Observação de estratégias de aprendizagem em uma criança com Síndrome de Down: uma proposta inclusiva. Viviane Santos Gândara, (UNIVALI)∗ Maria Helena Cordeiro, (UNIVALI)** RESUMO Este artigo constitui-se em parte de um estudo de caso do processo de desenvolvimento da compreensão da representação escrita por uma criança com Síndrome de Down. A nossa interpretação sobre a evolução desse conhecimento específico por parte da criança investigada, exigiu a observação de outras áreas que não eram objeto específico desta pesquisa, o que nos proporcionou uma imagem integrada do seu desenvolvimento. Para isso, contamos com o trabalho de uma rede de apoio, que foi estruturada em função desta criança e que atuava diretamente em cada um dos aspectos que a criança, apresentava dificuldades. Partiu-se do princípio de que cada indivíduo apresenta um desenvolvimento único, podendo ser incitado para além dos limites aparentemente impostos pelas condições genéticas e sociais. Assim, este artigo tem por objetivo caracterizar alguns aspectos do processo de desenvolvimento de uma criança com Síndrome de Down. A criança tinha 9 anos e 5 meses no começo desta investigação, que teve início do ano de 2004. Procurouse identificar os aspectos do seu desenvolvimento para elaborar possíveis estratégias de intervenção, que pudessem promover sua aprendizagem. Palavras-chave: Síndrome de Down. Desenvolvimento Infantil. Aprendizagem. Mestranda em Educação – e-mail: [email protected] ** Professora do mestrado em Educação – e-mail: [email protected] ∗ 311 Escolha e preparação do caminho Este artigo é parte de um estudo que começou a ser pensado a partir do nosso interesse em desvendar como se processa o desenvolvimento da compreensão da representação escrita em uma criança com necessidades educacionais especiais, envolvendo aspectos do seu desenvolvimento global. Nossa decisão por estudar os processos de aprendizagem dessa criança, se configurou a partir da prioridade de investigar algumas possibilidades de intervenção para a promoção da aprendizagem de conteúdos específicos por uma criança com Síndrome de Down. Partimos do princípio de que cada pessoa apresenta um desenvolvimento singular, que pode ser instigado para além dos limites aparentemente impostos por sua condição genética e social. Os estudos acerca desta problemática de pesquisa foram pautados na perspectiva psicogenética de Piaget, visto que esta perspectiva comporta subsídios valiosos para compreender como se constrói a inteligência e o desenvolvimento cognitivo infantil. Neste sentido, selecionamos alguns dos trabalhos de Marchesi e Martin (1995), Danielsky (2001), Schwartzman e colaboradores (1999) e Fonseca (1995; 1998). No trabalho com crianças que apresentam necessidades educacionais especiais, é necessário ter conhecimento das suas possibilidades e limitações, para que possamos criar estratégias coerentes com o seu nível de aprendizagem, oferecendo subsídios para intervir rumo ao seu desenvolvimento (MARCHESI; MARTÍN, 1995). Estes autores consideram que tais possibilidades de aprendizagem podem ser repensadas de acordo com a emergência de cada situação. Porém, somente poderão se concretizar a partir do momento em que o docente se desprender de antigas concepções que menosprezam as crianças que apresentam atraso no desenvolvimento mental. Vencida esta etapa, poderá ser interessante investir no seu potencial criador e renovador. Portanto, torna-se provável que o docente adquira a necessidade de investigar nas peculiaridades de cada criança para disponibilizar atividades que lhe sejam interessantes e funcionais. Entretanto, tal tarefa não é de simples resolução, pois em caso contrário, certamente já teríamos nos livrado das amarras que impedem a inclusão escolar, que estão causando tanta instabilidade emocional e pedagógica, tanto em pais quanto em docentes. 