O presente esforço teórico pretende enfatizar a

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TERRITÓRIO, PAISAGEM E CULTURA: A INFLUÊNCIA PORTUGUESA NA
(RE)CONSTRUÇÃO ESPACIAL DO MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA/RS
Introdução
Jessica Nene Caetano¹
Meri Lourdes Bezzi²
O presente esforço teórico pretende enfatizar a compreensão do território, iniciada pelo
viés da Geografia Política, introduzida pela obra Politische Geographie (Ratzel, 1974), como
um conceito centrado na perspectiva de um espaço apropriado por um grupo social que, ao
se fixar, firma raízes e cria uma identidade específica não podendo ter sua marca
desvinculada desse território.
Dessa forma, salienta­se que a ideologia presente nesse entendimento firmou bases
ainda mais sólidas para a compreensão de território ligada ao Estado­Nação, conectando
espaço e território de tal forma que não havia como distinguir um conceito do outro,
desconsiderando, também, o papel político desse território.
Nessa perspectiva, a Geografia se volta, nos dias de hoje, para a realização dos
estudos direcionados às “tribos”, inserindo uma análise ainda mais profunda e uma
interpretação mais contundente a respeito das questões das sociedades complexas, fruto
da produção do espaço de nossos dias. Mesmo assim, existe a necessidade de
desmembrar da Geografia, a orientação voltada para o poder do Estado.
Relacionando esse conceito com a temática cultural, introduzida pela Geografia
Humana, com Friedrich Ratzel (1844­1904) e, posteriormente, na França com, com Paul
Vidal de La Blache (1845­1918) e nos Estados Unidos com Carl Sauer (1889­1975) verifica­
se que a transformação do espaço em território, além de envolver o domínio, controle ou
tomada de poder, requer uma apropriação simbólico­cultural relacionada à vivência
cotidiana e aos ritmos de vida. Assim, quando buscamos compreender a
desterritorialização, vemos que, além da dimensão política, a dimensão cultural também
manifesta sua relevância por sua simbologia inerente.
Cabe enfatizar, ainda, que o estudo em questão busca, também, salientar que a ação
humana transformou o conceito de paisagem, oferecendo um olhar humanístico e
conferindo, não apenas, a atenção para a manifestação do que é visível, mas também, para
aquilo que não está materializado, construindo uma paisagem estruturada em um conjunto
único, disposta a passar por mudanças estruturais (forma) e funcionais (funções). Nessa
1
2
Mestranda do Programa de Pós­Graduação em Geografia e Geociências­PPGGEO­UFSM
Orientadora, Professora Doutora do Departamento de Geociências – CCNE ­ UFSM
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Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
perspectiva, a subjetividade inerente à paisagem, promove a valorização de hábitos e
crenças de um grupo cultural, estabelecendo a identidade desse espaço, além de
sensibilizar o observador que enxerga nesse cenário os símbolos de sua vivência cotidiana.
Com a ênfase para a paisagem como categoria de análise da Geografia, convém
destacar a importância dos códigos culturais nesse estudo, já que os mesmos regem as
práticas sociais, os costumes, e as tradições de um grupo social, simbolizando a
materialidade e a imaterialidade da cultura.
Dessa forma, esse trabalho propõe, também, identificar e definir alguns elementos
culturais trazidos pelos portugueses, visíveis na paisagem do município de Cruz Alta/RS. O
tipo físico, a organização familiar, a arquitetura das casas, os festejos com gastronomia
típica, a religiosidade e os hábitos da população local formaram culturalmente a cidade e
caracterizam, até hoje, a etnia pioneira no povoamento do Município.
Considerações sobre o entendimento de território na Ciência Geográfica
O papel da Geografia, nos primórdios de sua construção como Ciência, contribuiu
expressivamente para a constituição de um entendimento do território muito ligado à
natureza físico­climática, ou seja, baseava­se em Leis Deterministas de inspiração
darwinista, positivista e neolamarckista. Nesse sentido, a adaptação dos sujeitos ao meio,
considerando suas constituições raciais, tinha valor para a seleção natural imposta pelo
ambiente onde os mesmos se encontravam.
Dessa forma, o estabelecimento da Geografia como Ciência no Brasil, teve
significativa influência determinista impulsionada, também, pela busca incessante por
expansão dos meios de comunicação e de desenvolvimento urbano, estimulando práticas
de gestão, conectadas com concepções e saberes inovadores para o fim do Século XIX e
início do Século XX.
Machado (1995, 348) salienta que
[...] o uso das teorias geográficas [...] Não podia ter uma aplicação
mecânica, uma vez que o objetivo era chamar a atenção, precisamente
pela ausência de uma “estrutura” ou de um “sistema” como forma de
instituir a organização e reduzir a desorganização do território. A idéia
que acabou por predominar foi a de substituir a heterogeneidade das
regiões pela idéia de um padrão organizado a partir de um governo
centralizado.
Assim, cabe ressaltar que não foi, apenas, a Geografia a única Ciência capaz de
planejar a unidade nacional, defendendo a modernização como caminho para a introdução
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
135
de nações como o Brasil no “processo civilizatório”. Na formação territorial­estatal­nacional,
outro discurso começou a exercer mais influência, principalmente, com a chegada do
Século XX – o da economia.
Na perspectiva do estudo do território, cabe salientar o conceito de Souza (1995, p.
78) que afirma
O território [...] é fundamentalmente um espaço definido e delimitado
por e a partir de relações de poder. A questão primordial, aqui, não é,
na realidade, quais são as características geoecológicas e os recursos
naturais de uma certa área, o que se produz ou quem produz em um
dado espaço ou ainda quais as ligações afetivas e de identidade entre
um grupo social e seu espaço [...] a seguinte questão inseparável, uma
vez que o território é essencialmente um instrumento de exercício de
poder, é quem domina ou influencia quem nesse espaço, e como?
Nesse sentido, esse esforço teórico utiliza o conceito do referido autor porque o
mesmo amplia o entendimento de território e reforça que esse conceito não deve remeter,
apenas, ao território como Estado, mas às diferentes escalas, da rua à OTAN3.
Mesmo assim, a consideração de Souza (1995) afeta a compreensão de território pelo
olhar fenomenológico, proposta do presente trabalho. Por que as ligações afetivas e de
identidade entre um grupo social e seu espaço não fazem parte das questões primordiais
de um território? Se o autor não considerou a relevância desses vieses (fenomenológico e,
também, cultural) em seu estudo, essa reflexão teórica pretende enfatizá­los como
importante olhar para a compreensão de território.
Dessa forma, o reducionismo de restringir todo território a um “território nacional”
impede, portanto, de enxergá­lo como produto de uma “riqueza de situações” Souza
(1995), ou seja, impossibilita de entender que esse território pode ser permanente ou
periódico; ou ser construído dentro de diferentes escalas temporais. A Antropologia é a
Ciência que serve de exemplo para os estudos territoriais mais inovadores, com a
realização de pesquisas sobre tribos urbanas e inúmeros grupos sociais (como o de
homossexuais e minorias étnicas).
Nessa perspectiva, a Geografia se volta, nos dias de hoje, para a realização dos
estudos direcionados às “tribos”, inserindo uma análise ainda mais profunda e uma
interpretação mais contundente a respeito das questões das sociedades complexas, fruto
da produção do espaço de nossos dias. Mesmo assim, existe a necessidade de
desmembrar da Geografia, a orientação voltada para o poder do Estado.
