Brasil é um país machista, diz ONU

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DIÁRIO DE S. PAULO - quarta-feira / 8 DE Março DE 2017
ENTREVISTA
Valéria Scarance_coordenadora do núcleo de gênero do MP
‘As autoridades devem sempre buscar
e garantir a segurança da vítima’
Um problema enfrentado é
o aumento do número de casos de violência sexual.
Esse é um problema nacional. Dados não oficiais apontam que ocorre um estupro a
cada 12 segundos. Por ano, por
exemplo, o país registra mais
de 520 mil casos do tipo. Deste
total, apenas 10% são reportados à polícia.
Se a problemática é tão séria, por que há esse silenciamento das vítimas?
Há diversos fatores, mas
alguns deles são medo, vergonha e sentimento de culpa,
porque a mulher acha que
pode ter falhado em algo. Mas
também existem outros duas
grandes questões: o julgamento moral de conhecidos e até
de autoridades, além do fato
de que muitas vezes o abusador é alguém da família.
Autoridades julgam a vítima? O sistema é machista?
Estamos em um processo
de transformação, mas ainda
existem e a gente deve cobrar
uma postura. As autoridades
não podem questionar nem
divulgar a vida privada da
mulher como seus relacionamentos passados. Isso não importa. É preciso sempre buscar
e garantir a segurança da vítima durante todo o processo de
denúncia e investigação.
Frases preconceituosas do tipo “mulher no volante, perigo constante” foram
objeto de pesquisa da entidade e quase a totalidade chegou à essa conclusão
Quem é mulher já deve
ter ouvido frases como
“mulher no volante perigo constante”, “você é uma
menina, não pode fazer isso”,
“sair à noite sozinha é pedir”.
Essa e outras dezenas de falas
preconceituosas, repetidas à
exaustão nas ruas do país cotidianamente, foram submetidas pela ONU (Organização
das Nações Unidas), em outubro de 2016, ao crivo de 20 mil
entrevistados em todo o país.
E o resultado foi praticamente unânime: cerca de
80% deles e 95% delas consideram o Brasil um país machista, por esse e outros tantos
motivos. Por conta disso, a
entidade considera o problema estrutural na sociedade.
A redatora Luciana Faustine, de 26 anos, por exemplo,
deixou de ir ao açougue, porque um dos funcionários fazia
perguntas constrangedoras.
“Eu comecei a passar de cabeça baixa, porque ele olhava
para meu corpo de uma forma
horrível”, contou.
Já a estudante Carla Souza,
24, ouviu do próprio pai que
ela nunca iria aprender a diri-
Reprodução da campanha da ONG Think Olga
A promotora de Justiça e coordenadora do núcleo de gênero
do MP-SP (Ministério Público
do Estado de São Paulo), Valéria Scarence, ressaltou a importância da Lei Maria da Penha e como a mulher deve ser
tratada quando é violentada.
“Ela precisa ter sua vida privada segura desde o primeiro
contato (na delegacia).”
DIÁRIO_ Como é a atuação
do MP em casos de violência
contra mulher?
VALÉRIA SCARENCE_ Existem diversas ações que o Gevid (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à
Violência Doméstica) faz. Um
deles é um grupo, no qual reunimos as mulheres que foram
violentadas e estão com o processo em andamento. A ideia,
por exemplo, é levar a elas o
conhecimento sobre o assunto como inquérito policial,
onde encontrar atendimento e
como fazer para reunir provas.
Existem outros trabalhos?
Temos diversas campanhas
sobre como o machismo está
ligado ao problema de violência e também uma cartilha
que mostra os sinais e tipos de
violência. Essa cartilha qualquer pessoa pode acessar no
site do MP (mpsp.mp.br) e é
importante, pois muitas mulheres não têm conhecimento.
Brasil é um país
machista, diz ONU
gir. “Ele falou que, por eu ser
mulher, era melhor pagar por
um táxi”, relatou.
“FIU FIU” NÃO / Como forma
de combater o assédio sexual
em espaços públicos, o Think
Olga, ONG voltada para o empoderamento feminino, criou
a campanha “Chega de Fiu
Fiu” na internet. A ideia inicial era abordar o assunto por
OUTROS CASOS
ESTUPRO COLETIVO
Jovem de 16 anos foi estuprada
por 30 homens no Rio, em junho
de 2016. Caso veio à tona e vida
pessoal da vítima foi divulgada
ASSASINATO
Gerente de bar, 34, é suspeito de
estuprar jovem e matar com taco de
beisebol. Caso aconteceu na Mooca,
Zona Leste, em dezembro de 2016
ASSÉDIO
Mulher relatou em rede social ter
sido vítima de abuso e agressão em
bloco de rua do Carnaval, na Faria
Lima, Zona Oeste, no mês passado
VIOLÊNCIA
A caminho do trabalho em
Guarulhos, mulher foi violentada
física e sexualmente por três
homens, em agosto de 2016
imagens compartilhadas nas
redes sociais. No entanto, a
campanha acabou se tornando um grande movimento
contra assédios em locais públicos e recebe relatos de mulheres de todo o país.
Para reunir os casos em um só
lugar, o site organizou um mapa
do Brasil com os relatos. Para saber mais, acesse http://thinkolga.com/chega-de-fiu-fiu/.
RESPOSTA DA
SECRETARIA
SSP não respondeu
O DIÁRIO entrou em contato
com a Secretaria de Segurança
para ela comentar a escalada
de estupros na capital e a pasta
praticamente repetiu a resposta
da solicitação feita pelo repórter
que assina a matéria da página 4,
embora as solicitações tenham
sido distintas. Uma das ações foi
uma parceria com o Gevid, do MP,
para enfrentamento da questão.
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