312 Desenvolvimento processual da aprendizagem da criança down: percorrendo distâncias As pesquisas lideradas por Schwartzman (1999) indicam que, por mais de um século, a condição da S.D foi associada ao estigma de inferioridade, de seres incapazes de se constituírem em uma sociedade competitiva que prioriza os meios de produção. Neste sentido, as estimulações desde os primeiros meses de vida e o convívio em ambientes desafiadores, como lembra Danielsky (2001) são fundamentais para que a criança amplie suas habilidades. É importante criar condições para que sejam avaliadas por suas realizações e potencialidades, de forma que não se perpetuem somente suas limitações. As considerações de Mills (1999) nos revelam que as seqüelas da S.D agem em diversos setores do desenvolvimento, ocasionando dificuldades de aprendizagem que comprometem os mecanismos de atenção, percepção, funções motoras e também o estado de alerta, atitudes de iniciativas diante de atividades propostas, expressão de emoções, temperamento, comportamento e convívio social, além da defasagem de certas formas de memória (imediata), cálculo, pensamento abstrato e linguagem expressiva. Apesar das discussões sobre desenvolvimento cognitivo estarem bastante evidenciadas, em Casarin (1999), Dunst e Rheingraver (1983)1, ainda não sabemos com precisão se crianças consideradas normais e crianças afetadas pela S.D se desenvolvem da mesma forma, apresentando diferenças quanto a ritmos e intensidades das prováveis aprendizagens. O que podemos ressalvar é a idéia de que crianças com S.D também aprendem muitas coisas que lhes são ensinadas, todavia, será interessante, que respeitemos o nível de desenvolvimento atingido por cada criança (CASARIN, 1999). Ainda assim, as pesquisas realizadas por Schwartzman (1999), pautadas nos estudos de Dunst (1990)2, acrescentam esta discussão sobre aspectos divergentes e convergentes diante do desenvolvimento de crianças que apresentam a S.D e outras que não apresentam, demonstrando através de diversos testes motores e 1 DUNST C. J.; RHEIGROVER, R. M. Structural charadteristics of sensory-motor development among Dow’s syndrome infantis. J. Mental Def. Res, 27: 11-22, 1983. 2 DUNST C. J. Sensory motor development of infantis Down syndrome. In: Cicchetti D. e Beeeghly M. Children with Down syndrome: a development perspective. Cambridge, University Press, 1990. 313 cognitivos, que o desenvolvimento de crianças com S.D no período sensório-motor passa pela mesma seqüência que foi observada em crianças “normais”, porém o processo se dá de forma mais vagarosa. Neste sentido, Fonseca (1998) baseado na teoria de Feuerstein, aborda a questão da modificabilidade cognitiva estrutural, parte do princípio de que todo ser humano é passível de modificação, mas será necessário procurar meios adequados para a mudança acontecer. As transformações são extremamente necessárias para possibilitar a promoção de novas aprendizagens. Echeita e Martín (1995) elegem duas situações específicas, passíveis de modificação e possivelmente corrigíveis. Uma das situações refere-se aos déficits de funcionamento nos processos de transferência ou generalização da aprendizagem. De acordo com os autores, a carência de uma intervenção de qualidade para ampliar as capacidades de generalização, dificultam o desenvolvimento e as elaborações de estratégias de aprendizagem, visto que crianças com atraso no desenvolvimento mental apreendem as informações ensinadas e até conservam tais aprendizagens, desde que a tarefa permaneça a mesma e a situação se mantenha constante. Todavia, os resultados são contraproducentes em situações que envolvam novas aprendizagens. A segunda situação se refere às limitações no próprio processo de aprendizagem o que Fierro (1995a, p. 237) considera como o “manejo flexível e adaptativo do aprender a aprender”. As crianças com atraso no desenvolvimento mental comumente não apresentam subsídios para administrar o uso das estratégias adquiridas para otimizar os resultados das experiências de aprendizagem. Esta incapacidade de transferir conhecimentos precisa ser corrigida, visto ser a base para futuras aprendizagens, e sinalizar que um determinado conteúdo já foi acomodado e pode ser reconstruído, diante de um novo conflito. Neste contexto, a intervenção docente se torna um fator de extrema importância, visto que a educação escolar necessita provocar certos desequilíbrios através de novas situações de aprendizagem. Todavia, será interessante que as atividades sejam previamente elaboradas com o objetivo de instigar posteriormente o processo de reequilibração, proporcionando situações mediadas entre o conhecimento a ser adquirido e a criança. De acordo