos durante a trajetória da pesquisa.
Desejamos, que este trabalho possa contribuir, com futuros estudos
interdisciplinares entre História e Arqueologia, pois assim, terá valido todo o esforço
desempenhado no caminho que nos trouxe até aqui.
59
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67
ANEXOS
Figura 1
Mapa de Florianópolis com a localização do Complexo Militar projetado por José da
Silva Pais.
230
230
PROJETO Fortalezas Multimídia. Fortificações da Ilha de Santa Catarina. Disponível em:
<www.fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/>. Acesso em: 15 out. 2007b.
68
Figura 2
Fotos de vários ângulos da Ilha de Araçatuba, onde se localiza a Fortaleza de Nossa
Senhora da Conceição
231
231
PROJETO Fortalezas Multimídia. Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba.
Disponível em: <fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=aracatuba>. Acesso
em: 15 out. 2007a.
69
Figura 3
Planta atual da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição.
Projeto do arquiteto Roberto Tonera – Pró-reitoria de cultura e extensão – PRCE/UFSC.
LEGENDA
1234-
Paiol da Pólvora (Pesquisado arqueologicamente - PA)
Fonte de Água (PA)
Antigo Paiol da Pólvora
A) Quartel da Tropa (PA)
B) Casa do Comandante
5- Casa da Palamenta (PA)
6- Bateria
7- Casa dos Moços I
8- Cisterna (PA)
9- Casa dos Moços II
10- Casa da Guarda
11- Armazém da praia
70
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
UM OLHAR SOBRE A CERÂMICA DA FORTALEZA DE
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
LUCIENE ROSSI
LHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO PARA A NÇÃO DO DIPLOMA DE DUAÇÃO
EM HISTÓRSOB ORIENTAÇÃO DA DRA. TERESA D. FOSSARI E DA CO-ORIENTADORA M.
MARIA MADALENA VELHO DO AMARAL.
71
Florianópolis/SC, junho de 2008
72
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