Por isso, convém destacar que o território, dentro da visão da Geografia Política,
introduzida pela obra Politische Geographie (Ratzel, 1974), é um espaço apropriado por um
grupo social que, ao se fixar, firma raízes e cria uma identidade específica não podendo ter
³ Área constituída por vários territórios dos países­membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte.
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Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
sua marca desvinculada desse território. A ideologia presente nesse entendimento firmou
bases ainda mais sólidas para a compreensão de território ligada ao Estado­Nação,
conectando espaço e território de tal forma que não havia como distinguir um conceito do
outro, desconsiderando, também, o papel político desse território.
Nessa perspectiva, outra abordagem se refere à compreensão de território como
campo de forças, ou seja, pressupõe um entendimento mais crítico e um desmembramento
entre as esferas cultural e política da organização social. Assim, pode­se ressaltar
inúmeras redes de relações que provam não ser necessário existir alicerces tão rígidos
para que territórios sejam constituídos. Dessa forma, como já salientado anteriormente, os
territórios podem ser instáveis ou estáveis, se formar e se dissolver com grande velocidade
sem que a base ou fundamento social se modifique.
Nesse sentido, destacando, ainda, a existência de territórios flexíveis, pode­se
ressaltar a temporalidade bem definida de um território citando, por exemplo, a
permanência de determinado grupo em um horário específico num certo espaço público,
ou a existência da territorialidade do tráfico de drogas, no Rio de Janeiro, como uma rede
complexa de facções amigas disputando com facções inimigas a mesma área de controle
econômico, construindo, assim, uma malha complexa de relações. Cabe destacar,
também, a existência de territórios de prostituição feminina e masculina, onde esses
profissionais disputam por territórios de atuação, destacando que os clientes vêm de um
mundo considerado, genericamente, como exterior.
Reforçando a última territorialidade apontada, convém acrescentar que o mesmo
espaço assume territorialidades diferentes, dependendo do horário observado. Durante o
dia, freqüentadores “respeitosos” tomam as ruas para se dirigirem ao comércio, às escolas,
enfim, para realizarem atividades cotidianas. Porém, à noite, esse espaço pode adquirir
uma outra característica, pois, seus freqüentadores se interessam por outros atrativos,
considerados como “indecentes” pelo código moral de nossa sociedade.
Por isso, considerando que os territórios podem se superpor com inúmeras
configurações e limites não – correspondentes e, além disso, podem existir contra­sensos
entre as incontáveis territorialidades por causa dos desacordos e contradições existentes
entre os poderes (daquele que atua dentro da economia informal contra o que fiscaliza e
pune essas atividades ilegais), há uma grande simplificação de conceitos que dizem
respeito à justaposição e não superposição dos territórios. Assim, a Geografia Política
Clássica compreende que só há um Estado­Nação para cada território nacional, atribuindo
exclusividade de um poder em um determinado território.
Nesse sentido, para finalizar essa questão, basta que se tenha noção de que em um
território nacional existe a atuação do poder estadual e, dentro desse último, o poder
municipal. Alguma dúvida a respeito da existência da superposição?
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
137
Portanto, cabe lembrar que a noção de território está ligada com o poder, não o poder
da violência ou do Estado, mas o poder como uma das dimensões fundamentais da
sociedade. Dessa forma, a gestão do território está alicerçada na relevância da
territorialidade4 como promotora de maior justiça e autonomia dentro desse espaço
territorial.
Seguindo na perspectiva da gestão territorial, cabe salientar que, com o
desenvolvimento da economia, o uso do território vem se constituindo como caminho para
o crescimento financeiro nas diversas escalas (local, regional e nacional), construindo,
nesse sentido, espaços de negociações e atuação de agentes públicos e privados. Dessa
forma, a questão da distribuição territorial de riqueza e de renda em países pobres, como o
Brasil, está sendo debatida e planejada como uma demanda exigente de ordem.
Assim, a imposição de uma ordem ao território, configura­se, sobretudo, como uma
ideologia autoritária e ineficaz, pois, a administração democrática e compartilhada entre os
diferentes agentes gestores (incluindo a participação da população) é a maneira mais
efetiva para essa igual divisão territorial de renda e riqueza no Brasil.
Nesse sentido, o crescimento dessemelhante das responsabilidades sociais, causado
pelo menor desenvolvimento das economias nacionais, bem como pelo aumento do
desemprego em regiões tradicionais, além da diminuição da capacidade de ganho de
lucratividade do Estado, oriunda das contratações de empresas, fez com que a gestão
territorial para distribuição de renda fosse inviável.
Esclarecendo essa questão, Egler (1995, p. 225) destaca
A dimensão territorial do desenvolvimento econômico tende a se alterar
com a difusão de métodos flexíveis de produção. HARVEY5 (1989: 159­
160) mostra o papel do acesso ao conhecimento técnico­científico às
novas formas de produção como instrumentos fundamentais da
concorrência intercapitalista. SCOTT e STORPER6 (1992: 13)
distinguem a configuração das regiões onde predominam as economias
de escala daquelas onde a flexibilidade e as economias de escopo ou
amplitude são dominantes.
Dessa forma, na atualidade, a política territorial está estreitamente ligada à política
industrial, são elas as duas faces da moeda do desenvolvimento. A Zona Franca de
Manaus, produtora de variados artigos eletro­eletrônicos, é resultado de incentivos
locacionais e, nos dias de hoje, já promove a instalação de fábricas de computadores
4 Destacando,
mais uma vez, Souza (1995, p.99), a territorialidade teria relação, no plural, com os tipos gerais em que podem
ser classificados os territórios conforme suas propriedades, dinâmica, etc. No singular, a territorialidade remeteria a algo
extremamente abstrato, aquilo que faz de qualquer território um território.
HARVEY, David. (1989). The condition of Postmodernity. An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Basil
Blackwell.
5
SCOTT, Allen; STORPER, Michael. (1992). Regional Development and Contemporary Industrial Response. Extending
Flexible Specialization. London: Belhaven Press: pp 3­24.
6
138
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
capazes de torná­la modelo para o crescimento do mercado doméstico, com sua
expressividade na fabricação de produtos de informática, além de garantir maior integração
do território com promoção de empregos e de infra­estrutura para a circulação dos produtos
e, conseqüentemente, da população.
Nessa perspectiva, o MERCOSUL7 (Mercado Comum do Sul), estabeleceu­se como
um ambicioso plano de integração entre os territórios que, livres da influência norte­
americana, enfrentam, ainda, dificuldades para sua efetivação, principalmente, no que se
refere às estruturas de produção das nações envolvidas e suas frações regionais.
Considerando que, diante de um mundo globalizado, formado por territórios ligados por
suas atuações no mercado capitalista construindo uma elite de possuidores produz, ao
mesmo tempo, uma camada enorme de pessoas desprovidas de básicos recursos de
sobrevivência, jogados à própria sorte pelo modelo tecnológico capitalista. Nesse sentido,
esses despossuídos ficam à margem do processo de produção, constituindo o que
Haesbaert (1995) denomina de aglomerados de exclusão. Essa população excluída sofre
uma desterritorialização que, como símbolo de nossos dias, é produto da utilização
desenfreada da tecnologia.
Haesbaert (1995, p. 168) acrescenta
A desterritorialização deve ser tratada, sobretudo no que se refere à
dimensão espacial da sociedade que para LÉVY8 (1992), corresponde
à “luta dos homens contra a distância”, distância que ao mesmo tempo
separa as sociedades e é um princípio de organização de sua vida
interior (p.17). Isto no meu entender permite uma das definições
possíveis dos processos de desterritorialização: a superação constante
das distâncias, a tentativa de superar os entraves espaciais pela
velocidade, de tornar­se “liberto” em relação aos constrangimentos (ou
rugosidades, como se refere Milton Santos) geográficos.
