Cap5 Completude

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Capítulo 5
Completude
O objetivo deste capítulo é tentar entender como se comportam algumas sequências de
números reais e ver como a noção de limite é importante para entender bem estes conjuntos
numéricos que estudamos até agora.
5.1
Cotas, supremo e ínfimo
Considere C um conjunto de números reais (ou racionais, inteiros ou naturais). Uma cota
superior para este conjunto é um número c1 ∈ R que é maior que ou igual a todos elementos
de C. Por exemplo, se
5
9
C=
, 2, −4, 0, −
,
3
2
então o número 1000 é uma cota superior para C, já que 1000 > x ∀ x ∈ C.
Note que, para c1 ser uma cota superior para C não é necessário que seja um elemento do
conjunto. Pode ser que seja, mas não é necessário.
De modo análogo, definimos uma cota inferior c0 como sendo o número real tal que
c0 6 x ∀ x ∈ C, ou seja, se C0 é menor que ou igual a todos elementos de C.
No nosso exemplo, −1000 pode ser uma cota inferior para C.
Assim como no caso anterior, não é necessário que uma cota inferior para C seja um elemento
de C.
Uma pergunta bastante natural que poderia ser feita é sobre a unicidade das cotas superiores
e das cotas inferiores. Em geral, essa unicidade não existe!
Em C, serviriam como cotas superiores os números 1000, 2, 53/3, e π, enquanto os números −1000, −9/2, −5 e −π2 serviriam como cotas inferiores.
Por outro lado, podemos observar que, apesar de 1000 ser uma cota superior, ela está bastante distante dos elementos do conjunto analisado, assim como a cota inferior −1000.
Desta problemática, surgem duas novas definições que associam melhor o conceito de uma
cota superior ótima ou cota inferior ótima com os conjuntos analisados.
Chamamos de supremo do conjunto C o número real que é a menor das cotas superiores;
analogamente, o ínfimo de C é o número real que representa a maior das cotas inferiores.
Representamos o supremo e ínfimo respectivamente por sup C e inf C.
Podemos traduzir estes conceitos através da seguintes expressões:
sup C > x ∀ x ∈ C
sup C 6 c1 ∀ c1 cota superior de C
28
inf C 6 x ∀ x ∈ C
inf C > c1 ∀ c1 cota inferior de C
Graficamente, temos:
Novamente é importante lembrar que nem sempre o supremo e o ínfimo de um conjunto
são elementos do próprio conjunto.
Vejamos agora alguns exemplos e exercícios.
Exemplo 1. Seja C1 = [0, 1[.
Para que c0 seja uma cota inferior, ela deve satisfazer c0 6 0. Dos números que satisfazem
essa condição, o zero é o maior deles. Portanto, inf C1 = 0.
Por outro lado, para que c1 seja uma cota superior, ela deve satisfazer c1 > 1. Dessas, o
menor é o um. Assim, sup C1 = 1.
Observe que, neste caso, inf C1 ∈ C1 , enquanto sup C1 6∈ C1 .
1
Exemplo 2. Seja C2 =
.
n n∈N
Começamos este exemplo observando o comportamento desta fração: o numerador é fixo,
enquanto o denominador vai aumentando à medida que percorremos o conjunto N.
Então, quanto maior o denominador, menor a fração fica. Logo, uma cota superior deve ser
maior que o primeiro termo da sequência, ou seja, sup C2 = 1.
A sequência dos termos de C2 é sempre decrescente. Mas como tanto o numerador são
números positivos, temos a certeza que o quociente será sempre positivo (mas cada vez mais
próximo de zero). Com isto, concluímos que uma cota inferior c0 deve satisfazer c0 6 0 e, como
consequência disto, inf C2 = 0.
2
3
Exemplo 3. Seja C3 = 1 + +
.
n m m,n∈N
Analisamos os elementos deste conjunto em duas partes, já que uma delas depende de m e
a outra depende de n. De modo análogo ao do caso anterior, temos que a fração 2/n admite 0
como ínfimo e 2 como supremo, enquanto 3/m admite 0 como ínfimo e 3 como supremo.
Para unificar as duas informações, observamos que a expressão é uma soma de fatores
positivos. Assim, para obtermos o supremo de C3 , é necessário que cada uma das etapas seja
a maior possível, o que é atingido com a soma 1 + 2 + 3 = 6, quando m = n = 1. Por outro
lado, para obtermos o ínfimo, cada parcela é a menor possível, o que é atingido com a soma
1 + 0 + 0 = 1, quando m e n são números suficientemente grandes.
Concluímos, portanto, que sup C3 = 6 e inf C3 = 1.
3
2
a partir do que foi visto no exemplo
Exercício 5.1. Analise o caso C4 = 1 + −
n m m,n∈N
anterior. Observe que a subtração mudará bastante o resultado.
