ANÁLISE DOS ELEMENTOS DA NARRATIVA EM “SHAKESPEARE NÃO SERVE DE ÁLIBI: CRIME NA BELLE-ÉPOQUE CARIOCA” ¹ ROSS, Huanna Sperb²; SILVEIRA, Louise da²; FARIAS, Vera Elizabeth Prola³ Iniciação científica ¹ Curso de Letras, Centro Universitário Franciscano - UNIFRA ² Bolsista do Projeto PROBIC Perspectivas Literárias: Geografia, História e Ficção/ Acadêmica do curso de Letras do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA [email protected] ² Colaboradora do Projeto PROBIC Perspectivas Literárias: Geografia, História e Ficção/ Acadêmica do curso de Letras do Centro Universitário FranciscanoUNIFRA [email protected] ³ Profª. Dr. do curso de Letras do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA [email protected] RESUMO Esse artigo é um recorte do Projeto PROBIC Perspectivas Literárias: Geografia, História e Ficção, em desenvolvimento no Centro Universitário Franciscano. Objetiva-se, portanto, fazer uma análise da narrativa Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca, autoria de Licínio Rios, bem como os elementos da narrativa presentes nesse romance, tais como: enredo, personagens, tempo, espaço e narrador. Palavras-chave: análise; narrativa; elementos da narrativa INTRODUÇÃO Esta proposta investigativa organiza-se, sob o ponto de vista teórico-metodológico, como aprofundamento das pesquisas que vêm sendo realizadas pelo Grupo de Pesquisa Estudos Literários, do Centro Universitário Franciscano, nos últimos anos. Neste sentido constitui-se como continuidade da proposta desenvolvida em 2011, entendendo-se a necessidade de continuidade e aprofundamento. Às categorias analisadas, Geografia, História e Ficção entrecruzam-se, nesse sentido, entende-se esse entrecruzamento como um topos de grande relevância para o debate relacionado às múltiplas questões que envolvem a linguagem e por instigar reflexões sobre a formação e determinação histórica dos sujeitos e suas representações linguístico-ficcionais. DESENVOLVIMENTO A História e a Literatura, perpassadas pela Geografia, partilham do mesmo intento: a decifração do real. O romance, dentro dessa perspectiva, é um espaço fecundo e ilustrativo onde se identifica a verossimilhança, através de uma realidade portadora de uma aparência ou de uma probabilidade de verdade, na relação ambígua que se estabelece entre imagem e ideia. O gênero romance, segundo Cândida Vilares Gancho (1991) É uma narrativa longa, que envolve um número considerável de personagens (em relação à novela e ao conto), maior número conflitos, tempo e espaço mais dilatados. [...] Podemos classificar o romance quanto a sua temática. Os tipos mais conhecidos são de amor, de aventura, policial, ficção cientifica, psicológico, pornográfico etc. (GANCHO, 1991, p. 7) Portanto, a narrativa de Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca traz na tessitura do texto, uma temática policial. A trama, repleta de conflitos, crimes passionais, sexo, traições e jogos de poder, um retrato da sociedade aristocrata do século XIX. Outra característica de grande necessidade para a narrativa são os personagens, isto é, os seres que praticam a ação, sendo, portanto, responsáveis pelo desenrolar da história, sejam eles humanos, animais ou coisas. O personagem é um ser que pertence à história e que, portanto, só existe como tal se participa efetivamente do enredo, isto é, se age ou fala. Se um determinado ser é mencionado na história por outros personagens mas nada faz direta ou indiretamente, ou não interfere de modo algum no enredo, pode-se não o considerar personagem. (GANCHO, 1991, p.14) O personagem principal, também chamado de protagonista, pode ser o herói ou o anti-herói, levando-se em conta seu desempenho no enredo. Em contrapartida, há os personagens antagonistas, classificados muitas vezes como os “vilões” da história, por apresentarem características opostas às dos protagonistas. Jofre Amat, escritor-historiador e psico-detetive, é o anti-herói, já que no final do romance é visível seu conflito com suas duas personalidades, tendo uma delas o instigado a cometer terríveis atrocidades, ainda que fora de seu controle. Já Danton Pompéia é o antagonista por ter características opostas as de Amat, apesar de essas serem de aspecto positivo, tornando-o um personagem de bom caráter. Os demais personagens, os quais dispõem de menos espaço na narrativa e, portanto, menos importantes, são os secundários, como é o caso de Nieta, Fernando Amat, Honorina, entre outros. No romance em questão, todos os personagens, sejam eles protagonistas, antagonistas ou secundários, são, quanto as suas caracterização, redondos, já que são seres muito complexos, pois apresentam inúmeras características, sendo elas morais, físicas, psicológicas, sociais e ideológicas, como no trecho a seguir Geraldo Trinta era um negro descomunal. Tinha também uma postura ereta de rei africano. Os dois incisivos superiores tinham sido recapados a ouro. Faiscavam quando a boca de lábios grossos como toucinho gordo sorria. Usava bigode fino, bem-amparado, como passe-partout de ébano sobre o quadro da boca. Uma orelha era pequena como de criança. A outra faltavalhe. Olhos pequeninos, maldosos, não paravam de mover-se dentro das órbitas como se sondassem inimigos invisíveis. O nariz, além da forma chata comum à raça, deveria ter sido mais aplainado a socos, notável pelo forte desvio do septo quebrado. (RIOS, 1998, p. 187) Além dos seres ativos do romance, outro fator de suma importância, com o intuito de nos situar na história, é o tempo, o qual remete a uma época, que serve como pano de fundo para o enredo. É