As tribos de eslavos que haviam se submetidas pelos francos se libertaram e passaram a saquear as vilas e os domínios rurais, aumentando a insegurança. Ao mesmo tempo, os nômades magiares (húngaros) fixaram-se no médio Danúbio e daí organizaram ataques para saquear terras e vilas. O Feudalismo O feudalismo resultou da síntese entre a sociedade romana em decadência e a sociedade bárbara germânica em transformação. Para facilitar a compreensão do processo de formação do feudalismo, procuraremos mostrar o legado da sociedade romana e dos costumes bárbaros para esse novo sistema. Lembremos que a sociedade romana era eminentemente agrária, mas com vida urbana intensa. Com as crises do século III e IV, a escassez de mão-de-obra escrava levou os grandes proprietários a abandonarem as cidades e rumar para suas villae (latifúndios), onde exploravam o trabalho dos coloni (antigos escravos ou camponeses que se tornaram vinculados à terra e dependentes de seus senhores). Os coloni eram juridicamente livres, mas não podiam abandonar a terra. Esses trabalhadores são os precursores dos servos medievais. A condição social passava, assim, a ser determinada pela relação com a terra. A sociedade romana passava por um processo de ruralização, acentuado pelo desaparecimento dos grupos médios ligados ao comércio e às atividades urbanas em geral. Esse processo foi importante para a formação do feudalismo, pois reforçou o poder político dos senhores locais, enfraquecendo o poder central do império. A descentralização política mencionada acima se acentuou com os bárbaros: o comitatus era uma velha instituição bárbara que estabelecia uma relação de fidelidade mútua entre chefes e guerreiros, o que reforçava os laços de dependência pessoal e diminuía um eventual poder central. Os chefes bárbaros remuneravam os seus colaboradores com terras, o chamado beneficium, que dava alguma autonomia aos guerreiros que o recebiam, ou seja, independência para administrar seu território. A sociedade germânica era também eminentemente agrária e pastoril, o que acentuou o processo de ruralização da economia e da sociedade depois da invasão. Uma das maiores contribuições da sociedade bárbara para a concretização do feudalismo foi seu sistema de leis, que se baseava no direito consuetudinário, isto é, nos antigos costumes herdados dos antepassados, para os quais as práticas fundavam a lei oral, que regulava as relações pessoais. A contribuição dos árabes, eslavos e normandos para a formação da Europa feudal. No século IX, as sociedades européias encontravam-se em avançado estado de ruralização. As invasões que ocorreram nesse século fizeram com que os senhores rurais tentassem organizar uma defesa individualizada, erigindo castelos e fortificações. Após conquistar o norte da África, invadir a Europa e dominar a península ibérica, os muçulmanos, nos séculos IX e X, transformaram o Mediterrâneo em seu domínio quase exclusivo. Os postos comerciais desse mar ficaram em suas mãos, o que dificultava a atividade comercial e provocava o isolamento da Europa. Também os normandos ou vikings (povos que viviam na atual Dinamarca) transformaram seu padrão de relação com o continente europeu: começaram a incursionar por variados pontos da costa norte da Europa também para saquear. Vinham para vender peixe seco e peles, mas também se dedicavam ao saque e à pilhagem das aldeias e dos domínios rurais. A Europa estava sendo “sitiada” pelas invasões do século IX. Esse fato não foi determinante, mas ajudou a Europa a se feudalizar. As Características socioeconômicas do feudalismo. O conceito feudalismo deriva da palavra feudo, que significa “bem que é dado em troca”. Assim feudalismo é o nome que damos ao sistema no qual o feudo – um bem, que poderia ser um ou mais senhorios (territorial), uma quantia anual (bolsa), a armadura de um cavaleiro (loriga), um conjunto de direitos de cobrança de obrigações (ban) – é o fundamento das relações socioeconômicas e políticas. O feudalismo foi um sistema tipicamente europeu. Desenvolveu-se