Qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer – uma

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ARTIGO ORIGINAL
Valeska Delgado
Viaro1
Kalina Vanderlei
da Silva2
39
Qualidade de vida dos adolescentes
curados de câncer – uma abordagem
qualitativa e interdisciplinar
Quality of life of the survivor adolescents of cancer – a qualitative
and multidisciplinary approach
> RESUMO
Objetivo: Analisar a qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer atendidos em um hospital na Cidade de Recife.
Métodos: Estudo do tipo exploratório e descritivo com abordagem qualitativa e interdisciplinar, utilizando a História Oral
como estratégia metodológica. A coleta de dados foi realizada no Hospital Universitário Oswaldo Cruz na Cidade do RecifePE com 12 adolescentes atendidos no ambulatório de curados na oncologia, através de um formulário de dados sócioeconômico-demográfico, além de uma entrevista em História Oral contendo uma questão norteadora. As informações do
formulário foram submetidas a uma análise quantitativa descritiva, e as da entrevista a uma análise de discurso. Resultados:
A qualidade de vida dos adolescentes curados de câncer estava influenciada por diversas questões, entre elas, aspectos físicos, sociais ou psicológicos. Dentre os pontos identificados neste estudo que permitiram uma interferência na qualidade de
vida dos adolescentes, estava presente o preconceito e as sequelas do tratamento. Conclusão: O tratamento do câncer bem
como a própria doença promoveram diversas consequências para estes adolescentes, influenciando a qualidade de vida
destes sujeitos. Os aspectos apontados no decorrer do estudo envolveram principalmente as questões sócio-econômicaculturais devido ao estigma proveniente desta doença em nossa sociedade, mesmo após a remissão da doença.
> PALAVRAS-CHAVE
Qualidade de vida, adolescente, sobreviventes, oncologia, criança, interdisciplinar.
> ABSTRACT
Objective: To analyze the quality of life among adolescent cancer survivors treated at a hospital in Recife. Methods:
Exploratory descriptive study, with a multidisciplinary qualitative approach, using the personal medical histories recounted
by these patients as a methodological strategy. Information was collected at the Oswaldo Cruz University Hospital in Recife,
Northeast Brazil, through social, economic and demographic datasheets completed by twelve adolescents treated at the
oncology out-patient clinic, in addition to oral history interviews with a leading question. The information on these forms
underwent descriptive quantitative analysis, with discourse analysis for the interviews. Results: The quality of life among
cancer survivors is affected by several aspects, including physical, social or psychological factors. The points identified in
this study that intervened in the quality of life of these adolescents include prejudice and the sequelae of cancer treatments.
Conclusion: Cancer and its treatment have many consequences for these adolescents, influencing their quality of life. The
aspects noted during the study were related mainly to social, economic and cultural issues, due to the stigma of this disease
in our society, even after remission.
> KEY WORDS
Quality of life, adolescent, survivors, oncology, children, multidisciplinary.
1
Mestrado - Enfermeira. Hospital Universitário Oswaldo Cruz (UPE), Recife, PE, Brasil.
Doutorado - Professora do Curso de História de Nazaré na Mata Hospital Universitário Oswaldo Cruz (UPE) e do Mestrado de Hebiatria
(UPE), Recife, PE, Brasil.
2
Valeska Delgado Viaro ([email protected]) - Av. José Bonifácio, 1356, Torre - Recife, PE, Brasil. CEP: 50710-001
Recebido em 30/09/2011 - Aprovado em 09/01/2012
Adolescência & Saúde
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
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QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE
CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR
> INTRODUÇÃO
As crianças e adolescentes portadoras de
câncer vivenciam diversas situações de sofrimento, principalmente durante o processo de hospitalização, ocasião em que se separam de seu
meio social para se submeterem a procedimentos diagnósticos e terapêuticos que, geralmente,
consistem em medidas agressivas, dolorosas e invasivas1. Apesar de ser pouco significativa se comparada ao câncer adulto, esta doença em países
desenvolvidos é a segunda causa de óbito entre
zero e 14 anos, atrás apenas dos acidentes2.
Quanto à taxa de sobrevida de crianças/
adolescentes com câncer, este número aumentou de forma considerável em todo o mundo,
de modo que a maioria destes pacientes hoje
é curada3.
