133 TERRITÓRIO, PAISAGEM E CULTURA: A INFLUÊNCIA PORTUGUESA NA (RE)CONSTRUÇÃO ESPACIAL DO MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA/RS Introdução Jessica Nene Caetano¹ Meri Lourdes Bezzi² O presente esforço teórico pretende enfatizar a compreensão do território, iniciada pelo viés da Geografia Política, introduzida pela obra Politische Geographie (Ratzel, 1974), como um conceito centrado na perspectiva de um espaço apropriado por um grupo social que, ao se fixar, firma raízes e cria uma identidade específica não podendo ter sua marca desvinculada desse território. Dessa forma, salienta­se que a ideologia presente nesse entendimento firmou bases ainda mais sólidas para a compreensão de território ligada ao Estado­Nação, conectando espaço e território de tal forma que não havia como distinguir um conceito do outro, desconsiderando, também, o papel político desse território. Nessa perspectiva, a Geografia se volta, nos dias de hoje, para a realização dos estudos direcionados às “tribos”, inserindo uma análise ainda mais profunda e uma interpretação mais contundente a respeito das questões das sociedades complexas, fruto da produção do espaço de nossos dias. Mesmo assim, existe a necessidade de desmembrar da Geografia, a orientação voltada para o poder do Estado. Relacionando esse conceito com a temática cultural, introduzida pela Geografia Humana, com Friedrich Ratzel (1844­1904) e, posteriormente, na França com, com Paul Vidal de La Blache (1845­1918) e nos Estados Unidos com Carl Sauer (1889­1975) verifica­ se que a transformação do espaço em território, além de envolver o domínio, controle ou tomada de poder, requer uma apropriação simbólico­cultural relacionada à vivência cotidiana e aos ritmos de vida. Assim, quando buscamos compreender a desterritorialização, vemos que, além da dimensão política, a dimensão cultural também manifesta sua relevância por sua simbologia inerente. Cabe enfatizar, ainda, que o estudo em questão busca, também, salientar que a ação humana transformou o conceito de paisagem, oferecendo um olhar humanístico e conferindo, não apenas, a atenção para a manifestação do que é visível, mas também, para aquilo que não está materializado, construindo uma paisagem estruturada em um conjunto único, disposta a passar por mudanças estruturais (forma) e funcionais (funções). Nessa 1 2 Mestranda do Programa de Pós­Graduação em Geografia e Geociências­PPGGEO­UFSM Orientadora, Professora Doutora do Departamento de Geociências – CCNE ­ UFSM 134 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS perspectiva, a subjetividade inerente à paisagem, promove a valorização de hábitos e crenças de um grupo cultural, estabelecendo a identidade desse espaço, além de sensibilizar o observador que enxerga nesse cenário os símbolos de sua vivência cotidiana. Com a ênfase para a paisagem como categoria de análise da Geografia, convém destacar a importância dos códigos culturais nesse estudo, já que os mesmos regem as práticas sociais, os costumes, e as tradições de um grupo social, simbolizando a materialidade e a imaterialidade da cultura. Dessa forma, esse trabalho propõe, também, identificar e definir alguns elementos culturais trazidos pelos portugueses, visíveis na paisagem do município de Cruz Alta/RS. O tipo físico, a organização familiar, a arquitetura das casas, os festejos com gastronomia típica, a religiosidade e os hábitos da população local formaram culturalmente a cidade e caracterizam, até hoje, a etnia pioneira no povoamento do Município. Considerações sobre o entendimento de território na Ciência Geográfica O papel da Geografia, nos primórdios de sua construção como Ciência, contribuiu expressivamente para a constituição de um entendimento do território muito ligado à natureza físico­climática, ou seja, baseava­se em Leis Deterministas de inspiração darwinista, positivista e neolamarckista. Nesse sentido, a adaptação dos sujeitos ao meio, considerando suas constituições raciais, tinha valor para a seleção natural imposta pelo ambiente onde os mesmos se encontravam. Dessa forma, o estabelecimento da Geografia como Ciência no Brasil, teve significativa influência determinista impulsionada, também, pela busca incessante por expansão dos meios de comunicação e de desenvolvimento urbano, estimulando práticas de gestão, conectadas com concepções e saberes inovadores para o fim do Século XIX e início do Século XX. Machado (1995, 348) salienta que [...] o uso das teorias geográficas [...] Não podia ter uma aplicação mecânica, uma vez que o objetivo era chamar a atenção, precisamente pela ausência de uma “estrutura” ou de um “sistema” como forma de instituir a organização e reduzir a desorganização do território. A idéia que acabou por predominar foi a de substituir a heterogeneidade das regiões pela idéia de um padrão organizado a partir de um governo centralizado. Assim, cabe ressaltar que não foi, apenas, a Geografia a única Ciência capaz de planejar a unidade nacional, defendendo a modernização como caminho para a introdução Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 135 de nações como o Brasil no “processo civilizatório”. Na formação territorial­estatal­nacional, outro discurso começou a exercer mais influência, principalmente, com a chegada do Século XX – o da economia. Na perspectiva do estudo do território, cabe salientar o conceito de Souza (1995, p. 78) que afirma O território [...] é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. A questão primordial, aqui, não é, na realidade, quais são as características geoecológicas e os recursos naturais de uma certa área, o que se produz ou quem produz em um dado espaço ou ainda quais as ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço [...] a seguinte questão inseparável, uma vez que o território é essencialmente um instrumento de exercício de poder, é quem domina ou influencia quem nesse espaço, e como? Nesse sentido, esse esforço teórico utiliza o conceito do referido autor porque o mesmo amplia o entendimento de território e reforça que esse conceito não deve remeter, apenas, ao território como Estado, mas às diferentes escalas, da rua à OTAN3. Mesmo assim, a consideração de Souza (1995) afeta a compreensão de território pelo olhar fenomenológico, proposta do presente trabalho. Por que as ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço não fazem parte das questões primordiais de um território? Se o autor não considerou a relevância desses vieses (fenomenológico e, também, cultural) em seu estudo, essa reflexão teórica pretende enfatizá­los como importante olhar para a compreensão de território. Dessa forma, o reducionismo de restringir todo território a um “território nacional” impede, portanto, de enxergá­lo como produto de uma “riqueza de situações” Souza (1995), ou seja, impossibilita de entender que esse território pode ser permanente ou periódico; ou ser construído dentro de diferentes escalas temporais. A Antropologia é a Ciência que serve de exemplo para os estudos territoriais mais inovadores, com a realização de pesquisas sobre tribos urbanas e inúmeros grupos sociais (como o de homossexuais e minorias étnicas). Nessa perspectiva, a Geografia se volta, nos dias de hoje, para a realização dos estudos direcionados às “tribos”, inserindo uma análise ainda mais profunda e uma interpretação mais contundente a respeito das questões das sociedades complexas, fruto da produção do espaço de nossos dias. Mesmo assim, existe a necessidade de desmembrar da Geografia, a orientação voltada para o poder do Estado. Por isso, convém destacar que o território, dentro da visão da Geografia Política, introduzida pela obra Politische Geographie (Ratzel, 1974), é um espaço apropriado por um grupo social que, ao se fixar, firma raízes e cria uma identidade específica não podendo ter ³ Área constituída