O território, centrado primordialmente, pelo controle de entrada através da fronteira
envolve, também, desterritorialização e reterritorialização como resultado da produção do
espaço. Dois processos de desterritorialização foram determinados, respectivamente, por
Raffestin e Lévy e, através da análise de Haesbaert (1995), podem ser mais bem
compreendidos. Raffestin delimitou três tipos de civilização (ler capítulo 1.1) em função das
malhas, redes e nós (denominada por Raffestin como “invariantes” territoriais) e, diferente
da desterritorialização de Lévy que, ao diferenciar território de rede, propõe quatro modelos
apropriados ou não para um determinado período da História (sincrônicos/diacrônicos).
Nesse sentido, convém ressaltar que Raffestin determina o ciclo T­D­R9 em um
Firmado pelo Tratado de Assunção (1991), por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai apostam no desenvolvimento de uma
união aduaneira que, com o tempo, poderia se ajustar na constituição de um mercado unificado, nos moldes da União
Européia.
7
8
9
LÉVY, J. et al. 1992. Le Monde: espaces et systémes. Paris, Anthropos.
Territorialização­Desterritorialização­Reterritorialização
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
139
segundo ciclo que, produto da valorização da informação, é constituído por três etapas: o
da inovação, difusão e obsolescência (IDO). Cabe salientar que Lévy propõe um modelo
de desterritorialização que compreende que a economia­mundo da atualidade é um
sistema em rede formado, inicialmente, por um conjunto de mundos (territorialização
tradicional), depois por um campo de forças (territorialização moderna) e, finalmente, por
uma rede hierarquizada (desterritorialização).
Dessa forma, destaca­se que a rede não é, apenas, um simples componente do
território, pois se diferencia do mesmo ao não apoiar constantemente a territorialização,
incitando a desterritorialização e se sobrepondo aos territórios. Assim, as redes não se
abreviam ao global, bem como os territórios não se reduzem ao local, porque as
concepções de território e rede, na verdade, exigem maior profundidade do que as
definições geométricas e superficiais comumente estabelecidas.
Território e rede, territorialização e desterritorialização são conceitos que, ainda
distorcidos e compreendidos de maneira leviana, estão, na realidade, extremamente
condicionados às inovações tecnológicas dos dias de hoje. O processo desterritorializador
do atual meio técnico­científico­informacional (denominação criada por Milton Santos,
1985), é marcado pela existência das tecnologias da informação, pela “deslocalização” da
produção, pela circulação mais dinâmica dos produtos, expansão do setor de serviços e da
circulação do capital financeiro, fazendo com que a desterritorialização esteja ligada à
globalização.
Nessa perspectiva, convém salientar que, mesmo a serviço da desterritorialização
(redes globais capitalistas da atualidade), as redes também apresentam uma dinâmica
reterritorializante com a formação de redes de solidariedade. É importante lembrar que,
assim como em uma determinada escala (local/regional) pode haver desterritorialização,
simultaneamente em outra escala (nacional e mundial), pode ocorrer reterritorialização.
Assim, tendo­se consciência de que tanto as redes, como os territórios, implicam a
noção de organização ou ordem, os aglomerados pressupõem o oposto, ou seja, um caos
originado pela desordem de uma malha de múltiplos territórios e redes que se justapõem
ou se transpassam, bem como uma disputa por territórios entre facções inimigas. Alguns
desses aglomerados transformam­se em territórios ordenados, internamente organizados,
ou seja, desenvolve­se, então, uma reterritorialização à margem da territorialização legal.
Dessa forma, compreende­se que a formação de aglomerados representa o estágio
mais grave da exclusão, criando acampamentos de refugiados que, expulsos por motivos
políticos, culturais e/ou econômicos, vivem em condições de miséria e insegurança. Assim,
a desestruturação da sociedade atual pode gerar uma massa ainda maior de
desterritorializados, a ponto de criar uma reação desgovernada, impulsionada por
ideologias aproveitadoras da vulnerabilidade dessa população.
140
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
Por isso, a formação de aglomerados de exclusão pode produzir reterritorializações
extremistas e conservadoras, a ponto de criarem territorialismos reacionários, produto da
má utilização da territorialidade, excluindo todas as pessoas avaliadas como estranhas ou
forasteiras (ler, também, capítulo 1.1). Nesse sentido, não devemos, portanto, confundir os
aglomerados com territórios e redes, pois os primeiros, em especial, os aglomerados de
exclusão, tornam o entendimento sobre a conexão rede­território mais complexa e
questionadora.
Portanto, é válido retomar que no processo de territorialização e desterritorialização,
considera­se a atuação das redes e de seus elementos, ou seja, as linhas, os fluxos, os
pontos e os nós10. Dessa forma, quando as redes atuam no processo de territorialização
são, também componentes desse território, já quando agem no processo de
desterritorialização, convertem territórios e fronteiras em nós ou elementos para as
mesmas.
O mito da desterritorialização, tão reforçado nas principais obras de Haesbaert, deve
abrir espaço para a força da questão da reterritorialização, pois vemos em nossa sociedade
o surgimento de novos nacionalismos e fundamentalismos na formação de um “território­
mundo”. Assim sendo, convém lembrar que o presente esforço teórico aponta que a
desterritorialização mostra que a tecnologia, ao mesmo tempo em que promove integração
informacional global em rede, promove a desterritorialização perversa e agressiva,
excluindo aqueles que inexistem por não se inserirem nesse sistema. Por isso, salienta­se
que, ainda que as esferas política, cultural e econômica promovam o processo de
desterritorialização, a questão tecnológica nos mostra uma face ainda mais radical de exclu­
são.
Breves apontamentos sobre a evolução da Geografia Cultural: destaque
para a importância dos códigos culturais
A temática cultural foi introduzida pela Geografia Humana, com Friedrich Ratzel (1844­
1904) e, posteriormente, na França com, com Paul Vidal de La Blache (1845­1918) e nos
Estados Unidos com Carl Sauer (1889­1975).
Nesse sentido, salienta­se que as pesquisas desenvolvidas por Ratzel
eram,essencialmente, fundamentadas no Determinismo. Claval (1999, p. 23) salienta que “A
seleção dos seres vivos pelo meio que Darwin postulava, é substituída por Ratzel pela
seleção das sociedades pelo espaço: a política impõe­se, assim ao cultural”.
Nessa perspectiva, convém lembrar que as obras de Alexandre Humboldt e Carl Ritter
serviram como inspiração para Friedrich Ratzel escrever sua famosa obra, intitulada
Antropogeografia (1882­1891). Outros alemães, assim como Ratzel, direcionaram seus
10
Os nós podem ser entendidos como uma espécie de elementos de maior domínio da rede
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
141
estudos para a materialidade da cultura, manifestada na paisagem pelas técnicas e pelos
utensílios.
Dessa forma, destaca­se a contribuição dos estudos do geógrafo francês Vidal de La
Blache que, assim como outros adeptos do Possibilismo Geográfico, contestou o
determinismo ratzeliano. Assim, La Blache considerou relevante a ação humana sobre o
meio centrada no papel das técnicas e de sua difusão. Nesse sentido, a Geografia
Francesa desenvolveu uma ótica mais complementada sobre a cultura, considerando os
atributos materiais (a técnica) e os imateriais (os costumes). Nessa perspectiva, o domínio
da natureza foi enfatizado com a finalidade de explicar os meios capazes de empregar
armas e possibilitar o controle de um grupo sobre o outro, possibilitando à Geografia
Francesa, desvendar e explicar as diferenças presentes na paisagem pelos inúmeros
grupos culturais que, norteados por distintos costumes, firmam sua identidade nesse
espaço repleto de simbologias.