com Marchesi e Martín (1995, p. 25) se aprendemos algo é porque somos capazes de colocar em funcionamento conhecimentos e estratégias anteriores que já possuímos e aplicá-las a este novo problema”. Neste sentido, a 314 capacidade de “aprender a transferir o aprendido” pode ser concebida como o ponto de maior fragilidade na capacidade de aprender das crianças que apresentam déficit no funcionamento mental. No caso especifico de crianças com necessidades educacionais especiais, os prováveis atrasos na aprendizagem “são sinônimos de uma limitação na capacidade de generalização ou transferência, o que é conseqüência, por sua vez, das dificuldades que estes indivíduos apresentam para planejar e regular seus processos de conhecimento” (MARCHESI; MARTÍN, 1995, p. 27). Apesar da irreversibilidade da S.D, o fato não restringe a criança com atraso no funcionamento mental a enquadrar-se em padrões preestabelecidos de formatos estanques. O potencial de modificação de cada sujeito é de caráter singular, fortemente caracterizado pela sua trajetória de vida, marcada principalmente pelo período de estimulação precoce e das posteriores experiências familiares e sociais (FONSECA, 1998). Neste sentido, os objetivos precisam ser traçados à medida que a criança progride, sem desconsiderar os avanços e as impossibilidades da sua condição biológica. Sobretudo, será interessante considerar a possibilidade de que o conhecimento apreendido poderá não ser aplicado com flexibilidade, causando problemas de “transferência de aprendizagem”, refletindo na capacidade de generalização. Especificamente, toda a problemática se encontra instalada na “transferência de estratégias metacognitivas de controle executor” (MARCHESI; MARTÍN, 1995, p. 32). Nesta perspectiva, o processo de escolarização se torna uma tarefa árdua aos alunos com necessidades educacionais especiais. Delval (1998) considera que tal dificuldade poderá estar em um dos objetivos da escola o de aprender a aprender. Assim, os aprendizes precisam ser conscientes dos conhecimentos já adquiridos e dos que ainda estão por vir, tornando-se capazes de encontrar informações no momento em que houver necessidade. O problema se estabelece justamente por que os alunos que exigem atendimento especializado apresentam déficits de aprendizagem exatamente no aspecto que a escola regular prioriza, pois em alguns casos a incapacidade de autodesenvolvimento e regulação da sua aprendizagem, faz com que inúmeros alunos fiquem à margem do ensino regular. 315 A escola precisaria investir com afinco no desenvolvimento e aperfeiçoamento da capacidade de pensar, para intervir na capacidade de aprender, tendo em vista que nem todas as crianças têm as mesmas oportunidades de contar com o reforço positivo que o meio social poderá proporcionar. A partir do momento em que as crianças tornam-se capazes de pensar e agir com autonomia, possivelmente terão condições de elaborar estratégias de aprendizagens e reestruturá-las, aplicando-as a outras situações em contextos que extrapolem o âmbito educacional (FIERRO, 1995b). Fierro (1995b) ressalta que, para desenvolver uma intervenção de qualidade, o professor precisará conhecer as peculiaridades do desenvolvimento cognitivo das crianças, para garimpar informações sobre seu processo de aprendizagem, e conhecer a capacidade da criança de tirar proveito do que lhe é ensinado, sem desconsiderar os aspectos funcionais das estratégias apreendidas. Contudo, tal tarefa não é uma atividade comumente aplicada, assim, o trabalho docente pode exigir, além de muito compromisso profissional, o estabelecimento de parcerias para auxiliar nas dificuldades encontradas na trajetória. Os desafios da caminhada O período de convivência e intervenção com a criança investigada, foi planejado para proporcionar recursos para evitar que as limitações de ordem biológica se tornassem impedimentos limitadores do seu desenvolvimento e aprendizagem. Assim, os educadores precisaram favorecer o processo de interação e encorajamento por meio de estratégias de apoio que incitassem o raciocínio e a autonomia tanto de pensamentos quanto de ações. Organizamos nossas ações, juntamente com ações e reações da criança, em um esquema seqüencial com informações organizadas em torno de algumas áreas do desenvolvimento, cuja definição se inspirou nas experiências de aprendizagem sugeridas em Hohmann e Weikart (1995/1997): Linguagem, dividida em dois aspectos: Verbalização e Exploração de segmentos sonoros e Interpretação e Produção da representação escrita. Esta área, envolve nosso objeto de estudo e sua subdivisão em aspectos relacionados mais predominantemente com a linguagem oral, ou aspectos mais relacionados com a linguagem escrita, permitiu visualizar as inter-relações desses dois aspectos no desenvolvimento desta criança. 