A ECONOMIA PARANAENSE DURANTE O “MILAGRE ECONÔMICO” (1968-73) Luiz felipe Nunes de alves A economia brasileira deu um salto significativo no final dos anos 60, capitaneada pelos militares que a despeito de desejar se legitimar perante a opinião pública e emudecer a oposição que transitava dentro da ordem imposta, pois a mais ousada foi banida. A aliança entre os fardados e os paisanos na construção de um Estado autoritário acabou favorecendo a burguesia brasileira, em particular, a industrial que já não mais colhia fruto do pacto populista (que, aliás, colheu pouco) que vigorou até os primeiros anos da década de 60. A acumulação capitalista tinha sofrido um refluxo que necessitava ser reparado, ou seja, os investimentos industriais precisavam ser retomados, como aponta MENDONÇA (1986: 70), “... a quebra do dinamismo da acumulação brasileira registrada em inicio dos anos 60, quando diminuiu o ritmo dos investimentos industriais,...” precisava estar urgentemente na pauta do governo. Para muitos autores que abordam essa questão, o arrefecimento dos índices de expansão econômica devia-se a fundamentalmente dois fatores, a saber: a) a crise econômica de 1962-64, que produziu uma crise de realização de produção, provocando uma crise de demanda no departamento III e/ou; b) o esgotamento do fôlego da política de substituição de importação. As taxas de crescimento do departamento II não eram atraentes, nem para o capital estrangeiro aqui radicado, nem para os capitalistas nacionais, que não tinham confiança na política econômica, primeiro de Jânio Quadros, depois na de João Goulart. Para se ter uma idéia da crise, em 1963 foi, depois de muitos anos apresentou índices negativos (- 1,7%), preocupando os investidores. O café que sempre financiou a atividade industrial perdia paulatinamente preços no mercado internacional. Agrega-se às questões supracitadas, o aumento considerável dos preços da produção agrícola. MENDONÇA (1986: 74), observa que “... pressionado por todos os lados, ineficaz na solução dessas questões, o Executivo sofria de um esvaziamento generalizado de poder e autoridade”. A medição de forças entre os sindicatos por um lado e as forças conservadoras por outro, materializada nos militares se acentuavam. Diante disso, “... a resposta dos detentores das frações do capital (industriais, financistas e agropecuaristas, grandes comerciantes, para citar os principais), prejudicados em seu desempenho econômico e pela ascensão das massas, foi o alinhamento à direita, conclamando-se a solução militarista como a única saída capaz de instalar um horizonte seguro para a recuperação da expansão”. (MENDONÇA, 1986, 74). Portanto, o golpe de 1964, não parte, unicamente de um desejo dos quartéis (refiro-me aqui a elite fardada) em supostamente restabelecer a ordem no país, mas sim a uma conjugação de fatores que contribuíram para o rompimento da Carta Magna. A aguda crise econômica que atravessava o país em meados da década de 60 contribuiu decisivamente para o seqüestro do poder por parte dos militares. Para GREMAUD (2002), a crise econômica que atravessava o país tinha causas conjunturais e também estruturais. Os primeiros anos do golpe a tecnoburocracia que assaltou o poder promoveram uma recessão econômica que visava o restabelecimento do ciclo econômico virtuoso. Essa política contribuirá enormemente para o sucesso econômico do período seguinte, conhecido como “milagre econômico”. Esse período “... nada mais significou senão a garantia de lucros faraônicos às empresas monopolistas”. (MENDONÇA, 1986: 75), foi, portanto, um prêmio para uma parcela daqueles que apoiaram o golpe, pois as empresas de menor porte e estrutura técnica, que não receberam assistência do Estado faliram ou passaram por um processo de incorporação. Os investimentos que o Estado fez, fundamentalmente no de infra-estrutura, serviu apenas à acumulação privada dos grandes monopólios nacionais e estrangeiros. A obtenção de vultosos recursos foi possível graças a um endividamento externo e a transformação de Estatais em empresas lucrativas. “O Estado passou a ser o maior tomador de empréstimos no exterior para dar apoio à acumulação