ARTIGO ORIGINAL Valeska Delgado Viaro1 Kalina Vanderlei da Silva2 39 Qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer – uma abordagem qualitativa e interdisciplinar Quality of life of the survivor adolescents of cancer – a qualitative and multidisciplinary approach > RESUMO Objetivo: Analisar a qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer atendidos em um hospital na Cidade de Recife. Métodos: Estudo do tipo exploratório e descritivo com abordagem qualitativa e interdisciplinar, utilizando a História Oral como estratégia metodológica. A coleta de dados foi realizada no Hospital Universitário Oswaldo Cruz na Cidade do RecifePE com 12 adolescentes atendidos no ambulatório de curados na oncologia, através de um formulário de dados sócioeconômico-demográfico, além de uma entrevista em História Oral contendo uma questão norteadora. As informações do formulário foram submetidas a uma análise quantitativa descritiva, e as da entrevista a uma análise de discurso. Resultados: A qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer estava influenciada por diversas questões, entre elas, aspectos físicos, sociais ou psicológicos. Dentre os pontos identificados neste estudo que permitiram uma interferência na qualidade de vida dos adolescentes, estava presente o preconceito e as sequelas do tratamento. Conclusão: O tratamento do câncer bem como a própria doença promoveram diversas consequências para estes adolescentes, influenciando a qualidade de vida destes sujeitos. Os aspectos apontados no decorrer do estudo envolveram principalmente as questões sócio-econômicaculturais devido ao estigma proveniente desta doença em nossa sociedade, mesmo após a remissão da doença. > PALAVRAS-CHAVE Qualidade de vida, adolescente, sobreviventes, oncologia, criança, interdisciplinar. > ABSTRACT Objective: To analyze the quality of life among adolescent cancer survivors treated at a hospital in Recife. Methods: Exploratory descriptive study, with a multidisciplinary qualitative approach, using the personal medical histories recounted by these patients as a methodological strategy. Information was collected at the Oswaldo Cruz University Hospital in Recife, Northeast Brazil, through social, economic and demographic datasheets completed by twelve adolescents treated at the oncology out-patient clinic, in addition to oral history interviews with a leading question. The information on these forms underwent descriptive quantitative analysis, with discourse analysis for the interviews. Results: The quality of life among cancer survivors is affected by several aspects, including physical, social or psychological factors. The points identified in this study that intervened in the quality of life of these adolescents include prejudice and the sequelae of cancer treatments. Conclusion: Cancer and its treatment have many consequences for these adolescents, influencing their quality of life. The aspects noted during the study were related mainly to social, economic and cultural issues, due to the stigma of this disease in our society, even after remission. > KEY WORDS Quality of life, adolescent, survivors, oncology, children, multidisciplinary. 1 Mestrado - Enfermeira. Hospital Universitário Oswaldo Cruz (UPE), Recife, PE, Brasil. Doutorado - Professora do Curso de História de Nazaré na Mata Hospital Universitário Oswaldo Cruz (UPE) e do Mestrado de Hebiatria (UPE), Recife, PE, Brasil. 2 Valeska Delgado Viaro ([email protected]) - Av. José Bonifácio, 1356, Torre - Recife, PE, Brasil. CEP: 50710-001 Recebido em 30/09/2011 - Aprovado em 09/01/2012 Adolescência & Saúde Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 40 QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR > INTRODUÇÃO As crianças e adolescentes portadoras de câncer vivenciam diversas situações de sofrimento, principalmente durante o processo de hospitalização, ocasião em que se separam de seu meio social para se submeterem a procedimentos diagnósticos e terapêuticos que, geralmente, consistem em medidas agressivas, dolorosas e invasivas1. Apesar de ser pouco significativa se comparada ao câncer adulto, esta doença em países desenvolvidos é a segunda causa de óbito entre zero e 14 anos, atrás apenas dos acidentes2. Quanto à taxa de sobrevida de crianças/ adolescentes com câncer, este número