por vários territórios dos países­membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte. 136 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS sua marca desvinculada desse território. A ideologia presente nesse entendimento firmou bases ainda mais sólidas para a compreensão de território ligada ao Estado­Nação, conectando espaço e território de tal forma que não havia como distinguir um conceito do outro, desconsiderando, também, o papel político desse território. Nessa perspectiva, outra abordagem se refere à compreensão de território como campo de forças, ou seja, pressupõe um entendimento mais crítico e um desmembramento entre as esferas cultural e política da organização social. Assim, pode­se ressaltar inúmeras redes de relações que provam não ser necessário existir alicerces tão rígidos para que territórios sejam constituídos. Dessa forma, como já salientado anteriormente, os territórios podem ser instáveis ou estáveis, se formar e se dissolver com grande velocidade sem que a base ou fundamento social se modifique. Nesse sentido, destacando, ainda, a existência de territórios flexíveis, pode­se ressaltar a temporalidade bem definida de um território citando, por exemplo, a permanência de determinado grupo em um horário específico num certo espaço público, ou a existência da territorialidade do tráfico de drogas, no Rio de Janeiro, como uma rede complexa de facções amigas disputando com facções inimigas a mesma área de controle econômico, construindo, assim, uma malha complexa de relações. Cabe destacar, também, a existência de territórios de prostituição feminina e masculina, onde esses profissionais disputam por territórios de atuação, destacando que os clientes vêm de um mundo considerado, genericamente, como exterior. Reforçando a última territorialidade apontada, convém acrescentar que o mesmo espaço assume territorialidades diferentes, dependendo do horário observado. Durante o dia, freqüentadores “respeitosos” tomam as ruas para se dirigirem ao comércio, às escolas, enfim, para realizarem atividades cotidianas. Porém, à noite, esse espaço pode adquirir uma outra característica, pois, seus freqüentadores se interessam por outros atrativos, considerados como “indecentes” pelo código moral de nossa sociedade. Por isso, considerando que os territórios podem se superpor com inúmeras configurações e limites não – correspondentes e, além disso, podem existir contra­sensos entre as incontáveis territorialidades por causa dos desacordos e contradições existentes entre os poderes (daquele que atua dentro da economia informal contra o que fiscaliza e pune essas atividades ilegais), há uma grande simplificação de conceitos que dizem respeito à justaposição e não superposição dos territórios. Assim, a Geografia Política Clássica compreende que só há um Estado­Nação para cada território nacional, atribuindo exclusividade de um poder em um determinado território. Nesse sentido, para finalizar essa questão, basta que se tenha noção de que em um território nacional existe a atuação do poder estadual e, dentro desse último, o poder municipal. Alguma dúvida a respeito da existência da superposição? Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 137 Portanto, cabe lembrar que a noção de território está ligada com o poder, não o poder da violência ou do Estado, mas o poder como uma das dimensões fundamentais da sociedade. Dessa forma, a gestão do território está alicerçada na relevância da territorialidade4 como promotora de maior justiça e autonomia dentro desse espaço territorial. Seguindo na perspectiva da gestão territorial, cabe salientar que, com o desenvolvimento da economia, o uso do território vem se constituindo como caminho para o crescimento financeiro nas diversas escalas (local, regional e nacional), construindo, nesse sentido, espaços de negociações e atuação de agentes públicos e privados. Dessa forma, a questão da distribuição territorial de riqueza e de renda em países pobres, como o Brasil, está sendo debatida e planejada como uma demanda exigente de ordem. Assim, a imposição de uma ordem ao território, configura­se, sobretudo, como uma ideologia autoritária e ineficaz, pois, a administração democrática e compartilhada entre os diferentes agentes gestores (incluindo a participação da população) é a maneira mais efetiva para essa igual divisão territorial de renda e riqueza no Brasil. Nesse sentido, o crescimento dessemelhante das responsabilidades sociais, causado pelo menor desenvolvimento das economias nacionais, bem como pelo aumento do desemprego em regiões tradicionais, além da diminuição da capacidade de ganho de lucratividade do Estado, oriunda das contratações de empresas, fez com que a gestão territorial para distribuição de renda fosse inviável. Esclarecendo essa questão, Egler (1995, p. 225) destaca A dimensão territorial do desenvolvimento econômico tende a se alterar com a difusão de métodos flexíveis de produção. HARVEY5 (1989: 159­ 160) mostra o papel do acesso ao conhecimento técnico­científico às novas formas de produção como instrumentos fundamentais da concorrência intercapitalista. SCOTT e STORPER6 (1992: 13) distinguem a configuração das regiões onde predominam as economias de escala daquelas onde a flexibilidade e as economias de escopo ou amplitude são dominantes. Dessa forma, na atualidade, a política territorial está estreitamente ligada à política industrial, são elas as duas faces da moeda do desenvolvimento. A Zona Franca de Manaus, produtora de variados artigos eletro­eletrônicos, é resultado de incentivos locacionais e, nos dias de hoje, já promove a instalação de fábricas de computadores 4 Destacando, mais uma vez, Souza (1995, p.99), a territorialidade teria relação, no plural, com os tipos gerais em que podem ser classificados os territórios conforme suas propriedades, dinâmica, etc. No singular, a territorialidade remeteria a algo extremamente abstrato, aquilo que faz de qualquer território um território. HARVEY, David. (1989). The condition of Postmodernity. An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Basil Blackwell. 5 SCOTT, Allen; STORPER, Michael. (1992). Regional Development and Contemporary Industrial Response. Extending Flexible Specialization. London: Belhaven Press: pp 3­24. 6 138 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS capazes de torná­la modelo para o crescimento do mercado doméstico, com sua expressividade na fabricação de produtos de informática, além de garantir maior integração do território com promoção de empregos e de infra­estrutura para a circulação dos produtos e, conseqüentemente, da população. Nessa perspectiva, o MERCOSUL7 (Mercado Comum do Sul), estabeleceu­se como um ambicioso plano de integração entre os territórios que, livres da influência norte­ americana, enfrentam, ainda, dificuldades para sua efetivação, principalmente, no que se refere às estruturas de produção das nações envolvidas e suas frações regionais. Considerando que, diante de um mundo globalizado, formado por territórios ligados por suas atuações no mercado capitalista construindo uma elite de possuidores produz, ao mesmo tempo, uma camada enorme de pessoas desprovidas de básicos recursos de sobrevivência, jogados à própria sorte pelo modelo tecnológico capitalista. Nesse sentido, esses despossuídos ficam à margem do processo de produção, constituindo o que Haesbaert (1995) denomina de aglomerados de exclusão. Essa população excluída sofre uma desterritorialização que, como símbolo de nossos dias, é produto da utilização desenfreada da tecnologia. Haesbaert (1995, p. 168) acrescenta A desterritorialização deve ser tratada, sobretudo no que se refere à dimensão espacial da sociedade que para LÉVY8 (1992), corresponde à “luta dos homens contra a distância”, distância que ao mesmo tempo separa as sociedades