Este crescimento significativo do número de
sobreviventes, resultado do surgimento de novos
tratamentos, medicamentos de última geração e
intervenções mais precisas cada vez mais disponíveis, possibilitou um aumento no tempo de vida
desses pacientes, o que demanda de todos uma
preocupação urgente e contínua com a qualidade de vida4. Tal apreensão ainda se tornou de
maior relevância, não apenas pelo aumento da
taxa de sobrevida destes pacientes, mas em especial, conforme relatado por Schwartz5 (1999)
e Friedman e Meadows6 (2002), devido aos efeitos orgânicos adversos da terapia, além das dificuldades emocionais e de adaptação social, e
do risco de recidiva. Portanto, é preciso focar a
qualidade da sobrevida dos pacientes que se sobrepõem à barreira da morte e que geralmente
levam consigo graves sequelas7.
Diante do exposto, apesar da qualidade de
vida possuir estes fatores multidimensionais8, é
raro na literatura científica uma referência desta
temática em uma abordagem transdisciplinar e
qualitativa, permitindo o entendimento das relações sociais e percepções do adolescente. Surge
então a importância da inclusão e integração
de outras áreas do conhecimento em estudos
de qualidade de vida como a ciência da saúde
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
Viaro e Silva
e humanas, promovendo abordagens inovadoras para a compreensão do mundo vivido destes
adolescentes curados de câncer.
Portanto, o objetivo deste estudo é analisar
a qualidade de vida dos adolescentes curados de
câncer em um Hospital Universitário do Estado
de Pernambuco que é referência em acompanhamento de curados do câncer nesta região
e para outros Estados do Nordeste, a partir de
uma abordagem interdisciplinar e qualitativa,
com estratégia metodológica em História Oral.
MÉTODOS >
Para responder ao objetivo proposto
nesta pesquisa, utilizamos um estudo do tipo
exploratório e descritivo com abordagem
qualitativa, sendo a História Oral a estratégia
metodológica adotada.
Assim, a partir de um contexto multidisciplinar, buscamos analisar a qualidade de vida dos
adolescentes curados de câncer através de uma
interação das Ciências Humanas com a Saúde. A
História Oral foi utilizada como método para a
coleta de dados, permitindo, conforme relatado
por Meihy9 (2007), uma maior flexibilidade entre
o pesquisador e os participantes, além de ter sido
um importante instrumento para a construção da
memória dos adolescentes ao relatarem as experiências no período de acometimento do câncer.
O estudo foi realizado na Cidade do Recife
no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC)/
Universidade de Pernambuco (UPE). A coleta dos
dados aconteceu no Ambulatório da Oncologia,
no Programa de Atendimento aos Curados, o
qual é referência no Estado de Pernambuco, bem
como para alguns estados vizinhos.
Os participantes da pesquisa foram os adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos de idade (completados até o dia da coleta) atendidos
no referido Programa, identificados pela letra S
que representa a palavra sujeito, onde o número de indivíduos pesquisados foi determinado
pelo critério de saturação, seguindo os seguin-
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QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE
CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR
tes critérios: Critérios de inclusão - Adolescentes de 10 a 19 anos inscritos no Programa do
PAC, aceite livre do adolescente em participar
da pesquisa, autorização do responsável ou do
próprio participante, conforme maior idade do
sujeito, para a participação do adolescente na
pesquisa, permissão dos responsáveis para que
a coleta de dados seja realizada sem a presença
dos mesmos a fim de evitar a timidez do participante, e participar apenas uma vez da pesquisa,
independentemente do número de consultas;
Critérios de exclusão - Pacientes que apresentarem recaídas, ou seja, possíveis sintomatologias
referentes ao câncer durante o período do estudo (nestes casos, o paciente não será considerado
curado), impossibilidade de participar do estudo
devido a alguma dificuldade quanto às condições
físicas, cognitivas ou psicológicas. As condições
cognitivas foram identificadas como um critério
de exclusão através da percepção do pesquisador
de uma dificuldade de compreensão por parte
do participante ou do entrevistador.