privada”. (MENDONÇA, 1986: 82). Ademais é importante salientar que havia no mercado financeiro internacional uma liquidez que atraiu vários países a buscarem recursos a juros convidativos, com prazos dilatados. Essa é a origem do endividamento da maioria dos países da América Latina que experimentaram uma ditadura militar. “E em todos esses países o carro chefe dessa acumulação foi a empresas multinacionais, que em determinados segmentos respondia por até 96% do mercado”. (MENDONÇA, 1986: 83). Apesar dos chamados “milagres econômicos terem muito mais um caráter político do que propriamente econômico daí a importância de serem propagandeados” (SINGER, 1982), a fim de que se possa traçar uma comparação entre o período anterior e aquele que se está construindo é inegável que as taxas de crescimento econômico observado no qüinqüênio 68-73, são surpreendentes, diante de um quadro de desalento de anos anteriores. Para SINGER (1981: 116), “...o prolongado boom que começou em 1968, baseou-se nos seguintes elementos, 1º) uma demanda interna para bens duráveis de consumo em expansão (Departamento I), graças à concentração de renda e mecanismos financeiros que permitiram a ampliação do crédito ao consumo; 2º) uma demanda externa em expansão graças à liberalização do comércio internacional e ao subsidiamento das exportações; 3º) forte injeção de recursos do exterior que complementaram a poupança interna e permitiram eliminar focos inflacionários, graças a sua capacidade de importar tornada superelástica e 4º) uma elevada taxa de inversão”. O chamado “milagre econômico” indubitavelmente aparelhou e expandiu o parque industrial brasileiro, em particular da região centro-sul do país. A geografia espacial e a demografia sofreram profundos abalos, com a constituição de grandes centros urbanos dotados de pouca infra-estrutura para os milhares de trabalhadores que se deslocaram para esses centros, mas extremamente atraente para o capital, que gozaria de privilégios alfandegários, tributários e de infra-estrutura proporcionados pelo Estado. Dentro dessa perspectiva de crescimento acelerado da economia brasileira, de que forma o estado do Paraná – de tradição agrícola – se comportou? Que segmentos da economia foram privilegiados? Em que medida os centros urbanos do estado sofreram metamorfoses? Quais as medidas tomadas pelo governo estadual (gestão Paulo Pimentel, Jayme Canet Junior, Ney Braga, entre outros) tomaram para tornar o Estado atraente para o investimento? Como o estado viveria nessa dualidade: um setor agrário em expansão, mas insuficiente para a acumulação e um outro, industrializado, mais dinâmico e com grande potencial de acumulação? O processo de industrialização do Estado do Paraná e, por conseguinte de fortalecimento de sua economia veio com duas décadas de atraso em comparação com o Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, somente para citar os mais desenvolvidos no espectro econômico. É sabido que o setor cafeeiro deu sustentação econômica para o desenvolvimento industrial dos estados supracitados, além do mais, por fatores já sobejamente explorados pela literatura especializada, esses estados foram os que mais se beneficiaram pelos programas e planos do governo federal. Com a tomada do poder em 1964 pelos militares procuraram dar uma reordenação nos investimentos, procurando se distanciar economicamente dos países subdesenvolvidos que privilegiavam o setor primário da economia, rumando para um outro patamar que aproximaria o país do mundo capitalista desenvolvido, que era o caminho da industrialização. A tentativa de industrializar o país pela substituição de importação já se esgotara, era necessário buscar outro caminho, mais consistente, longevo, porem de resultados mais rápidos. Optou-se por uma industrialização vinculada ao capital estrangeiro. O resultado dessa aposta aparece de forma surpreendente no qüinqüênio 1968-73, batizado de “milagre econômico”, não só pelos números apontados pelo PIB, como pela rapidez alcançada. No entanto, esse crescimento foi efêmero, mas produziu resultados inegáveis para o setor secundário da economia e com forte reflexo no primário e terciário. O