As armas da ciência frente às mudanças climáticas na agricultura

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8/19/2009
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P E S Q U I S A
As armas da ciência frente às
mudanças climáticas na agricultura
por Fabio Reynol
A maior empresa produtora de maçãs
do Brasil anunciou que está levando seus
pomares serra acima. As plantações, que
hoje ocupam o oeste catarinense, vão
migrar para São Joaquim, na região serrana do estado. O motivo são os invernos
cada vez mais quentes. Entre 1960 e 2009,
a Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri)
registrou um aumento de 1,3º C na média
mensal de janeiro. A migração das maçãs
é somente um exemplo de como as
mudanças climáticas já estão afetando
a agricultura brasileira, e as projeções
indicam impactos cada vez maiores. No
caso da soja, por exemplo, a estimativa
é que, até 2050, as melhores áreas para
o plantio no país sejam reduzidas em
quase 30%, o que representaria um prejuízo de R$ 5,47 bilhões.
O cenário se desenha diante da possibilidade de a temperatura média do planeta subir por volta de 1º C até o fim deste século, conforme prevêem os relatórios mais otimistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Essas estimativas foram feitas por equipes da Unidade de Informática Agropecuária da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) e do Centro de
Pesquisas Meteorológicas e Climáticas
(Cepagri) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Diante de tal horizonte preocupante, a pesquisa agrícola
brasileira tem intensificado seus esforços em torno do problema.
O AUMENTO DA TEMPERATURA
PODE AFETAR ALGUMAS
CULTURAS MAIS DO QUE
OUTRAS; INSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS BUSCAM
SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA
As mudanças climáticas foram inseridas pela Embrapa em seu Macroprograma 1 de pesquisas intitulado “Grandes
Desafios Nacionais na Agricultura.” A
plataforma de pesquisas que trata do
tema é dividida em quatro pontos: cenários futuros, pragas e doenças, sistema
produtivo e adaptação genética. Uma boa
notícia é que o Brasil não parte do zero
nessa luta para adaptar a produção agrícola aos novos climas.
Traçar cenários futuros consolidouse, na década de 1990, como atividade
destinada a avaliar riscos para instituições financeiras estatais na concessão
de créditos e seguros agrícolas. Para isso,
o Ministério da Agricultura encomendou à Embrapa um mapeamento de riscos para plantações. O resultado foi o
Sistema de Monitoramento Agrometeorológico, ou Agritempo. Disponível ao
público pela internet, ele informa as áreas
e o período do ano de maior e menor risco para plantar diversas espécies, considerando cada microrregião dentro dos
estados. Agora, esse detalhamento serve
também na previsão de cenários provo44
cados pelas mudanças climáticas.
“Adotamos o mesmo modelo de zoneamento com os cenários do IPCC, o que é
bem mais eficiente do que usar um prognóstico homogêneo para todo o Brasil”,
informa Giampaolo Queiroz Pellegrino,
coordenador do grupo de Simulação de
Cenários Agrícolas Futuros (SCAF) da
Embrapa Informática Agropecuária.
Um sistema similar ao Agritempo
envolvendo as mudanças climáticas mundiais já existe e está sendo aperfeiçoado
pela equipe de Pellegrino. A ideia é aumentar o número de culturas analisadas e de
modelos matemáticos a serem aplicados,
para maior alcance e precisão das projeções. Os próprios modelos sofrem aperfeiçoamento, se antes só eram considerados o aumento de temperatura e o déficit hídrico, agora outras variáveis também entram na equação, como a incidência de pragas e doenças, o aumento da frequência de eventos extremos (geada, enchentes, granizo, secas, etc), entre outras.
CONTROLE FITOSSANITÁRIO
“Mudar o clima também significa que
as lavouras poderão ser submetidas a
novas pragas, doenças e plantas daninhas, só para citar alguns exemplos”,
explica Emília Hamada, da Embrapa Meio
Ambiente. A pesquisadora coordena um
grupo que analisa a mudança climática
sobre a distribuição geográfica e temporal de pragas e doenças nas plantações. A equipe de Emília é parte do pro-
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Claudio Bezerra
Câmara fria
onde a Embrapa
mantém seu
banco de
germoplasma
jeto Climapest – Impacto das Mudanças
Climáticas Globais sobre Problemas
Fitossanitários – da Embrapa. O estudo
engloba projetos que avaliam consequências do aumento de dióxido de carbono na atmosfera, da radiação ultravioleta e da temperatura sobre a ocorrência de doenças, pragas e plantas invasoras. O Climapest envolve não somente plantações agrícolas, mas também
espécies forrageiras e florestais.
