aspectos ambientais, hormonais e neurais que levam ao pronto

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Ciências Biológicas e Meio Ambiente
ISSN 2176-9095
2176-9095
ISSN
Science in Health
2010 mai-ago; 1(2): 163-9
“Quando nasce um filho, nasce uma mãe”
“Aspectos ambientais, hormonais e neurais que levam ao pronto
início e à manutenção do comportamento maternal”
“When a child is born, a mother is born”
“Environmental, hormonal and neural aspects that lead to initiation
and maintenance of maternal behavior”
Marcia Harumi Sukikara
Sandra Regina Mota-Ortiz *
Resumo
Abstract
O comportamento maternal, uma das categorias dos comportamentos parentais exibido pelas fêmeas, consiste em
cuidar de um indivíduo neonato e imaturo da mesma espécie, até que este atinja uma maturidade capaz de garantir a
sua sobrevivência. Esse comportamento consiste em cuidados diretos (p.ex. amamentação) e indiretos (p.ex. construção de ninho) apresentados pela fêmea para viabilizar a sobrevivência do neonato. À medida que este se desenvolve
e se torna independente, a expressão do comportamento
maternal das fêmeas diminui. A eclosão e manutenção do
comportamento maternal são controladas pela interação
de fatores ambientais, bioquímicos, hormonais e neurais.
Esta revisão tem por objetivo descrever a regulação hormonal na iniciação e na manutenção do comportamento
maternal e o papel da circuitaria neural responsável pela
regulação motivacional desse comportamento.
Survival of a newborn relies on the mother and her ability
to provide food, warmth and protection from predators
and conspecifics. In this context, we use a definition of maternal behavior, which refers to behaviors displayed during
the very first days immediately before and after parturition
that are preparatory to the arrival of the young (nest building) or are in response to the young (nursing). The aim of
this review is to describe the hormonal factors that regulate
the onset of maternal behavior and the neural circuits, which specifically regulate maternal motivation.
Key words: Maternal behavior
Palavras chave: Comportamento materno.
*Laboratório de Neurociência. Núcleo de Pesquisa em Neurociência (NUPEN). Universidade Cidade de São Paulo – UNICID
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Sukikara MH, Mota-Ortiz SR. “Quando nasce um filho, nasce uma mãe. Aspectos ambientais, hormonais e neurais que levam
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Em 1859, Charles Darwin propôs que os humanos, assim como toda e qualquer outra espécie animal, evoluíram através de um processo gradual, irrefletido e não intencional, denominado seleção natural.
Moralmente neutra, a seleção natural escolhe e avalia
de antemão as probabilidades de vida; o resultado involuntário desse processo é a evolução, definida hoje
como a mudança em frequências genéticas ao longo
do tempo.
Em todo meio ambiente, segundo Darwin, os
organismos defrontam-se com desafios à sua sobrevivência, seja termorregulação, busca por alimento,
confronto com predadores ou territorialidade. Para
as fêmeas, esses problemas convertem-se em obstáculos para manter viva a sua prole. Os indivíduos mais
bem adaptados ao seu meio ambiente sobrevivem e
reproduzem-se, transmitindo os atributos que possuem às futuras gerações. Os perdedores na luta da
sobrevivência morrem antes de ter uma oportunidade para procriar, ou produzem menos filhos. Por fim,
sua linhagem extingue-se.
Dessa forma, conclui-se que o teste final da competência genética de um animal é o número de descendentes que sobrevivem até a idade reprodutiva.
Assim, como o processo de seleção natural favorece
os animais reprodutivamente competentes, também
favorece aqueles que cuidam adequadamente de seus
filhotes.
Define-se comportamento parental como o conjunto de cuidados que um indivíduo adulto de uma
determinada espécie investe em um indivíduo neonato e imaturo da mesma espécie, até que este atinja
uma maturidade capaz de garantir a sua sobrevivência
(Numan1, 1994). Dentro dos comportamentos parentais, inclui-se o comportamento maternal e, também,
o comportamento paternal, exercido por machos de
algumas espécies de roedores.
Filogeneticamente, o comportamento maternal
pode ser primeiramente observado em peixes teleósteos. No entanto, a complexidade e a diversidade
desse comportamento são observadas em seus graus
máximos em aves e, especialmente, em mamíferos,
nos quais é possível quantificar e qualificar os parâmetros comportamentais desempenhados pela fêmea
lactante.