Os instrumentos foram um formulário de
dados sócio-econômico-demográficos e uma
entrevista com uma questão norteadora (fale
sobre a sua vida após a cura do câncer) construída a partir da metodologia de História Oral
defendida por Meihy9 (2007) e Montenegro10
(2007), associada à observação não participante. Vale ressaltar que erro comum é a confusão
entre História Oral e entrevistas convencionais:
as entrevistas são diálogos efetuados para abordar temas ou argumentos nebulosos ou informativos e seu alcance muitas vezes se esgota nisso,
enquanto a História Oral é um processo de registro de experiências que visa o entendimento
de determinada situação na vivência social e que
analisa problemas e fenômenos sociais9.
O fio condutor da nossa entrevista foi
composto por quatro aspectos - físico, psicológico, de relações sociais e de meio ambiente
– baseados nos quatro domínios do WHOQOLbref, instrumento de aferição da qualidade
de vida elaborado pelo Grupo de Qualidade
de Vida da Organização Mundial de Saúde
(OMS)11. Estes domínios representam aspectos
que, conforme a OMS, estão diretamente relacionados à qualidade de vida.
Assim, organizamos a fala dos entrevistados de acordo com as categorias pré-estabelecidas (os domínios) e com temas estabelecidos
após a transcrição. Estes foram se relacionando
às categorias conforme a construção dos domínios e facetas do instrumento de qualidade de
vida WHOQOL-bref.
Após a gravação das entrevistas, a prática
da História Oral exige que o material coletado
passe pelo seguinte processo: transcrição, passagem literal do oral para o escrito; textualização,
transliteração da fala do colaborador, incluindo
a fala do entrevistado num processo dialógico e
textual; e transcriação, a “teatralização do discurso”, que permite observação de emoções,
ironias e silêncios12.
Para a análise do material coletado pelo
formulário sócio-econômico-demográfico, empregou-se uma análise quantitativa descritiva,
enquanto que para a entrevista foi utilizada a
análise de discurso. Este tipo de análise possibilita a interpretação da fala livre dos entrevistados devido à flexibilidade proveniente deste
instrumento. Orlandi13 (2007) define o papel da
análise de discurso como um trabalho da relação
língua-discurso-ideologia.
No caso da análise da qualidade de vida
(QV) dos adolescentes já curados, a análise de
discurso se tornou essencial ao permitir a observação de sentimentos na fala dos entrevistados:
preconceitos e sentimentos de negação provenientes do estigma da doença, por exemplo, que
são definidos como o não dito nas entrevistas.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
41
>
Nesse estudo foram abordados 26 adolescentes curados de câncer, sendo que 10 se recusaram a participar da pesquisa e 4 foram excluídos
de acordo com os critérios definidos, finalizando
a amostra do estudo em 12 adolescentes.
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CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR
Viaro e Silva
Dentre estes 12 adolescentes entrevistados,
não houve predomínio quanto ao sexo, pois
50% dos participantes eram do sexo masculino
e 50% do sexo feminino, apesar de Parkin et al.
apud Braga14 (2002) relatarem que, nesta faixa
etária, geralmente as taxas de incidência para o
sexo feminino são menores do que as encontradas para o sexo masculino.
Em relação à faixa etária, 25% dos adolescentes se encontravam entre 10-14 anos, enquanto os
demais estavam entre 15 a 19 anos. Em relação
ao local de moradia, a maioria era do interior dos
estados e apenas 25%, da região metropolitana.
O ensino fundamental incompleto foi o
nível de escolaridade referido pela maioria dos
entrevistados, representando 66,66%, e 25%
participantes abandonaram a escola. No que diz
respeito à renda familiar, 58,33% desta amostra
correspondeu à faixa de até um salário mínimo
(R$ 510,00). A análise desta característica revelou uma situação econômica desfavorável dos
entrevistados pesquisados. Este perfil deve-se ao
fato de a coleta de dados ter sido realizada em
uma instituição conveniada com o SUS (Sistema
Único de Saúde), onde a maioria dos pacientes
possuem baixa renda.
Quanto à qualidade de vida, a partir dos
quatro domínios do WHOQOL-bref (físicos, psicológicos, de relações sociais e de meio ambiente) utilizados como categorias pré-estabelecidas
emergiram diversos temas, os quais apontaram
os aspectos que interferiram na QV do adolescente curado de câncer.