Seguindo esse estudo, cabe ressaltar as contribuições das pesquisas de Carl Sauer
que, ao fundar a Escola de Berkeley, nos Estados Unidos, revigorou a Geografia Cultural,
já esquecida pela Escola de Middle West de 1910 que deixava em segundo plano as
conexões entre cultura e espaço. Assim como a Geografia Alemã de Friedrich Ratzel, a
Geografia Cultural norte­americana considerou a cultura materializada na paisagem.
Assim, a partir da década de 1970, depois de ser desvalorizada por sua temática ser
considerada superada, a Geografia Cultural iniciou sua reconstrução com a compreensão
de que os lugares são dotados de sentimentos por seus habitantes, ou seja, demonstrou
que o espaço vivido é significativo pra os indivíduos. Nesse sentido, atualmente, a
Geografia Cultural evidencia sua relevância como uma linha de pesquisa renovada na
Ciência Geográfica ao difundir e enriquecer a importante contribuição da cultura transmitida
homens através das gerações. Nesse sentido, sua valorização é importante para que os
indivíduos consigam compreender a organização espacial do território onde vivem.
Nessa perspectiva, convém ressaltar que a questão cultural atribui grande relevância
aos subsídios oferecidos pelos códigos culturais materiais e imateriais, pois, os mesmos,
manifestam muitas características identificadoras de um determinado grupo cultural na
paisagem. De acordo com Cosgrove (1998, p. 19) “[...] a cultura pode ser considerada
como um conjunto de práticas comuns ao grupo social, composta de aspectos materiais e
imateriais, sendo transmitida através de gerações”.
Dessa forma, a materialidade e imaterialidade da cultura são simbolizadas pelos
códigos culturais que norteiam as práticas, os costumes e as tradições de um grupo social.
Para Tuan (1974, p. 166) “Um símbolo é um repositório de significados. Os significados
emergem das experiências mais profundas que se acumularam através do tempo”.
142
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
Assim, cabe definir que os códigos culturais materiais são aqueles visíveis na
paisagem, como a arquitetura, a música, a religião e as festividades peculiares e
representativas que caracterizam a identidade cultural de certo grupo social. Já os códigos
culturais imateriais não podem ser visualizados na paisagem, mas manifestam as marcas
essenciais para a transmissão cultural através da comunicação oral e escrita, a linguagem,
as convenções, valores e ideologias, entre outros elementos.
Brum Neto (2007, p. 40) salienta que
[...] A linguagem permite, então, “descrever” os demais códigos, isto é,
“contar” como é a cultura. Pode­se considerar esse código mais do
que um meio de comunicação entre as pessoas, pois é na língua que
se concentram os valores, as vivências e as experiências acumuladas
por um povo, através dos tempos. Manter viva esta língua é manter
viva a possibilidade de acesso a estes valores, experiência e
conhecimento acumulado pelas gerações antecessoras.
Dessa forma, pode­se acrescentar que a Geografia Cultural, depois de ter passado
por uma importante renovação, se insere nos estudos atuais sobre cultura ao
compreender, entre outras questões, que o espaço vivido é formado por sentimentos dos
sujeitos que nele habitam, ou seja, o sentido de pertencimento é ressaltado através de
inúmeras investigações relacionadas à temática cultural produzidas após a década de
1970.
A compreensão da (des)(re)territorialização na perspectiva cultural
Espaços, paisagens e sociedades se vêem cada vez mais arrasados pela
padronização do modelo dominante capitalista da atualidade, capaz de homogeneizar e
anular as histórias e identidades dos lugares e dos grupos sociais que, vitimados pelo
ritmo alucinante de transformação de suas culturas, trocam seus símbolos e valores mais
peculiares pelo ganho financeiro e inserção no sistema econômico vigente.
Cabe reforçar que, a globalização ao mesmo tempo em que afeta as comunidades
tradicionais pela promoção de uma cultura homogênea e consumista, pode gerar, também,
novos movimentos territorialistas que, auxiliados por todo o aparato tecnológico dos dias
de hoje, promovem a fixação de fortes raízes (re)construtoras de identidades tradicionais.
Nesse sentido, a transformação do espaço em território, além de envolver o domínio,
controle ou tomada de poder, requer uma apropriação simbólico­cultural relacionada à
vivência cotidiana e aos ritmos de vida. Assim, quando buscamos compreender a
desterritorialização, vemos que, além da dimensão política, a dimensão cultural também
manifesta sua relevância por sua simbologia inerente.
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Dessa forma, mesmo que a esfera política se relacione com a face cultural, já que as
fronteiras de controle político podem criar uma identidade cultural, essas duas dimensões
não são coincidentes, pois nem toda a fronteira de domínio territorial no sentido cultural
pode construir uma fronteira política sólida.
Como destacado no capítulo anterior, Raffestin de acordo com a interpretação de
Haesbaert, distingue três grandes tipos de sociedades em função da predominância de
malhas, redes ou nós. A primeira, dentro das civilizações tradicionais, se refere às
comunidades predadoras, nômades ou seminômades, valorizadoras das malhas, ou seja,
privilegiavam o território percorrido horizontalmente. A segunda faz menção às civilizações
tradicionais produtoras, destacando a passagem da coleta para o pastoreio e a agricultura,
com a fixação dos indivíduos em um determinado local para a criação de excedentes de
recursos, dando privilégio, assim como a primeira civilização, às malhas (áreas agrícolas),
mesmo já surgindo alguns nós (primeiras cidades).
Convém, ressaltar, também, as civilizações tradicionalistas e racionalistas com a
fixação da população em nós, ou seja, cidades hegemônicas frente à ordenação territorial,
produzindo conflitos com as “malhas” ou comunidades rurais. Por fim, destacam­se as
civilizações racionais, integradas no mundo moderno, centradas nos sistemas urbanos
conectados em forma de redes (de comunicação e de circulação), intensamente disputadas
por domínio político, transformando a informação em uma mercadoria de fundamental valor
para o sistema, capaz de territorializar e desterritorializar as comunidades.
Nessa perspectiva, a globalização surge, portanto, para a relativa remoção da
liberdade dos grupos sociais, pois a globalização das redes aprisiona a vida cotidiana numa
teia de dominação em diferentes escalas. A reterritorialização configura­se como um
processo complexo, relacionado à característica funcional do território­rede. Como
alternativa para toda a perversidade da globalização e suas imposições, de acordo com a
interpretação de Lévy, faz­se necessária a existência de uma “sociedade mundo”, dividida
em três paradigmas.
Assim, o primeiro se refere às áreas culturais, determinadas pelas peculiaridades de
diversas origens, principalmente, as lingüísticas e religiosas que atribuem uma identidade
cultural capaz de distinguir um grupo social. Já o segundo modelo faz menção ao mundo
como um campo de forças, compreendendo uma territorialização moderna, ligada à
geopolítica e à busca pela inteireza territorial do Estado.
Nessa perspectiva, destaca­se, também, um modelo de mundo como uma rede
hierarquizada, direcionada à economia mundo e à desterritorialização, desconsiderando,
portanto, a existência de áreas culturais. Por fim, o padrão de mundo como sociedade se
mostra como um produto dos três primeiros modelos, ou seja, a união em escala mundial
da comunidade cultural, da identidade política somada à união econômica.