aumentou de forma considerável em todo o mundo, de modo que a maioria destes pacientes hoje é curada3. Este crescimento significativo do número de sobreviventes, resultado do surgimento de novos tratamentos, medicamentos de última geração e intervenções mais precisas cada vez mais disponíveis, possibilitou um aumento no tempo de vida desses pacientes, o que demanda de todos uma preocupação urgente e contínua com a qualidade de vida4. Tal apreensão ainda se tornou de maior relevância, não apenas pelo aumento da taxa de sobrevida destes pacientes, mas em especial, conforme relatado por Schwartz5 (1999) e Friedman e Meadows6 (2002), devido aos efeitos orgânicos adversos da terapia, além das dificuldades emocionais e de adaptação social, e do risco de recidiva. Portanto, é preciso focar a qualidade da sobrevida dos pacientes que se sobrepõem à barreira da morte e que geralmente levam consigo graves sequelas7. Diante do exposto, apesar da qualidade de vida possuir estes fatores multidimensionais8, é raro na literatura científica uma referência desta temática em uma abordagem transdisciplinar e qualitativa, permitindo o entendimento das relações sociais e percepções do adolescente. Surge então a importância da inclusão e integração de outras áreas do conhecimento em estudos de qualidade de vida como a ciência da saúde Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 Viaro e Silva e humanas, promovendo abordagens inovadoras para a compreensão do mundo vivido destes adolescentes curados de câncer. Portanto, o objetivo deste estudo é analisar a qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer em um Hospital Universitário do Estado de Pernambuco que é referência em acompanhamento de curados do câncer nesta região e para outros Estados do Nordeste, a partir de uma abordagem interdisciplinar e qualitativa, com estratégia metodológica em História Oral. MÉTODOS > Para responder ao objetivo proposto nesta pesquisa, utilizamos um estudo do tipo exploratório e descritivo com abordagem qualitativa, sendo a História Oral a estratégia metodológica adotada. Assim, a partir de um contexto multidisciplinar, buscamos analisar a qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer através de uma interação das Ciências Humanas com a Saúde. A História Oral foi utilizada como método para a coleta de dados, permitindo, conforme relatado por Meihy9 (2007), uma maior flexibilidade entre o pesquisador e os participantes, além de ter sido um importante instrumento para a construção da memória dos adolescentes ao relatarem as experiências no período de acometimento do câncer. O estudo foi realizado na Cidade do Recife no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC)/ Universidade de Pernambuco (UPE). A coleta dos dados aconteceu no Ambulatório da Oncologia, no Programa de Atendimento aos Curados, o qual é referência no Estado de Pernambuco, bem como para alguns estados vizinhos. Os participantes da pesquisa foram os adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos de idade (completados até o dia da coleta) atendidos no referido Programa, identificados pela letra S que representa a palavra sujeito, onde o número de indivíduos pesquisados foi determinado pelo critério de saturação, seguindo os seguin- Adolescência & Saúde Viaro e Silva QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR tes critérios: Critérios de inclusão - Adolescentes de 10 a 19 anos inscritos no Programa do PAC, aceite livre do adolescente em participar da pesquisa, autorização do responsável ou do próprio participante, conforme maior idade do sujeito, para a participação do adolescente na pesquisa, permissão dos responsáveis para que a coleta de dados seja realizada sem a presença dos mesmos a fim de evitar a timidez do participante, e participar apenas uma vez da pesquisa, independentemente do número de consultas; Critérios de exclusão - Pacientes que apresentarem recaídas, ou seja, possíveis sintomatologias referentes ao câncer durante o período do estudo (nestes casos, o paciente não será considerado curado), impossibilidade de participar do estudo devido a alguma dificuldade quanto às condições físicas, cognitivas ou psicológicas. As condições cognitivas foram identificadas como um critério de exclusão através da percepção do pesquisador de uma dificuldade de compreensão