e é um princípio de organização de sua vida interior (p.17). Isto no meu entender permite uma das definições possíveis dos processos de desterritorialização: a superação constante das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela velocidade, de tornar­se “liberto” em relação aos constrangimentos (ou rugosidades, como se refere Milton Santos) geográficos. O território, centrado primordialmente, pelo controle de entrada através da fronteira envolve, também, desterritorialização e reterritorialização como resultado da produção do espaço. Dois processos de desterritorialização foram determinados, respectivamente, por Raffestin e Lévy e, através da análise de Haesbaert (1995), podem ser mais bem compreendidos. Raffestin delimitou três tipos de civilização (ler capítulo 1.1) em função das malhas, redes e nós (denominada por Raffestin como “invariantes” territoriais) e, diferente da desterritorialização de Lévy que, ao diferenciar território de rede, propõe quatro modelos apropriados ou não para um determinado período da História (sincrônicos/diacrônicos). Nesse sentido, convém ressaltar que Raffestin determina o ciclo T­D­R9 em um Firmado pelo Tratado de Assunção (1991), por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai apostam no desenvolvimento de uma união aduaneira que, com o tempo, poderia se ajustar na constituição de um mercado unificado, nos moldes da União Européia. 7 8 9 LÉVY, J. et al. 1992. Le Monde: espaces et systémes. Paris, Anthropos. Territorialização­Desterritorialização­Reterritorialização Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 139 segundo ciclo que, produto da valorização da informação, é constituído por três etapas: o da inovação, difusão e obsolescência (IDO). Cabe salientar que Lévy propõe um modelo de desterritorialização que compreende que a economia­mundo da atualidade é um sistema em rede formado, inicialmente, por um conjunto de mundos (territorialização tradicional), depois por um campo de forças (territorialização moderna) e, finalmente, por uma rede hierarquizada (desterritorialização). Dessa forma, destaca­se que a rede não é, apenas, um simples componente do território, pois se diferencia do mesmo ao não apoiar constantemente a territorialização, incitando a desterritorialização e se sobrepondo aos territórios. Assim, as redes não se abreviam ao global, bem como os territórios não se reduzem ao local, porque as concepções de território e rede, na verdade, exigem maior profundidade do que as definições geométricas e superficiais comumente estabelecidas. Território e rede, territorialização e desterritorialização são conceitos que, ainda distorcidos e compreendidos de maneira leviana, estão, na realidade, extremamente condicionados às inovações tecnológicas dos dias de hoje. O processo desterritorializador do atual meio técnico­científico­informacional (denominação criada por Milton Santos, 1985), é marcado pela existência das tecnologias da informação, pela “deslocalização” da produção, pela circulação mais dinâmica dos produtos, expansão do setor de serviços e da circulação do capital financeiro, fazendo com que a desterritorialização esteja ligada à globalização. Nessa perspectiva, convém salientar que, mesmo a serviço da desterritorialização (redes globais capitalistas da atualidade), as redes também apresentam uma dinâmica reterritorializante com a formação de redes de solidariedade. É importante lembrar que, assim como em uma determinada escala (local/regional) pode haver desterritorialização, simultaneamente em outra escala (nacional e mundial), pode ocorrer reterritorialização. Assim, tendo­se consciência de que tanto as redes, como os territórios, implicam a noção de organização ou ordem, os aglomerados pressupõem o oposto, ou seja, um caos originado pela desordem de uma malha de múltiplos territórios e redes que se justapõem ou se transpassam, bem como uma disputa por territórios entre facções inimigas. Alguns desses aglomerados transformam­se em territórios ordenados, internamente organizados, ou seja, desenvolve­se, então, uma reterritorialização à margem da territorialização legal. Dessa forma, compreende­se que a formação de aglomerados representa o estágio mais grave da exclusão, criando acampamentos de refugiados que, expulsos por motivos políticos, culturais e/ou econômicos, vivem em condições de miséria e insegurança. Assim, a desestruturação da sociedade atual pode gerar uma massa ainda maior de desterritorializados, a ponto de criar uma reação desgovernada, impulsionada por ideologias aproveitadoras da vulnerabilidade dessa população. 140 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS Por isso, a formação de aglomerados de exclusão pode produzir reterritorializações extremistas e conservadoras, a ponto de criarem territorialismos reacionários, produto da má utilização da territorialidade, excluindo todas as pessoas avaliadas como estranhas ou forasteiras (ler, também, capítulo 1.1). Nesse sentido, não devemos, portanto, confundir os aglomerados com territórios e redes, pois os primeiros, em especial, os aglomerados de exclusão, tornam o entendimento sobre a conexão rede­território mais complexa e questionadora. Portanto, é válido retomar que no processo de territorialização e desterritorialização, considera­se a atuação das redes e de seus elementos, ou seja, as linhas, os fluxos, os pontos e os nós10. Dessa forma, quando as redes atuam no processo de territorialização são, também componentes desse território, já quando agem no processo de desterritorialização, convertem territórios e fronteiras em nós ou elementos para as mesmas. O mito da desterritorialização, tão reforçado nas principais obras de Haesbaert, deve abrir espaço para a força da questão da reterritorialização, pois vemos em nossa sociedade o surgimento de novos nacionalismos e fundamentalismos na formação de um “território­ mundo”. Assim sendo, convém lembrar que o presente esforço teórico aponta que a desterritorialização mostra que a tecnologia, ao mesmo tempo em que promove integração informacional global em rede, promove a desterritorialização perversa e agressiva, excluindo aqueles que inexistem por não se inserirem nesse sistema. Por isso, salienta­se que, ainda que as esferas política, cultural e econômica promovam o processo de desterritorialização, a questão tecnológica nos mostra uma face ainda mais radical de exclu­ são. Breves apontamentos sobre a evolução da Geografia Cultural: destaque para a importância dos códigos culturais A temática cultural foi introduzida pela Geografia Humana, com Friedrich Ratzel (1844­ 1904) e, posteriormente, na França com, com Paul Vidal de La Blache (1845­1918) e nos Estados Unidos com Carl Sauer (1889­1975). Nesse sentido, salienta­se que as pesquisas desenvolvidas por Ratzel eram,essencialmente, fundamentadas no Determinismo. Claval (1999, p. 23) salienta que “A seleção dos seres vivos pelo meio que Darwin postulava, é substituída por Ratzel pela seleção das sociedades pelo espaço: a política impõe­se, assim ao cultural”. Nessa perspectiva, convém lembrar que as obras de Alexandre Humboldt e Carl Ritter serviram como inspiração para Friedrich Ratzel escrever sua famosa obra, intitulada Antropogeografia (1882­1891). Outros alemães, assim como Ratzel, direcionaram seus 10 Os nós podem ser entendidos como uma espécie de elementos de maior domínio da rede Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 141 estudos para a materialidade da cultura, manifestada na paisagem pelas técnicas e pelos utensílios. Dessa forma, destaca­se a contribuição dos estudos do geógrafo francês Vidal de La Blache que, assim como outros adeptos do Possibilismo Geográfico, contestou o determinismo ratzeliano. Assim, La Blache considerou relevante a ação humana sobre o meio centrada no papel das técnicas e de sua