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Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
A dimensão cultural, assim como a dimensão política, está geralmente associada à
territorialização, da mesma maneira que a dimensão econômica está ligada à
desterritorialização. Nessa perspectiva, mesmo com o perigo de fazer esse tipo de
associação tão superficial, é inegável não reconhecer a característica enraizadora da
territorialização, atribuindo maior coerência por seu caráter mais inerente e reservado e,
portanto, estreitamente ligado aos empreendimentos político­culturais de dominação,
principalmente, quando comparado à eficácia do capital, cuja natureza é essencialmente
desterritorializadora.
Dessa forma, muitos autores relacionam a globalização ao processo de
desterritorialização, pois a ação globalizante tem o poder de remover as raízes culturais
das coisas, pessoas, lugares e idéias sendo, portanto, símbolo da modernidade ao afastar
as interações sociais das conjunturas territoriais, além de promover uma ordenação
extremamente racional da vida humana com a larga utilização de ferramentas técnicas
capazes de dominar o tempo e o espaço.
Nesse sentido, aflora, também, o desenraizamento dos produtos, fabricados em
inúmeros lugares e, por isso, globalmente administrados. Antes, os produtos eram
reconhecidos por sua territorialidade, hoje, simbolizam uma cultura hegemônica marcada
pela internacionalização, provando que até as marcas culturais presentes nos objetos
estão perdendo suas raízes. Observando, então, a utilização em massa do jeans, por
exemplo, verifica­se a estreita relação entre a flexibilidade do capital com a
desterritorialização do conjunto de valores e demais códigos pertencentes a uma cultura.
Cabe reforçar que a globalização inerente à circulação de produtos e ao processo de
desterritorialização promove, também reterritorializações ligadas à tecnologia e à
mobilidade dos homens como uma raiz fixada graças à modernidade. Essa globalização
produz, ainda, o retorno da valorização dos locais como resultado do grande deslocamento
de diferentes grupos culturais pelo planeta, reavivando as identidades como arma de luta e
combate contra a dominação do mercado e do consumo.
Convém salientar, então, que a desterritorialização não é, somente, política e/ou
econômica, ou seja, mesmo que seja relevante compreender o rompimento de velhas
fronteiras econômico­políticas de conexão, é importante considerar o papel da
desterritorialização simbólica com a aniquilação dos símbolos, emblemas históricos,
valores, identidades, toda a cultura materializada e imaterializada dos lugares e grupos
sociais.
Dessa forma, efetiva­se com grande força o processo perverso e sem limites de
transformação da sociedade em mercadoria, levando à (re)territorialização desses grupos
que passam a se submeter a um poder paralelo ao do Estado, como no caso do
narcotráfico nas favelas cariocas. Essas comunidades, ao participarem direta ou
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
145
indiretamente de atividades ilegais vivem em um mundo de insegurança, algumas,
adentram ou são excluídas de territórios e redes desorganizadas e passam a compartilhar
da desterritorialização mais agressiva: a dos “aglomerados” de exclusão.
Nessa perspectiva, a noção de aglomerado remete à presença de uma massa de
população organizada de forma confusa e desestruturada, principalmente, porque seus
atributos simbólicos, construtores de suas identidades, não estão mais presentes no cerne
de suas vidas. São, portanto, pessoas anuladas culturalmente, representam apenas mais
um número dentro da estatística de exclusão social.
Assim, as indefinições de identidades dos sujeitos inseridos nos aglomerados de
exclusão, fazem desse espaço “à parte”, sem forma definida, isolado do processo de
produção, circulação e acumulação de capital, um cruzamento de redes e territórios que o
tornam desordenado e confuso. A extrema desterritorialização desses aglomerados confere
grande instabilidade, não apenas, pela ausência de recursos materiais de sobrevivência ou
pela existência da violência ameaçadora da integridade física da população excluída, mas,
também, por obrigar essa mesma população a se retirar constantemente das áreas onde
estão fixadas pelos riscos de confronto com inimigos.
Nesse sentido, a freqüente mobilidade dessas pessoas destrói suas identidades,
oferecendo maior descontrole frente à disponibilidade de segurança, tão necessária para a
construção material e simbólica de suas identidades. Assim, os aglomerados de exclusão
apresentam habitantes anônimos, dependentes e anulados no que se refere às
particularidades que compõem suas culturas.
Dessa forma, esses espaços de abandono cultural, político e econômico, podem gerar
o que, à primeira vista, poderia ser o oposto da desterritorialização – os territorialismos.
Essas reterritorializações podem ser facilmente criadas como uma reação à exclusão que
seus habitantes sofrem. Nessa perspectiva, entende­se que a extrema valorização de um
território, atribuindo ao mesmo, um grande sentido de pertencimento gerador de exclusão
daqueles que, considerados como estranhos, são vítimas de ações terroristas motivadas
pela concepção selvagem de território, ou seja, um território como produto da natureza e
não dos episódios mais marcantes de sua conjuntura histórica.
Haesbaert (1995, p. 194) salienta que
Esses territorialismos são uma conseqüência não só da exclusão
econômica mas também cultural, diante do “vazio de significado”
dominante, que se presta tanto à violência indiscriminada e “sem
sentido” quanto ao aparecimento dos fundamentalismos, onde os
extremos podem se encontrar”: a desterritorialização mais radical se
depara, subitamente, com os dogmas mais fechados que tentam, num
processo que inicialmente pode ser caótico, reterritorializar os grupos
sociais em verdadeiros “territórios clausura” como foi o caso do Irã xiita
146
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
de Khomeini, do Khmer Vermelho de Pol Pot e como ocorreu em certas
regiões do Peru com a verdadeira seita de inspiração maoísta Sendero
Luminoso.
[...] Em muitos países da ex­União Soviética, na Índia e no interior da
África, é a reterritorialização autoritária de grupos étnicos­religiosos
integristas que, tentando não entrar na condição de aglomerados
,resultantes de uma exclusão econômica, cultural e política (no caso
do “socialismo real”, com a retirada das amarras do Estado­patrão),
obrigam muitas vezes aqueles que são identificados como “os outros”
a comporem novos aglomerados.
Cabe ressaltar que existem diferentes aglomerados, determinados pelo estágio de
desterritorialização e seu caráter contextual, além da conjuntura econômica dentro dos
quais surgem os grupos culturais. Nesse sentido, convém destacar a divisão dos
aglomerados de Haesbaert (1995)11 que aborda três tipos gerais muito importantes. O
primeiro se refere aos aglomerados “radicais”, peculiares pela precariedade das condições
que vivem seus habitantes que, fixados em acampamentos de locais pobres, geralmente,
países do Terceiro Mundo, sobrevivem graças à assistência internacional.
Nesse contexto, salienta­se que o segundo faz menção ao aglomerado “tradicional”,
caracterizado pela segregação de grupos em áreas ambientalmente desfavorecidas que,
mesmo em condições de abandono e fome, sustentam importantes raízes de identidade
com esse território. Por fim, o aglomerado “transitório” (ou conjuntural) se destaca pela
desorganização de seu espaço, causada pelo cruzamento de redes e territórios que, com o
domínio da violência, submete seus habitantes ao medo. Como exemplo do aglomerado
em questão, cita­se as favelas brasileiras.