por parte do participante ou do entrevistador. Os instrumentos foram um formulário de dados sócio-econômico-demográficos e uma entrevista com uma questão norteadora (fale sobre a sua vida após a cura do câncer) construída a partir da metodologia de História Oral defendida por Meihy9 (2007) e Montenegro10 (2007), associada à observação não participante. Vale ressaltar que erro comum é a confusão entre História Oral e entrevistas convencionais: as entrevistas são diálogos efetuados para abordar temas ou argumentos nebulosos ou informativos e seu alcance muitas vezes se esgota nisso, enquanto a História Oral é um processo de registro de experiências que visa o entendimento de determinada situação na vivência social e que analisa problemas e fenômenos sociais9. O fio condutor da nossa entrevista foi composto por quatro aspectos - físico, psicológico, de relações sociais e de meio ambiente – baseados nos quatro domínios do WHOQOLbref, instrumento de aferição da qualidade de vida elaborado pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (OMS)11. Estes domínios representam aspectos que, conforme a OMS, estão diretamente relacionados à qualidade de vida. Assim, organizamos a fala dos entrevistados de acordo com as categorias pré-estabelecidas (os domínios) e com temas estabelecidos após a transcrição. Estes foram se relacionando às categorias conforme a construção dos domínios e facetas do instrumento de qualidade de vida WHOQOL-bref. Após a gravação das entrevistas, a prática da História Oral exige que o material coletado passe pelo seguinte processo: transcrição, passagem literal do oral para o escrito; textualização, transliteração da fala do colaborador, incluindo a fala do entrevistado num processo dialógico e textual; e transcriação, a “teatralização do discurso”, que permite observação de emoções, ironias e silêncios12. Para a análise do material coletado pelo formulário sócio-econômico-demográfico, empregou-se uma análise quantitativa descritiva, enquanto que para a entrevista foi utilizada a análise de discurso. Este tipo de análise possibilita a interpretação da fala livre dos entrevistados devido à flexibilidade proveniente deste instrumento. Orlandi13 (2007) define o papel da análise de discurso como um trabalho da relação língua-discurso-ideologia. No caso da análise da qualidade de vida (QV) dos adolescentes já curados, a análise de discurso se tornou essencial ao permitir a observação de sentimentos na fala dos entrevistados: preconceitos e sentimentos de negação provenientes do estigma da doença, por exemplo, que são definidos como o não dito nas entrevistas. Adolescência & Saúde RESULTADOS E DISCUSSÃO 41 > Nesse estudo foram abordados 26 adolescentes curados de câncer, sendo que 10 se recusaram a participar da pesquisa e 4 foram excluídos de acordo com os critérios definidos, finalizando a amostra do estudo em 12 adolescentes. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 42 QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR Viaro e Silva Dentre estes 12 adolescentes entrevistados, não houve predomínio quanto ao sexo, pois 50% dos participantes eram do sexo masculino e 50% do sexo feminino, apesar de Parkin et al. apud Braga14 (2002) relatarem que, nesta faixa etária, geralmente as taxas de incidência para o sexo feminino são menores do que as encontradas para o sexo masculino. Em relação à faixa etária, 25% dos adolescentes se encontravam entre 10-14 anos, enquanto os demais estavam entre 15 a 19 anos. Em relação ao local de moradia, a maioria era do interior dos estados e apenas 25%, da região metropolitana. O ensino fundamental incompleto foi o nível de escolaridade referido pela maioria dos entrevistados, representando 66,66%, e 25% participantes abandonaram a escola. No que diz respeito à renda familiar, 58,33% desta amostra correspondeu à faixa de até um salário mínimo (R$ 510,00). A análise desta característica revelou uma situação econômica desfavorável dos entrevistados pesquisados. Este perfil deve-se ao fato de a coleta de dados ter sido realizada em uma instituição conveniada com o SUS (Sistema Único de Saúde), onde a maioria dos pacientes possuem baixa renda. Quanto à qualidade de vida, a partir dos quatro domínios do WHOQOL-bref (físicos, psicológicos, de relações sociais e de meio ambiente) utilizados