difusão. Nesse sentido, a Geografia Francesa desenvolveu uma ótica mais complementada sobre a cultura, considerando os atributos materiais (a técnica) e os imateriais (os costumes). Nessa perspectiva, o domínio da natureza foi enfatizado com a finalidade de explicar os meios capazes de empregar armas e possibilitar o controle de um grupo sobre o outro, possibilitando à Geografia Francesa, desvendar e explicar as diferenças presentes na paisagem pelos inúmeros grupos culturais que, norteados por distintos costumes, firmam sua identidade nesse espaço repleto de simbologias. Seguindo esse estudo, cabe ressaltar as contribuições das pesquisas de Carl Sauer que, ao fundar a Escola de Berkeley, nos Estados Unidos, revigorou a Geografia Cultural, já esquecida pela Escola de Middle West de 1910 que deixava em segundo plano as conexões entre cultura e espaço. Assim como a Geografia Alemã de Friedrich Ratzel, a Geografia Cultural norte­americana considerou a cultura materializada na paisagem. Assim, a partir da década de 1970, depois de ser desvalorizada por sua temática ser considerada superada, a Geografia Cultural iniciou sua reconstrução com a compreensão de que os lugares são dotados de sentimentos por seus habitantes, ou seja, demonstrou que o espaço vivido é significativo pra os indivíduos. Nesse sentido, atualmente, a Geografia Cultural evidencia sua relevância como uma linha de pesquisa renovada na Ciência Geográfica ao difundir e enriquecer a importante contribuição da cultura transmitida homens através das gerações. Nesse sentido, sua valorização é importante para que os indivíduos consigam compreender a organização espacial do território onde vivem. Nessa perspectiva, convém ressaltar que a questão cultural atribui grande relevância aos subsídios oferecidos pelos códigos culturais materiais e imateriais, pois, os mesmos, manifestam muitas características identificadoras de um determinado grupo cultural na paisagem. De acordo com Cosgrove (1998, p. 19) “[...] a cultura pode ser considerada como um conjunto de práticas comuns ao grupo social, composta de aspectos materiais e imateriais, sendo transmitida através de gerações”. Dessa forma, a materialidade e imaterialidade da cultura são simbolizadas pelos códigos culturais que norteiam as práticas, os costumes e as tradições de um grupo social. Para Tuan (1974, p. 166) “Um símbolo é um repositório de significados. Os significados emergem das experiências mais profundas que se acumularam através do tempo”. 142 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS Assim, cabe definir que os códigos culturais materiais são aqueles visíveis na paisagem, como a arquitetura, a música, a religião e as festividades peculiares e representativas que caracterizam a identidade cultural de certo grupo social. Já os códigos culturais imateriais não podem ser visualizados na paisagem, mas manifestam as marcas essenciais para a transmissão cultural através da comunicação oral e escrita, a linguagem, as convenções, valores e ideologias, entre outros elementos. Brum Neto (2007, p. 40) salienta que [...] A linguagem permite, então, “descrever” os demais códigos, isto é, “contar” como é a cultura. Pode­se considerar esse código mais do que um meio de comunicação entre as pessoas, pois é na língua que se concentram os valores, as vivências e as experiências acumuladas por um povo, através dos tempos. Manter viva esta língua é manter viva a possibilidade de acesso a estes valores, experiência e conhecimento acumulado pelas gerações antecessoras. Dessa forma, pode­se acrescentar que a Geografia Cultural, depois de ter passado por uma importante renovação, se insere nos estudos atuais sobre cultura ao compreender, entre outras questões, que o espaço vivido é formado por sentimentos dos sujeitos que nele habitam, ou seja, o sentido de pertencimento é ressaltado através de inúmeras investigações relacionadas à temática cultural produzidas após a década de 1970. A compreensão da (des)(re)territorialização na perspectiva cultural Espaços, paisagens e sociedades se vêem cada vez mais arrasados pela padronização do modelo dominante capitalista da atualidade, capaz de homogeneizar e anular as histórias e identidades dos lugares e dos grupos sociais que, vitimados pelo ritmo alucinante de transformação de suas culturas, trocam seus símbolos e valores mais peculiares pelo ganho financeiro e inserção no sistema econômico vigente. Cabe reforçar que, a globalização ao mesmo tempo em que afeta as comunidades tradicionais pela promoção de uma cultura homogênea e consumista, pode gerar, também, novos movimentos territorialistas que, auxiliados por todo o aparato tecnológico dos dias de hoje, promovem a fixação de fortes raízes (re)construtoras de identidades tradicionais. Nesse sentido, a transformação do espaço em território, além de envolver o domínio, controle ou tomada de poder, requer uma apropriação simbólico­cultural relacionada à vivência cotidiana e aos ritmos de vida. Assim, quando buscamos compreender a desterritorialização, vemos que, além da dimensão política, a dimensão cultural também manifesta sua relevância por sua simbologia inerente. Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 143 Dessa forma, mesmo que a esfera política se relacione com a face cultural, já que as fronteiras de controle político podem criar uma identidade cultural, essas duas dimensões não são coincidentes, pois nem toda a fronteira de domínio territorial no sentido cultural pode construir uma fronteira política sólida. Como destacado no capítulo anterior, Raffestin de acordo com a interpretação de Haesbaert, distingue três grandes tipos de sociedades em função da predominância de malhas, redes ou nós. A primeira, dentro das civilizações tradicionais, se refere às comunidades predadoras, nômades ou seminômades, valorizadoras das malhas, ou seja, privilegiavam o território percorrido horizontalmente. A segunda faz menção às civilizações tradicionais produtoras, destacando a passagem da coleta para o pastoreio e a agricultura, com a fixação dos indivíduos em um determinado local para a criação de excedentes de recursos, dando privilégio, assim como a primeira civilização, às malhas (áreas agrícolas), mesmo já surgindo alguns nós (primeiras cidades). Convém, ressaltar, também, as civilizações tradicionalistas e racionalistas com a fixação da população em nós, ou seja, cidades hegemônicas frente à ordenação territorial, produzindo conflitos com as “malhas” ou comunidades rurais. Por fim, destacam­se as civilizações racionais, integradas no mundo moderno, centradas nos sistemas urbanos conectados em forma de redes (de comunicação e de circulação), intensamente disputadas por domínio político, transformando a informação em uma mercadoria de fundamental valor para o sistema, capaz de territorializar e desterritorializar as comunidades. Nessa perspectiva, a globalização surge, portanto, para a relativa remoção da liberdade dos grupos sociais, pois a globalização das redes aprisiona a vida cotidiana numa teia de dominação em diferentes escalas. A reterritorialização configura­se como um processo complexo, relacionado à característica funcional do território­rede. Como alternativa para toda a perversidade da globalização e suas imposições, de acordo com a interpretação de Lévy, faz­se necessária a existência de uma “sociedade mundo”, dividida em três paradigmas. Assim, o primeiro se refere às áreas culturais, determinadas pelas peculiaridades de diversas origens, principalmente, as lingüísticas e religiosas que atribuem uma identidade cultural capaz de distinguir um grupo social. Já o segundo modelo faz menção ao mundo como um campo de forças, compreendendo uma territorialização moderna, ligada à geopolítica e à busca pela inteireza territorial do Estado. Nessa perspectiva, destaca­se, também, um modelo de mundo como uma rede hierarquizada, direcionada à economia mundo e à desterritorialização, desconsiderando, portanto, a existência de áreas culturais. Por fim, o padrão de mundo como sociedade se mostra como um produto dos três primeiros modelos, ou seja, a união em escala mundial da comunidade cultural, da identidade política somada à união econômica. 