29
Exercício
5.2. Resolva a desigualdade a seguir para determinar os elementos do conjunto
x−2
6 0 e indique os valores de sup C5 e inf C5 .
C5 = x ∈ R :
x+3
1
Exercício 5.3. Determine o supremo e o ínfimo do conjunto C6 =
.
|m − n| m,n∈N, m6=n
Exercício 5.4. Determine os elementos do conjunto C7 = {x ∈ R : |3x + 1| > 1} e indique o
supremo e o ínfimo deste conjunto.
1
Exercício 5.5. Verifique que o conjunto C8 =
não existem nem supremo nem ínfimo.
n n∈R\{0}
Exercício 5.6. Determine o supremo e o ínfimo, caso existam, dos conjuntos C9 =
2
|x − 1|
.
e C10 =
x2 + 1 x∈R
Exercício 5.7. Determine o supremo e o ínfimo, caso existam, dos conjuntos C11 =
2
.
e C12 = 2 −
n n∈N
x2 − 1
x2 + 1
2
2+
n
x∈Z
n∈N
Exercício 5.8. Seja B = {a − b : 0 6 a < 1, 0 6 b < 1} ⊆ R. Prove que inf B e sup B existem e
determine seus valores.
Apesar de não termos feito até agora, é importante frisar que tanto o supremo quanto o
ínfimo são únicos.
Proposição 1. O supremo e o ínfimo de um conjunto C são únicos.
Demonstração: Suponha que um conjunto C admita dois supremos s1 e s2 . Então s1 e s2
servem como cotas superiores para o conjunto.
Como s1 é supremo, temos que s1 6 s2 . Por outro lado, como s2 é supremo, então s2 6 s1 .
Portanto, s1 6 s2 6 s1 =⇒ s1 = s2 devido à antissimetria.
Exercício 5.9. Com um argumento semelhante, mostre que o ínfimo é único.
5.2
A completude de R e a não completude de Q
Agora que já estamos um pouco acostumados com as ideias que envolvem supremos e ínfimos, podemos investigar a propriedade de completude que dá nome a este capítulo.
Um corpo K é dito completo se, para todo subconjunto limitado C ⊂ K, o supremo e o
ínfimo de C existe e é um número de K.
A completude é uma propriedade que separa os números racionais dos reais. Infelizmente,
mostrar que a completude de R não é algo simples o suficiente para uma disciplina de primeiro
período, mas sim para um curso de Análise Real.
Por isto, para os nossos propósitos, consideraremos o seguinte axioma:
Axioma do supremo (ou Axioma da completude ou ainda Axioma de Dedekind): Todo
subconjunto limitado superiormente C de números reais admite supremo em R.
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De modo análogo, fazemos a construção axiomática para o ínfimo: Todo subconjunto limitado inferiormente de números reais admite ínfimo em R.
Proposição 2. O conjunto dos racionais não é completo.
Mostrar que o conjunto Q não é completo é algo um pouco mais complicado, mas pode ser
feito sem muitos problemas. Para isto, precisamos exibir um subconjunto não vazio de números
racionais que seja limitado (por uma cota racional) mas que não admite um supremo dentre os
números racionais.
Considere
C = {x ∈ Q : x > 0 e x2 < 2}.
Intuitivamente, note que se observássemos C como um subconjunto
√ de números reais, então
este conjunto admitiriam supremo e ínfimo: infR C = 0 e supR C = 2.
Mas lembremos que desejamos as cotas, supremo e ínfimo utilizando apenas números racionais (já conseguimos um ínfimo em Q).
O número 1,5 serve como cota superior para C. De fato, temos que
a>
3
2
=⇒
a2 >
3a
9
> >2
2
4
=⇒
a 6∈ C.
Suponha que exista um supremo s para C que seja um número
racional. Como s também
√
√
é um número real, podemos comparar ele e o supremo real 2. Temos, então, que s 6 2.
Da natureza
destes dois números, eliminamos a possibilidade da igualdade e concluímos que
√
s < 2.
O número
√s é um racional e, consequentemente, admite expansão decimal finita ou infinita
e periódica; 2 é irracional
√ e admite expansão decimal infinita e não periódica.
momento, suas casas decimais
Ao compararmos s e 2, temos que, em algum determinado√
não são iguais. Assim, é possível tomar outro racional entre s e 2, o que contradiz a hipótese
de s ser um supremo racional. Absurdo!
Logo, C não admite supremo em Q.
√
Vejamos o valor aproximado de 2 e uma sequência de racionais menores que esse número
e possíveis "candidatos"a supremo.
√
2 ≈ 1, 4142135623730950488016887242097
s1
s2
s3
s4
s5
..
.
= 1, 4
= 1, 41
= 1, 414
= 1, 4142
= 1, 41421
√
Para cada si que tomamos, sempre é possível encontrar um racional mais próximo de 2 que
o anterior. É este o argumento utilizado para concluir a demonstração da proposição anterior.
31
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