Paraná que já tinha se constituído numa unidade federativa importante teria dado sua contribuição nesse boom econômico? Em que medida isso teria acontecido? Quais setores da economia teriam sido valorizados? Qual o impacto para a urbanização? São questões que precisam ser investigadas a fim de que se possa compreender o processo de industrialização recente do Estado do Paraná. A tomada do poder por parte dos militares em 1964, visava atender as reivindicações de determinados segmentos da sociedade brasileira que temiam que a guinada à esquerda do governo João Goulart trouxesse prejuízo aos seus interesses. Entretanto para os militares o rompimento da ordem constitucional se justificava diante do avanço comunista que estava voltado para a desestruturação da família cristã brasileira avessa às ideologias exóticas que feriam com a quebra da hierarquia, atentava contra os bons costumes e que procurava desviar o povo brasileiro de sua trajetória histórica de boa índole, pacífico e ordeiro. Esse é um semióforo construído pela intelectualidade brasileira dos anos 50, fundamentalmente Gilberto Freyre, como aponta CHAUÍ (2000), e que foi fortalecida na decada de 1960 pelos ideólogos do Regime Militar, particularmente pelo IPES1 e referendado pela Escola Superior de Guerra, que contribuirão para a redação da famigerada Lei de Segurança Nacional2. A fim de buscar a legitimação perante a opinião pública, os governos militares procuraram justificar a tomada do poder a fórceps, implementando um programa econômico que pudesse reverter uma crise que se anunciava desde 1963. No ano seguinte essa crise tornar-se-ia mais aguda, com uma acentuada queda nos investimentos e taxa de crescimento da renda. Além do mais, a inflação crescia de forma assustadora, alcançando no inicio de 1964, mais de 90%. Como assinala GREMAUD (2002), alguns elementos apontavam para a dificuldade política para gerenciar a crise e a queda das taxas de lucro dos capitalistas estrangeiros e nacionais, como fatores preponderantes para o naufrágio do governo de João Goulart, que não tinha como financiar novos investimentos seja pela pouca liquidez interna, seja pela desconfiança dos organismos internacionais em emprestar para um país que se colocava na contra mão dos interesses norte americanos. No espectro estrutural, a crise do populismo, que não mais dá conta de responder as demandas urbanas e nem as do campo, que outrora tinha nas oligarquias, os principais aliados. Tudo isso gerava um impasse administrativo e uma insatisfação quase que generalizada. Vale ainda mencionar que a herança “maldita” do Plano de Metas do governo JK desencadeou uma espiral inflacionária, que o governo de João Goulart não conseguia controlar. Questões importantes da esfera econômica precisavam ser revistas, pois, se deram resultados positivos num dado momento, traziam problemas no longo prazo. Um caso emblemático era a da política de substituição de importação, que ao diminuir gradativamente o coeficiente de importação, gerava uma necessidade de investimentos maciços em tecnologia e em aporte financeiro às empresas. Se não ocorresse uma contrapartida dos órgãos financiadores, do Estado em particular, em dar assistência aos empreendedores provocaria um colapso na economia. Foi o que acabou acontecendo. O governo João Goulart, por mais que prometesse mudanças na base econômica, política e social do país, não conseguia sensibilizar a sociedade como um todo, ainda mais quando se assistia um declínio da produção agrícola que encarecia os alimentos da cesta básica e uma queda substancial na produção de energia, prejudicando Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, fundada em 1961 por empresários paulistas e cariocas. Foi um dos principais catalisadores do pensamento anti Goulart. 