144 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS A dimensão cultural, assim como a dimensão política, está geralmente associada à territorialização, da mesma maneira que a dimensão econômica está ligada à desterritorialização. Nessa perspectiva, mesmo com o perigo de fazer esse tipo de associação tão superficial, é inegável não reconhecer a característica enraizadora da territorialização, atribuindo maior coerência por seu caráter mais inerente e reservado e, portanto, estreitamente ligado aos empreendimentos político­culturais de dominação, principalmente, quando comparado à eficácia do capital, cuja natureza é essencialmente desterritorializadora. Dessa forma, muitos autores relacionam a globalização ao processo de desterritorialização, pois a ação globalizante tem o poder de remover as raízes culturais das coisas, pessoas, lugares e idéias sendo, portanto, símbolo da modernidade ao afastar as interações sociais das conjunturas territoriais, além de promover uma ordenação extremamente racional da vida humana com a larga utilização de ferramentas técnicas capazes de dominar o tempo e o espaço. Nesse sentido, aflora, também, o desenraizamento dos produtos, fabricados em inúmeros lugares e, por isso, globalmente administrados. Antes, os produtos eram reconhecidos por sua territorialidade, hoje, simbolizam uma cultura hegemônica marcada pela internacionalização, provando que até as marcas culturais presentes nos objetos estão perdendo suas raízes. Observando, então, a utilização em massa do jeans, por exemplo, verifica­se a estreita relação entre a flexibilidade do capital com a desterritorialização do conjunto de valores e demais códigos pertencentes a uma cultura. Cabe reforçar que a globalização inerente à circulação de produtos e ao processo de desterritorialização promove, também reterritorializações ligadas à tecnologia e à mobilidade dos homens como uma raiz fixada graças à modernidade. Essa globalização produz, ainda, o retorno da valorização dos locais como resultado do grande deslocamento de diferentes grupos culturais pelo planeta, reavivando as identidades como arma de luta e combate contra a dominação do mercado e do consumo. Convém salientar, então, que a desterritorialização não é, somente, política e/ou econômica, ou seja, mesmo que seja relevante compreender o rompimento de velhas fronteiras econômico­políticas de conexão, é importante considerar o papel da desterritorialização simbólica com a aniquilação dos símbolos, emblemas históricos, valores, identidades, toda a cultura materializada e imaterializada dos lugares e grupos sociais. Dessa forma, efetiva­se com grande força o processo perverso e sem limites de transformação da sociedade em mercadoria, levando à (re)territorialização desses grupos que passam a se submeter a um poder paralelo ao do Estado, como no caso do narcotráfico nas favelas cariocas. Essas comunidades, ao participarem direta ou Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 145 indiretamente de atividades ilegais vivem em um mundo de insegurança, algumas, adentram ou são excluídas de territórios e redes desorganizadas e passam a compartilhar da desterritorialização mais agressiva: a dos “aglomerados” de exclusão. Nessa perspectiva, a noção de aglomerado remete à presença de uma massa de população organizada de forma confusa e desestruturada, principalmente, porque seus atributos simbólicos, construtores de suas identidades, não estão mais presentes no cerne de suas vidas. São, portanto, pessoas anuladas culturalmente, representam apenas mais um número dentro da estatística de exclusão social. Assim, as indefinições de identidades dos sujeitos inseridos nos aglomerados de exclusão, fazem desse espaço “à parte”, sem forma definida, isolado do processo de produção, circulação e acumulação de capital, um cruzamento de redes e territórios que o tornam desordenado e confuso. A extrema desterritorialização desses aglomerados confere grande instabilidade, não apenas, pela ausência de recursos materiais de sobrevivência ou pela existência da violência ameaçadora da integridade física da população excluída, mas, também, por obrigar essa mesma população a se retirar constantemente das áreas onde estão fixadas pelos riscos de confronto com inimigos. Nesse sentido, a freqüente mobilidade dessas pessoas destrói suas identidades, oferecendo maior descontrole frente à disponibilidade de segurança, tão necessária para a construção material e simbólica de suas identidades. Assim, os aglomerados de exclusão apresentam habitantes anônimos, dependentes e anulados no que se refere às particularidades que compõem suas culturas. Dessa forma, esses espaços de abandono cultural, político e econômico, podem gerar o que, à primeira vista, poderia ser o oposto da desterritorialização – os territorialismos. Essas reterritorializações podem ser facilmente criadas como uma reação à exclusão que seus habitantes sofrem. Nessa perspectiva, entende­se que a extrema valorização de um território, atribuindo ao mesmo, um grande sentido de pertencimento gerador de exclusão daqueles que, considerados como estranhos, são vítimas de ações terroristas motivadas pela concepção selvagem de território, ou seja, um território como produto da natureza e não dos episódios mais marcantes de sua conjuntura histórica. Haesbaert (1995, p. 194) salienta que Esses territorialismos são uma conseqüência não só da exclusão econômica mas também cultural, diante do “vazio de significado” dominante, que se presta tanto à violência indiscriminada e “sem sentido” quanto ao aparecimento dos fundamentalismos, onde os extremos podem se encontrar”: a desterritorialização mais radical se depara, subitamente, com os dogmas mais fechados que tentam, num processo que inicialmente pode ser caótico, reterritorializar os grupos sociais em verdadeiros “territórios clausura” como foi o caso do Irã xiita 146 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS de Khomeini, do Khmer Vermelho de Pol Pot e como ocorreu em certas regiões do Peru com a verdadeira seita de inspiração maoísta Sendero Luminoso. [...] Em muitos países da ex­União Soviética, na Índia e no interior da África, é a reterritorialização autoritária de grupos étnicos­religiosos integristas que, tentando não entrar na condição de aglomerados ,resultantes de uma exclusão econômica, cultural e política (no caso do “socialismo real”, com a retirada das amarras do Estado­patrão), obrigam muitas vezes aqueles que são identificados como “os outros” a comporem novos aglomerados. Cabe ressaltar que existem diferentes aglomerados, determinados pelo estágio de desterritorialização e seu caráter contextual, além da conjuntura econômica dentro dos quais surgem os grupos culturais. Nesse sentido, convém destacar a divisão dos aglomerados de Haesbaert (1995)11 que aborda três tipos gerais muito importantes. O primeiro se refere aos aglomerados “radicais”, peculiares pela precariedade das condições que vivem seus habitantes que, fixados em acampamentos de locais pobres, geralmente, países do Terceiro Mundo, sobrevivem graças à assistência internacional. Nesse contexto, salienta­se que o segundo faz menção ao aglomerado “tradicional”, caracterizado pela segregação de grupos em áreas ambientalmente desfavorecidas que, mesmo em condições de abandono e fome, sustentam importantes raízes de identidade com esse território. Por fim, o aglomerado “transitório” (ou conjuntural) se destaca pela desorganização de seu espaço, causada pelo cruzamento de redes e territórios que, com o domínio da violência, submete seus habitantes ao medo. Como exemplo do aglomerado em questão, cita­se as favelas brasileiras. Portanto, é de fundamental importância que a compreensão frente à (des)(re)territorialização pelo olhar cultural, reforce o entendimento do quanto é essencial o surgimento de novas relações sociais através dos territórios que, dispostos a aceitar novas desreterritorializações , correm em busca de uma nova percepção da natureza, capaz de promover uma relação que não torne primordial a visão ambiental como recurso, mas como uma teia de elementos integrados e identificados por símbolos comprobatórios da existência de uma cultura de preservação dos lugares, grupos sociais, bens naturais, etc. Devemos, então, lutar contra os exageros da desterritorialização como caminho para a aceitação das diferenças culturais, respeito às fronteiras e promoção de maior solidariedade para com o outro. Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 147 A paisagem como espaço de manifestação cultural A partir da observação da paisagem é possível verificar que a ação humana transformou a paisagem natural em paisagem cultural em paisagem cultural ao inserir importantes símbolos capazes de identificar determinado grupo social. Tuan (1974, p. 166) define símbolo como [...] uma parte, que tem o poder de sugerir um todo: por exemplo, a cruz para a Cristandade, a coroa para a monarquia, e o círculo para a harmonia e perfeição. Um objeto também é interpretado como um símbolo quando projeta significados não muito claros, quando traz à mente uma sucessão de fenômenos que estão relacionados entre si, analógica ou metaforicamente. Dessa forma, o empirismo possibilitou o desvendamento da paisagem pelo homem, uma paisagem, inicialmente, intocada por mãos humanas e que, nos primórdios da civilização, foi transmitida através de manifestações artísticas e apresentações orais. Nesse sentido, a criação e inovação de técnicas modificaram o meio natural, possibilitando a criação de paisagens com diferentes significações, desenvolvendo o que a Geografia Cultural compreende como uma paisagem cultural, estruturada pela intensa intervenção humana na natureza. Nessa perspectiva, é possível compreender a paisagem como uma categoria de análise do espaço da Ciência Geográfica fundamentada, inicialmente, na descrição dos elementos naturais que a compõe. Assim, com o desenvolvimento de diferentes técnicas, a paisagem passou a ganhar um conceito cultural. Convém ressaltar que, nos primórdios da construção da Geografia como Ciência, a paisagem visível era valorizada pela Geografia Tradicional, caracterizada pela visão dicotômica entre o físico e o humano. Nesse sentido, pode­se considerar que a observação da paisagem ofereceu para a Geografia Tradicional um elaborado estoque de referências fundamentadas no empirismo, principal linha de investigação. Assim, a natureza presente no conceito de paisagem elaborado pelos geógrafos tradicionais, foi substituída por um olhar mais humano através da valorização da temática cultural agregada nesse conceito. Cabe salientar que o discurso da Geografia Francesa fundamentava a paisagem dentro das normas do Possibilismo Geográfico, baseada na crença de que o homem estava subordinado à autoridade do meio considerando, também, a participação humana na alteração da paisagem natural. Dessa forma, a Geografia Francesa reconheceu na paisagem, não somente, os atributos materiais, como fez a Geografia Alemã, mas, também, os não materiais que promovem consideráveis transformações procedentes da ação humana, capazes de alterar a paisagem através do trabalho. 148 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS Nessa perspectiva, reconhece­se o conteúdo complexo do conceito de paisagem ligado, portanto, aos aspectos visíveis e não visíveis. Nesse sentido, o gênero de vida é, então, a manifestação da atuação humana com a união dos aspectos materiais (técnica) com os não­ materiais (os hábitos). A Geografia Norte­Americana de Sauer, frente à concepção de paisagem, reflete expressiva influência que sofreu da Geografia Alemã, ressaltando a materialidade da mesma ao se apoiar do termo paisagem natural para definir a paisagem que antecede ao ingresso da intervenção dos seres humanos, o qual tinha como finalidade principal, disponibilizar os materiais capazes de criar a paisagem cultural. Assim sendo, para Sauer a atuação dos seres humanos perante a paisagem natural promove transformações capazes de anunciar as peculiaridades definidoras de um grupo social. Considera­se, também, a importância da natureza histórica da cultura para o autor, promotora de diferenciações e comparações entre as paisagens. Dessa forma, convém reforçar que a Geografia Cultural Francesa se caracterizava por salientar a relevância da identidade humana estampada na paisagem, ou seja, a materialização da cultura na construção desse cenário graças à ação do homem sobre o meio. Entre os autores que consideravam a importância do estudo da paisagem cultural, Pierre Monbeing se destaca por ter pesquisado profundamente a concepção de paisagem, destacando o homem e sua luta para sobreviver, superar a natureza e construir suas relações sociais. Esse autor francês traduz, então, sua vivência no período de passagem da Geografia Tradicional para a Nova Geografia, enfatizando o papel da paisagem como categoria de análise mais importante nesse contexto de mudanças. Assim sendo, enfatiza­se o período do Pós Segunda Guerra como momento de abandono do estudo conceitual de paisagem, pois a descrição do visível já não mais satisfazia as ânsias de uma Geografia que vivia uma realidade angustiante e agonizante frente aos problemas resultantes da 2ª Guerra Mundial. Nesse sentido, surge, então, a Nova Geografia que, com a expressiva utilização de técnicas quantitativas, firmava seus alicerces no Neo­Positivismo e na visão sistêmica da organização do espaço, estagnando o conceito de paisagem na Geografia Tradicional. Dessa forma, as pesquisas geográficas tinham maior envolvimento com resultados obtidos por técnicas estatísticas e matemáticas, e pouco engajamento com as questões antropocêntricas, como as dificuldades vivenciadas pelas sociedades e outros pontos relacionados à problemática realidade humana existente no período em questão. Nessa perspectiva, com o objetivo de suprir a deficiência de debates e discussões sobre os temas ligados à sociedade, em 1960 a Geografia Crítica oferece subsídios teóricos à Ciência Geográfica, inserindo uma visão mais social pelo viés do Humanismo, esquecido durante a Nova Geografia. Assim, a compreensão de paisagem exigiu a Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 149 incorporação de novos aspectos, bem como de outras matrizes conceituais pertencentes à Geografia, todos inspirados no marxismo e na fenomenologia da Geografia Crítica, capazes de conceber a paisagem como fruto de um encaminhamento histórico no decorrer de sua evolução dentro dessa Ciência, ou seja, esse conceito considerado como produto estreitamente conectado ao método dialético. Nesse sentido, enfatiza­se a contribuição de Milton Santos, ilustre representante da Geografia Crítica, que entende a paisagem como tudo o que é perceptível pela visão, ou seja, está materializado, juntamente com os sons e tudo o que está inserido nela. Afirma, também, a inexistência da paisagem natural, ou seja, aquela que ainda não foi modificada pelo homem. A paisagem é concebida por Santos (1998, p. 54) como Um conjunto de formas naturais e artificiais. Quanto mais complexa a vida em sociedade, mais artificial tornam­se as paisagens. No entanto, para transformar o natural em artificial, são necessários instrumentos de trabalhos fixos além de possuir o domínio das técnicas, materializado