entre os séculos X e XI, mas atingiu seu auge no século XII e início do século XIII, quando começou a entrar em decadência. A agricultura era a atividade econômica que preponderava durante a época feudal e envolvia toda a população, direta ou indiretamente. O senhorio, a unidade básica de produção do sistema feudal era praticamente auto-suficiente. Produzia tudo ou quase tudo de que se tivesse necessidade: leite, madeira, ferro etc. O que não era produzido pelo senhorio era adquirido nos pequenos mercados das aldeias. Os feudos territoriais ou senhorios (“do senhor”) eram divididos em três partes: a reserva senhorial ou manso senhorial, que eram terras de uso exclusivo do senhor, embora trabalhadas pelos servos; as reservas dos camponeses ou manso servil, que eram as terras exploradas pelos camponeses e suas famílias; as terras comunais, construídas por pastos, florestas e baldios, que forneciam frutas, madeiras, mel, castanhas etc. A caça era direito exclusivo do senhor. A Sociedade Feudal A sociedade feudal era rigidamente estratificada, isto é, dificilmente havia mobilidade, pois a posição dos grupos era determinada pela relação com a terra. Segundo a mentalidade da época, a sociedade estava dividida porque Deus determinara diferentes funções para cada camada. Havia três camadas (ordens) fixas. O clero (sacerdotes) era a camada mais importante, considerada a intermediária entre Deus e os homens. Sua função era orar pela salvação de todos. Os guerreiros (nobreza e aristocracia) lutavam para proteger o resto da sociedade dos males do mundo. O se poder vinha do fato de serem os donos da terra e terem o monopólio militar. Os trabalhadores deveriam produzir o necessário para o sustento de toda a sociedade. Na verdade, cada uma dessas ordens se subdividia em vários estratos internos. Havia diferentes tipos de trabalhadores: os pequenos proprietários, que cultivavam seus lotes (alódios); os antigos proprietários, que se ligaram a um senhor (vilões, porque habitavam as vilas); e o trabalhador escravo, que não desaparecera totalmente na Europa medieval. Mas o principal trabalhador durante o período feudal era o servo, originário do antigo colonus. O servo não era um trabalhador livre, mas também não era 1 um escravo. Estava ligado à terra, não podendo ser retirado dela para ser vendido. Outra diferença entre um servo e um escravo é que o servo era dono dos instrumentos de produção. As relações sociais no Feudalismo O feudalismo foi constituído pela aristocracia entre dois eixos de relações: as relações feudo-vassálicas e as relações servis de produção. As relações feudo-vassálicas estabeleciam-se entre membros da aristocracia militar e territorial e baseavam-se no feudo, na fidelidade e na reciprocidade. As relações servis de produção estabeleciam-se entre o senhor da terra e o trabalhador e estavam baseadas na desigualdade de condições e na exploração do trabalho. A aristocracia feudal tirava seu sustento e garantia seu poder e sua riqueza por meio do trabalho do servo, da guerra e das alianças. Os servos, que recebiam um lote para cultivar e eram defendidos pelo senhor, deviam a este uma série de obrigações: deviam trabalhar na reserva senhorial alguns dias por semana, e todo o produto deste trabalho era do senhor feudal (corvéia); entregava uma parte do que produziam na reserva servil (talha); pagavam pelo uso do moinho ou lagar (banalidades); quando um servo morria, os filhos deveriam pagar para continuar em suas terras (mão-morta). Havia um forte componente religioso nessa exploração do senhor sobre os servos, pois estes viam os senhores como protetores e patronos, que os ajudavam em tempos difíceis. Mas, de alguma forma, os servos conseguiam ter algumas atividades independentes. Os servos se ajudavam mutuamente nas pequenas plantações, nas pastagens das terras comunais ou em algumas festas. Tudo isso pode ser considerado como resistência ao poder dos senhores. As características políticas do Feudalismo Politicamente, o feudalismo caracterizou-se pela fragmentação