Os temas foram identificados após a transcrição das entrevistas, sendo distribuídos conforme
os domínios do instrumento do WHOQOL-bref.
Os aspectos (domínios), juntos ou isoladamente,
interferiram na qualidade de vida do adolescente
curado de câncer. Abaixo abordamos alguns dos
mais relevantes:
rélio, enquanto sequela está associada a complicações mais ou menos tardias de uma doença.
No adolescente, não é raro um número significante deste grupo com estas limitações e sequelas após a cura da doença.
1. DOMÍNIO FÍSICO – LIMITAÇÕES E SEQUELAS
A palavra limitação está relacionada a restrições, conforme relatado no dicionário do AuAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
“Assim, depois da cirurgia, se eu pular muito, se
eu correr, eu sinto dor na barriga, e o cansaço. Eu
não me senti mais como eu me sentia antes. Antes
eu corria, pulava, brincava e depois da cirurgia eu
fiquei mais fraca. [...] Isso, porque se aparece [a
cicatriz] as pessoas perguntam o que é, aí a pessoa
tem que perguntar tudo” (S14).
Esta fala de S14 demonstra que as limitações e reações provocadas pelo câncer e
seu tratamento se tornam marcas da doença
que perduram por um longo tempo na vida
do adolescente, interferindo em seu modo de
viver e consequentemente na sua qualidade
de vida. Pinto15 (2007) corrobora com Ortiz16
(2007) e Bessa17 (2000) que as cicatrizes, amputações, veias esclerosadas, ou uma alopécia
permanente perpetuam memórias da doença
e tratamentos, conforme aconteceu com S3 no
relato abaixo.
“Fiquei com sequela sim. Isso aqui na cabeça
oh [aponta pra cabeça]. Isso aqui é sequela. Os
meus cabelos não nascem normal, nasce tudo
feio aqui oh. Tem uma pata [espaço] aqui, outra
pata pra cá. Feio. É tudo sequela que deixou. Eu
dou uns passos, 2, 3 e depois eu caio. [...] É o
jeito a cadeira de roda. Eu não queria a cadeira
de roda. E ALGUÉM QUER? Eu quero é andar. Em
casa eu saio pegando nas paredes pra tudo. Mas
pelo menos eu não tenho que passar por nada
que eu passei (S3)”.
Para S3 as sequelas foram limites impostos
pela doença/tratamento, os quais ele precisa dominar para conviver de uma forma que adeque
estas limitações com a sua realidade, em busca
da qualidade de vida. Apesar destes efeitos impostos, o adolescente ainda se sente, de alguma
forma, vitorioso, visto que não comunga mais
com um fato de seu passado, repleto de conflitos e angústias.
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QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE
CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR
3. PSICOLÓGICO - SENTIMENTO DE NEGAÇÃO
APÓS A CURA DO CÂNCER
permanece com dificuldades de relação social
devido ao estigma da doença na sociedade.
Conforme relatou Pinto15 (2007), a pessoa deixa
de fazer o papel de doente para ser aquela pessoa que teve câncer.
Foi utilizado como significado de sentimento de negação, segundo Regis18 (2005), o sentido de negar ou recusar a doença.
O sentimento de negação é geralmente
utilizado devido ao estigma que o câncer por
diversas vezes traz, que, para Arrais19 (2000),
é empregado como um mecanismo de defesa
em situações de dificuldades, conforme relatado abaixo.
“Na verdade eu não tive câncer, eu tive um tumor
no intestino. Eu usava sempre o boné. Eu falava
que tive um tumor no intestino e tive que operar e
por causa dos negócios, caiu o cabelo”(S10).
S10 se recusava a relatar que foi portador de
câncer. Até mesmo para mencionar as questões
que envolviam o tratamento, o adolescente não
citava o tipo de medicação que utilizava. Possivelmente era uma forma de evitar que as pessoas
associassem o tipo de tratamento ao câncer.
