AD-18 CMYK 18 MUNDO US$ 19 é o valor equivalente à média salarial em Cuba US$ 150 CORREIO BRAZILIENSE BRASÍLIA, DOMINGO, 6 DE ABRIL DE 2008 Editor: João Cláudio Garcia // [email protected] Subeditores: Silvio Queiroz e Rodrigo Craveiro fax: 3214-1155 • e-mail: [email protected] Tels.: 3214-1195 • 3214-1197 é o valor médio de uma diária em um hotel da ilha US$ 120 é o preço geralmente cobrado por um celular no país REFORMAS EM CUBA Cidadãos elogiam fim das restrições à compra de celular e de eletrodomésticos. Mas reclamam da falta de dinheiro, do acesso limitado à internet e das barreiras às viagens internacionais Eles querem mais Javier Galeano/AP RODRIGO CRAVEIRO DA EQUIPE DO CORREIO agenda da cubana Amarillis Castillo, de 58 anos, tinha um compromisso inadiável para ontem, que até pouco tempo seria impensável. “Vou tentar comprar uma bicicleta ergométrica e um aparelho de DVD”, contou ao Correio, por telefone, essa moradora de Havana. Nascida quase uma década antes da revolução, Amarillis não se surpreendeu com as reformas implementadas nas duas últimas semanas por Rául Castro, que assumiu o lugar do irmão Fidel no comando da ilha. O atual presidente abriu os hotéis à população — antes, só estrangeiros e funcionários do governo podiam hospedar-se —, liberou a venda de aparelhos celulares e eletrodomésticos, criou uma rede de TV com conteúdo estrangeiro e anunciou ampla reforma agrária (leia o quadro nesta página). “A abertura já era esperada, e essas coisas jamais deveriam ter sido proibidas”, lembrou, referindo-se às restrições. “É muito cedo para nos sentirmos felizes, mas há esperança.” Morador de Moa — centro produtor de níquel a 935km de Havana —, o estudante William Delgado Palacio, de 23 anos, sonha com o dia em que poderá se aproximar da recepção do Meliá Cohiba e fazer sua ficha de hóspede no hotel cinco estrelas, situado no centro da capital. “Mas os hotéis ainda são muito caros”, critica. Como a diária mais barata custa US$ 179, um cubano que recebe salário mínimo teria de trabalhar nove meses, sem gastar nada, para conquistar o direito de dormir uma noite no Meliá. Um luxo em um país marcado pelo embargo econômico imposto pelos Estados Unidos e pelo racionamento de produtos como azeite, carne e frutos do mar. Em uma ilha onde apenas 0,1% da população tem acesso à internet e as informações são monitoradas pelo governo, a liberalização da venda de celulares foi considerada um avanço por muitos cubanos. Mais uma vez, no entanto, os preços A CUBANA COMPRA EQUIPAMENTO PARA SUA COZINHA EM UMA LOJA DE HAVANA: ANALISTAS TEMEM QUE REFORMAS AMPLIEM ABISMO SOCIAL impedirão que a maior parte dos cidadãos comuns goze do benefício. É o caso de Williams Martínez Hernández, um cinegrafista de 36 anos que vive em Sancti Spiritus, a 377km de Havana. Ele afirmou à reportagem que já visitou lojas, mas não pretende pagar 40 pesos cubanos (cerca de US$ 39,9) por um celular. Por isso, resolveu adquirir gratuitamente um aparelho chamado de TFA, por um custo de assinatura mensal de US$ 6. “Para que vou comprar um celular se tenho o mesmo serviço mais barato?”, disse. De acordo com Hernández, a população ainda aguarda várias mudanças. “Esperamos pela liberdade para viajarmos livremente, sem depender do governo de Cuba ou da concessão de visto por parte do país de destino. Hoje, só se pode viajar com carta-convite”, comen- tou. “Mas também queremos comprar automóveis e casas.” Efeito colateral Do exílio, em Chicago (EUA), o economista Antonio Morales-Pita demonstra ceticismo em relação às revoluções diárias incentivadas por Raúl. Segundo ele, transformações que levem à maior liberdade de expressão e ao equilíbrio entre oferta e demanda seguem sendo os principais desafios de Cuba, mas podem produzir um efeito colateral. “Essas medidas devem recrudescer ainda mais a diferença entre ‘ricos’ e pobres”, alertou. Como a maioria da população recebe salários em pesos cubanos não-conversíveis, poucos terão acesso às compras. “Para o oprimido povo cubano, é digno de alívio saber que Raúl tem um pouco mais de sen- so comum do que o irmão”, comentou o economista, para quem o presidente anunciará mais novidades, a fim de evitar uma guerra civil. “O povo espera se livrar do jugo comunista sobre seus ombros, esse medo de falar, de não saber com quem se está