2 Não existe uma, mas várias. A ultima é de 1983, entretanto a que estamos nos referindo é a de 1967, que transforma em lei a Doutrina de Segurança Nacional construída pelos militares no auge da Guerra Fria. 1 seriamente a produção industrial que ainda não tinha se consolidado. As manifestações de apoio a institucionalidade não foram suficientes para segurar seu governo que cai no final de março de 1964. Os militares ao tomarem o poder de forma abrupta, mas com apoio de uma parcela nada desprezível da sociedade brasileira (DREYFUS, 1981), procurou de imediato resolver os problemas mais candentes. O Programa de Ação Econômica Governamental (PAEG), objetivava, de forma autoritária resolver o problema. Capitaneado pela dupla, Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, o PAEG tinha duas linhas de atuações: combater a inflação e promover reformas estruturais, associados ao crescimento econômico. A reboque, era necessário atenuar os desequilíbrios regionais (nesse sentido, buscava-se frear o fluxo migratório nordeste-sudeste) e setoriais, além de corrigir o desequilíbrio externo. Acreditava-se que em médio prazo já se poderiam colher os primeiros frutos com a desaceleração da inflação e o aumento gradativo da oferta de emprego. No caso específico do controle inflacionário, o remédio a ser ministrado era amargo, pois, recaiu sobre a população, uma vez que se acreditava que um dos fatores responsáveis pela inflação seria o crescimento demasiado da demanda, daí a necessidade de frear o consumo pela restrição do crédito e de uma política salarial sob o controle do Estado (o governo determinava os reajustes). Uma outra meta do PAEG era a redução imediata dos gastos públicos (reduzir gastos e ampliar receitas), isso implicava também em reajustes nas tarifas públicas. Com o objetivo de revitalizar a economia através da restrição de crédito e de um aperto monetário, iria invariavelmente, elevar as taxas de juros reais, provocando um considerável aumento no passivo das empresas, levando muitas, principalmente as pequenas e médias a falência ou pelo menos a concordata, deixando o mercado mais enxuto. Por esse caminho, observar-se nesse período uma série de fusões e/ou incorporações no mundo empresarial. Somente as grandes empresas sobreviveriam, pois, foram justamente as que gozaram das benesses do Estado. O que se pode notar é que não se efetivou nenhum tratamento de choque antiinflacionário, uma vez que se acreditava ser impossível um crescimento da inflação, no entanto, ela tinha que estar sob controle. Isso de fato ocorreu. Em 1968, a inflação já se encontrava na faixa dos 20% a.a e a produção industrial, nesse mesmo período alcança 14,2 %, um recorde (em 1965 era de – 4,7%). O crescimento do Produto Interno Bruto alcança impressionantes 10% (GREMAUD, 2002: 391). Foi sem dúvida uma recuperação meteórica da economia. Um verdadeiro “milagre” econômico. O PAEG contemplava uma reforma tributária que introduzia a correção monetária no sistema, além da mudança do formato desse sistema que criavam impostos mais abrangentes, bem como redefinia o espaço tributário entre as diversas esferas de governo. A união caberia a arrecadação do Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre os Produtos Industrializados (IPI), os impostos sobre o comércio exterior e o imposto Territorial Rural (ITR); os estados ficariam com o Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICM) e os municípios com o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU). Quanto à arrecadação, surgiram vários fundos parafiscais, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Programa de Integração Social (PIS), que se tornaram importantes fontes de poupança compulsória, direcionada ao setor público (GREMAUD, 2002: 392). Essas medidas internas produziram bons resultados no médio prazo na economia brasileira, mesmo considerando que no aspecto social, tenha provocado uma concentração de renda jamais vista no Brasil. Todavia, essa concentração seria temporária, na ótica de um dos elaboradores do “milagre econômico” brasileiro, o economista Delfim Neto. A estratégia era deixar o “bolo” crescer (a economia) para que num segundo momento reparti-lo com todos os segmentos da sociedade brasileira. O que concretamente ocorreu foi que enquanto o “bolo” crescia a elite brasileira já ia se apropriando de suas fatias. 