Interessantemente, 90% das espécies de pássaros
dividem o cuidado da prole entre fêmeas e machos,
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caracterizando com isso um comportamento biparental; enquanto 90% das espécies de mamíferos são
consideradas uniparentais, pois cabe a fêmea o cuidado com a prole.
Segundo Lonstein et al.2 (2003), a dramática transição na resposta materna que ocorre entre o acasalamento e o aleitamento é uma das mais marcantes modificações comportamentais que ocorre em animais
adultos. Muitos são os trabalhos que, utilizando a
observação de fêmeas lactantes de diversas espécies,
procuraram descrever e discutir essas modificações,
na tentativa de explicar de que forma o nascimento
de um filho desencadeia imediatamente o nascimento
de uma mãe. A maioria desses estudos envolveu roedores; poucos descreveram as bases neurais e endócrinas do comportamento maternal em primatas.
O comportamento maternal de ratas consiste
em cuidados diretos, tais como busca e agrupamento, amamentação e limpeza dos filhotes, e indiretos,
como agressividade e construção do ninho, apresentados pela fêmea para viabilizar a sobrevivência do
neonato. À medida que este se desenvolve e se torna
independente, a expressão do comportamento maternal das fêmeas diminui. Assim, está bem estabelecido que os parâmetros característicos do comportamento maternal de ratas, como por exemplo, busca
dos filhotes, agrupamento dos mesmos e permanência da rata sobre a ninhada em postura apropriada à
amamentação, são mais intensos na primeira semana
após o nascimento da prole do que nas semanas seguintes, quando os filhotes vão se desenvolvendo e
adquirindo habilidades para assegurar sua própria sobrevivência (Numan et al.1 1994).
A eclosão e a manutenção do comportamento
maternal são controladas pela interação de fatores
ambientais, bioquímicos, hormonais e neurais (Numan1 1994). Mudanças hormonais que ocorrem no final da gestação e durante a lactação, como a alteração
dos níveis de estrógeno, progesterona, prolactina e
ocitocina, são necessárias para a eclosão e manutenção do comportamento (Numan1 1994; Sanyal3 1978;
Shaikh4 1971; Thorbourn e Challis5 1979), enquanto
os sítios neurais mobilizados são responsáveis pela
sua expressão.
Estímulos ambientais que induzem e mantêm o comportamento maternal
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As fêmeas de roedores iniciam o cuidado maternal
assim que os filhotes nascem. Parte desse efeito se dá
pelas alterações hormonais pré-natais, mas a passagem dos filhotes pelo canal vaginal também é capaz
de estimular o comportamento maternal: a distensão artificial do canal vaginal em fêmeas não grávidas
estimulam o comportamento maternal, enquanto a
deaferentação retarda o seu aparecimento (Graber e
Kristal6 1977; Yeo e Keverne7 1986).
Dentre as modalidades sensórias mais importantes
para o início do comportamento maternal em roedores estão o olfato e a sensação somática. Contudo,
outras modalidades sensoriais estão envolvidas nesse
controle, como por exemplo: a vocalização ultrassônica emitida pelos filhotes sinalizando frio ou fome e
estímulos táteis envolvendo o uso da boca na maioria
das respostas maternais como, a busca e o agrupamento dos filhotes. Segundo Stern8,9 1989a e 1989b,
as informações somatossensoriais recebidas pela região perioral enquanto a mãe cheira ou movimenta os
filhotes exercem um importante papel na iniciação de
vários comportamentos maternais, como agrupamento e limpeza dos filhotes, construção e reparo dos
ninhos, ataque e mordida contra intrusos.
A resposta tátil dos filhotes sobre a superfície ventral da mãe também é importante. Quando a região
ao redor da boca dos filhotes é anestesiada de tal
forma que não possam se acomodar sob o ventre da
mãe, ela não apresentará a postura de cifose fisiológica, que é necessária para amamentá-los. Contudo, ela
recuperará os filhotes e irá lambê-los.
Controle hormonal do comportamento maternal
Como acabamos de observar, os hormônios não
são essenciais para a ativação das respostas envolvidas no comportamento maternal, apenas a exposição
aos filhotes garantirá esse comportamento. Contudo,
muitos aspectos do comportamento maternal são facilitados pelos hormônios; como o comportamento
de construção do ninho que é facilitado pela progesterona durante a gestação e pela prolactina após o
parto.