necessário que o narrador situe seus leitores quanto à duração da narrativa, podendo essa ser curta ou longa. O texto de Licínio Rios, que se passa durante alguns meses, retrata os tempos da República Velha, século XIX, período compreendido entre os anos de 1889 e 1930. É notório o tempo não cronológico, pois as ações transcorrem de forma não linear, ou seja, alterando a ordem natural dos acontecimentos, já que Jofre Amat recorre ao tempo passado para levantar fatos. No trecho a seguir, é possível perceber a passagem do tempo Passava de dois meses que Danton Pompéia tinha sido preso rispidamente em seu quarto franciscano do Hotel Giorelli, acusado dos assassinatos de lady Lavinia Parsons e do marechal Ascânio de Alencar Padilha. (RIOS, 1998, p.199) O lugar onde se passa a ação de uma narrativa é denominado “espaço”. O espaço tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles uma interação, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo eventuais transformações provocadas pelos personagens. (GANCHO, 1991, p.23) Em “Shakespeare não serve de álibi”, o espaço é representado através de lugares abertos, como jardins, ou abertos como palacetes, bares e hotéis, porém totalmente em área urbana, no caso o Rio de Janeiro. O termo espaço, de um modo geral, só dá conta do lugar físico onde ocorrem os fatos da história; para designar um “lugar” psicológico, social, econômico etc., empregamos o termo ambiente. (GANCHO, 1991, p.23) A partir desses conceitos, o ambiente é exposto de uma forma muito clara no momento em que Jofre Amat exterioriza seu segredo de que possui dupla personalidade, uma boa e uma ruim. - Acho que já basta mesmo, Danton! – disse Amat, sério e empertigado – Sempre quis o melhor para Lavinia, Anita, meus filhos... Mas só que existe algo monstruoso dentro de mim. É uma guerra injusta. O Mal está sempre à frente, não tenho como alcançá-lo, nunca! Isso deixou-me só, horrivelmente só! Não pense que não estou pagando por meus pecados. Meu cárcere é meu próprio corpo, você é capaz de entender? [...] – Sou Joabert e Jabulon numa só pessoa. Aquele que procura e aquele que é o assassino. Ironia, não, Danton? Gostaria muito de meter uma bala na boca. Mas seria uma saída fácil, cômoda. A morte é descanso. Não posso descansar. Sinto. Daria tudo para ter outra pessoa no seu lugar. Juro! - Por que não você, Jofre? – gritou Danton, desesperado. – Você e seu duplo. Encarcere seu duplo, pelo amor de Deus! Você sabe que vai matar de novo, de novo, num ciclo sem fim. Nem sabe quanta gente matou, droga! (RIOS, 1998, p.212) Por fim, no que tange análise dos elementos narrativos, tem-se o narrador, papel extremamente indispensável, uma vez que não existe narrativa sem narrador. O narrador do romance a ser analisado retrata cenas e acontecimentos que ele apenas enxergou, ou seja, ele está fora dos fatos contados, característica do narrador em terceira pessoa. Além disso, suas colocações tendem a serem contadas de maneira imparcial, não transpondo para a sua narração seu ponto de vista a cerca dos acontecimentos expostos, como no excerto Sem aviso, ele saltou qual leopardo da poltrona ao récamier. Lavinia Parsons não pôde gritar porque a mão dele cortou-lhe o ar, sufocando-a, até que a lâmina começasse a abrir caminho na garganta dela. O corte foi preciso, cirúrgico, de orelha a orelha. Como faca na manteiga, o instrumento foi separando em dois todos os tecidos que encontrava, numa incisão terrível, pouco acima do camafeu de ouro e lápis-lazúli que lady Parsons usava. Era o predileto dela. (RIOS, 1998, p.41) De acordo com GANCHO (1991), os personagens redondos são seres sujeitos a modificações no decorrer da narrativa, o que fica claramente retratado através do psicodetetive Jofre Amat que, por ser escritor e historiador conhecedor da cidade carioca, é chamado por ser sogro para desvendar um assassinato. Inicialmente, Amat aparenta ser um sujeito tranquilo, sensato, muito disposto a encontrar o assassino. Porém, é no final do romance, que pode se perceber a brusca mudança do escritor, através das suas revelações, visto que ele se declara o assassino de vários crimes presentes na narrativa, sem nenhum remorso, se tornando frio e calculista. [...] Você comprou aquele assassino de mentira que invadiu sua casa. Li nos jornais. E depois o recompensou com alguns tiros. Estou realmente muito curioso a respeito dos argumentos que usou para atraí-lo. - Ah, sim, prometi uma aventura homossexual com excelente paga em compensação! – gabou-se Amat, com orgulho. – Pedi que entrasse com discrição pela janela que deixei aberta. É impressionante o que as pessoas fazem por dinheiro. Veja só, o braço direito de Geraldo Trinta disposto a tomar na bunda por uns trocados! Quem diria! - Engano seu, Jofre! Se você não tivesse fuzilado o capoeira sem vacilo, ele ia dar cabo de você. Soldados de Geraldo Trinta não tomam na bunda, sabia? Não por dinheiro. - Sou precavido, Danton. A idéia era mesmo fuzilar o malandro. Sem piscar. (RIOS, 1998, p.208) Conclui-se, que os elementos narrativos, são fundamentais para a compreensão do texto literário, sobretudo o romance, categoria aqui analisada. Esse gênero, conhecido na atualidade, tem a ordem cronológica desfeita: passado, presente e futuro são fundidos. Portanto o romance Shapkespeare não serve de álibi, é, sem sobra de dúvidas, do ponto de vista literário, um romance atemporal e intrigante. REFERÊNCIAS RIOS, Licínios. Shakespeare não serve de álibi: Crime na Belle-Époque Carioca. São Paulo: Ed. 34, 1998. GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ed. Ática, 1991.