3.1. O “MILAGRE” BRASILEIRO (1968-1973) Como afirma SINGER (1982), a expressão “milagre econômico”, não é, unicamente, uma referencia a fugidia prosperidade econômica experimentada pelo Brasil no final da década de 1960 até os primeiros anos da década seguinte. A rápida recuperação econômica da Alemanha Ocidental, e do Japão no pós Guerra, também se aplicaria essa expressão. È claro que nos casos citados, houve um suporte financeiro considerável por parte dos Estados Unidos (Plano Marshal), que reativou o aparelho produtivo desses países, que apesar de bastante avariado, ainda possuía uma bem qualificada mão de obra que contribuiu decisivamente para a reconstrução. O Japão é um caso ainda mais emblemático, pois, em virtude de sua mão de obra muito disciplinada e a sua tradicional visão empresarial, procurou atender as demandas dos mercados externos, buscando a especialização industrial que hoje serve de modelo para os países que o derrotou militarmente na guerra. Entretanto, na maioria dos casos, como frisa SINGER (1982), os tão propalados “milagres econômicos”, possuem muito mais um caráter político, propagandístico, do que propriamente econômico. O autor adverte que o objetivo dessas empreitadas é a conquista da opinião pública e o emudecimento de vozes dissonantes. Nesse sentido, mostrar para a sociedade que a economia está saudável e que o país esta crescendo (o PIB com referencia), ainda que o cidadão comum não perceba em seu cotidiano essa mudança, vislumbraria no horizonte uma eventual melhora, com isso o Estado desarma o politicamente e ainda o tem como aliado. O capitalismo, em dados momentos, numa conjunção de fatores – ceteris paribus – apresenta uma aparente prosperidade, com durabilidade variável, mesmo que para um numero restrito de países, acena com a possibilidade de expansão para os demais, se obviamente, seguirem a mesma orientação político-econômica. Essa conjunção de fatores ao alcançar uma condição ótima nos seus fatores de produção, bem como nos seus agentes, caracterizaria uma situação de extremo bem estar social, que em alguns casos poderíamos chamar de milagre, se a situação anterior fosse de crise. Entretanto, para SINGER (1982), para que se caracterize de fato como um milagre é necessário que seja sustentável e longevo. É o caso da Alemanha no pós Guerra (antiga Alemanha Ocidental), que apresentou (e em certa medida ainda apresenta) um grande dinamismo na sua pauta de exportação; um aumento considerável de trabalhadores ocupando postos de trabalho gerado por esse dinamismo econômico; um aumento na produção e nas taxas de produtividade agrega-se a isso uma regular política de qualificação de mão de obra (atualmente uma das mais bem pagas da Europa e com menor jornada de trabalho). O Japão e os denominados Tigres asiáticos trilharam o mesmo caminho, onde o processo produtivo é intensivo em tecnologia. É importante observar que o setor industrial e de serviços incorporaram a mão de obra oriunda do campo que foi quase todo mecanizado. Esse exército industrial de reserva foi qualificado e serviu (e ainda serve) para diminuir a pressão sobre os salários. Destarte, para SINGER (1982) o uso dessa expressão para definir o súbito desenvolvimento brasileiro no final da década de 1960 é inadequado, uma vez que o crescimento econômico não foi acompanhado por um desenvolvimento econômico. Além do mais, foi um crescimento sustentado por altas taxas de inflação, destoando dos países já mencionados. No caso brasileiro, a política salarial não foi determinada pelas forças do mercado, mas pelo controle de um governo autoritário. Para muitos estudiosos, as raízes do “milagre brasileiro” estariam na gestão do Mal. Eurico Dutra, no pós-guerra, quando este implantou uma política antiinflacionária, que provocaria uma forte recessão e teve o repudio popular, custando à derrota eleitoral de seu sucessor. Vargas ao retornar ao poder não rompe com a política econômica de seu antecessor de imediato, entretanto, tencionado pela base eleitoral que o elegeu, afrouxa e promove reajustes salariais incompatíveis com o crescimento econômico. O governo seguinte, JK, assume para si a tarefa de promover um crescimento acelerado, mesmo alimentado por uma crescente inflação, pois, acreditava que num momento posterior, esse crescimento realizado de forma consistente, faria a inflação retroagir. A