como categorias pré-estabelecidas emergiram diversos temas, os quais apontaram os aspectos que interferiram na QV do adolescente curado de câncer. Os temas foram identificados após a transcrição das entrevistas, sendo distribuídos conforme os domínios do instrumento do WHOQOL-bref. Os aspectos (domínios), juntos ou isoladamente, interferiram na qualidade de vida do adolescente curado de câncer. Abaixo abordamos alguns dos mais relevantes: rélio, enquanto sequela está associada a complicações mais ou menos tardias de uma doença. No adolescente, não é raro um número significante deste grupo com estas limitações e sequelas após a cura da doença. 1. DOMÍNIO FÍSICO – LIMITAÇÕES E SEQUELAS A palavra limitação está relacionada a restrições, conforme relatado no dicionário do AuAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 “Assim, depois da cirurgia, se eu pular muito, se eu correr, eu sinto dor na barriga, e o cansaço. Eu não me senti mais como eu me sentia antes. Antes eu corria, pulava, brincava e depois da cirurgia eu fiquei mais fraca. [...] Isso, porque se aparece [a cicatriz] as pessoas perguntam o que é, aí a pessoa tem que perguntar tudo” (S14). Esta fala de S14 demonstra que as limitações e reações provocadas pelo câncer e seu tratamento se tornam marcas da doença que perduram por um longo tempo na vida do adolescente, interferindo em seu modo de viver e consequentemente na sua qualidade de vida. Pinto15 (2007) corrobora com Ortiz16 (2007) e Bessa17 (2000) que as cicatrizes, amputações, veias esclerosadas, ou uma alopécia permanente perpetuam memórias da doença e tratamentos, conforme aconteceu com S3 no relato abaixo. “Fiquei com sequela sim. Isso aqui na cabeça oh [aponta pra cabeça]. Isso aqui é sequela. Os meus cabelos não nascem normal, nasce tudo feio aqui oh. Tem uma pata [espaço] aqui, outra pata pra cá. Feio. É tudo sequela que deixou. Eu dou uns passos, 2, 3 e depois eu caio. [...] É o jeito a cadeira de roda. Eu não queria a cadeira de roda. E ALGUÉM QUER? Eu quero é andar. Em casa eu saio pegando nas paredes pra tudo. Mas pelo menos eu não tenho que passar por nada que eu passei (S3)”. Para S3 as sequelas foram limites impostos pela doença/tratamento, os quais ele precisa dominar para conviver de uma forma que adeque estas limitações com a sua realidade, em busca da qualidade de vida. Apesar destes efeitos impostos, o adolescente ainda se sente, de alguma forma, vitorioso, visto que não comunga mais com um fato de seu passado, repleto de conflitos e angústias. Adolescência & Saúde Viaro e Silva QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR 3. PSICOLÓGICO - SENTIMENTO DE NEGAÇÃO APÓS A CURA DO CÂNCER permanece com dificuldades de relação social devido ao estigma da doença na sociedade. Conforme relatou Pinto15 (2007), a pessoa deixa de fazer o papel de doente para ser aquela pessoa que teve câncer. Foi utilizado como significado de sentimento de negação, segundo Regis18 (2005), o sentido de negar ou recusar a doença. O sentimento de negação é geralmente utilizado devido ao estigma que o câncer por diversas vezes traz, que, para Arrais19 (2000), é empregado como um mecanismo de defesa em situações de dificuldades, conforme relatado abaixo. “Na verdade eu não tive câncer, eu tive um tumor no intestino. Eu usava sempre o boné. Eu falava que tive um tumor no intestino e tive que operar e por causa dos negócios, caiu o cabelo”(S10). S10 se recusava a relatar que foi portador de câncer. Até mesmo para mencionar as questões que envolviam o tratamento, o adolescente não citava o tipo de medicação que utilizava. Possivelmente era uma forma de evitar que as pessoas associassem o tipo de tratamento ao câncer. Outra questão identificada foi o sentimento de negação não em relação à doença, mas à cura. No caso de S3, talvez pelo fato do adolescente ter ficado sequelado, dependente de cadeira de rodas, o mesmo não acreditava que poderia estar curado da doença. Condição esta que pode ter promovido o sentimento de negação devido ao fato desta situação interferir em sua qualidade de vida. “Curado? Queria eu estar curado”(S3). Provavelmente este adolescente acredita que o conceito de cura não está relacionado ao tempo sem tratamento, como relatam alguns autores, mas sim ao controle ou erradicação das sequelas. 