Querigma: Alicerce e Fio Condutor de uma Vida Nova

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Querigma: Alicerce e Fio Condutor de uma Vida
Nova em Cristo Jesus
Raul Matienzo - México
O Documento de Aparecida diz, no número 278, inciso a): “O Encontro com Jesus Cristo. Aqueles que
serão seus discípulos já o buscam (cf. Jo 1,38), mas é o Senhor quem os chama: “Segue-me” (Mc 1,14;
Mt 9,9). É necessário descobrir o sentido mais profundo da busca, assim como é necessário propiciar o
encontro com Cristo que dá origem à iniciação cristã. Esse encontro deve se renovar constantemente
pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do querigma e pela ação missionária da comunidade. O
Querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade
do discípulo de Jesus Cristo. Sem o querigma, os demais aspectos deste processo estão condenados à
esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos ao Senhor. Só a partir do querigma há a
possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por isso, a Igreja precisa tê-lo presente em todas as
suas ações”.
Nos números anteriores a este texto, do 243 ao 257, foram apresentadas as distintas presenças de
Cristo. Cristo se faz presente na sua Palavra, na comunidade cristã, na Eucaristia, no pobre. Mas antes
de todas essas presenças, Aparecida fala de uma primeira presença fundamental: a presença
querigmática. Cristo se faz presente na fé: “O encontro com Cristo, graças à ação invisível do Espírito
Santo, realiza-se na fé recebida e vivida na Igreja” (246): O número 278a, com o que começamos o
tema, nos fala, portanto, primeiro de “propiciar o encontro com Cristo que dá origem à iniciação
cristã”. Quer dizer, trata-se de propiciar o primeiro encontro, encontro de Fé que se dá como resposta
à pregação do primeiro anúncio (querigma). Eu convido a Cristo ao meu coração e à minha vida e Ele se
faz presente. Reconheço a Ele. Inicia um Cristianismo vivido seriamente. Por isso diz o 244, “a própria
natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus Cristo e segui-lo”.
Este primeiro encontro, esta presença de fé, diz o mesmo 278a, “deve se renovar constantemente”.
Desta forma, este primeiro encontro deve dar lugar a sucessivos encontros com Cristo na Palavra de
Deus, na oração, na comunidade cristã, na Eucaristia, no pobre. Assim, o querigma com seu fruto, o
Encontro com Cristo, propicia toda uma série de encontros posteriores e vira o fio condutor que
conduz à maturidade do discípulo de Cristo. É este reconhecimento da presença multiforme de Cristo o
que lhe confere um caráter relacional à experiência cristã e nos conduz a experimentar a Cristo e sua
presença ao longo de toda a vida.
Este Encontro não é somente um único encontro. O 279 finaliza dizendo que este encontro deve se dar
sempre e deve abranger todas as dimensões da vida das pessoas e da vida da Igreja, mas que,
primeiramente, na base, está o querigma. O 280 também assinala que este encontro deve ser cada vez
maior com Jesus Cristo experimentado assim como plenitude de humanidade.
O tema desta conferência é o querigma como alicerce e o querigma como fio condutor. São duas
dimensões entrelaçadas cuja importância tentaremos explicar e descobrir.
Quando alguém dizia ao Padre Alfonso Navarro se tinha sido o primeiro a achar o papel do querigma
ou havia descoberto a integralidade da missão, ele respondia com uma expressão mexicana que faz
referência a descobrir algo óbvio ou que não carece de dificuldade para ser encontrado. Ele dizia que
dizer ter descoberto o querigma ou a integralidade da missão da Igreja teria sido em qualquer dos
casos, como “descobrir o fio de linha preto” ou “inventar a água morna”. E efetivamente, o querigma
foi o fio condutor. A partir da tomada de consciência do querigma foi surgindo o resto. Ele dizia sempre
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que preparando uma conferência para um encontro latino-americano, tomou consciência do que era o
querigma, como uma primeira etapa, um primeiro degrau no processo de evangelização.
E essa descoberta levou a todas as outras. No livrinho “História do SINE” fala-se desses passos
sucessivos, como elos de uma corrente, dizia ele, ou como um fio condutor. Como quando uma pessoa
tem um novelo de linha e não consegue desenredá-lo. Procura primeiro a ponta, o começo, e partindo
dela começa a desenredar tudo. Assim tem acontecido com o querigma e todo o desenvolvimento do
Sistema Integral.
Portanto, o querigma foi o alicerce de tudo o que surgiu depois, até o desenvolvimento completo do
SINE com todos seus elementos. Para nós isso é simplesmente a articulação bíblica e também lógica
dos elementos que compõem a Nova Evangelização na Diocese, na paróquia, e em toda comunidade
cristã, que achamos descrita e detalhada em muitos documentos, após o Concilio.
O lineamenta do Sínodo sobre a Nova Evangelização apresenta com muita clareza estes elementos e
sua articulação: “É preciso conceber a evangelização como o processo através do qual a Igreja,
animada pelo Espírito, anuncia e difunde o Evangelho em todo o mundo, seguindo uma lógica que a
reflexão do Magistério sintetizou deste modo: «guiada pelo amor, permeia e transforma toda a ordem
temporal, assumindo e renovando as culturas. Dá testemunho entre os povos do novo modo de ser e de
viver que caracteriza os cristãos. Proclama explicitamente o Evangelho, mediante o primeiro anúncio,
chamando à conversão. Inicia à fé cristã e à vida cristã, através da catequese e dos sacramentos da
iniciação, os que se convertem a Jesus Cristo, ou os que empreendem o caminho do Seu seguimento,
incorporando-os e reconduzindo-os à comunidade cristã. Alimenta constantemente o dom da
comunhão entre os fiéis através da educação permanente da fé (homilia, ministério da Palavra), dos
sacramentos e do exercício da caridade. Suscita continuamente a missão, enviando todos os discípulos
de Cristo a anunciar o Evangelho, com palavras e obras, em todo o mundo»” (Lineamenta 12).
Nós não podemos dizer que isto é SINE. Isto é a missão da Igreja, um processo articulado por etapas.
SINE pega essa articulação e a coloca numa metodologia vivida.
Falemos, então, primeiramente do querigma como alicerce e depois do querigma como fio condutor.
O QUERIGMA COMO ALICERCE
Aparecida o apresenta com muita clareza: “Sentimos a urgência de desenvolver em nossas
comunidades um processo de iniciação na vida cristã que comece pelo querigma e que guiado pela
Palavra de Deus, conduza a um encontro pessoal, cada vez maior, com Jesus Cristo, perfeito Deus e
perfeito homem, experimentado como plenitude da humanidade e que leve à conversão, ao
seguimento em uma comunidade eclesial e a um amadurecimento de fé na prática dos sacramentos, do
serviço e da missão” (289).
