Glioblastoma multiforme a história de um médico Aos 47 anos, ele decidiu falar publicamente do câncer no cérebro que teve aos 31. Foi durante uma experiência neurológica, em que se ofereceu como cobaia, que David descobriu, por acaso, que era portador de um tumor do tamanho de uma noz. Submetido a uma cirurgia e a sessões de quimioterapia, o médico venceu a doença, mas não abandonou os maus hábitos – continuou a comer mal, a não se exercitar e a se deixar levar pelo stress. Com a recidiva do câncer, ele mudou radicalmente a forma de encarar e combater a doença. Essa virada é o tema de seu livro Anticâncer – Prevenir e Vencer Usando Nossas Defesas Naturais . David é o primeiro dos quatro filhos de Jean-Jacques Servan-Schreiber, jornalista, ensaísta e político francês. Fundador da revista L’Express, em 1953, que tinha entre seus colaboradores os escritores Albert Camus e Jean-Paul Sartre, ServanSchreiber, morto em 2006 de complicações advindas da doença de Alzheimer, era um homem brilhante, bonito e charmoso – tanto que era chamado de "Kennedy francês". No livro, David conta que uma de suas maiores aflições foi dar a notícia da própria doença ao pai: "Escutando a voz dele, meu coração se apertou. Tinha o sentimento de que ia apunhalá-lo... Ele nunca se negara a entrar em nenhum combate, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. Mas, nesse caso, não haveria combate. Nenhuma ação militar. Nenhum artigo incisivo a escrever". De Paris, ele deu a seguinte entrevista à repórter Anna Paula Buchalla: A DESCOBERTA DO CÂNCER – Diagnosticado com a doença pela primeira vez há dezesseis anos, fui tratado pelos métodos convencionais. Nove anos depois, no entanto, tive uma recaída. Decidi, então, pesquisar tudo o que era possível fazer naturalmente, sem recorrer a remédios, para ajudar meu corpo a se defender do câncer. Municiei-me de todo tipo de informação sobre a doença. Hoje, acho que todos os pacientes deveriam fazer o mesmo. Esse é, sem dúvida, o melhor caminho para que médicos e pacientes se tornem parceiros na condução de um tratamento. Infelizmente, ainda não me sinto curado. Em geral, meu tipo de câncer não desaparece. Mas, se eu mantiver o "terreno" saudável, eu e minhas células cancerosas continuaremos a conviver como bons vizinhos por um tempo – talvez um longo tempo. A EXPERIÊNCIA COMO PACIENTE – Foi difícil aceitar que eu era simplesmente um paciente. Eu me agarrava como podia ao status de médico e ia às consultas de jaleco e crachá. Mas consegui perceber exatamente como se sente um doente. Muitas vezes tinha a sensação de que ninguém se interessava por quem eu era, como se todos só quisessem saber o resultado da minha última tomografia. Eu sempre me considerei o tipo de médico gentil e atencioso com meus pacientes, mas a doença me fez ver que meu comportamento estava muito longe do ideal. Depois disso, mudei radicalmente o modo de praticar a medicina. O ENFRENTAMENTO DA MORTE – Se há algo de bom em ficar cara a cara com a morte é que se compreende quanto a vida é preciosa. Esse enfrentamento mostra que não se deve desperdiçar a chance de contribuir de alguma forma para a existência dos outros – é isso que fica depois que você vai embora. Apesar de conviver permanentemente com a ameaça de o tumor voltar, eu consigo levar uma vida normal. Na verdade, sinto-me muito mais saudável fisicamente e mais "normal" emocionalmente do que antes de saber que tinha câncer. O que eu fiz para mudar a minha vida me tornou uma pessoa mais equilibrada em todos os sentidos. O PESO DO ESTILO DE VIDA– Durante muito tempo, acreditou-se que o câncer era, sobretudo, uma questão de genética – e um mal inevitável para quem está propenso a ele. O crescimento no número de casos da doença mostra que a