Portanto, é de fundamental importância que a compreensão frente à
(des)(re)territorialização pelo olhar cultural, reforce o entendimento do quanto é essencial o
surgimento de novas relações sociais através dos territórios que, dispostos a aceitar novas
desreterritorializações , correm em busca de uma nova percepção da natureza, capaz de
promover uma relação que não torne primordial a visão ambiental como recurso, mas
como uma teia de elementos integrados e identificados por símbolos comprobatórios da
existência de uma cultura de preservação dos lugares, grupos sociais, bens naturais, etc.
Devemos, então, lutar contra os exageros da desterritorialização como caminho para a
aceitação das diferenças culturais, respeito às fronteiras e promoção de maior
solidariedade para com o outro.
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
147
A paisagem como espaço de manifestação cultural
A partir da observação da paisagem é possível verificar que a ação humana
transformou a paisagem natural em paisagem cultural em paisagem cultural ao inserir
importantes símbolos capazes de identificar determinado grupo social.
Tuan (1974, p. 166) define símbolo como
[...] uma parte, que tem o poder de sugerir um todo: por exemplo, a cruz
para a Cristandade, a coroa para a monarquia, e o círculo para a
harmonia e perfeição. Um objeto também é interpretado como um
símbolo quando projeta significados não muito claros, quando traz à
mente uma sucessão de fenômenos que estão relacionados entre si,
analógica ou metaforicamente.
Dessa forma, o empirismo possibilitou o desvendamento da paisagem pelo homem,
uma paisagem, inicialmente, intocada por mãos humanas e que, nos primórdios da
civilização, foi transmitida através de manifestações artísticas e apresentações orais.
Nesse sentido, a criação e inovação de técnicas modificaram o meio natural,
possibilitando a criação de paisagens com diferentes significações, desenvolvendo o que a
Geografia Cultural compreende como uma paisagem cultural, estruturada pela intensa
intervenção humana na natureza.
Nessa perspectiva, é possível compreender a paisagem como uma categoria de
análise do espaço da Ciência Geográfica fundamentada, inicialmente, na descrição dos
elementos naturais que a compõe. Assim, com o desenvolvimento de diferentes técnicas, a
paisagem passou a ganhar um conceito cultural.
Convém ressaltar que, nos primórdios da construção da Geografia como Ciência, a
paisagem visível era valorizada pela Geografia Tradicional, caracterizada pela visão
dicotômica entre o físico e o humano. Nesse sentido, pode­se considerar que a observação
da paisagem ofereceu para a Geografia Tradicional um elaborado estoque de referências
fundamentadas no empirismo, principal linha de investigação. Assim, a natureza presente
no conceito de paisagem elaborado pelos geógrafos tradicionais, foi substituída por um
olhar mais humano através da valorização da temática cultural agregada nesse conceito.
Cabe salientar que o discurso da Geografia Francesa fundamentava a paisagem
dentro das normas do Possibilismo Geográfico, baseada na crença de que o homem
estava subordinado à autoridade do meio considerando, também, a participação humana
na alteração da paisagem natural. Dessa forma, a Geografia Francesa reconheceu na
paisagem, não somente, os atributos materiais, como fez a Geografia Alemã, mas,
também, os não materiais que promovem consideráveis transformações procedentes da
ação humana, capazes de alterar a paisagem através do trabalho.
148
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
Nessa perspectiva, reconhece­se o conteúdo complexo do conceito de paisagem
ligado, portanto, aos aspectos visíveis e não visíveis. Nesse sentido, o gênero de vida é,
então, a manifestação da atuação humana com a união dos aspectos materiais (técnica)
com os não­ materiais (os hábitos).
A Geografia Norte­Americana de Sauer, frente à concepção de paisagem, reflete
expressiva influência que sofreu da Geografia Alemã, ressaltando a materialidade da
mesma ao se apoiar do termo paisagem natural para definir a paisagem que antecede ao
ingresso da intervenção dos seres humanos, o qual tinha como finalidade principal,
disponibilizar os materiais capazes de criar a paisagem cultural. Assim sendo, para Sauer a
atuação dos seres humanos perante a paisagem natural promove transformações capazes
de anunciar as peculiaridades definidoras de um grupo social. Considera­se, também, a
importância da natureza histórica da cultura para o autor, promotora de diferenciações e
comparações entre as paisagens.
Dessa forma, convém reforçar que a Geografia Cultural Francesa se caracterizava por
salientar a relevância da identidade humana estampada na paisagem, ou seja, a
materialização da cultura na construção desse cenário graças à ação do homem sobre o
meio. Entre os autores que consideravam a importância do estudo da paisagem cultural,
Pierre Monbeing se destaca por ter pesquisado profundamente a concepção de paisagem,
destacando o homem e sua luta para sobreviver, superar a natureza e construir suas
relações sociais. Esse autor francês traduz, então, sua vivência no período de passagem
da Geografia Tradicional para a Nova Geografia, enfatizando o papel da paisagem como
categoria de análise mais importante nesse contexto de mudanças.
Assim sendo, enfatiza­se o período do Pós Segunda Guerra como momento de
abandono do estudo conceitual de paisagem, pois a descrição do visível já não mais
satisfazia as ânsias de uma Geografia que vivia uma realidade angustiante e agonizante
frente aos problemas resultantes da 2ª Guerra Mundial. Nesse sentido, surge, então, a
Nova Geografia que, com a expressiva utilização de técnicas quantitativas, firmava seus
alicerces no Neo­Positivismo e na visão sistêmica da organização do espaço, estagnando o
conceito de paisagem na Geografia Tradicional.
Dessa forma, as pesquisas geográficas tinham maior envolvimento com resultados
obtidos por técnicas estatísticas e matemáticas, e pouco engajamento com as questões
antropocêntricas, como as dificuldades vivenciadas pelas sociedades e outros pontos
relacionados à problemática realidade humana existente no período em questão.
Nessa perspectiva, com o objetivo de suprir a deficiência de debates e discussões
sobre os temas ligados à sociedade, em 1960 a Geografia Crítica oferece subsídios
teóricos à Ciência Geográfica, inserindo uma visão mais social pelo viés do Humanismo,
esquecido durante a Nova Geografia. Assim, a compreensão de paisagem exigiu a
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
149
incorporação de novos aspectos, bem como de outras matrizes conceituais pertencentes à
Geografia, todos inspirados no marxismo e na fenomenologia da Geografia Crítica,
capazes de conceber a paisagem como fruto de um encaminhamento histórico no decorrer
de sua evolução dentro dessa Ciência, ou seja, esse conceito considerado como produto
estreitamente conectado ao método dialético.
Nesse sentido, enfatiza­se a contribuição de Milton Santos, ilustre representante da
Geografia Crítica, que entende a paisagem como tudo o que é perceptível pela visão, ou
seja, está materializado, juntamente com os sons e tudo o que está inserido nela. Afirma,
também, a inexistência da paisagem natural, ou seja, aquela que ainda não foi modificada
pelo homem.
A paisagem é concebida por Santos (1998, p. 54) como
Um conjunto de formas naturais e artificiais. Quanto mais complexa a
vida em sociedade, mais artificial tornam­se as paisagens. No entanto,
para transformar o natural em artificial, são necessários instrumentos
de trabalhos fixos além de possuir o domínio das técnicas, materializado
na tecnologia.