O Querigma não é simplesmente a primeira etapa, mas é sim uma primeira etapa. É alicerce da vida
cristã. O número 278a nos lembra disso mesmo com estas palavras: “Sem o querigma, os demais
aspectos deste processo estão condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos
ao Senhor. Só a partir do querigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por
isso, a Igreja precisa tê-lo presente em todas as suas ações”.
Às vezes se pensa que isso do querigma é uma novidade. Muitas coisas que achamos no SINE parecem
novidade. Não são, não. O Querigma não é novidade. No documento de Medellín podemos reler a
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palestra do Arcebispo de Caracas que pela sua doença foi lida por Mons. Samuel Ruiz. Nela achamos
toda a abordagem de Evangelii Nuntiandi e de Aparecida, desde 1968. Cfr. (Segunda Conferencia do
Episcopado Latinoamericano. A Igreja na atual transformação de América Latina à luz do Concílio.
Tomo 1. Palestras. Secretariado geral do CELAM. Bogotá 1969. Pag. 150-153)
Por coisas como estas é que o Pe. Navarro dizia que sua descoberta era como “descobrir o fio de linha
preto” ou “inventar a água morna”.
O Querigma é um alicerce que sempre se põe e se mantém colocado.
O Querigma, portanto, está como alicerce de tudo. Partindo dele, tudo ganha sentido: a catequese, a
teologia, os modos de organização eclesial vão se encontrando e ajeitando-se num plano dinâmico.
Devemos começar dizendo que o querigma não é algo que se coloca uma vez e se esquece. Por isso é
um alicerce, como aquele dos edifícios, que é colocado para ficar, para permanecer. Não somente vai
primeiro, mas também deve se manter firme. Se o alicerce, embora tivesse sido colocado primeiro, for
corroído depois, colocaria em perigo toda a construção.
Assim o alicerce do querigma. Lembro que em outubro ou novembro de 1985 quase todos os
sacerdotes da diocese de Tulancingo, no México receberam o retiro de Evangelização por iniciativa do
bispo deles. Há pouco tinha acontecido o terremoto da cidade de México, um mês antes, e na missa de
encerramento D. Pedro Arandas dizia que do mesmo modo que na cidade de México tinha acontecido
um terrível terremoto, do mesmo modo tinha acontecido, metaforicamente, na sua diocese. E embora
os templos materiais estivessem mais ou menos bem construídos, aos olhos da fé, vendo as pedras
vivas das pessoas, descobriríamos que estavam desabando, com pessoas presas entre os escombros,
do mesmo modo que nesse momento tinha pessoas presas nas ruínas da cidade. E como muitos
prédios tinham desabado porque a corrupção tinha feito que carecessem de bons alicerces. Agora –
continuava dizendo – tinha-se que começar a reconstrução e para que todo fosse sólido se teria que
começar colocando o querigma como esse alicerce fundamental na Igreja.
Este Congresso é dirigido a pessoas e membros de paróquias que já tem iniciado o SINE e a primeira
etapa iniciada pelo SINE na paróquia foi, após de uma visão global do processo, a realização do Retiro
de Evangelização para alguns que fossem futuros líderes. Para muitas pessoas começou tudo com uma
visita missionária em que lhes foi transmitida a boa nova, o querigma.
Mas pode ser que o alicerce não tenha sido colocado bem desde o começo ou as equipes
evangelizadoras falharam ao transmiti-lo, ou já se cansaram de fazer sempre o mesmo anúncio e
acharam mais interessante fazer umas dinâmicas ou um curso espiritual. Então a coesão do plano
pastoral começa a se enfraquecer.
Portanto, uma pergunta acerca disto, não é demais. Ainda evangelizamos? Ainda somos canal do
Espírito que toca e converte? Ou temos passado de alegres proclamadores do querigma a teólogos
meticulosos e sérios do mistério pascal? Não está ruim, mas cada coisa tem o seu momento.
Da mesma forma que para um engenheiro, o alicerce de um edifício não é opcional, no Ministério da
Palavra, o Querigma também não é. Essa primeira etapa, anterior à Catequese, não é algo do que se
pode prescindir nem também dar por feita ou deixar ao arbítrio pessoal.
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Paulo VI dizia que a Evangelização não é algo facultativo, quer dizer, algo que temos a liberdade de dar
ou não dar, e dizia que de por meio dela estava a salvação dos homens.
Importância e necessidade em documentos recentes
Esta necessidade do alicerce querigmático também aparece nos documentos recentes da Igreja.
“O anúncio tem a prioridade permanente, na missão: a Igreja não pode esquivar-se ao mandato
explícito de Cristo, não pode privar os homens da «Boa Nova» de que Deus os ama e salva” (RM44).
“Na realidade complexa da missão, o primeiro anúncio tem um papel central e insubstituível, porque
introduz « no mistério do amor de Deus, que, em Cristo, nos chama a uma estreita relação pessoal com
Ele » e predispõe a vida para a conversão” (RM 44).
“Dar a conhecer Jesus Cristo e o seu Evangelho àqueles que não os conhecem, é precisamente, a partir
da manhã do Pentecostes, o programa fundamental que a Igreja assumiu como algo recebido do seu
Fundador” (EM 51).
“Este primeiro anúncio se destina especialmente àqueles que nunca ouviram a Boa Nova de Jesus e às
crianças, é verdade também que ele se demonstra cada dia mais necessário - e isto por causa das
situações de descristianização frequentes nos nossos dias - igualmente para multidões de homens que
receberam o batismo, mas vivem fora de toda a vida cristã” (EN 52).
“A Igreja deve dar hoje um grande passo em frente na sua evangelização, deve entrar numa nova
etapa histórica do seu dinamismo missionário” (CL 35).
“O problema missionário apresenta-se hoje à Igreja com tal amplitude e gravidade que só se todos os
membros da Igreja o assumirem de forma verdadeiramente solidária e responsável, tanto
singularmente como em comunidade, é que se poderá confiar numa resposta mais eficaz” (CL 35).
Primeiramente trata-se de que exista. De que se dê o querigma, por si só e completo. Existe uma
teologia sobre o querigma e toda catequese deveria ser querigmática enquanto desenvolve as
proposições implícitas no Querigma (CT). Mas deve haver um anúncio querigmático propriamente dito.
Pode se chamar “Primeiro anúncio” às catequeses do Papa nas Jornadas da Juventude, porque para
alguns seria a primeira vez que escutam algo cristão. Nesse sentido amplo da palavra, muitas coisas
poderiam ser chamadas de primeiro anúncio. Porém, tecnicamente o Primeiro anúncio tem um
conteúdo específico, um modo de apresentação próprio e metas concretas.
Portanto, comecemos, antes de revisar se é dado bem ou mal, se esse anúncio é feito. Se não foi
substituído. Se não trocamos seu conteúdo: Diz 1Cor 15,3-5: “Cristo morreu por nossos pecados,
conforme as Escrituras; ele foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras;apareceu a
Pedro e depois aos Doze”. Se não há este anúncio, pergunta Paulo: “como creram se não tem quem
pregue?”