na tecnologia. Assim, cabe enfatizar que a ação humana transformou o conceito de paisagem, oferecendo um olhar humanístico e conferindo, não apenas, a atenção para a manifestação do que é visível, mas também, para aquilo que não está materializado, construindo uma paisagem estruturada em um conjunto único, disposta a passar por mudanças estruturais (forma) e funcionais (funções). Nessa perspectiva, a subjetividade inerente à paisagem, promove a valorização de hábitos e crenças de um grupo cultural, estabelecendo a identidade desse espaço, além de sensibilizar o observador que enxerga nesse cenário os símbolos de sua vivência cotidiana. Ressalta­se que, com a ascensão de uma Geografia Cultural renovada, a paisagem cultural é entendida como expressão de tudo o que tem significado e é cultuado por um grupo social. Assim sendo, esse grupo constrói uma paisagem peculiar por suas características mais representativas e, por isso, se distingue dos outros grupos, podendo ser identificado pelas inúmeras particularidades culturais que transformaram e construíram esse cenário. Reforçando a idéia exposta acima, Brum Neto (2007, p.56) afirma Entretanto, o homem, enquanto agente distinto de modificação gera paisagens semelhantes, mas ao mesmo tempo repletas de particularidades. Tal fato deve­se, principalmente, á relação dinâmica estabelecida entre cultura­tempo­paisagem natural, como matriz da paisagem cultural, esta, essencialmente singular. 150 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS Portanto o trabalho humano de alteração da paisagem forneceu símbolos que marcam a presença de inúmeros grupos sociais nesse espaço, atribuindo às técnicas e hábitos, significado expressivo na consolidação da identidade dos indivíduos que compõem esse grupo. Nessa perspectiva, Tuan (1974, p. 162) afirma que “As paisagens servem como pano de fundo para as atividades humanas diárias, quando não mais abrigavam os espíritos da terra”. Nesse sentido, o espaço de vivência como temática estudada pela Geografia Cultural renovada, constitui­se como uma tarefa complexa ao inserir um número maior de conceitos, mas, ao mesmo tempo, abre uma imensa possibilidade de compreender o lugar sob uma nova ótica, repleta de símbolos visíveis na paisagem cotidiana do sujeito. Assim, essa paisagem configura­se como expressão do natural e do humano, ou seja, os bens naturais são arranjados para oferecer um meio adequado para a ação humana. Dessa forma, o sujeito, ao contemplar a paisagem, observa o que lhe é mais significativo, o que melhor representa o seu cotidiano e as suas experiências, provando que os imprevistos do cotidiano conferem maior significado à paisagem. Nesse sentido, os estudos relacionados à Geografia do Lugar reforçam a importância da ligação afetiva dos indivíduos com o meio ambiente material podendo, nessa perspectiva, definir essa conexão como “topofilia”, ou seja, o encanto em apreciar a água e o ar, os sentimentos que dedicamos ao lugar onde vivemos – o nosso lar – espaço de lembranças e do sustento. Tuan (1974, p. 286) acrescenta A topofilia assume muitas formas e varia muito em amplitude emocional e intensidade. É um começo descrever o que elas são: prazer visual efêmero; o deleite sensual de contato físico; o apego por um lugar por ser familiar, porque é o lar e representa o passado, porque evoca o orgulho de posse ou de criação; alegria nas coisas devido à saúde e vitalidade animal. Portanto, a importância de se estabelecer o estudo sobre identidade cultural se afirma ao definir e valorizar a gama de significados que o sujeito, ao habitar determinado lugar, estabelece com esse espaço de vivência cotidiana, alicerçando uma relação sentimental com o mesmo. Assim, os grupos ao expressarem os elementos que compõem suas culturas, manifestam na paisagem suas identidades, afetando fortemente as percepções, as ações e os sentimentos de pertencimento que seus membros atribuem ao meio ambien­ te. Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 151 A presença da etnia portuguesa em Cruz Alta/RS: importantes marcas culturais presentes na paisagem municipal12 Como já destacado no presente esforço teórico, os códigos culturais regem a as práticas sociais, os costumes, e as tradições de um grupo social, simbolizando a materialidade e a imaterialidade da cultura. Dessa forma, os elementos culturais trazidos pelos portugueses eram visíveis, principalmente nos primeiros habitantes do Município. O tipo físico, a organização familiar, a arquitetura das casas, os festejos com gastronomia típica, a religiosidade e os hábitos da população local formaram culturalmente a cidade e caracterizam, até hoje, a etnia pioneira no povoamento do Município. Nessa perspectiva, diante da organização da família, extremamente patriarcal, configura a influência da cultura portuguesa na época. Cavalari (2007, p 46) complementa a afirmação considerando que o pai de Firmino de Paula, ilustre figura política de Cruz Alta configurava­se como “um homem de baixa estatura, era enérgico com os filhos e herdou seguramente muitos hábitos de Portugal, pátria de seu pai Manoel da Silva Jorge, natural da Ilha do Faial”. Cabe lembrar, também, que os tipos físicos dos habitantes da cidade, muito morenos e de estatura variável caracterizam o imigrante do norte de Portugal . Assim, entre diversos hábitos portugueses da população cruzaltense, destaca­se o de apelidar lugares, pessoas e tudo o que fizesse parte do cotidiano do povo local. Lugares típicos da cidade, eram conhecidos através de uma nomenclatura popular como a “Rua da Igreja”, por causa da primeira Igreja Matriz, “Rua da Fonte” porque havia uma pequena fonte onde, atualmente, encontra­se o Fórum da cidade, entre outras. Tipos folclóricos também eram apelidados, como o Apiaí, o Cabeleira, o Zé Mutuca, entre outros, numa clara mania herdada dos portugueses que residiam em número expressivo na cidade. No que se refere às festas típicas da cidade, de influência lusitana, ocorriam em clubes respeitados como a Sociedade Bailante Progresso de Cruz Alta”, criada em 9 de agosto de 1879. Outras comemorações eram de cunho religioso, como a Festa do Divino, em que as famílias da antiga Cruz Alta seguiam para lugares determinados pelo trajeto da bandeira e, à noite, concentrava­se grande parte da população na Praça da Matriz, onde eram vendidos quitutes (alguns pratos típicos da gastronomia portuguesa, como o pão­de­ ló), com muita música. Sobre a religiosidade cruzaltense, convém destacar a influência do catolicismo de Portugal, marcada pela Romaria de Nossa Senhora de Fátima, Santa muito devotada, que apareceu durante seis meses para três crianças na localidade portuguesa de Fátima, em 1917. O Monumento de Nossa Senhora de Fátima materializa o código cultural religião no As informações relativas aos códigos culturais da etnia portuguesa presentes na paisagem do município de Cruz Alta/RS tiveram como base o trabalho de CAETANO, J.; FIGUEIREDO, L.C. A importância do lugar no processo de ensino aprendizagem: identidade portuguesa e a abordagem cultural no município de Cruz Alta. Trabalho de Graduação, Santa Maria, 2009. 