influência dos fatores externos, como os hábitos de vida e o ambiente, é mais impactante na manifestação do câncer do que os genes. A genética é responsável por apenas 10% a 15% dos casos. Defendo a teoria de que todos temos um câncer dormindo dentro de nós. É nosso estilo de vida que vai ou não determinar seu desenvolvimento – seja nutrindo as células cancerosas, seja alimentando os mecanismos de defesa do organismo que impedem a formação de um tumor. O diagnóstico de câncer, porém, não deve jamais criar um sentimento de culpa no paciente. Eu não me sinto culpado nem por um segundo por ter desenvolvido câncer. Eu não fazia a menor idéia de que estava exposto a tantos fatores prócâncer na minha vida. E talvez eu nunca saiba quais deles foram os mais críticos. Mas conhecer os mecanismos biológicos anticâncer no meu organismo me dá força para enfrentar a doença. A IMPORTÂNCIA DA DIETA – A alimentação é um elemento-chave na luta contra o câncer – o mais essencial deles, na minha opinião. Pode-se atribuir à dieta a razão principal para a expansão da doença. Nos últimos cinqüenta anos, houve três mudanças muito significativas em nossa alimentação: o aumento do consumo de açúcar refinado, a utilização de produtos químicos na fabricação dos alimentos, como corantes e conservantes, e a mudança do padrão alimentar de animais como vacas e frangos. O consumo de açúcar refinado, que em 1830 era de 5 quilos por pessoa, no ano 2000 chegou a inacreditáveis 70 quilos per capita. Atualmente, os ovos têm vinte vezes mais ômega-6 do que nos anos 70. Em excesso, esse tipo de gordura, usado na ração das aves, facilita o acúmulo exagerado de células adiposas. AS FERIDAS PSÍQUICAS – Nós estamos apenas começando a entender como os fatores psicológicos influenciam o surgimento de um câncer. Muitos pacientes com quem conversei se lembram de um stress emocional muito forte nos meses ou anos que precederam o diagnóstico de câncer. Certos acontecimentos são tão dolorosos que destroem a imagem que fazemos de nós mesmos ou minam a confiança que tínhamos em alguém. É o caso de alguns rompimentos amorosos. Algumas feridas psíquicas não cicatrizam sozinhas. É preciso encontrar formas de lidar com elas, pois essas feridas repercutem em todo o organismo. MEDICINA TRADICIONAL X MÉTODOS ALTERNATIVOS – Eu diria que o tratamento convencional salvou a minha vida, mas não me ajudou a prevenir a recorrência do câncer. A relação entre estilo de vida e câncer é tão estreita e evidente quanto a associação entre os hábitos cotidianos e as doenças cardiovasculares. O que me surpreendeu ao constatar isso foi o fato de que ninguém nunca havia me falado sobre tais evidências – nem meus professores na faculdade de medicina nem meus próprios oncologistas. Opções de vida mais saudáveis, como meditação e alimentação equilibrada, foram e são cruciais para o fortalecimento de meu organismo contra a doença. Em minha opinião, tanto os recursos da medicina convencional como os métodos alternativos são indispensáveis e complementares. O PAI – Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, meu pai fazia questão de jantar com os filhos. Por causa de sua vida pública, havia quase sempre convidados em casa e ele insistia para que nós, as crianças, nos sentássemos à mesa. Éramos estimulados a fazer perguntas e participar das discussões. Tenho certeza de que isso me ajudou quando chegou a minha hora de questionar as posições da medicina tradicional. Quando meu pai foi diagnosticado com Alzheimer, ele se tornou, por incrível que pareça, uma pessoa mais suave e tranqüila. Era terrível vê-lo roubado de suas capacidades intelectuais, mas havia também algo de belo quando ele, com um sorriso, dizia: "Finalmente, eu posso simplesmente ser quem eu sou".