Acontece que talvez nas nossas paróquias já tenhamos falado do amor de Deus em muitas missões. E
alguns dizem: “Chega. Troca de assunto”. Podemos fazer isso?
A mulher apaixonada dirá alguma vez para seu esposo: Chega. Não me fale mais que me amas. Troca
de assunto? Isso não estará revelando, se acontecer assim, um outro problema? E qualquer outro
problema, não revelaria, no fundo, que não existe ou que está falhando o amor?
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A mensagem central do amor e salvação não pode ser substituída por nós. “A Igreja não pode
esquivar-se ao mandato explícito de Cristo, não pode privar os homens da «Boa Nova» de que Deus os
ama e salva” (RM 44).
O que o mundo de hoje necessita
Pode parecer que nossa sociedade não quer conhecer que tem um Pai que a ama. Mas isso é somente
uma aparência. A Boa Nova de que todos temos um Pai que nos ama sem condições, é uma grande
notícia para uma sociedade que, nas palavras do Padre Martín Descalzo, é “uma sociedade de órfãos”.
O mundo de hoje seria como um grande orfanato. Até é verdade –como diz Carlos Castro Cubells – que
“se no mundo hoje existe um grande caos é porque antes ele ficou sem pai”.
Portanto, não podemos aceitar que para o mundo não seja do seu interesse saber por meio de nós que
tem realmente um Pai e que esse Pai o ama. Comunicar a um órfão que Deus é seu Pai não é algo que
possamos calar.
“Evangelizar é, em primeiro lugar, dar testemunho, de maneira simples e direta, de Deus revelado por
Jesus Cristo, no Espírito Santo. Este testemunho se revela plenamente evangelizador quando mostra
que para o homem, o Criador já não é uma potência anônima e longínqua: ele é Pai” (EN 26).
Em Redemptoris Missio: “Deus, revelado especialmente nas parábolas, é sensível às necessidades e aos
sofrimentos do homem: um Pai cheio de amor e compaixão, que perdoa e dá gratuitamente os
benefícios que Lhe pedem” (RM 13).
A Igreja tem a dívida deste anúncio com o homem e tem que saldá-la dando-lhe o anúncio.
“O homem é amado por Deus! Este é o mais simples e o mais comovente anúncio de que a Igreja é
devedora ao homem. A palavra e a vida de cada cristão podem e devem fazer ecoar este anúncio: Deus
ama-te, Cristo veio por ti, para ti Cristo é «Caminho, Verdade, Vida»” (CL 34).
Também não podemos deixar de proclamar a salvação, se de fato é o que mais está procurando este
mundo: salvação e libertação: “A Igreja não pode deixar de proclamar que Jesus veio revelar a face de
Deus, e merecer, pela cruz e ressurreição, a salvação para todos os homens” (RM 11).
“Sabemos que Jesus veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os homens,
abrindo-lhes os horizontes admiráveis da filiação divina” (RM 11).
Esta ação salvadora de Jesus é o objeto do primeiro anúncio:
“O anúncio tem por objeto Cristo crucificado, morto e ressuscitado: por meio d'Ele se realiza a plena e
autêntica libertação do mal, do pecado e da morte; n'Ele Deus dá a « vida nova », divina e eterna. É
esta a « Boa Nova », que muda o homem e a história da humanidade, e que todos os povos têm o
direito de conhecer” (RM 44).
Assim, não podemos alegar que o mundo não se interesse por esse conteúdo. Não podemos substituir
esse anúncio por outra coisa.
Um anúncio que aguarda uma resposta
O anúncio não admite ficar indiferente. A Palavra não volta vazia. Não nos deixa na indiferença. Se
Cristo morreu por ti, você tem que responder. Não atender ao convite é uma forma de responder.
Não podemos mudar o convite a responder, própria do anúncio, porque é a única resposta. Uma
pessoa que anuncia seu amor à outra não pode esperar outra resposta que a aceitação ou a rejeição, e
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essa aceitação ou rejeição não é outra coisa que me decidir a converter a minha vida em outra vida,
uma que inclua uma forma de relacionamento permanente com a pessoa que me anuncia seu amor.
Uma pessoa que escuta uma declaração de amor e quer responder sabe que essa resposta é
necessariamente uma aceitação de aquele que declarou seu amor, que converterá sua vida em algo tão
diferente que será uma vida nova. Por isso os temas do convite, após o anúncio, são para aceitar a Cristo,
a me converter do que me manteve separado dEle, e a experimentar o começo de uma vida nova.
Temos também que revisar se as pessoas compreendem as metas do Querigma, se aqueles que
pastoreiam ajudam realmente a que se compreendam bem. Se os destinatários sentem-se identificados
com o anúncio e com a possibilidade de responder ao mesmo.
A resposta no Querigma está imersa no contexto sacramental e, portanto, derrubando obstáculos,
expande a eficácia do sacramento.
Lembro que faz anos quando vivia em uma cidade de fronteira, junto ao rio Bravo ou Grande, uma
senhora escutando um protestante foi ser “batizada” no rio. Quando cobrei dela me disse: “Tá certo,
mas que, ao menos sirva de renovação do meu batismo”. Eu disse que o sacramento não se renova
repetindo-o, mas suscitando em nós aquilo que se exige para recebê-lo. A uma criança, para ser
batizada não se pede nada. Ao adulto não batizado se pede uma resposta de fé e conversão. Isso é o
que vamos pedir a um adulto batizado de criança para que renove o seu batismo.
Portanto, ao anúncio segue um convite de fé como adesão a Cristo e de conversão. Esse adulto,
quando foi batizado de criança, recebeu a vida nova. Mas essa vida nova que já tem, somente a
experimenta de verdade quando faz uma opção lúcida e consciente por Cristo.
É como o recém-nascido que já tem vida nova, mas que quando é tirado do ventre da mãe parece estar
dormindo e somente quando o parteiro bate no bumbum desse nenê, chora e se percebe essa vida
nova. É similar. Por isso quando alguns choram no retiro de Evangelização Fundamental, não é porque
estão recebendo a vida nova que já tem, é porque estão experimentando-a.
Esta experiência de vida nova é um encontro pessoal com Cristo. Como dizia o P. Navarrro, o cristianismo
não é uma ideologia, um sistema de ideias, mas o encontro e o relacionamento com uma pessoa viva. Em
realidade somente esse encontro e relacionamento pessoal produzem o alegria da salvação.
Apresentá-lo adequadamente
Modo de apresentação do Querigma
Podemos estar levando adequadamente o conteúdo da Evangelização tanto no anúncio como no
convite à resposta e, porém, estar errando no modo de apresentação do anúncio. O erro pode estar no
modo de apresentação deste anúncio. Porque não somente o conteúdo deve ser querigmático, mas
também o modo de apresentação.