política. As relações pessoais tornavam-se mais fortes com o enfraquecimento da atuação do Estado. Essas relações, denominadas feudo-vassálicas ou de suserania-vassalagem, originaram-se das tradições romanas e germânicas. Consistiam no ato de um senhor doar bens, sobretudo terras e direitos a outro senhor em troca de alguns favores e obrigações. O aristocrata que doava o bem era o suserano, e o que recebia era o vassalo. Essa prática de doações não terminava aí: o aristocrata que recebia a terra a redistribuía para outros aristocratas, que passavam a ter as mesmas obrigações. Teoricamente, os senhores feudais recebiam terras do rei, o soberano; mas com o parcelamento do poder político ligado ao parcelamento da terra, o rei se transformou em um tipo de suserano-mor, ou suserano dos suseranos. O vassalo, em troca da terra, deveria auxiliar o suserano com seu exército quando ele precisasse, além de participar dos conselhos senhoriais. Ao suserano cabiam obrigações semelhantes para com seu vassalo. As características militares do feudalismo. Uma das principais funções militares da cavalaria era garantir e ampliar os domínios dos senhores e reprimir rebeliões camponesas que ameaçassem o poder da aristocracia. Mas a militarização servia também para defender a cristandade contra seus inimigos, por exemplo, os muçulmanos, ao mesmo tempo que garantia a conquista de mais terras. Os constantes combates acabavam destruindo as plantações e os campos. No século X, a igreja interveio, propondo a Trégua de Deus, que determinava que não se poderia guerrear entre a quinta-feira e a segunda-feira pela manhã. A Igreja Medieval Ocidental A igreja sobreviveu às crises e mudanças do final da Antigüidade e da Alta Idade Média. O clero monopolizava o saber em um mundo de analfabetos e foi responsável por conservar a cultura letrada da Antigüidade Clássica. Apesar de manter essa cultura atrelada aos seus interesses de grande senhora de terras, a Igreja muito contribuiu para que o conhecimento não estagnasse. A Igreja romana acumulou poderes que derivavam de sua riqueza material e da influência espiritual que exercia sobre as pessoas. A Igreja organizava-se hierarquicamente, o que a ajudava a manter o poder. Havia o Alto e o Baixo clero. O primeiro, ligado à aristocracia, detinha os cargos de direção (cardeais, bispos, abades etc.). O segundo era composto de elementos vindos das camadas mais baixas. O chefe dessa hierarquia era o Bispo de Roma, que, em 455, recebeu o título de Papa, isto é, chefe da Igreja Cristã. Ao clero secular, que estava em contato com as coisas do mundo, coube a tarefa de converter os bárbaros que invadiram a Europa. Ao clero regular (submetido a regras), que ficava nos mosteiros, cabia a preservação da cultura e o aumento do poder econômico da igreja. As doações de terras feitas pelos reis e senhores laicos à igreja faziam com que seu poder político aumentasse, pois ia se transformando num “grande senhor feudal”. Essa posição fazia com que a Igreja tivesse que lutar pela defesa de seus interesses tanto quanto os demais senhores feudais. Mas o mais importante é que a Igreja católica exercia uma poderosa influência na sociedade. O controle que o clero detinha sobre a cultura reproduzia uma visão de mundo da Igreja; os padres, em seus sermões, passavam essa visão de um mundo dividido em classes, naturalmente desiguais. Gravura medieval, provavelmente século XIII, mostrando o trabalho dos servos nos campos. O cavaleiro foi a figura característica da organização militar do feudalismo. Ser cavaleiro, com escudos, lanças, espadas, cota de malha e armadura, era privilégio da aristocracia, pois o acesso à cavalaria dependia da origem e da riqueza. Essa característica estava ligada à separação entre guerreiros e chefe que se dera na tribo germânica e também ao custo do equipamento completo de um cavaleiro, que era muito alto para os mais pobres. Era preciso ter muitas terras e servos trabalhando para sustentar o cavaleiro. Ou seja, somente a aristocracia feudal era capaz disso. 2