316 No caso específico da linguagem, diversos aspectos observados fizeram com que percebêssemos algumas das suas dificuldades, permitindo que dirigíssemos toda nossa atenção para tentar superar uma dificuldade específica. A pronúncia das palavras é um dos aspectos em que a criança apresentava bastante dificuldade, mas a criança utilizava algumas estratégias como recurso para superar essa dificuldade: se o ouvinte, adulto, não entendesse o que ele queria expressar, utilizava como instrumento de comunicação a linguagem gestual, as vezes tentava se explicar repetindo a palavra, ou buscando apoio em uma imagem. A narração de histórias era um dos seus grandes prazeres, repetia sempre o mesmo roteiro, quantas vezes fosse preciso. Porém, realizava a leitura das imagens, explicando cada situação apresentada nas cenas, mesmo reconhecendo que além dos desenhos existiam os “escritos”, que serviam para escrever o nome dos personagens. No entanto ainda apresentava resistências quando a investigadora insistia em fazer a leitura das histórias, cobrindo as letras com o braço. Mesmo não sendo alfabetizado e não gostando de escrever, gostava de tudo que veiculasse informações escritas, o que permitiu que, após algum tempo interagindo com textos escritos com a mediação da pesquisadora, passasse a sinalizar com o dedo imitando a leitura convencional, além de considerar “amigas” as letras do seu nome, dizendo que elas estavam sempre juntas. Aos poucos, suas resistências quanto à leitura feita pela investigadora foram diminuindo e os pedido para que fosse feita e leitura, aumentando. Também passou a utilizar o lápis como um recurso de registro, copiando nomes dos personagens das histórias. Algumas letras tinham a forma convencional, outras eram alteradas. Quando narrava as histórias, retomava algumas páginas anteriores para explicar os fatos da página atual, e quando narrávamos uma história e por algum motivo éramos interrompidos, ele só aceitava deixar o livro após folheá-lo até o final, seguindo a orientação espacial convencional, da esquerda para a direita e de cima para baixo. Esse elaborado conhecimento das convenções textuais e essa facilidade de coordenação espaço-temporal foi utilizada pelos educadores como um ponto de apoio para a aprendizagem em outras situações. Como gostava muito das histórias, memorizava com facilidade todos os nomes que ouvia, e mesmo sendo questionado após alguns dias, ainda recordava os nomes. Essa habilidade foi utilizada pelos educadores para ajuda-lo a aprender a forma ortográfica desses nomes que eram significativos para ele. 317 Além das histórias, ele gostava muito do corpo humano e se interessava por tudo que envolvesse anatomia, assim, passava muito tempo nomeando as partes do corpo do esqueleto Zé (boneco esqueleto). Esse interesse foi explorado pelos educadores, tanto na aprendizagem da escrita como para promover as interações sociais com os colegas. Iniciativa e Relações interpessoais, se refere a comportamentos e expressão de sentimentos; desenvolvimento de relações interativas entre criança e adulto; habilidade em lidar com conflitos sociais; participação das rotinas do grupo (idem, p. 456). No início a criança apresentava bastante resistência para permanecer em sala de aula, mas quando permanecia naquele espaço, estava sempre atento a tudo que se falasse ou acontecesse ao seu redor, porém ele só se concentrava naquilo que lhe interessava. Também ignorava completamente possíveis intervenções ou convites de outras pessoas, quando envolvido em uma atividade que lhe parecesse envolvente. Apresentava um comportamento de isolamento bastante ostensivo, sentando-se no chão para fazer o seu lanche e recusando, por meio de expressões faciais de reprovação, convites