O proclamador não é um professor, é um anunciador, por exigência mesma do conteúdo. Se por acaso
soa de improviso um alarme de terremoto no salão, eu não vou dar pelo autofalante uma aula dos
diferentes tipos de terremoto que existem. Vou anunciar que vai acontecer um terremoto e depois
convidarei e exortarei a se comportar de uma forma determinada. O modo de apresentação está
condicionado pelo conteúdo da mensagem. Quando algo de devia ser anunciado é ensinado, provoca
uma reação esquisitice e de incredulidade. Os discípulos de Emaús transmitiram a notícia do que Jesus
morreu, mas a transmitiam como má noticia, porque ainda não o tinham experimentado como vivo,
ressuscitado. A forma de apresentação simplesmente deve ser consistente com o conteúdo.
O anúncio é uma declaração de amor, o anúncio de uma descoberta surpreendente. É surpreendente
que um Deus limpo e puro, me ame a mim pecador, tenha morrido por mim e me tenha salvado. É um
anúncio surpreendente. É como o anúncio da emancipação de um escravo, é um anúncio de libertação.
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As boas notícias se anunciam, não se ensinam. Se me tem aumentado o salário, percebe-se no meu
rosto, o solto a queima-roupa na minha casa diante da expectativa que minha expressão no rosto
provoca. O quê aconteceu? Perguntam a esposa e os filhos, intuindo algo. Como aqueles que
descobriram um garimpo com ouro, decidiram não falar para ninguém e ir comprar as ferramentas ao
vilarejo para depois registrar a mina. Quando regressavam do vilarejo uma multidão ia atrás deles
porque já tinha percebido em seus rostos.
O anúncio deve ser feito por uma testemunha
O grande problema para o evangelizador é que, com o passar do tempo, a notícia da salvação continue
sendo para ele a grande notícia da sua vida. Que compreenda que, embora agora tenha crescido e
esteja experimentando outras coisas na sua vida cristã, ele foi capaz de refletir e reconhecer que esses
novos presentes são a consequência daquele grande presente que um dia iluminou a sua vida.
Uma pessoa pode se enganar no modo de apresentação que temos comentado, mas uma falha pior é
que o próprio evangelizador não possa anunciar gozosamente a salvação porque ela se diluiu na sua
vida. Acontece quando se para de crescer no caminho da santidade. Às vezes, quando o pecado vai
ocupando um lugar maior na vida da pessoa. Pode até não se tratar de grandes falhas, mas se de uma
infinidade de pequenas falhas que, juntas, não tirarão a graça, mas obscurecerão a vida cristã e
roubarão o gozo da salvação.
Por isso o evangelizador-testemunha é absolutamente necessário. De outra forma se torna muito difícil
a possibilidade de resposta.
Diz o Pe. Grasso: Para que possamos dizer que o evangelho é pregado de forma adequada... exigem-se
sinais pelos que seja evidente que o pregador fala em nome de Deus. Esses sinais não aconteceram na
evangelização que teve lugar na América, afirma Francisco de Vitoria: “não aconteceram milagres
físicos nem exemplos de vida cristã tão profunda que pudesse servir para provar o valor divino da
religião cristã. Os pregadores foram realmente modelo de entusiasmo e santidade cheia de zelo: mas
seu testemunho foi em vão por causa do mal exemplo dos outros cristãos”.
O anúncio deve ser apresentado por uma testemunha orante
Quão importante é, portanto, que sejamos testemunhas autênticas! E a autenticidade manifesta-se
também no amor que mostramos pelos que evangelizamos. Amor que levará à equipe evangelizadora
a, pelo menos, orar pelos seus evangelizandos.
O Papa Bento XVI nos lembra disso quando falando do método da Nova Evangelização, em lugar de
começar pelos meios técnicos, nos fala de um Evangelizador que ora pelas pessoas, que ora por
aqueles que deverão se converter. Lembro-me de um pároco que dizia que “Jesus pregava de dia e
orava a noite”. E com esta breve frase queria dizer: Jesus devia conseguir de Deus a seus futuros
convertidos.
E afirma o Papa: “Isso é válido para sempre. Nós não podemos conseguir os homens que vão se
converter com o nosso anúncio. Devemos obtê-los de Deus e para Deus. Todos os métodos são
ineficazes se não estão fundados na oração. A palavra do anúncio sempre deve estar impregnada de
uma imensa vida de oração”.
Se digo que amo àqueles que vou evangelizar, mas não sou capaz de orar por eles insistentemente é
que ainda não ao amo de verdade. Se não tenho tempo talvez tenha que deixar o apostolado a outro
que sim tenha tempo. Para tudo o que amamos sempre achamos tempo.
Deve ser bem feito. A necessidade de um método operativo
O Querigma é parte da iniciação cristã. O diz Aparecida em muitos dos seus números “A iniciação
cristã, que inclui o querigma”, diz o 288. Não é somente uma etapa, mas sim é uma etapa desta
iniciação. A primeira: É urgente “desenvolver em nossas comunidades um processo de iniciação na vida
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cristã que comece pelo querigma” (289). Porque somente desde o querigma se dá a possibilidade de
uma iniciação cristã verdadeira.
Agora bem, Aparecida diz que a Iniciação cristã deve consistir em coisas muito concretas: “Impõem-se
a tarefa irrenunciável de oferecer uma modalidade de iniciação cristã, que além de marcar o que, dê
também elementos para o quem, o como e o onde se realiza. Dessa forma, assumiremos o desafio de
uma nova evangelização, à qual temos sido reiteradamente convocados” (DA 287).
A importância do querigma requer que seja dado bem. Não se trata de dar o anúncio sem sentido,
como um requisito, dá-lo como um robô, como colocar um CD que repete o mesmo sem parar. É
necessário utilizar nossas faculdades racionais e ver como o estamos dando: Estamos dando-o bem?
Que tipo obstáculos se apresentam? Como podemos superar esses obstáculos? Estaremos errando no
conteúdo ou no modo de apresentação? Estão-se cumprindo as metas?
E devemos descobrir as falhas para corrigi-las: O evangelizador continua pregando querigmaticamente
ou já catequiza ou dá teologia? A equipe evangelizadora é idônea? A forma como organizamos o retiro
facilita ou impede a boa recepção da mensagem?
Tendo esgotado a função do Evangelizador, sabemos obviamente que a falha pode estar do outro lado,
nos destinatários.
Primeiro que se tenha destinatários
Muitas paróquias após alguns anos de missão intensiva tem pouca resposta. Isso é porque a missão
intensiva atinge, fundamentalmente, às pessoas abertas. Se uma pessoa responde diante de uma visita
de um desconhecido é porque está aberta. Os mais resistentes não respondem nas missões de visita
casa por casa, mas numa evangelização mais relacional.