conversando, de temer discordar das mínimas injustiças do sistema.” De acordo com a historiadora brasileira Claudia Furiati, biógrafa de Fidel Castro, o alívio das restrições é um sinal progressista decorrente do desdobramento de reformas empreendidas pelo governo há mais de uma década. “Essas transformações demonstram a existência de uma economia em recuperação e em processo de integração com o mundo”, explicou. “Mas também respondem à demanda por consumo e lazer de setores da socieda- de com poder de compra.” A especialista acredita que o progresso só será nocivo se descuidar das questões sociais e coletivas. Com um ganho mensal de US$ 6, o caminhoneiro Antonio Muñoz, de 48 anos, lembra bem as reformas levadas a cabo por Fidel na década de 80, com o objetivo de incentivar a produção, aumentar o poder aquisitivo da população e recuperar a combalida economia após o colapso da União Soviética. Por isso, não se empolga muito com as determinações de Raúl. “Essas medidas são uma maneira de entreter o povo.” Segundo ele, poucos cubanos se beneficiarão, já que os preços ainda são abusivos. “Uma motocicleta vendida a US$ 150 nos Estados Unidos é comercializada a US$ 1,7 mil na área capitalista de Havana”, lamentou. Enfato Comunicação/Divulgação ENTREVISTA//CARLOS ALBERTO MONTANER PABLO PIRES FERNANDES DO ESTADO DE MINAS O jornalista e escritor cubano Carlos Alberto Montaner deixou Cuba em 1961, após ter sido preso por “conspirar” contra o regime comunista. Naquele mesmo ano, partiu para os Estados Unidos. Mas seus amigos foram detidos, e um deles morto pela polícia. Crítico prolífico do castrismo, já publicou 25 livros sobre a história da América Latina e de Cuba. A visão liberal fica clara na entrevista, concedida por e-mail de Madri, onde vive. Ele acredita que as pequenas medidas de liberalização da economia, lançadas por Raúl Castro, devem aumentar o apetite por mais mudanças. Montaner estará em Porto Alegre nesta semana, para o 21ª Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE). acabar pacificamente com o sistema comunista. Em termos econômicos, o que o senhor pensa da restruturação da agricultura cubana feita por Raúl,que concedeu maior autonomia às cooperativas? A reforma vai melhorar um pouco a produção agrícola, mas até que se reintroduza de fato a propriedade privada, não haverá verdadeiros resultados. Os chineses experimentaram essas mudanças com maior grau de autonomia, mas acabaram reintroduzindo a propriedade privada. Quais outras medidas o governo pode adotar para incrementar a economia cubana? AD-18 Apetite por mudança é estimulado na ilha Recentemente,o governo de Raúl deu início a pequenas reformas.Como o senhor vê essas medidas e quais são os impactos a médio prazo para os cubanos? São pequenas mudanças que vão melhorar um pouco a vida miserável dos cubanos, sempre que tenham dólares para comprar DVDs e computadores. Esperamos que lhes deixem assistir à televisão internacional e se conectar à internet. As mudanças, no entanto, longe de contentar aos cubanos, estimularão o apetite por mais reformas. Os cubanos desejam liberdade, para retomar o controle sobre suas vidas, hoje totalmente nas mãos do Estado. Querem viajar livremente, beneficiar-se com o produto de seu trabalho. Enfim, Quando o regime permitir que os cubanos, como os estrangeiros, criem suas próprias empresas, a situação começará a melhorar. Quando se permitir que os exilados retornem e se associem aos familiares e amigos que têm na ilha, também a produção será incrementada. Mas a reforma mais importante é a política: ampliar as margens de participação para que a pluralidade da sociedade posse se expressar. O senhor escreveu em Los cubanos a respeito do futuro de Cuba e sua posição é bastante otimista. Qual a visão do senhor para Cuba nos próximos anos? Uma vez que a mudança comece de fato e se alcance estabilidade política, a ilha vai se recupe- rar rapidamente. Em uma geração, estará junto ao Chile e ao topo da América Latina. Como o senhor vê a relação entre Cuba e a Venezuela de Hugo Chávez? Os cubanos se aproveitam do enorme subsídio venezuelano, mas não respeitam Hugo Chávez. Os venezuelanos também não se simpatizam com o fato de que a Venezuela presenteie Cuba com 100 mil barris de petróleo por dia. Sabem que a dívida jamais será cobrada. CMYK