Os trabalhos de aprimoramento genético feitos há quase meio século em instituições como Embrapa e Instituto
Agronônico de Campinas (IAC) não só
aumentaram a produtividade de muitas
espécies como ampliaram o período de
cultivo e estenderam as fronteiras agrícolas. O IAC desenvolveu espécies de
cana-de-açúcar aptas para o clima do cerrado brasileiro, que são plantadas em
Goiás e na Bahia. A Embrapa levou a soja,
planta típica de países temperados, a se
desenvolver no clima do Centro-Oeste
brasileiro. Esse conhecimento está sendo aplicado para que as plantas resistam
a grandes mudanças ambientais.
Trata-se de um trabalho que exige
tempo e paciência. Sucessivos cruzamentos são feitos tentando reproduzir
descendentes com as qualidades desejadas presentes nos genitores. Desenvol-
ver um indivíduo resistente ao estresse
hídrico e a pragas, por exemplo, não significa que ele será tão produtivo quanto
as espécies atuais. O ciclo de vida da planta influi no tempo dos resultados. “Fazer
melhoramento genético de uma espécie
arbórea que leva 12 anos para ficar adulta pode consumir a vida inteira de um
pesquisador”, ressalta Maurício Lopes, da
unidade de Recursos Genéticos e
Biotecnologia da Embrapa. Plantas como
soja, por sua vez, podem ter uma espécie
nova desenvolvida num espaço de sete
anos. O principal recurso para esse tipo
de pesquisa é uma ampla fonte de material genético, explica Lopes. “É importante manter um banco de germoplasma o mais diversificado possível”, acrescenta. Quanto maior a variabilidade, mais
caracteres podem ser trabalhados e maiores as chances de sucesso. Os avanços da
genômica também contribuem para contornar os desafios climáticos. “Não se
trata somente de transferir genes de um
organismo para outro (os famosos transgênicos); sequenciar e entender o genoma de espécies já é uma ferramenta
importante nesse trabalho”, diz Lopes.
SOLUÇÕES SIMPLES
Tecnologias simples e baratas também são armas para mitigar o calor cres45
cente na agricultura. Pesquisadores do
Instituto Agronômico de Campinas (IAC)
estão difundindo a técnica de plantio
arborizado de café. Com árvores sombreando os cafezais, a planta fica mais próxima ao microclima de seu habitat original. A técnica chega a baixar cerca de
2ºC a temperatura média e ainda protege a planta do vento. O adensamento de
plantio é outra técnica preconizada.
Quando as plantas estão mais próximas,
cada uma produz menos, mas o rendimento por hectare é maior. Além disso,
o número de folhas aumenta, amenizando
a temperatura no interior da planta. O
manejo do mato e a irrigação adequada
são outras técnicas de mitigação do calor
que a maioria dos cafezais brasileiros
ainda não adota. O IAC também desenvolve melhoramento genético no café,
tentando transferir para a espécie arábica a resistência a pragas e ao calor presente na espécie robusta.
Para o agrônomo Luiz Carlos Fazuolli,
diretor do Centro de Café Alcides Carvalho,
do IAC, as ameaças de mudanças climáticas na cultura do café não devem ter
grande impacto. Segundo ele, a faixa ideal
de temperatura para o café arábica é de
18ºC a 23ºC e a grande parte das plantações no Brasil está na faixa dos 19ºC: “se
a temperatura média aumentar 2ºC, o
que já é muito, o café ainda estará dentro dessa amplitude”. Inclusive, diz
Fazuolli, o IAC vem acompanhando cafezais arábica com boa produtividade em
temperaturas médias de 24ºC. Trata-se
de uma ótima notícia, uma vez que, ao
contrário da maçã catarinense, as mudas
de café não teriam para onde fugir do
aquecimento. “É um equívoco pensar que
o café pode migrar para o sul”, afirma o
climatologista Marcelo Bento Paes de
Camargo, também do IAC. “O inverno
úmido daquela região é impróprio para
o cultivo, por isso o café desce no máximo até o norte do Paraná, onde ele já está
hoje.”
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