Outra questão identificada foi o sentimento de negação não em relação à doença, mas
à cura. No caso de S3, talvez pelo fato do adolescente ter ficado sequelado, dependente de
cadeira de rodas, o mesmo não acreditava que
poderia estar curado da doença. Condição esta
que pode ter promovido o sentimento de negação devido ao fato desta situação interferir em
sua qualidade de vida.
“Curado? Queria eu estar curado”(S3).
Provavelmente este adolescente acredita que
o conceito de cura não está relacionado ao tempo
sem tratamento, como relatam alguns autores,
mas sim ao controle ou erradicação das sequelas.
43
“Os outros namorados não sabiam não porque
eu tenho medo de contar e eles se decepcionarem,
não querer. Porque assim, assim que eu comecei a
namorar com esse menino a família dele sabia que
eu já tive essa doença, aí pegaram e chegaram pra
ele: “tu vai ficar com essa menina, essa menina
doente desse jeito que nem ela foi?” (S11).
S11, devido a uma experiência anterior em
um relacionamento a dois, no qual a adolescente passou por certo preconceito com a família
do companheiro, não se sente mais à vontade
em relatar seu passado quanto ao câncer, com
receio de que os namorados se afastem e terminem o relacionamento.
Os sobreviventes sempre relatam que são
vítimas de discriminação social19, e tal situação
promove o afastamento dos amigos e do seu
modo de vida antes do surgimento da doença.
“As pessoas ficam assim meio estranhas e não sei
o que [...]. Quando você conhece alguma pessoa,
assim, pode ser qualquer uma, menina ou menino,
que você diz [sobre a doença] e ele já fica meio
estranho e tudo. Você vê no olhar da pessoa não
é? Quando a pessoa não gosta de uma coisa ela
fica toda chata, diferente. Eu percebo que as pessoas ficam um pouco estranhas quando eu falo [da
doença]”(S13).
Para S13 é visível a diferença da postura do
outro quando recebe a informação que o indivíduo foi portador de câncer em seu passado.
O adolescente ainda fica tentando driblar as dificuldades sociais provenientes do câncer e de
seu tratamento.
3. DE RELAÇÕES SOCIAIS - PRECONCEITO
APÓS A CURA DO CÂNCER
4. DE MEIO AMBIENTE - LAZER
Parece contraditório, mas mesmo após a
fase de remissão da doença, ou seja, da descoberta de cura do câncer, o adolescente ainda
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São diversos os significados de lazer na literatura, dentre eles, conforme relatado por DuAdolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
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QUALIDADE DE VIDA DOS ADOLESCENTES CURADOS DE
CÂNCER – UMA ABORDAGEM QUALITATIVA E INTERDISCIPLINAR
mazedier (1994) em Pessoa20 (2008), “o lazer é
um conjunto de ocupações às quais o indivíduo
pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua formação
desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrarse ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”.
Quando os adolescentes foram questionados sobre o lazer após a cura do câncer, foi um
leque de diversidade relatado pelos mesmos
sobre as atividades que realizavam em busca
desta ocupação.
“Eu gosto de sair com as amigas. Adoro sair. Às
vezes sempre quando tem festa na cidade, a gente
vai, às vezes a gente vai pra (incompreensível), às
vezes a gente vai pra pizzaria”(S13).
“Às vezes eu vou na praça tomar um sorvete,
vou à praia também, mas geralmente eu fico em
casa”(S14).
Parece até contraditório, mas apesar do
preconceito vivenciado por S13, e das sequelas
de S14, os participantes retomaram suas atividades de lazer. Os aspectos de limitações físicas,
de relações sociais ou de mudanças psicológicas
não impediram que os adolescentes após a cura
do câncer retornassem à rotina anterior à doença, promovendo atividades de lazer em busca
da sua qualidade de vida.
Portanto, o preconceito, a vergonha, e/ou
as limitações/sequelas não seriam motivos suficientes para minimizar ou dificultar o lazer deste
grupo, conforme relatado.
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
Viaro e Silva
CONCLUSÃO >
Após o término do tratamento de câncer,
entrando na fase de remissão da doença, os
adolescentes passaram por uma diferente experiência em suas vidas, pois, apesar de não mais
vivendo com a doença, ainda atravessavam por
um período de angústias e sofrimento. Estes sentimentos ainda se tornam presentes devido ao
preconceito existente com a doença, até mesmo
para quem já foi portador do câncer no passado,
bem como devido ao medo da recidiva.