política de substituição de importação alavancaria a atividade industrial, gerando emprego e renda. O sucesso desse plano (Plano de Metas) somente se realizaria se o Estado se incumbisse de realizar obras de infra-estrutura de envergadura, necessárias ao desenvolvimento do país e para a realização dos investimentos privados. Para os críticos desse período (entre eles os militares) aí residiria à origem do endividamento (e da corrupção) do Estado brasileiro. O governo de Jânio Quadros e depois João Goulart continuariam com essa política populista sem resolver os gargalos da economia. Os militares ao tomarem o poder colocam em prática uma política austera, como já foi demonstrada, entretanto, sinalizavam para um refluxo no médio prazo. No aspecto econômico ela de fato veio. Todavia, é mister lembrar que o crescimento observado no período militar – pelos menos nos dez primeiros anos – foi facilitado pela conjuntura internacional favorável, ou seja, por uma prosperidade ascendente do capitalismo. Foi mérito, de certa forma, dos tecnoburocratas eleitos pelos militares para cuidarem da economia, a perspicácia de estar atento a esse boom, se apresentando aos investimentos internacionais, como uma nação confiável e serena politicamente (daí a repressão às vozes dissonantes) e, internamente, fazer afagos à classe média, que teve seus rendimentos sempre acima da inflação (CHIAVENATTO, 1998: 86). A administração do país nas mãos dos militares inicia-se de forma recessiva no plano econômico e violento no plano político (no governo Castelo Branco as punições ainda serão brandas), contudo, no governo do Mal. Costa e Silva, em 1967, se estabelecem um afrouxamento na política de crédito – (que iria beneficiar a classe média e alta), tirando do estrangulamento a indústria – fundamentalmente a de bens de consumo duráveis – que possuía uma capacidade ociosa que se coadunava com uma demanda reprimida. Ademais, o desemprego crescia vertiginosamente e precisava ser estancado. O aceno para os investidores internacionais produziu efeitos positivos na economia nacional, mas em contra partida resultou em altas taxas de retorno das multinacionais (SINGER, 1982). A taxa de lucro das empresas atingiu índices extremamente animadores, garantidos pelo achatamento salarial da classe trabalhadora. Observar-se-á uma supremacia das grandes empresas, Estatais e estrangeiras, associadas ao capital nacional. Eram justamente essas empresas que se beneficiavam da política de financiamento do governo. Praticamente não havia suporte financeiro por parte da União para as pequenas e médias empresas, que assumiam dívidas em bancos privados a taxas escorchantes. A burguesia nacional também não evoluiu de forma independente, uma vez que, esteve na maioria das vezes a reboque do capital estrangeiro, onde a constituição de parceria foi fundamental para sua sobrevivência e expansão. Em alguns setores ela era de fato, coadjuvante, pois, aqueles que eram intensivos em alta tecnologia eram dominados pelas empresas multinacionais (exemplos: indústria automobilística, indústria química, indústria de componentes eletrônicos, etc). O Brasil acabaria se tornando um mercado oligopolizado. Segundo SINGER (1982: 94), esse modelo de industrialização dependente, não foi suficiente para conduzir o país à vanguarda tecnológica. A política de exportação industrial foi importante, mas efêmera, pois, foi atropelada pela crise do petróleo de 1973 (o barril foi aumentado em 232%). Os países ricos procuraram diminuir suas importações a fim de não serem duramente atingidos pela crise que se avizinhava. Os países pobres, como o Brasil, que dependiam enormemente das exportações para fazer divisas e das importações de bens de capital foi um duro golpe. Dentro da esteira do desenvolvimento, a construção civil recebe vultosos investimentos, como observa CHIAVENATTO (1998: 91), entretanto, somente as grandes construtoras foram beneficiadas. O autor relata que “... as estatísticas revelam o necrológico da indústria nacional: 72% das indústrias de aparelho elétrico eram dominadas por estrangeiros e o mesmo ocorria com 99% da indústria do fumo, 69% de material de transporte, 60% da indústria mecânica, 100% das máquinas para escritório, (...)”