43 “Os outros namorados não sabiam não porque eu tenho medo de contar e eles se decepcionarem, não querer. Porque assim, assim que eu comecei a namorar com esse menino a família dele sabia que eu já tive essa doença, aí pegaram e chegaram pra ele: “tu vai ficar com essa menina, essa menina doente desse jeito que nem ela foi?” (S11). S11, devido a uma experiência anterior em um relacionamento a dois, no qual a adolescente passou por certo preconceito com a família do companheiro, não se sente mais à vontade em relatar seu passado quanto ao câncer, com receio de que os namorados se afastem e terminem o relacionamento. Os sobreviventes sempre relatam que são vítimas de discriminação social19, e tal situação promove o afastamento dos amigos e do seu modo de vida antes do surgimento da doença. “As pessoas ficam assim meio estranhas e não sei o que [...]. Quando você conhece alguma pessoa, assim, pode ser qualquer uma, menina ou menino, que você diz [sobre a doença] e ele já fica meio estranho e tudo. Você vê no olhar da pessoa não é? Quando a pessoa não gosta de uma coisa ela fica toda chata, diferente. Eu percebo que as pessoas ficam um pouco estranhas quando eu falo [da doença]”(S13). Para S13 é visível a diferença da postura do outro quando recebe a informação que o indivíduo foi portador de câncer em seu passado. O adolescente ainda fica tentando driblar as dificuldades sociais provenientes do câncer e de seu tratamento. 3. DE RELAÇÕES SOCIAIS - PRECONCEITO APÓS A CURA DO CÂNCER 4. DE MEIO AMBIENTE - LAZER Parece contraditório, mas mesmo após a fase de remissão da doença, ou seja, da descoberta de cura do câncer, o adolescente ainda Adolescência & Saúde São diversos os significados de lazer na literatura, dentre eles, conforme relatado por DuAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 44 QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR mazedier (1994) em Pessoa20 (2008), “o lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrarse ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”. Quando os adolescentes foram questionados sobre o lazer após a cura do câncer, foi um leque de diversidade relatado pelos mesmos sobre as atividades que realizavam em busca desta ocupação. “Eu gosto de sair com as amigas. Adoro sair. Às vezes sempre quando tem festa na cidade, a gente vai, às vezes a gente vai pra (incompreensível), às vezes a gente vai pra pizzaria”(S13). “Às vezes eu vou na praça tomar um sorvete, vou à praia também, mas geralmente eu fico em casa”(S14). Parece até contraditório, mas apesar do preconceito vivenciado por S13, e das sequelas de S14, os participantes retomaram suas atividades de lazer. Os aspectos de limitações físicas, de relações sociais ou de mudanças psicológicas não impediram que os adolescentes após a cura do câncer retornassem à rotina anterior à doença, promovendo atividades de lazer em busca da sua qualidade de vida. Portanto, o preconceito, a vergonha, e/ou as limitações/sequelas não seriam motivos suficientes para minimizar ou dificultar o lazer deste grupo, conforme relatado. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 Viaro e Silva CONCLUSÃO > Após o término do tratamento de câncer, entrando na fase de remissão da doença, os adolescentes passaram por uma diferente experiência em suas vidas, pois, apesar de não mais vivendo com a doença, ainda atravessavam por um período de angústias e sofrimento. Estes sentimentos ainda se tornam presentes devido ao preconceito existente com a doença, até mesmo para quem já foi portador do câncer no passado, bem como devido ao medo da recidiva. Surge então um novo enfrentamento e uma nova adaptação à realidade vivenciada, resgatando o passado e reconstruindo o futuro. Os adolescentes, apesar de estarem fora da terapêutica, passaram por uma grande dificuldade de readaptação, pois as mudanças nos aspectos físicos, psicológicos, sociais ou de meio ambiente provenientes do câncer e de seu tratamento, além do contexto sócio-econômico-cultural em que se encontravam inseridos, promoveram diversas transformações na vida destes indivíduos, interferindo em sua qualidade de vida. E foi a partir destes aspectos identificados neste caminho percorrido, particularmente nas questões sociais, que a qualidade de vida teve um significado especial, pois esta só pôde ser identificada a partir