Portanto é necessário conceber a dimensão missionária da visita permanente como um processo
estratégico fundamentado nos relacionamentos em rede. O visitador tem 20 famílias constituídas por
80 ou 140 membros, aos que têm que atingir um a um. Tentará que o recebam, mas se não o consegue
procurará se aproximar através de outros evangelizados ou não evangelizados. Conquistará a um
vizinho para chegar a outro. Saberá que jovens de distintas famílias são amigos entre sim. Quer dizer,
aproveitará e edificará relacionamentos humanos que, além de seu propósito natural, tenham um
propósito evangelizador.
É preciso também que fomentemos uma irradiação evangelizadora espontânea e outra não tão
espontânea, que temos chamado ”um mais um” convidando aos evangelizados a atingir a outro do
mesmo setor: algum vizinho, amigo, companheiro de trabalho, parente. Esta tarefa deve ser
supervisada e organizada pelo responsável do setor e pode ser planejada ao longo dos meses antes da
missão intensiva: um mês para oração, outro para selecionar o candidato, outro para contatá-lo e
partilhar no nível humano, outro para dar testemunho a ele, depois o anúncio, de forma que
respondendo ao anúncio compacto, se possa convidá-lo para a casa de reunião ou a missão intensiva.
Então, na missão intensiva, recolheremos não só o fruto da visita desse momento, mas também o fruto
da visita estratégico-relacional e o fruto da missão um mais um. Guatemala implementou esse último
faz anos e no México também temos procurado fazê-lo.
Se numa paróquia com 40 evangelizados, cada um consegue trazer uma pessoa ao ano, de tal forma que
faça o retiro de evangelização, no segundo ano seriam 80, 540 no quinto ano e assim sucessivamente.
Nossas somas podem se converter em multiplicação como na lenda sobre a origem do xadrez.
Além disso, destinatários preparados
Quando temos destinatários, o importante é que estejam bem preparados. O que importa, em última
análise, é o resultado e o fruto do retiro, o objetivo vivencial que o descrevemos como criatura nova
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cheia do Espírito Santo, e depois o viver explícita e profundamente cada uma das quatro metas
próprias do querigma.
Criatura nova é uma expressão literal, que supõe um novo nascimento no sentido real, também como
indicou Jesus a Nicodemos. Se não se consegue exatamente isso, não se viveu bem e profundamente o
retiro.
Homem novo ou Homem velho, vivos ou mortos para a Vida nova em Cristo. Diferença essencial nos
paroquianos que fizeram ou não fizeram o retiro, e como saíram.
Por isso temos que ter tanta atenção para que se vivam profundamente os retiros de evangelização
com pessoas preparadas previamente.
O diálogo é parte fundamental do anúncio querigmático. Este acompanhamento que realizamos na
Casa de Reunião e depois durante o pastoreio no Retiro é absolutamente necessário. Não existe
querigma sem diálogo prévio, também não sem oportunidade de dialogar sobre ele e livremente
responder.
Tenhamos a segurança de que o Papa Francisco vai a insistir nesse elemento quando aparecer o
documento resultante do Sínodo sobre a Nova Evangelização.
Se não constatamos que a pessoa que vai receber o retiro está tocada, informada, motivada,
convencida e aberta ao que vai se viver, estamos queimando a experiência mais importante da vida
que é o Encontro com Cristo.
A preparação antes do anúncio é tão importante e necessária como a preparação para uma cirurgia.
O doente que vai ser operado é preparado desde antes. Pede-se que faça exames para ver se existem
obstáculos. Depois se prepara o ambiente adequado, esterilizado. Forma-se uma equipe competente,
que leva as coisas a sério porque está responsável por uma vida. Um doutor opera, mas muitas outras
enfermeiras atendem ao doente pessoalmente, testando continuamente seus sinais vitais. Tudo isso o
podemos aplicar ao retiro de Evangelização e captar assim a importância do que temos entre as mãos.
Em algumas paróquias, com pessoas de certa preparação intelectual, será necessário organizar
experiências como a do “Pátio dos Gentios” que tem acontecido em cidades europeias e recentemente
na América Latina. Toda experiência frutuosa deveria ser testada se podemos precisar dela. O ter
compreendido e experimentado o querigma e seu encontro com Cristo, nos dá a possibilidade de
encontrar novas formas.
Escolher um bom sistema
Também a falha pode estar no sistema que usamos para a Evangelização. Somos seres humanos e, às
vezes, não percebemos quão importantes são as formas, os lugares, os tempos. Por isso importa o
número dos que evangelizamos, a casa de retiro, o sistema semanal ou intensivo, tudo isso conta na
hora de evangelizar.
Antes as pessoas nasciam nas suas casas, com a ajuda de uma parteira sem títulos. Existia uma grande
quantidade de pessoas que morriam ao nascer ou pouco tempo depois. Hoje em dia não basta que se
tenha um bom ginecologista, precisa também de enfermeiras e de um ambiente de hospital. Algo
parecido acontece com a Evangelização. No terremoto de México de 1985, crianças recém-nascidas
viveram seus primeiros dias entre entulhos e sobreviveram. Mas isso não é o normal. A Evangelização
deve acontecer em condições ótimas. Trata-se da vida sobrenatural e devemos cuidar dela com o sério
cuidado e responsabilidade que seria necessário a uma cirurgia moderna importante.
Faz poucos dias o Papa comparava a Igreja a um hospital: “Vejo a Igreja como um hospital de
campanha após uma batalha. Que inutilidade resulta perguntar a um ferido se tem o colesterol ou a
glicose alta! Precisa curar os ferimentos. Depois se falará do resto. Curar ferimentos, curar
ferimentos... E tem que se começar pelo mais fundamental”.
Querigma: Alicerce e Fio Condutor de uma Vida Nova em Cristo Jesus
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O QUERIGMA COMO FIO CONDUTOR
Dizíamos no inicio do tema que o Querigma é apresentado em Aparecida como o fio condutor para a
maturidade. Por isso podemos compreender simplesmente que na diversidade de discipulados
missionários que vêm após o Querigma existe algo que se mantém sempre, que une todas as partes
dos elementos que formam o seguimento. Podemos dizer que o Querigma, ao ser alicerce, se mantém
sempre sustentando depois toda a estrutura do discipulado. Isso é assim, mas é muito mais profundo.
É como um poder, uma energia vital, uma graça. E esta dinâmica é a vida em Cristo que, suscitada pelo
querigma, vai crescer e se desenvolver, a partir de agora, no crente. O fio condutor vira realmente um
cabo de aço que transmite a energia poderosa da Ressurreição.
No fundo esse poder não é outro se não a vida de Jesus que vive no crente e que o conduz a uma
resposta permanente de adesão e conversão. É um “sim” que se aprofunda cada vez numa salvação
constante. Embora peque, não pode ficar caído. O Espírito Santo o leva à conversão, o ressuscita uma
vez após a outra.