para sentar próximo a algum amigo. Saía da sala a todo instante para brincar no parque. Dificilmente retornava à sala sem que tivéssemos que buscá-lo no colo, contra sua vontade. E mesmo mostrando-se tão resistente a uma série de questões, apresentava passividade e falta de iniciativa quando uma criança tirava um objeto das suas mãos. Preferia as brincadeiras isoladas com tiras de papel e só permitia a intervenção dos adultos. Aos poucos, foi aceitando sentar-se à mesa para lanchar e até mesmo fazia troca de lanches com os amigos. Porém, ainda apresentava dificuldades em respeitar as regras elaboradas pelo grupo, especificamente as regras restringentes. Quando estava em meio a adultos, ele se recusava a dividir o espaço com outra criança. Mesmo insistindo, ignorava a presença e a curiosidade do amigo, mas se um dos adultos lhe fizesse a mesma pergunta feita por um amigo, ele respondia prontamente. Porém, com os constante convites para brincar com os amigos, passou a brincar na caixa de areia e no parque, porém selecionou uma única amiga; quando outras crianças se aproximavam, ele deixava aquele espaço. A ação da pesquisadora, voltada à integração da criança ao grupo, convidando outros amigos para as brincadeiras e momentos de leitura, favoreceram a negociação da distribuição do tempo, evitando os momentos de isolamento no parque, aceitando compartilhar brincadeiras com amigos de outros grupos.. Assim, passou a colaborar 318 com a organização da sala, aceitando com mais facilidade a exploração de outras possibilidades dentro da sala, brincando em outros cantos e experimentando diferentes materiais. Porém, ainda apresentava um pouco de resistência diante da demarcação de tempo para as atividades que lhe despertassem prazer. Mesmo assim, aprendeu a respeitar algumas regras do grupo, bem como as penalidades àqueles que as desobedeciam. Com o enriquecimento das interações, sua linguagem oral foi se aprimorando e o diálogo ficava mais claro, permitindo que outras crianças também participassem da conversa. Conhecimento de mundo e representação criativa, envolve a capacidade da criança de registrar o modo como ela compreende e representa o mundo, utilizando, sobretudo formas de expressão plásticas (idem). A forma de representação escrita não interessava muita à criança investigada, percebendo isso, a pesquisadora passou a explora outras formas de representação, visto que ele confeccionava desenhos como o auto-retrato com riqueza de detalhes, incluindo partes da anatomia do aparelho fonoarticulador. Pintava as figuras respeitando os limites do desenho. Confeccionava águias com folhas de jornal com grande precisão de recortes, centralizando a folha, furando-a e puxando uma tira. Repetia a mesma seqüência nas outras duas extremidades, e daí surgia sua águia. Confeccionou um coelho com argila. O coelho foi modelado com perfeição, suas orelhas alinhadas, olhos, boca, nariz e rabo foram colocados no seu devido lugar, representados por tampas de garrafas pet. Ao lermos a história do Pinóquio ele ficava muito tempo observando a mesma página, onde aparecia o interior da baleia. Quando isso acontecia, ele repetia as mesmas explicações sobre as pregas vocais da baleia, diversas vezes. Esse seu fascínio pelas histórias foi direcionado pela pesquisadora para proporcionar momentos de interação com outras crianças, pois ele dava verdadeiras aulas sobre anatomia, e ficava entusiasmado com a curiosidade das outras crianças. Este fato também influenciou na sua auto-estima e na sensação de utilidade, pois muitos dos colegas sabiam ler ou escrever, apesar dele não dominar a escrita, tinha outras coisas a ensinar. Quando começou a participar das aulas de música, a professora apresentou um instrumento chamado Reco-reco, ele reconheceu o som do instrumento como o “barulho sapo”. Estabelecimento de relações lógico-matemáticas, que compreende as habilidades de classificação, seriação, noções espaciais e temporais, cuja evolução é 319 bem detalhada nos trabalhos de Piaget, aos quais não nos referiremos aqui por extrapolarem o âmbito deste estudo. Estabelecia noções de pluralidade de ordem matemática: um personagem um símbolo; muitos personagens muitos símbolos, quando brincávamos com os cubos de madeira grifado com as letras do