12 152 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS Município, atraindo muitos fiéis não somente durante a Romaria, mas ao longo de todo o ano. Salienta­se, ainda, como importante marca cultural dessa etnia, as cavalhadas que eram realizadas no Município, porém, esta comemoração, além de ser herança portuguesa, também tem influência espanhola, pois remonta os tempos de dominação luso­espanhola em nosso território. As cavalhadas eram a dramatização das lutas entre cristãos e muçulmanos, e ocorriam em toda a festa cívica e religiosa do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, destaca­se que no período próximo ao Carnaval, muitas lojas da cidade preparavam­se para oferecer diversos apetrechos para a população divertir­se. O hábito de esguichar água nas pessoas era uma forma de marcar este período do ano e, acabou originando o Carnaval d’ Água de Cruz Alta, recentemente extinto na cidade. Cavalari (2004, p. 217) salienta Os muitos portugueses de origem, que vieram para Cruz Alta, nos primórdios de sua fundação, trouxeram alguns hábitos de sua terra, como o intróito, uma orgia pagã que simbolizava a introdução à quaresma. O intróito virou intrudo, mas a brincadeira em Portugal era de certa forma violenta e até suja, pois as pessoas jogavam umas nas outras todo o tipo de líquidos. No que se refere ao estilo arquitetônico de influência portuguesa, as antigas residências da cidade representam com extrema fidelidade a relação entre arquitetura e contexto cultural. Nesse contexto, arquitetura anuncia o momento cultural em que essas casas foram construídas, além de expressar culturalmente a sociedade local que vivia em Cruz Alta nos primórdios de sua ocupação. Como exemplo, cita­se a casa de Firmino de Paula Filho, importante figura política de Cruz Alta, foi construída no início da segunda década do século XX. A localização da casa fica junto à Praça General Firmino de Paula e, dentro do contexto urbano das cidades portuguesas, esta localização tem um significado específico. De acordo com Silva (2000, p. 48) No modelo urbano renascentista utilizado na implantação das cidades da América Portuguesa, a praça principal é o centro de poder, reunindo os poderes religioso (igreja), político (intendência) e social representado pelas residências dos grandes proprietários/detentores de poder político. Homens como o Coronel Firmino de Paula Filho participam deste conjunto. Cabe ressaltar que a casa de outra figura ilustre do Município, Érico Veríssimo, foi construída em 1883 por Franklin Veríssimo, avô do escritor. O primeiro representante da Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 153 família Veríssimo, pai de Franklin, chegou em torno de 1810, oriundo de Portugal. Atualmente a casa de Érico Veríssimo foi transformada em Museu que leva o mesmo nome do autor e conta um pouco sobre sua história de vida e de suas obras literárias. Nessa perspectiva, destacam­se, também, as residências com configuração espacial interna nos moldes da arquitetura colonial, com a fachada frontal construída com características da arquitetura oficial, casas erguidas em estilo neocolonial, marcando o período posterior à Primeira Guerra Mundial, ou aquelas de estilo ribatejano e açoriano, mostram que os exemplares arquitetônicos de Cruz Alta relatam cada período cultural e histórico vivido pelo Município, além das tendências econômicas, da situação política e da função que aquele prédio estava destinado a exercer. O imigrante português está presente, também, na figura típica do gaúcho. O colonizador luso, ao disputar terras com os espanhóis, misturou códigos específicos de cada etnia e criou novos códigos, também presentes no Município. A pecuária gaúcha originou o peão de estância, ou seja, o imigrante luso miscigenado com o espanhol e inserido nos costumes indígenas. Assim, tem­se a gênese da figura do gaúcho, extremamente cultuada no Rio Grande do Sul e em Cruz Alta, através do hábito de tomar o chimarrão, vestir­se com indumentária típica, comunicar­se empregando linguagem peculiar da vida campeira além de preparar e consumir o churrasco, representante característico da gastronomia do Estado . Procurando preservar essa cultura, Cruz Alta promove, anualmente, eventos de conteúdo tradicionalista, como a Coxilha Nativista, um festival de música campeira e espetáculos que valorizam os costumes gaúchos, e a Mateada, que une a população local e turistas para a valorização da bebida típica do Estado, com apresentações artísticas. O código cultural dança também é valorizado no Município com o Grupo de Dança Chaleira Preta, que realiza apresentações por todo o Estado e pelo País, reforçando a identidade da cultura gaúcha. Cruz Alta mantém ainda mais forte sua identificação com a cultura do Rio Grande do Sul, ao simbolizar, através de inúmeros monumentos, a figura do gaúcho. Dessa forma, considera­se o Monumento à Cuia e o Monumento ao Gaúcho como importantes homenagens do Município ao elemento característico do Estado, fortalecendo consideravelmente o turismo no território cruzaltense. Dessa forma, Cruz Alta valoriza seu patrimônio cultural local como importante fonte de desenvolvimento socioeconômico, além de reforçar a importância da cultura como organizadora do espaço. 154 Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS Considerações Finais Atualmente, é imprescindível compreender, dentro do estudo sobre territorialização, o processo desterritorializador do atual meio técnico­científico­informacional (Milton Santos, 1985), marcado pela existência das tecnologias da informação, pela “deslocalização” da produção, pela circulação mais dinâmica dos produtos, expansão do setor de serviços e da circulação do capital financeiro, fazendo com que a desterritorialização esteja ligada à globalização. Nesse sentido, as concepções de território e rede, territorialização e desterritorialização estão extremamente condicionadas às inovações tecnológicas dos dias de hoje. Nessa perspectiva, o entendimento de território atrelado à temática cultural presente na Ciência Geográfica, reconstruída após a década de 1970, centra­se na compreensão de que os lugares são dotados de sentimentos por seus habitantes, ou seja, demonstra que o espaço vivido é significativo pra os indivíduos. Nesse sentido, atualmente, a Geografia Cultural evidencia sua relevância como uma linha de pesquisa renovada na Ciência Geográfica ao difundir e enriquecer a importante contribuição da cultura transmitida homens através das gerações. Assim sendo, sua valorização é importante para que os indivíduos consigam compreender a organização espacial do território onde vivem. Cabe enfatizar, então, que é de fundamental importância buscar uma maior compreensão a respeito do processo de (des)(re)territorialização pelo olhar cultural, reforçando o entendimento do quanto é essencial o surgimento de novas relações sociais através dos territórios que, dispostos a aceitar novas desreterritorializações , correm em busca de uma nova percepção da natureza, capaz de promover uma relação que não torne primordial a visão ambiental como recurso, mas como uma teia de elementos integrados e identificados por símbolos comprobatórios da existência de uma cultura de preservação dos lugares, grupos sociais, bens naturais, etc. Portanto, a importância de se estabelecer o estudo sobre identidade cultural se afirma ao definir e valorizar a gama de significados que o sujeito, ao habitar determinado lugar, estabelece com esse espaço de vivência cotidiana, alicerçando uma relação sentimental com o mesmo. Assim, os grupos ao expressarem os elementos que compõem suas culturas, manifestam na paisagem suas identidades, afetando fortemente as percepções, as ações e os sentimentos de pertencimento que seus membros atribuem ao meio ambiente. Portanto, como face mais específica dessa investigação, ressalta­se a contribuição do imigrante português na paisagem do município de Cruz Alta/RS, presente, também, na figura típica do gaúcho. Assim, o colonizador luso, ao disputar terras com os espanhóis, misturou códigos específicos de cada etnia e criou novos códigos, também presentes no Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi 155 Município. Nesse contexto, a pecuária gaúcha originou o peão de estância, ou seja, o imigrante luso miscigenado com o espanhol e inserido nos costumes indígenas. Referências BEZZI, M. L; MARAFON, G. J. Historiografia da Ciência Geográfica. 2005. Apostila Didática. BRUM NETO, H. 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