As metas do Querigma das que já falamos, são quatro: duas correspondem ao batismo: conversão e
adesão a Cristo; duas correspondem ao Sacramento da Confirmação: Consagração ao Senhorio de
Jesus e Efusão do Espírito Santo.
Pois bem, estas metas se prolongam no tempo: da conversão inicial passa-se para a conversão
permanente, da adesão a Cristo passa-se à Transformação em Cristo. A consagração ao Senhorio de
Jesus deve se prolongar e aprofundar e a abertura inicial ao Espírito torna-se um caminhar com
docilidade ao Espírito. Estes são precisamente os primeiros temas no primeiro nível de nossa
Catequese de adultos que se chama “Vida nova”.
1. O fio condutor das duas primeiras metas: conversão e adesão
A pessoa não acaba nunca de se converter, primeiro do mal ao bem e depois do bom para o melhor.
Também nunca a pessoa acaba de aderir a Cristo. Ele sim se dá desde o principio e cada vez que
alguém experimenta sua presença e o reconhece. O descobrimos no interior de nosso coração e
cultivamos essa vida interior, com um sim cada vez mais lúcido e consciente que se converte em um
sim mantido.
Aprofundamos de glória em glória, de manifestação em manifestação, de presença em presença e
vamos nos transformando neste mesmo Cristo do qual contemplamos a presença.
Ao longo da vida eu crescerei e meu crescimento não é tanto ter maior estatura ou fortaleza, como
crescer no meu relacionamento amoroso com Jesus e como em todo apaixonamento, o descobrirei em
todas as partes.
São João em nome dos apóstolos e cristãos do seu tempo podia iniciar o seu Evangelho dizendo:
“Aquilo que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que
contemplamos e o que nossas mãos apalparam: - falamos da Palavra, que é a Vida” (1Jo 1,1).
Cada um dos apóstolos podia ratificar estas palavras do Apóstolo São João: eles viveram com Jesus
durante três anos e depois já ressuscitado continuou a aparecer a eles e a muitas pessoas, que davam
testemunho de que Jesus estava vivo. O Querigma conduz a uma vida com o Ressuscitado, com sua
presença.
Isto diz São Paulo: “Eu lhes transmiti aquilo que eu mesmo recebi, isto é: Cristo morreu por nossos
pecados, conforme as Escrituras; ele foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, conforme as
Escrituras; apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de
uma só vez; a maioria deles ainda vive, e alguns já morreram. Depois apareceu a Tiago e, em seguida, a
todos os apóstolos. Em último lugar apareceu a mim” (1Cor 15, 3-8).
Querigma: Alicerce e Fio Condutor de uma Vida Nova em Cristo Jesus
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Maria Madalena confunde a Jesus com o jardineiro. A Tomé, pede-lhe que coloque a sua mão no seu
lado e não duvide mais. Aos discípulos de Emaús, acompanha-lhes e fica com eles até o partir do pão.
Estes últimos não perceberam que era Jesus pela vista ou o ouvido, mas pelo ardor dos seus corações.
As formas em que podemos encontrar o Senhor podem ser muitas. Paulo, diante dos que
questionavam que não tinha conhecido Jesus antes da ressurreição, falava de um conhecimento
diferente ao da carne, espiritual: ”doravante não conhecemos mais ninguém pelas aparências. Mesmo
que tenhamos conhecido Cristo segundo as aparências, agora já não o conhecemos assim” (2 Cor 5,16).
Pode-se percebê-lo de muitas formas: “Nos tempos antigos, muitas vezes e de muitos modos Deus
falou aos antepassados por meio dos profetas. No período final em que estamos, falou a nós por meio
do Filho” (Hb 1, 1-2).
Seja através da sua voz ou de uma presença sensível, seja através de uma convicção da sua existência
não sensível, mas profunda e espiritual, uma infinidade de pessoas o tem encontrado ao longo da
história. É sua promessa cumprida hoje e sempre: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o
fim do mundo” (Mt 28, 20).
Após o nosso seminário ou retiro de Evangelização nós podemos dizer que somos testemunhas de que
o Senhor está conosco. É a forma de presença fundamental, chamada de “inabitação da Santíssima
Trindade na alma”, Jesus junto do Pai e o Espírito vem viver em nós.
"Se alguém me ama, guarda a minha palavra, e meu Pai o amará. Eu e meu Pai viremos e faremos nele
a nossa morada” (Jo 14,23). ”Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito de Deus habita
em vocês?” (1Cor 3,16).
Esta experiência é consequência da renovação do sacramento do batismo por médio da fé e da
conversão. Nossa resposta ou adesão a Ele, agora nos permite “Cristo habitar no coração pela fé“ (Ef
3,17). Sempre a fé é a luz que permite reconhecer sua presença nas muitas formas nas que podemos
nos encontrar com Jesus.
“O encontro com Cristo, graças à ação invisível do Espírito Santo, realiza-se na fé recebida e vivida na
Igreja” (DA 246). A Palavra que nos é proclamada no anúncio querigmático nos faz reconhecer a Cristo
presente em nós. De agora em diante a vida cristã vai consistir em reconhecer a cada dia a sua
presença: “A própria natureza do cristianismo consiste, portanto, em reconhecer a presença de Jesus
Cristo e segui-lo” (DA 244).
O Documento de Aparecida nos falará da “multiforme presença e ação santificadora do Espírito” (DA
312). A nós corresponde reconhecê-lo através de todas essas formas ou “lugares de encontro com
Deus” que o documento menciona: a Sagrada Escritura. (263-265), a Eucaristia (266) e a Liturgia (267269), a oração (270). Também na Igreja (262) e na comunidade viva (271); em cada discípulo, nos
pastores; naqueles que lutam pelos valores evangélicos e nos que sofrem: pobres, aflitos e doentes
(271).
Ao convidar a viver os meios de crescimento nos diferentes cursos, não temos feito outra coisa se não
convidar a nos encontrarmos diariamente com o Senhor: na sua Palavra, na oração, na cruz de todos os
dias, na reunião comunitária, etc.
- Na Palavra: Jesus é o Verbo de Deus, a Palavra de Deus. “No começo a Palavra já existia: a Palavra
estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus” (Jo 1,1). O Querigma, núcleo fundamental dessa
Palavra, nos transmitiu a Cristo e graças a isso conseguimos encontrá-lo, porque não o rejeitamos: “A
luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem, estava chegando ao mundo. A Palavra estava no
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mundo, o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a conheceu. Ela veio para a sua casa, mas
os seus não a receberam. Ela, porém, deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos aqueles que a
receberam, isto é, àqueles que acreditam no seu nome” (Jo 1, 9-12). Agora cada vez que nos sentemos
a ler a Bíblia, descobriremos que não é somente um livro escrito faz muito anos, mas que é Palavra viva
de Deus para hoje.