Assim, cabe enfatizar que a ação humana transformou o conceito de paisagem,
oferecendo um olhar humanístico e conferindo, não apenas, a atenção para a
manifestação do que é visível, mas também, para aquilo que não está materializado,
construindo uma paisagem estruturada em um conjunto único, disposta a passar por
mudanças estruturais (forma) e funcionais (funções). Nessa perspectiva, a subjetividade
inerente à paisagem, promove a valorização de hábitos e crenças de um grupo cultural,
estabelecendo a identidade desse espaço, além de sensibilizar o observador que enxerga
nesse cenário os símbolos de sua vivência cotidiana.
Ressalta­se que, com a ascensão de uma Geografia Cultural renovada, a paisagem
cultural é entendida como expressão de tudo o que tem significado e é cultuado por um
grupo social. Assim sendo, esse grupo constrói uma paisagem peculiar por suas
características mais representativas e, por isso, se distingue dos outros grupos, podendo
ser identificado pelas inúmeras particularidades culturais que transformaram e construíram
esse cenário.
Reforçando a idéia exposta acima, Brum Neto (2007, p.56) afirma
Entretanto, o homem, enquanto agente distinto de modificação gera
paisagens semelhantes, mas ao mesmo tempo repletas de
particularidades. Tal fato deve­se, principalmente, á relação dinâmica
estabelecida entre cultura­tempo­paisagem natural, como matriz da
paisagem cultural, esta, essencialmente singular.
150
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
Portanto o trabalho humano de alteração da paisagem forneceu símbolos que
marcam a presença de inúmeros grupos sociais nesse espaço, atribuindo às técnicas e
hábitos, significado expressivo na consolidação da identidade dos indivíduos que
compõem esse grupo. Nessa perspectiva, Tuan (1974, p. 162) afirma que “As paisagens
servem como pano de fundo para as atividades humanas diárias, quando não mais
abrigavam os espíritos da terra”.
Nesse sentido, o espaço de vivência como temática estudada pela Geografia Cultural
renovada, constitui­se como uma tarefa complexa ao inserir um número maior de
conceitos, mas, ao mesmo tempo, abre uma imensa possibilidade de compreender o lugar
sob uma nova ótica, repleta de símbolos visíveis na paisagem cotidiana do sujeito. Assim,
essa paisagem configura­se como expressão do natural e do humano, ou seja, os bens
naturais são arranjados para oferecer um meio adequado para a ação humana.
Dessa forma, o sujeito, ao contemplar a paisagem, observa o que lhe é mais
significativo, o que melhor representa o seu cotidiano e as suas experiências, provando
que os imprevistos do cotidiano conferem maior significado à paisagem. Nesse sentido, os
estudos relacionados à Geografia do Lugar reforçam a importância da ligação afetiva dos
indivíduos com o meio ambiente material podendo, nessa perspectiva, definir essa
conexão como “topofilia”, ou seja, o encanto em apreciar a água e o ar, os sentimentos que
dedicamos ao lugar onde vivemos – o nosso lar – espaço de lembranças e do sustento.
Tuan (1974, p. 286) acrescenta
A topofilia assume muitas formas e varia muito em amplitude emocional
e intensidade. É um começo descrever o que elas são: prazer visual
efêmero; o deleite sensual de contato físico; o apego por um lugar por
ser familiar, porque é o lar e representa o passado, porque evoca o
orgulho de posse ou de criação; alegria nas coisas devido à saúde e
vitalidade animal.
Portanto, a importância de se estabelecer o estudo sobre identidade cultural se afirma
ao definir e valorizar a gama de significados que o sujeito, ao habitar determinado lugar,
estabelece com esse espaço de vivência cotidiana, alicerçando uma relação sentimental
com o mesmo. Assim, os grupos ao expressarem os elementos que compõem suas
culturas, manifestam na paisagem suas identidades, afetando fortemente as percepções,
as ações e os sentimentos de pertencimento que seus membros atribuem ao meio ambien­
te.
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
151
A presença da etnia portuguesa em Cruz Alta/RS: importantes marcas
culturais presentes na paisagem municipal12
Como já destacado no presente esforço teórico, os códigos culturais regem a as
práticas sociais, os costumes, e as tradições de um grupo social, simbolizando a
materialidade e a imaterialidade da cultura.
Dessa forma, os elementos culturais trazidos pelos portugueses eram visíveis,
principalmente nos primeiros habitantes do Município. O tipo físico, a organização familiar,
a arquitetura das casas, os festejos com gastronomia típica, a religiosidade e os hábitos da
população local formaram culturalmente a cidade e caracterizam, até hoje, a etnia pioneira
no povoamento do Município.
Nessa perspectiva, diante da organização da família, extremamente patriarcal,
configura a influência da cultura portuguesa na época. Cavalari (2007, p 46) complementa
a afirmação considerando que o pai de Firmino de Paula, ilustre figura política de Cruz Alta
configurava­se como “um homem de baixa estatura, era enérgico com os filhos e herdou
seguramente muitos hábitos de Portugal, pátria de seu pai Manoel da Silva Jorge, natural
da Ilha do Faial”. Cabe lembrar, também, que os tipos físicos dos habitantes da cidade,
muito morenos e de estatura variável caracterizam o imigrante do norte de Portugal .
Assim, entre diversos hábitos portugueses da população cruzaltense, destaca­se o de
apelidar lugares, pessoas e tudo o que fizesse parte do cotidiano do povo local. Lugares
típicos da cidade, eram conhecidos através de uma nomenclatura popular como a “Rua da
Igreja”, por causa da primeira Igreja Matriz, “Rua da Fonte” porque havia uma pequena
fonte onde, atualmente, encontra­se o Fórum da cidade, entre outras. Tipos folclóricos
também eram apelidados, como o Apiaí, o Cabeleira, o Zé Mutuca, entre outros, numa
clara mania herdada dos portugueses que residiam em número expressivo na cidade.
No que se refere às festas típicas da cidade, de influência lusitana, ocorriam em
clubes respeitados como a Sociedade Bailante Progresso de Cruz Alta”, criada em 9 de
agosto de 1879. Outras comemorações eram de cunho religioso, como a Festa do Divino,
em que as famílias da antiga Cruz Alta seguiam para lugares determinados pelo trajeto da
bandeira e, à noite, concentrava­se grande parte da população na Praça da Matriz, onde
eram vendidos quitutes (alguns pratos típicos da gastronomia portuguesa, como o pão­de­
ló), com muita música.
Sobre a religiosidade cruzaltense, convém destacar a influência do catolicismo de
Portugal, marcada pela Romaria de Nossa Senhora de Fátima, Santa muito devotada, que
apareceu durante seis meses para três crianças na localidade portuguesa de Fátima, em
1917. O Monumento de Nossa Senhora de Fátima materializa o código cultural religião no
As informações relativas aos códigos culturais da etnia portuguesa presentes na paisagem do município de Cruz Alta/RS
tiveram como base o trabalho de CAETANO, J.; FIGUEIREDO, L.C. A importância do lugar no processo de ensino
aprendizagem: identidade portuguesa e a abordagem cultural no município de Cruz Alta. Trabalho de Graduação, Santa
Maria, 2009.
12
152
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
Município, atraindo muitos fiéis não somente durante a Romaria, mas ao longo de todo o
ano.
Salienta­se, ainda, como importante marca cultural dessa etnia, as cavalhadas que
eram realizadas no Município, porém, esta comemoração, além de ser herança
portuguesa, também tem influência espanhola, pois remonta os tempos de dominação
luso­espanhola em nosso território. As cavalhadas eram a dramatização das lutas entre
cristãos e muçulmanos, e ocorriam em toda a festa cívica e religiosa do Rio Grande do Sul.