. Em suma, ao mesmo tempo em que o parque industrial brasileiro se modernizou e se ampliou, durante a fase do milagre, tornando-se o mais importante da América Latina, observou-se uma progressiva desnacionalização. E equivocadamente privilegiaram-se, fundamentalmente duas regiões brasileiras, o sudeste e o sul, que já possuía uma economia mais desenvolvida em relação às demais, ampliando-se assim o fosso econômico e social no país, construindo aquilo que o economista Edmar Bacha – de forma simplificada – chamou de Belíndia. 3.2. O “MILAGRE ECONÔMICO” NO PARANÁ Em meados da década de 60, a disputa política no Estrado do Paraná estava entre o então governador Ney Braga, que tinha prestígio com os militares e seu exsecretário de agricultura Paulo Pimentel, também simpático aos militares. Ney Braga apóia os militares objetivando estender sua carreira política, além de ter a convicção de que o caminho tomando pelo movimento militar de 1964 era o mais acertado. Apesar de ter em Paulo Pimentel seu afilhado político, não é nele que deposita as esperanças nas eleições de 1965, mas sim num correligionário fiel, Afonso Camargo. As urnas foram ingratas com o bom governo de Ney Braga – considerando as circunstâncias – e escolhe Paulo Pimentel governador (PTN) para o próximo quadriênio. Um outro importante político paranaense, Bento Munhoz da Rocha Neto – ex-governador – também disputou, mas já não tinha mais densidade eleitoral de outrora. Em 1965 o Paraná tinha mais de um milhão de eleitores, boa parte concentrado no norte cafeeiro (52,4%), a maioria simpática à candidatura de Pimentel. É relevante, para analises posteriores, informar que o Paraná tinha um número expressivo de analfabetos. Esse era mais um desafio, entre outros que o governo que assumia teria que resolver ou amenizar. MAGALHÃES (2000), observa que tanto Braga quanto Pimentel, que viria assumir o governo, não estavam vinculados àquela idéia de um Estado exclusivamente agrícola, que no dizer de governos anteriores seria a vocação econômica dessa unidade da federação. Sem negar a importância desse setor na composição da riqueza do estado, todavia, apostaram na industrialização do Paraná, como uma preparação para sua verdadeira emancipação. Para tanto era necessário, “... racionalizar a máquina administrativa e dota-la de mecanismos eficientes, capazes de atender as novas exigências que se apresentam” (MAGALHÃES, 2000: 74). A criação da CODEPAR, em março de 1962, já era sinal dessa nova visão. Essa cooperativa iria administrar o Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado (FED). Os recursos desse fundo viriam de “... empréstimos compulsórios, sobre vendas, consignações e transações diversas, que corresponderiam a 1% das operações, durante cinco anos.” (MAGALHÃES, 2000: 74). A pesquisadora assinala que em 1964 o índice chegaria a 2%. Esses recursos seriam investidos em infra-estrutura e no crédito para a iniciativa privada. Um detalhe que MAGALHÃES aponta é o caráter nacionalista do projeto, uma vez que somente as empresas de capital nacional teriam apoio financeiro em seus projetos. Daí a importância de estabelecer um nexo, um vínculo entre o setor primário e o setor emergente no estado, o secundário. É o nascimento do agronegócio no Paraná. Vários segmentos serão agraciados com essa política, desde a indústria mecânica a indústrias de bens de consumo não durável, em contrapartida deveriam demonstrar comprovada essencialidade para o estado e para o país, para ser incorporada no rol de empresas a serem beneficiadas pelo governo (mais uma vez o caráter nacionalista). Esse grau de essencialidade, por sua vez, era definido pelos técnicos do governo. Os investimentos assumidos pelo estado não se limitariam à materialização de obras, parte dos investimentos seria destinada, a educação e saúde, como componentes importantes no Paraná moderno que se estava construindo. O alinhamento político e ideológico de Ney Braga ao regime militar lhe confeririam prestígio e sedimentaria uma bem sucedida carreira política (mais tarde se tornaria ministro dos militares, depois