Uma queda brusca de progesterona plasmática e
aumento nos níveis séricos de estrógeno e prolactina
(Figura 1) são essenciais para que ocorra o pronto início do comportamento maternal, concomitantemente ao nascimento dos filhotes (Numan1 1994). Moltz
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et al.10 (1970) demonstraram a indução do comportamento maternal em ratas ovariectomizadas, após
tratamento com estrógeno, seguido de aplicações de
progesterona e prolactina. Dentro de 48 horas de
exposição aos filhotes, essas fêmeas, submetidas ao
tratamento hormonal completo, expressaram respostas comportamentais envolvidas no cuidado com
a prole, como a construção do ninho, busca e agrupamento, limpeza, manter-se em postura apropriada
sobre os filhotes e mantê-los aquecidos, enquanto
fêmeas que receberam só dois dos três hormônios,
não apresentaram o comportamento maternal com
a mesma prontidão, indicando, portanto que a alteração do perfil hormonal (progesterona, estrógeno e
prolactina) no final da gestação é fundamental para a
eclosão do comportamento maternal.
Outros hormônios lactogênicos produzidos pela
placenta também podem estimular o comportamento
maternal.
Prolactina Estradiol
(ng/ml)
(ng/ml)
100
0.75
80
0.60
60
0.45
40
0.30
20
0.15
0
0
Progesterona
(ng/ml)
140
120
100
80
60
40
20
0
2
4
Inseminação
6
8 10 12 14 16 18 20 22
Gravidez
Parto
Figura 1: Níveis plasmáticos de progesterona, estradiol e
prolactina em ratas prenhes. (Fonte: Advances in
the Study of Behavior 1979; 10. p 225-311)
Controle Neural do Comportamento Maternal
Progesterona, estradiol e prolactina interagem
com diversos sítios neurais envolvidos na modulação do comportamento maternal, sendo que a área
pré-óptica medial, região do prosencéfalo que exerce
papel crítico sobre o comportamento sexual masculino, parece ter um papel crucial na expressão e
manutenção das respostas maternais (Bridges et al.11
1985; Bridges et al.12 1990; Bridges e Freemark13 1995;
Numan1 1994; Numan et al.14 1977). Numan et al.14
(1977) demonstraram que um implante de estradiol
na área pré-óptica medial reduz as latências para o
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comportamento maternal, podendo interferir no aumento da motivação para o comportamento e facilitando o controle motor a ele associado. Em outro
estudo, os mesmos autores relatam que lesões nessa
área em ratas primíparas interrompem todos os parâmetros do comportamento, ou seja, a busca dos
filhotes, construção do ninho e a amamentação (Numan et al.14 1977).
Corroborando, neurônios da área pré-óptica medial apresentam receptores de estrógeno, progesterona, prolactina e ocitocina (Simerly et al.15 1990,
Kremarik et al.16 1995, Numan et al.17 1990, Bakowska
e Morrell18 2003) e a expressão do comportamento
maternal induz a um aumento na atividade neuronal
(identificada pelo aumento na expressão da proteína Fos) desse sítio neural, observada principalmente
quando as fêmeas estão em contato com os filhotes,
uma vez que a retirada destes induz a um decréscimo
na expressão da proteína Fos nesse sítio neural. Adicionalmente, Giordano et al.19 (1989) demonstraram
que a concentração de receptores de estradiol na
área pré-óptica medial aumenta durante a gravidez e
parece refletir o efeito indutor produzido pela sequência de hormônios que ocorre durante a gestação.
Portanto, a área pré-óptica medial pode ser modulada tanto pela informação hormonal quanto pela informação sensorial, ambas críticas para a eclosão e
manutenção do comportamento maternal.
Dessa forma, podemos assumir que em termos
etológicos a área pré-óptica medial desempenha um
papel fundamental tanto na fase apetitiva (agrupamento dos filhotes) quanto na fase consumatória (amamentação) do comportamento maternal.
A área pré-óptica medial pode atuar modulando a
fase consumatória do comportamento maternal através de uma projeção para um setor particular do mesencéfalo, a coluna ventrolateral da matéria cinzenta
periaquedutal. Esse sítio neural parece ter um papel
importante na integração sensoriomotora durante a
amamentação, uma vez que recebe importante informação sensorial proveniente da sucção dos mamilos
pelos filhotes e modula a postura de cifose fisiológica
que consiste no arqueamento do dorso para a amamentação (Lonstein e Stern20 1997).