alfabeto. Mesmo que não respeitasse plenamente, reconhecia o tempo destinado para cada atividade, especificamente quando se tratava do parque, repetindo a seqüência “fica sala, lava mão, lanche e paque”. Neste sentido, o uso do relógio, para que a criança entendesse as noções de tempo, refletiu-se em um dos momentos em que foi punido pelo seu comportamento contrário as regras e perdeu parte do tempo do parque, quis adiantar o relógio para o tempo passar rápido. A utilização do relógio para visualização do tempo delimitado para cada atividade surtiu efeitos positivos em relação à capacidade de respeitar limites e participar ativamente das atividades da turma. Movimento, se refere a habilidades que, envolvendo ou não a locomoção, requerem diferentes níveis de coordenação motora ampla. Apresentava excelente coordenação dos movimentos, além de equilíbrio e agilidade, demonstrando desenvoltura diante da aula de Educação Física quando utilizávamos os aparelhos de ginástica olímpica. Na pescaria da Festa Junina, pegava a vara de pescar, posicionava no gancho e rapidamente fisgava os peixes. Quando brincávamos com os ritmos percebemos que enquanto as batidas eram lentas, ele as acompanhava, mas a medida que se intensificavam, acabava se atrapalhando, porém não desistia da brincadeira. Algumas atividades envolvendo movimentos amplos e finos foram desenvolvidas pela pesquisadora, juntamente com atividades de escrita e nas brincadeiras com fantoches. Algumas considerações Cada área explorada e exemplificada acima representa as possibilidades de experiências que podem ser oferecidas às crianças, e culmina na aplicação de atividades e situações inclusivas, às crianças com necessidades educacionais especiais. Por meio das observações, os educadores podem encorajar as crianças em diversos aspectos do seu desenvolvimento. Este processo permite que os educadores interajam com as crianças e as auxiliem participando do arranjo espacial 320 da sala, supervisionando suas áreas de interesse e proporcionando atividades atrativas, com altos níveis de envolvimento e concentração nas tarefas desempenhadas. Tais experiências são essenciais para que as crianças construam conhecimentos, além de encorajar a aprender a aprender, são oportunidades de aprendizagens constantes que podem proporcionar aos educadores uma visão bastante real do desenvolvimento das crianças. Nesta perspectiva, observar as ações e reações das crianças é um fator que nos leva a compreender o seu desenvolvimento e os rastros deixados por ela, permitindo uma intervenção voltada à ampliar suas habilidades, podendo nos explicar forma como as crianças apropriam-se dos conhecimentos. Neste sentido, a rede de apoio, que atuava para auxiliar a criança a superar suas limitações, composta por psicólogos, fonoaudiólogos, pedagogos, e terapeutas naturais, desempenhou um excelente trabalho de parceria, visto que todos tínhamos como objetivo a aprendizagem e o desenvolvimento desta criança, assim, aplicávamos esforços para sanar as dificuldades especificas. 321 REFERÊNCIAS CASARIN, S. Aspectos psicológicos na Síndrome de Down. In: SCHWARTZMAN, S.J. Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie, 1999. DANIELSKY, V. Síndrome de Down: uma contribuição à habilitação da criança Down. 2. ed. São Paulo: Ave Maria, 2001. DELVAL, J. Aprender a aprender. Tradução: Jonas Pereira dos Santos. 5. ed. São Paulo: Papirus, 1998. ECHEITA, G.; MARTÍN, E. Interação social e aprendizagem. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (org). Desenvolvimento Psicológico e Educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Tradução: Marcos A. G. Domingues. v. 3. 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(Trabalho original publicado em 1997). MARCHESI, A.; MARTÍN, E. Desenvolvimento metacognitivo e problemas de aprendizagem. In: COLL, C.; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (org). Desenvolvimento Psicológico e Educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Tradução: Marcos A. G. Domingues. v. 3. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. MILLS, N. D. A educação da criança com Síndrome de Down. In: SCHWARTZMAN, S.J. Síndrome de Down, São Paulo: Mackenzie, 1999. SCHWARTZMAN, S. J. (org). Síndrome de Down. São Paulo: Mackenzie, 1999.