senador e novamente governador pela via indireta). Paulo Pimentel, apesar de se tornar seu adversário político, não se tornara seu inimigo, pois, o político do PTN sabia da força de seu ex-correligionário, bem como da influência que tinha no governo federal, além do mais, apostava em investimento da União no estado. Era um homem também afinado com a política dos militares. Era oportuna a aproximação com os militares e vice-versa, pois, toda a política regional deveria estar em consonância com o que determinava o I e II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), por sua vez, o governo federal necessitava do respaldo dos governadores para por em prática os projetos desses planos. Por isso, como registra MAGALHÃES (2000: 81), “... o perfil do político deveria ser o que mais se aproximasse da figura do administrador, do planejador, em suma do técnico”. Era nesse campo que o governante deveria se legitimar. MAGALHÃES (2000: 81), emenda, “Os defensores da tecnocracia partem da suposição que a eficiência do Estado é determinada por critérios científicos e, não pela vontade política da sociedade civil. Nesse sentido, a política de planejamento técnico estabelece um divorcio entre a população e o governo, pois rompe com o principio de cidadania, transformando a população em mera cliente do Estado”. É importante notar que o Paraná nas décadas de 60 e 70, ainda é predominantemente rural, onde menos de 40% da população vivia nos centros urbanos. Nas décadas seguintes, com o advento da chamada modernização da agricultura paranaense (forte mecanização, com a prática da agricultura intensiva), tornando-se poucos anos um pólo produtor de grãos que atenderia não somente o mercado interno, mas principalmente o mercado externo. Quem de fato se beneficiaria com essa política de transformação do estado em “celeiro” do país é o grande empresário rural, que por sua vez fortaleceria a expansão do latifúndio, que traria a reboque os conflitos no campo e o êxodo rural. Essa população migrante iria engrossar a fileira do desemprego desqualificado dos grandes centros urbanos do estado. Parte dessa coorte seria incorporada na atividade industrial que exigia pouca qualificação ou em atividades de suporte àquelas mais qualificadas. A criação do Banco de Desenvolvimento do Paraná (BADEP), em 1962 e a entrada de capital estrangeiro no Paraná, darão um enorme impulso no processo de industrialização do estado. É dessa época a implantação da Refinaria Getulio Vargas da Petrobrás, em Araucária. Nesse período o estado iria assistir a entrada de importantes multinacionais em seu território, como a SANBRA, SADIA, VOLVO, NEW HOLLAND, PHILLIPS MORRIS, dentre outras. Esse avanço tecnológico e, por conseguinte econômico do estado, trouxe pouco reflexo na área social, uma vez que os números de submoradias se multiplicaram nos importantes centros urbanos do estado. Observou-se uma reprodução daquilo que já ocorria no país: concentração de renda e crescimento da pobreza. 4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA. 1. CHIAVENATO, José Julio. O golpe de 1964 e a ditadura Militar. São Paulo: Moderna, 1998. 2. DREYFUS, R. Armand. 1964: A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. 3. GREMAUD. A . Patrick & outros. Economia Brasileira Contemporânea. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. 4. IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. 5ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. 5. MACIEL, Luis Carlos. Anos 60. Porto Alegre: LP&M, 1987. 6. MAGALHÃES, Marion Brepohl. Paraná: Política e governo. Curitiba: SEED, 2001. 7. MENDONÇA, Sonia Regina. Estado e economia no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986. 8. OLIVEIRA, Denison. Urbanização e industrialização no Paraná. Curitiba: SEED, 2001. 9. OLIVEIRA, Ricardo Costa (org.). A construção do Paraná Moderno: Políticos e Política no Paraná de 1930 até 1980. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2004. 10. SINGER, Paul. A crise do “milagre”. 7ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 11. VENTURA, Zuenir. 1968 – O ano que não terminou. 17ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.