-Na oração: Quando oramos conversamos e amamos a Deus. Deus nos fala quando lemos sua Palavra e
a Deus lhe falamos quando respondemos a essa Palavra. Estabelece-se assim um diálogo entre Deus e
nós. “A oração pessoal e comunitária é o lugar onde o discípulo, alimentado pela Palavra e pela
Eucaristia, cultiva uma relação de profunda amizade com Jesus Cristo e procura assumir a vontade do
Pai” (DA 255).
- Em cada nível de comunidade: “Jesus está presente em meio a uma comunidade viva na fé e no amor
fraterno. Ali, Ele cumpre sua promessa: ‘Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, ali estou eu
no meio deles’” (Mt 18,20) (DA 256). Jesus está presente na reunião, paróquia de comunidades, em
nossas reuniões de setor, em nossas reuniões de pequenas comunidades, no encontro para discipulado
e em qualquer lugar onde dois ou três cristãos se reúnam no seu nome.
- Nos discípulos: Se Jesus vive em nós pela inabitação da Trindade na alma, vive, portanto, em cada
irmão que é discípulo de Jesus. “Ele está em todos os discípulos que procuram fazer sua a existência de
Jesus, e viver sua própria vida escondida na vida de Cristo (cf. Cl 3,3). Eles experimentam a força de sua
ressurreição até se identificar profundamente com Ele: ‘Já não vivo eu, mas é Cristo que vive em mim’
(Gl 2,20), (DA 256).
- Nos Pastores: Existe uma presença especial de Jesus no Sacerdócio ministerial. Cristo cabeça da Igreja
está presente em quem preside a comunhão. Jesus está nos Pastores, que representam o próprio
Cristo” (cf. Mt 10,40; Lc 10,16), (DA 256).
- Em cada irmão que sofre: Cristo que sofreu na cruz e ao longo da sua vida e que não podia ficar
indiferente diante do sofrimento humano, decidiu ficar presente em cada irmão que sofre. Diz
Aparecida: “Também o encontramos de um modo especial nos pobres, aflitos e enfermos (cf. Mt
25,37-40), que exigem nosso compromisso e nos dão testemunho de fé, paciência no sofrimento e
constante luta para continuar vivendo... No reconhecimento desta presença e proximidade e na defesa
dos direitos dos excluídos encontra-se a fidelidade da Igreja a Jesus Cristo... A mesma união a Jesus
Cristo é a que nos faz amigos dos pobres e solidários com seu destino” (DA 257).
Aqui, neste parágrafo último encontramos com clareza, o fio condutor do Querigma. Essa adesão
querigmática primeira prolonga-se em minha adesão ao pobre, reconhecendo a presença de Cristo
nele.
- Em cada irmão que luta pela justiça e pela paz. “Está naqueles que dão testemunho de luta por
justiça, pela paz e pelo bem comum, algumas vezes chegando a entregar a própria vida” (DA 256).
- Na liturgia e na Eucaristia: ”A Eucaristia é o lugar privilegiado de encontro do discípulo com Jesus
Cristo. Com este Sacramento, Jesus nos atrai para si e nos faz entrar em seu dinamismo em relação a
Deus e ao próximo” (DA 251). Encontramos Jesus Cristo, de modo admirável, na Sagrada Liturgia. (DA
250). “Em cada Eucaristia, os cristãos celebram e assumem o mistério pascal, participando n’Ele.
Portanto, os fiéis devem viver sua fé na centralidade do mistério pascal de Cristo através da Eucaristia,
de maneira que toda sua vida seja cada vez mais vida eucarística” (DA 251). O anúncio deste mistério
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pascal é o que temos escutado em nosso retiro de Evangelização e é o que vamos celebrar
permanentemente em cada Eucaristia.
Esta dinâmica da renovação do Sacramento do Batismo. Contritos pelo pecado, vemos mais e mais as
profundezas do seu amor e da sua salvação, nos aderimos novamente a Cristo, ratificamos nosso sim,
abandonamos nosso pecado, nos transformamos nele. E assim um processo dinâmico permanente.
Tomar consciência das múltiplas formas da presença de Deus não somente fortalece nossa vida de
discípulos, mas também, impulsiona nosso atuar pastoral como missionários. Assim, a presença do
Senhor no coração crente e na Palavra de Deus, dinamiza toda a dimensão profética; a presença de
Cristo quando a comunidade cristã reúne-se em seus diversos níveis dinamiza toda a dimensão
comunional. A presença de Cristo no irmão que sofre e no pobre impulsiona a dimensão social. E,
finalmente, a presença eucarística dá sustentação à vida e dimensão litúrgica da Igreja, centro e cume
de toda a vida cristã.
2. O fio condutor da consagração e da efusão do Espírito.
O outro fio condutor tem a ver, também, com minha resposta ao Querigma. Precisando de Jesus
aceitei sua salvação. Mas isso não finaliza tudo. Descobrindo quem era Ele, o convidei como Senhor da
minha vida e lhe consagrei toda a minha vida. Não podia fazer outra coisa. Se me tinham revelado o
Senhorio de Cristo.
Desde esse momento adverti que qualquer coisa boa que eu fizesse, não vinha de mim. Era Ele, Ele
vivendo em mim. “Não há nada de bom que venha de mim”. Tudo o que é bom procede de Ele.
Percebi que se eu me atribuísse qualquer coisa boa que Ele suscitasse em mim, então eu deixava de
reconhecer sua presença.
Uma pessoa me disse: Eu experimentava a presença de Deus nos meses seguintes ao Retiro, mas de
repente desapareceu. Eu perguntei para ela se não via Deus em nenhum lugar. Disse-me que não. Você
tem feito neste dia algo de bom? Ela me disse que sim, que levantou de madrugada para levar seu filho
porque saía para um acampamento. E perguntei, e você não vê Deus nisso? Se você se atribui o que
Deus faz em você, deixa de perceber a Deus.
Por isso temos que fazer dele Senhor e nos negar a nós mesmos. Por ele no centro e abandonar toda
auto-referencialidade. Eu já não. Já não sou o ponto de referência de tudo o que diga ou faça. É Ele. É
uma consagração total a Deus, que abre a porta ao Espírito e nos deixa iluminar por Ele num
Pentecoste permanente.
Alguém me disse: “Tenho um irmão de comunidade que me cai muito bem. É tão parecido a mim!”
Então, você ama somente a sim mesmo, disse. Você é o ponto de referência de tudo. Tudo está bem
ou mal se você gosta ou não gosta.
Se não nos negamos a nós mesmos, não fazemos dele Senhor nosso. É preciso que Ele cresça e eu
diminua, dizia São João Batista. Aquele que perder sua vida por mim, a encontrará, dizia Jesus. No
Querigma aceitamos que não podíamos nada, que não podíamos mais e pedimos ao Cristo que nos
salvasse. Bem. Este querigma é um fio condutor de toda nossa vida partindo da salvação.