Surge então um novo enfrentamento e uma
nova adaptação à realidade vivenciada, resgatando o passado e reconstruindo o futuro. Os adolescentes, apesar de estarem fora da terapêutica,
passaram por uma grande dificuldade de readaptação, pois as mudanças nos aspectos físicos,
psicológicos, sociais ou de meio ambiente provenientes do câncer e de seu tratamento, além do
contexto sócio-econômico-cultural em que se encontravam inseridos, promoveram diversas transformações na vida destes indivíduos, interferindo
em sua qualidade de vida. E foi a partir destes
aspectos identificados neste caminho percorrido,
particularmente nas questões sociais, que a qualidade de vida teve um significado especial, pois
esta só pôde ser identificada a partir da presença
ou ausência destes problemas, como as sequelas,
o medo da recidiva e o preconceito, dentre outros.
Esta qualidade de vida também pode estar
relacionada não só às complicações provenientes do câncer e de seu tratamento, mas também
à dificuldade de aquisição de informações, visto
que a maior parte dos entrevistados pertencia a
uma classe social de baixa renda.
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mazedier (1994) em Pessoa20 (2008), “o lazer é
um conjunto de ocupações às quais o indivíduo
pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua formação
desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrarse ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais”.
Quando os adolescentes foram questionados sobre o lazer após a cura do câncer, foi um
leque de diversidade relatado pelos mesmos
sobre as atividades que realizavam em busca
desta ocupação.
“Eu gosto de sair com as amigas. Adoro sair. Às
vezes sempre quando tem festa na cidade, a gente
vai, às vezes a gente vai pra (incompreensível), às
vezes a gente vai pra pizzaria”(S13).
“Às vezes eu vou na praça tomar um sorvete,
vou à praia também, mas geralmente eu fico em
casa”(S14).
Parece até contraditório, mas apesar do
preconceito vivenciado por S13, e das sequelas
de S14, os participantes retomaram suas atividades de lazer. Os aspectos de limitações físicas,
de relações sociais ou de mudanças psicológicas
não impediram que os adolescentes após a cura
do câncer retornassem à rotina anterior à doença, promovendo atividades de lazer em busca
da sua qualidade de vida.
Portanto, o preconceito, a vergonha, e/ou
as limitações/sequelas não seriam motivos suficientes para minimizar ou dificultar o lazer deste
grupo, conforme relatado.
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
Viaro e Silva
CONCLUSÃO >
Após o término do tratamento de câncer,
entrando na fase de remissão da doença, os
adolescentes passaram por uma diferente experiência em suas vidas, pois, apesar de não mais
vivendo com a doença, ainda atravessavam por
um período de angústias e sofrimento. Estes sentimentos ainda se tornam presentes devido ao
preconceito existente com a doença, até mesmo
para quem já foi portador do câncer no passado,
bem como devido ao medo da recidiva.
Surge então um novo enfrentamento e uma
nova adaptação à realidade vivenciada, resgatando o passado e reconstruindo o futuro. Os adolescentes, apesar de estarem fora da terapêutica,
passaram por uma grande dificuldade de readaptação, pois as mudanças nos aspectos físicos,
psicológicos, sociais ou de meio ambiente provenientes do câncer e de seu tratamento, além do
contexto sócio-econômico-cultural em que se encontravam inseridos, promoveram diversas transformações na vida destes indivíduos, interferindo
em sua qualidade de vida. E foi a partir destes
aspectos identificados neste caminho percorrido,
particularmente nas questões sociais, que a qualidade de vida teve um significado especial, pois
esta só pôde ser identificada a partir da presença
ou ausência destes problemas, como as sequelas,
o medo da recidiva e o preconceito, dentre outros.
Esta qualidade de vida também pode estar
relacionada não só às complicações provenientes do câncer e de seu tratamento, mas também
à dificuldade de aquisição de informações, visto
que a maior parte dos entrevistados pertencia a
uma classe social de baixa renda.
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revista_gestao/article/viewFile/103/67.
Adolescência & Saúde
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 39-45, jan/mar 2012
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