Por outro lado, a projeção da área pré-óptica medial para outro sítio neural no mesencéfalo, a área
tegmental ventral, parece ter um papel crítico na modulação dos aspectos apetitivos do comportamento
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maternal, caracterizados pelas respostas voluntárias
desencadeadas pela lactante, principalmente o agrupamento dos filhotes. A área tegmental ventral possui diversas projeções ascendentes e descendentes
(Fallon e Moore21 1978, Beckstead et al.22 1979, Simon
et al.23 1979), sendo que algumas dessas projeções
ascendentes alcançam o estriado, particularmente a
porção ventral. Visto que as estruturas estriatais fazem parte do sistema motor extrapiramidal, que têm
influências sobre os mecanismos corticais e prosencefálicos da função motora, a projeção área pré-óptica medial – área tegmental ventral ganha acesso ao
sistema motor e promove processos relacionados ao
comportamento maternal, cujo principal neurotransmissor envolvido é a dopamina (Conrad e Pfaff24 1976,
Swanson et al.25 1984, Young et al.26 1984, Haber et
al.27 1985; Numan et al.28 2005). A interrupção da via
dopaminérgica oriunda da área tegmental ventral para
a porção ventral do estriado, em especial o núcleo
accumbens, induz a uma drástica queda nas respostas
voluntárias do comportamento, sobretudo o agrupamento dos filhotes (Hansen et al.29 1991). Segundo
Numan et al.28 (2005), a interação da dopamina com
receptores dopaminérgicos do tipo D1 no núcleo accunbens é essencial para a expressão das respostas
voluntárias do comportamento maternal.
Substâncias moduladoras do comportamento maternal
Além dos hormônios mencionados anteriormente, outras substâncias podem estimular ou inibir o
comportamento maternal e os efeitos observados,
podem ser devidos aos seus papeis na modulação dos
sistemas noradrenérgicos, dopaminérgicos e serotoninérgicos que estão envolvidos no comportamento
maternal. Por exemplo, a destruição dos neurônios
noradrenérgicos dos bulbos olfatórios de rato, através da injeção de uma neurotoxina seletiva, 6-hidroxi-dopamina, inibe o comportamento maternal (Dickinson e Keverne30 1988), o mesmo ocorre com a
administração de cocaína, uma droga que bloqueia
a reabsorção de dopamina (Zimmerberg e Gray31
1992). A administração de paraclorofenilalanina, uma
droga que inibe a síntese de serotonina, aumenta o
infanticídio pós-parto, enquanto lesões neurotóxicas
do núcleo da rafe causam uma ruptura temporária
no comportamento maternal, indicando um possível
papel da serotonina nesse comportamento (Numan1
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Figura 2: Todas as mães equilibram trocas entre subsistência e reprodução. Hrdy35, 2001 (Fotógrafo
desconhecido)
1994).
Dentre as várias substâncias moduladoras do comportamento maternal, os opioides e as anfetaminas
são tidos como potentes inibidores desse comportamento. Dessa forma, Slamberová et al.32 (2001) demonstraram que o tratamento com morfina é capaz
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de inibir a ativação e a expressão dos cuidados maternos de ratas lactantes, causando déficits em atividades como limpeza e agrupamento da prole e altera o
desenvolvimento neural e comportamental dos filhotes. Adicionalmente, ratas tratadas com anfetamina
durante os 10 primeiros dias de lactação apresentam
um déficit nos cuidados maternais, como limpeza dos
filhotes, interação com a prole e construção do ninho
(Franková33 1977).
Certamente o desafio de engravidar e de garantir
a sobrevivência da prole induz alterações persistentes no cérebro materno, capazes de interferir com as
emoções, memória, aprendizado e de explicar a facilidade com a qual as mães executam múltiplas tarefas
simultâneas (Figura 2). Todas as mães mantêm um
equilíbrio entre os meios de sobrevivência e reprodução. Para os mamíferos, esse balanceamento da subsistência e reprodução durante o período pós-parto
é fundamental, pois exige uma grande capacidade de
adaptação e versatilidade. Assim, uma estratégia bem
sucedida para a manutenção de certas espécies pode
depender da seleção da resposta comportamental de
maior valor adaptativo (Felicio e Canteras34 2008).
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