Deixando de orar. Reconhecerei meu pequeno poder, descobrirei sua presença junto de mim. E
começarei a lhe dizer isso mesmo. Começarei a orar.
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Que não suporto ao meu irmão de comunidade. Que não posso cumprir aquele preceito de “suportaivos uns aos outros, como Eu vos tenho suportado”. Então reconheço meu pequeno poder para ser
comunitário e lhe peço a Deus que resuscite em mim todos seus anelos de fraternidade e faça morrer
em mim todos os desejos de uma vida independente, de procura de mim mesmo, alheio ao que
acontece com os demais.
Um dia alguém preguntava por que sobrava para ele o pior na pequena comunidade. Até que percebeu
que ele era o pior. Curiosamente começou a ver o mal como uma oportunidade de bem. Cencini diz
que São Bernardo, foi a uma feira de um vilarejo e perguntou pela loja do bruxo porque queria
comprar uma imagem de um capetinha. O frei que lhe acompanhava reclamou porque procurava ainda
um capetinha. São Bernardo disse que era para enviar a uma comunidade de freis que escreveram
dizendo que tudo andava muito bem na comunidade, que cada um era uma maravilha e que não
precisava suportar ninguém. E precisam de um capetinha porque assim ninguém vai crescer. Como vão
chegar a ter paciência se não tem ninguém a quem suportar.
Quando eu descubro meu mal, ao mesmo tempo descubro as maravilhas que está fazendo Deus no
meu irmão. Também ao mesmo tempo, sabendo que Deus vive nele, não posso machucá-lo, vou
amando-o mais.
“O anúncio se fundamenta no fato da presença de Cristo Ressuscitado hoje na Igreja, e é fator
imprescindível no processo de formação de discípulos e missionários” (Da 279).
Eu descubro, então, que em cada Eucaristia disponho-me a morrer a mim mesmo. Ofereço meu ser
inteiro, ofereço o pão como sinal dos meus trabalhos penosos e ofereço o vinho como sinal de minhas
alegrias. Ofereço tudo e Deus acolhe isso e se faz presente Ele no mesmo que oferecemos, atualizando
o mistério do Calvário e nos trazendo uma salvação constante. É essa a dinâmica das metas do
segundo bloco da Evangelização: faço a Jesus Senhor, peço Espírito Santo porque sem o Espírito não há
Senhorio. Sem Senhorio não há Espírito. É Jesus à direita do Pai quem derrama Espírito Santo.
E isto o vivo todos os dias em cada Eucaristia e, além disso, na vida ordinária. Sempre que reconheço
ser pecador, encontrado em falta e peço que converta essas miseráveis espécies humanas na sua
presença resuscitada. Nossa vida se faz eucaristia. A resposta ao Querigma renova-se constantemente
e cada negação a mim mesmo é uma reafirmação, um reconhecimento da presença de Cristo reinando
em mim.
Não me vejo como alguém que chegou, mas como alguém que está sempre começando. “O que
ascende não para nunca de ir de começo em começo através de começos que não têm fim”, diz São
Gregório de Nisa, e São Francisco de Sales acrescenta: “Me produz alegria ver que começais a cada dia,
não existe meio melhor para acabar bem a vida que o de voltar a começar sempre, e não pensar nunca
que já temos feito o suficiente”.
Com Deus nada que façamos é suficiente. Diz Santo Agostinho: “Se dezesseis ‘já basta’, pereceste.
Acrescenta sempre, caminha sempre, supera sempre; não pares no caminho, não volte atrás, não se
desvie. Pare aquele que não supera, volte atrás aquele que volta a pensar no ponto do qual partiu;
desvia-se o que apostata. Melhor é o coxo no caminho, que o que corre fora do caminho”.
Fios condutores do itinerário cristão
A vida cristã é um caminho, um itinerário. No SINE os oito níveis são de catequese básica. Depois segue
um itinerário permanente que não podemos apresentar totalmente nos manuais, porque é distinto em
Querigma: Alicerce e Fio Condutor de uma Vida Nova em Cristo Jesus
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cada pessoa. O itinerário espiritual posterior a estas catequeses também deve ser acompanhado, mas
de um em um, porque é personalizado, contextualizado.
O querigma, dizíamos é o Fio condutor que conduz para a maturidade do discípulo. Um discípulo
maduro, um missionário maduro é alguém que já não se procura a sim mesmo, é do discípulo
missionário que precisam nossas paróquias. Se refletimos sobre o evangelho reconheceremos esse
processo de morte para a vida em muitas situações do nosso viver. Isto o descobriu João o Batista, o
maior entre os filhos de mulher e, porém, soube dizer: é preciso que Jesus cresça e eu diminua.
João Batista deve ter ficado contente quando apareceu Jesus. Tinha aparecido o Messias. Como foi
difícil batizá-lo, mas se submeteu ao seu mandato. Porém, não durou muito essa alegria, em pouco
tempo foi preso pelos soldados de Herodes e jogado na prisão.
“Os discípulos de João o puseram a par de todas essas coisas. Então João chamou dois de seus
discípulos, e os mandou perguntar ao Senhor: ‘És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?’
Eles foram a Jesus, e disseram: ‘João Batista nos mandou a ti para perguntar: 'És tu aquele que há de
vir, ou devemos esperar outro?' ‘Nessa mesma hora, Jesus curou muitas pessoas de suas doenças,
males e espíritos maus, e fez muitos cegos recuperar a vista. Depois respondeu: ‘Voltem, e contem a
João o que vocês viram e ouviram: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são
purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e a Boa Notícia é anunciada aos pobres’” (Lc
7,18-22).
Provavelmente João pediu a eles que repetissem para ele, uma e outra vez, a resposta de Jesus, até
que se cansaram. Então perguntaram a João por que insistia tanto. É que Jesus Cristo estava citado
num texto do Antigo Testamento, mas faltava uma frase sobre os prisioneiros: os cativos serão
libertados.
Então a João foi revelado tudo. Sim, Jesus era o Messias, mas ele não ia ser libertado, morreria. Tinha
atingido a maturidade em Cristo. Não lhe tocaria viver a instituição da Eucaristia, mas teria diante de si
a oportunidade inigualável de fazer da sua vida eucaristia. O fio condutor da sua própria mensagem de
conversão lhe tinha conduzido – um fio condutor – ao amadurecimento em Cristo. O alicerce que tinha
colocado, estava bem colocado.
Oxalá nosso párocos encontrem em nós, evangelizados com o querigma, que não só levamos a ponta
do início deste fio condutor, mas também seu fim. Que saibamos percorrer o caminho da fé até o
tamanho adulto em Cristo e, no caminho, morrer a nós mesmos, pelo anúncio do Evangelho e para o
anúncio do Evangelho. A Nova Evangelização, vivida através do SINE, precisa de este tipo de entrega.
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