Nesse sentido, destaca­se que no período próximo ao Carnaval, muitas lojas da
cidade preparavam­se para oferecer diversos apetrechos para a população divertir­se. O
hábito de esguichar água nas pessoas era uma forma de marcar este período do ano e,
acabou originando o Carnaval d’ Água de Cruz Alta, recentemente extinto na cidade.
Cavalari (2004, p. 217) salienta
Os muitos portugueses de origem, que vieram para Cruz Alta, nos
primórdios de sua fundação, trouxeram alguns hábitos de sua terra,
como o intróito, uma orgia pagã que simbolizava a introdução à
quaresma. O intróito virou intrudo, mas a brincadeira em Portugal era
de certa forma violenta e até suja, pois as pessoas jogavam umas nas
outras todo o tipo de líquidos.
No que se refere ao estilo arquitetônico de influência portuguesa, as antigas
residências da cidade representam com extrema fidelidade a relação entre arquitetura e
contexto cultural. Nesse contexto, arquitetura anuncia o momento cultural em que essas
casas foram construídas, além de expressar culturalmente a sociedade local que vivia em
Cruz Alta nos primórdios de sua ocupação.
Como exemplo, cita­se a casa de Firmino de Paula Filho, importante figura política de
Cruz Alta, foi construída no início da segunda década do século XX. A localização da casa
fica junto à Praça General Firmino de Paula e, dentro do contexto urbano das cidades
portuguesas, esta localização tem um significado específico.
De acordo com Silva (2000, p. 48)
No modelo urbano renascentista utilizado na implantação das cidades
da América Portuguesa, a praça principal é o centro de poder, reunindo
os poderes religioso (igreja), político (intendência) e social representado
pelas residências dos grandes proprietários/detentores de poder
político. Homens como o Coronel Firmino de Paula Filho participam
deste conjunto.
Cabe ressaltar que a casa de outra figura ilustre do Município, Érico Veríssimo, foi
construída em 1883 por Franklin Veríssimo, avô do escritor. O primeiro representante da
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
153
família Veríssimo, pai de Franklin, chegou em torno de 1810, oriundo de Portugal.
Atualmente a casa de Érico Veríssimo foi transformada em Museu que leva o mesmo nome
do autor e conta um pouco sobre sua história de vida e de suas obras literárias.
Nessa perspectiva, destacam­se, também, as residências com configuração espacial
interna nos moldes da arquitetura colonial, com a fachada frontal construída com
características da arquitetura oficial, casas erguidas em estilo neocolonial, marcando o
período posterior à Primeira Guerra Mundial, ou aquelas de estilo ribatejano e açoriano,
mostram que os exemplares arquitetônicos de Cruz Alta relatam cada período cultural e
histórico vivido pelo Município, além das tendências econômicas, da situação política e da
função que aquele prédio estava destinado a exercer.
O imigrante português está presente, também, na figura típica do gaúcho. O
colonizador luso, ao disputar terras com os espanhóis, misturou códigos específicos de
cada etnia e criou novos códigos, também presentes no Município. A pecuária gaúcha
originou o peão de estância, ou seja, o imigrante luso miscigenado com o espanhol e
inserido nos costumes indígenas.
Assim, tem­se a gênese da figura do gaúcho, extremamente cultuada no Rio Grande
do Sul e em Cruz Alta, através do hábito de tomar o chimarrão, vestir­se com indumentária
típica, comunicar­se empregando linguagem peculiar da vida campeira além de preparar e
consumir o churrasco, representante característico da gastronomia do Estado .
Procurando preservar essa cultura, Cruz Alta promove, anualmente, eventos de
conteúdo tradicionalista, como a Coxilha Nativista, um festival de música campeira e
espetáculos que valorizam os costumes gaúchos, e a Mateada, que une a população local
e turistas para a valorização da bebida típica do Estado, com apresentações artísticas.
O código cultural dança também é valorizado no Município com o Grupo de Dança
Chaleira Preta, que realiza apresentações por todo o Estado e pelo País, reforçando a
identidade da cultura gaúcha.
Cruz Alta mantém ainda mais forte sua identificação com a cultura do Rio Grande do
Sul, ao simbolizar, através de inúmeros monumentos, a figura do gaúcho. Dessa forma,
considera­se o Monumento à Cuia e o Monumento ao Gaúcho como importantes
homenagens do Município ao elemento característico do Estado, fortalecendo
consideravelmente o turismo no território cruzaltense.
Dessa forma, Cruz Alta valoriza seu patrimônio cultural local como importante fonte de
desenvolvimento socioeconômico, além de reforçar a importância da cultura como
organizadora do espaço.
154
Território, Paisagem e Cultura: A influência portuguesa na (re)construção espacial do município de Cruz Alta/RS
Considerações Finais
Atualmente, é imprescindível compreender, dentro do estudo sobre territorialização, o
processo desterritorializador do atual meio técnico­científico­informacional (Milton Santos,
1985), marcado pela existência das tecnologias da informação, pela “deslocalização” da
produção, pela circulação mais dinâmica dos produtos, expansão do setor de serviços e da
circulação do capital financeiro, fazendo com que a desterritorialização esteja ligada à
globalização. Nesse sentido, as concepções de território e rede, territorialização e
desterritorialização estão extremamente condicionadas às inovações tecnológicas dos dias
de hoje.
Nessa perspectiva, o entendimento de território atrelado à temática cultural presente
na Ciência Geográfica, reconstruída após a década de 1970, centra­se na compreensão de
que os lugares são dotados de sentimentos por seus habitantes, ou seja, demonstra que o
espaço vivido é significativo pra os indivíduos. Nesse sentido, atualmente, a Geografia
Cultural evidencia sua relevância como uma linha de pesquisa renovada na Ciência
Geográfica ao difundir e enriquecer a importante contribuição da cultura transmitida
homens através das gerações. Assim sendo, sua valorização é importante para que os
indivíduos consigam compreender a organização espacial do território onde vivem.
Cabe enfatizar, então, que é de fundamental importância buscar uma maior
compreensão a respeito do processo de (des)(re)territorialização pelo olhar cultural,
reforçando o entendimento do quanto é essencial o surgimento de novas relações sociais
através dos territórios que, dispostos a aceitar novas desreterritorializações , correm em
busca de uma nova percepção da natureza, capaz de promover uma relação que não torne
primordial a visão ambiental como recurso, mas como uma teia de elementos integrados e
identificados por símbolos comprobatórios da existência de uma cultura de preservação
dos lugares, grupos sociais, bens naturais, etc.
Portanto, a importância de se estabelecer o estudo sobre identidade cultural se afirma
ao definir e valorizar a gama de significados que o sujeito, ao habitar determinado lugar,
estabelece com esse espaço de vivência cotidiana, alicerçando uma relação sentimental
com o mesmo. Assim, os grupos ao expressarem os elementos que compõem suas
culturas, manifestam na paisagem suas identidades, afetando fortemente as percepções,
as ações e os sentimentos de pertencimento que seus membros atribuem ao meio
ambiente.
Portanto, como face mais específica dessa investigação, ressalta­se a contribuição do
imigrante português na paisagem do município de Cruz Alta/RS, presente, também, na
figura típica do gaúcho. Assim, o colonizador luso, ao disputar terras com os espanhóis,
misturou códigos específicos de cada etnia e criou novos códigos, também presentes no
Jessica Nene Caetano; Meri Lourdes Bezzi
155
Município. Nesse contexto, a pecuária gaúcha originou o peão de estância, ou seja, o
imigrante luso miscigenado com o espanhol e inserido nos costumes indígenas.
Referências
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