da presença ou ausência destes problemas, como as sequelas, o medo da recidiva e o preconceito, dentre outros. Esta qualidade de vida também pode estar relacionada não só às complicações provenientes do câncer e de seu tratamento, mas também à dificuldade de aquisição de informações, visto que a maior parte dos entrevistados pertencia a uma classe social de baixa renda. Adolescência & Saúde 44 QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR mazedier (1994) em Pessoa20 (2008), “o lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrarse ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”. Quando os adolescentes foram questionados sobre o lazer após a cura do câncer, foi um leque de diversidade relatado pelos mesmos sobre as atividades que realizavam em busca desta ocupação. “Eu gosto de sair com as amigas. Adoro sair. Às vezes sempre quando tem festa na cidade, a gente vai, às vezes a gente vai pra (incompreensível), às vezes a gente vai pra pizzaria”(S13). “Às vezes eu vou na praça tomar um sorvete, vou à praia também, mas geralmente eu fico em casa”(S14). Parece até contraditório, mas apesar do preconceito vivenciado por S13, e das sequelas de S14, os participantes retomaram suas atividades de lazer. Os aspectos de limitações físicas, de relações sociais ou de mudanças psicológicas não impediram que os adolescentes após a cura do câncer retornassem à rotina anterior à doença, promovendo atividades de lazer em busca da sua qualidade de vida. Portanto, o preconceito, a vergonha, e/ou as limitações/sequelas não seriam motivos suficientes para minimizar ou dificultar o lazer deste grupo, conforme relatado. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012 Viaro e Silva CONCLUSÃO > Após o término do tratamento de câncer, entrando na fase de remissão da doença, os adolescentes passaram por uma diferente experiência em suas vidas, pois, apesar de não mais vivendo com a doença, ainda atravessavam por um período de angústias e sofrimento. Estes sentimentos ainda se tornam presentes devido ao preconceito existente com a doença, até mesmo para quem já foi portador do câncer no passado, bem como devido ao medo da recidiva. Surge então um novo enfrentamento e uma nova adaptação à realidade vivenciada, resgatando o passado e reconstruindo o futuro. Os adolescentes, apesar de estarem fora da terapêutica, passaram por uma grande dificuldade de readaptação, pois as mudanças nos aspectos físicos, psicológicos, sociais ou de meio ambiente provenientes do câncer e de seu tratamento, além do contexto sócio-econômico-cultural em que se encontravam inseridos, promoveram diversas transformações na vida destes indivíduos, interferindo em sua qualidade de vida. E foi a partir destes aspectos identificados neste caminho percorrido, particularmente nas questões sociais, que a qualidade de vida teve um significado especial, pois esta só pôde ser identificada a partir da presença ou ausência destes problemas, como as sequelas, o medo da recidiva e o preconceito, dentre outros. Esta qualidade de vida também pode estar relacionada não só às complicações provenientes do câncer e de seu tratamento, mas também à dificuldade de aquisição de informações, visto que a maior parte dos entrevistados pertencia a uma classe social de baixa renda. Adolescência & Saúde Viaro e Silva QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR 45 > REFERÊNCIAS 1. Menossi MJ, Lima RAG. A problemática do sofrimento: percepção do adolescente com câncer. Rev Esc Enf USP. 2000;34(1)45-51. 2. Brasil. Instituto Nacional do Câncer. Câncer na criança e no adolescente no Brasil: dados de registros de base populacional e de mortalidade [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2008 [citado 2010 Fev 19]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/tumores. 3. Ventafrida V, Scaffi di E, Sbanotto A. Atendimento de apoio e avaliação da qualidade de vida. In: Pollock RE, Doroshow JH, Khayat D, Nakao A, O'sullivan B. Manual de oncologia clínica da UICC: união internacional contra o câncer. 8a ed. São Paulo: Wiley e Fundação Oncocentro de SP; 2006. 4. Liberato RP, Carvalho VA. Terapias integradas à oncologia. In: Carvalho, VA; Franco, MHP; Kovacs, MJ; Liberato, RP; Macieira, RC; Veit, MT, et al. Temas em psico-oncologia. 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