02. a religião como instrumento da política

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Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de
dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
A RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA: O QUE
MAQUIAVEL PODE NOS ENSINAR?
MARCOMINI, Roberson Augusto
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas - UNICAMP (Faculdade de Ciências Aplicadas)
[email protected]
SIMÕES, Mauro Cardoso
Professor da Faculdade de Ciências Aplicadas – UNICAMP e
do Mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
[email protected]
RESUMO
O propósito deste trabalho é examinar o pensamento político de Maquiavel e procurar compreender as
relações entre política e religião. Entendendo que um dos principais motivos para a rejeição de sua
proposta política encontra-se fundamentada em motivos morais de cunho religioso, investigaremos a
religião como instrumento da política em seu pensamento.
Palavras-Chave: Maquiavel, Politica, Autonomia, Religião.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to examine the political thought of Machiavelli and to the understanding
the relationship between politics and religion. Understanding that one of the main reasons for
rejection of his policy proposal is based on moral grounds of religious basis, we will to investigate
religion as an instrument of politics in his thought.
Keywords: Machiavelli, Politics, Autonomy, Religion
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como escopo analisar os principais aspectos que o pensamento de
Maquiavel podem assinalar da religião como instrumento de conquista e manutenção do
poder. A primeira questão diz respeito ao tratamento de Maquiavel desta interrelação entre
política e religião. A segunda questão e igualmente importante, diz respeito à leitura
contemporânea do entrelaçamento entre política e religião, destacando como a religião tem
ocupado o espaço autônomo que cabia fundamentalmente à política e os males que podem
ocasionar tal inversão. A metodologia a ser aplicada será de artigos científicos, bibliografia
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relacionada ao tema, notícias veiculadas na mídia e outros pesquisadores do fenômeno
religioso para análise.
As subdivisões da pesquisa busca entender no primeiro momento como a religião
ganhou força e tornou-se o agente mais poderoso da manutenção da sociedade. O pressuposto
fundamental diz respeito a que os seres humanos estão inevitavelmente envolvidos pela
religião e a política. Considera-se, aqui, que estas atividades são inerentes à própria condição
humana na convivência em sociedade; de uma certa maneira a religião ensina a reconhecer e a
respeitar as regras políticas a partir do mandamento religioso. Essa norma coletiva pode
assumir tanto o aspecto coercivo exterior da disciplina militar ou da autoridade política
quanto o caráter persuasivo interior da educação moral e cívica para a produção do consenso
coletivo.
Nas palavras do próprio Maquiavel, “Nunca houve um legislador que tenha dado leis
extraordinárias a um povo e não tenha recorrido a Deus, pois de outro modo não seriam
aceitas” (MAQUIAVEL, 2007, p. 11).
1 – Elementos fundamentais para a interpretação do pensamento de Maquiavel
A obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio foi escrita por Maquiavel
quatro anos após haver concluído O Príncipe. E é precisamente nestas duas obras que
Maquiavel trata das questões envolvendo a religião, com destaque para as análises mais
contundentes em Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio. O que a distingue d’O
Príncipe é a análise detalhada da república, em que o autor claramente se coloca em favor
desta, apontando suas principais características observadas no decorrer da história e
modos de melhorá-la, ou, pelo menos, de mantê-la (LEFORT, 2010, p. 151).
A obra inicia referindo-se à origem das cidades, que podem estabelecer-se devido a
um grupo de cidadãos reunidos com o objetivo de adquirir maior segurança: a estrangeiros
que querem assegurar o território conquistado, a estabelecer, ali, colônias; ou mesmo a fim
de exaltar-se a glória do Príncipe.
As repúblicas nascem com o surgimento das cidades e, assim, constituem três
espécies, que são: a monarquia, aristocracia e despotismo. Três que podem evoluir para o
despotismo, oligarquia e monarquia, respectivamente. É claro, neste ponto, o pessimismo
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de como a sociedade é vista por Maquiavel: é a dialética de dois termos, que trata de
sucessão entre ascendência e descendência, a formar um ciclo vicioso. Maquiavel acredita
que todos os príncipes corrompem-se e degeneram-se, e que é possível ser corrigido
somente via acidente externo (fortuna) ou por sabedoria intrínseca (virtú) (LEFORT,
2010, 161-167).
Ao se voltar às espécies de repúblicas, chega à conclusão de que a sua melhor forma
seria o equilíbrio, dito como ser a “justa medida”, para Aristóteles. Tal equilíbrio pode
manter-se através das próprias discordâncias entre o povo e o Senado, já que estes, em
conjunto, representam e lutam pelos interesses gerais do Estado.
O Estado é definido como o poder central soberano, sendo legítimo o monopólio
exclusivo da força. As leis são estabelecidas nas práticas virtuosas da sociedade com o
cuidado de não repetir o que não teve êxito. Por isso, é dito que não há nada pior do que a
deixar ser desrespeitada. Se isso ocorrer, torna-se clara a falha do exercício do poder de
quem a corrompe. Em contrapartida, em se tratando de Estado, tudo é válido, desde a
violação de leis e costumes e tudo o mais que for necessário para atingirem as
consequências visadas: “os fins justificam os meios”. Esse “quase” lema do pensamento
de Maquiavel necessitaria ser aclarado, o que não cabe aos propósitos deste trabalho.
Sendo assim, nessa visão de poder do Estado, é clara a importância da religião, pois
em nome dela são feitas valer muitas causas em favor do Estado (LEFORT, 2010, p. 177178). A religião é, sob a visão de Maquiavel, um instrumento político, se usada de modo a
justificar interesses os mais peculiares e, também, como conforto à população, que anda
sempre em busca de ideias, a estar disposta até mesmo a conceber sua vida em busca
destes (LEFORT, 2010, p. 194).
O êxito de uma república, consoante o autor, pode ser estrategicamente obtido
através da sucessão dos governantes. Se se intercalar os virtuosos como os fracos, o
Estado poderá manter-se. Mas, se, diferentemente, dois péssimos governantes sucederamse, ou apenas um, mas que seja duradouro, a ruína do Estado será inevitável, já que, desse
modo, o segundo governo não poderá utilizar-se dos bons frutos do governo anterior.
Desse modo, analisa a importância das repúblicas, já que nela os próprios cidadãos
escolhem seus governantes, de modo a aumentar a chance de se ter consecutivamente,
bons governos.
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Referindo-se à política de defesa, nota-se uma clara incompetência por parte do
soberano, pois é de sua exclusiva competência formar um exército próprio para a defesa
da nação. É também de suma importância saber a hora própria de se instruir na ditadura,
que, em ocasiões excepcionais, é necessária a fim de se tomarem decisões rápidas, a
dispensar, assim, consultar as tradicionais instituições do Estado. Após uma análise teórica
e comparativa em termos históricos, é colocada ainda a importância da fortuna, que tem
contingência própria e o poder de mudar os fatos. Assim, o autor define o papel do homem
na história: desafiá-la.
Compreende-se, assim, que o ideal é estabelecer um meio termo entre as formas de
governo a serem adotadas, e observar que a combinação das já existentes pode se mostrar
muito mais eficiente. A forma de administração do Estado deve adaptar-se ao seu
contingente populacional, e não as pessoas às suas leis.
No Capítulo VII d'O Principe, observamos que, o caso limite da conquista seria para
o príncipe recorrer aos meios extraordinários para chegar ao poder e que não depende da
exclusivamente da virtú (MANENT, 2007, 36), nem da fortuna, mas das armas. Para
Maquiavel,
os fins que ele advoga são aqueles aos quais julga prudente que os seres
humanos, que compreendem sua realidade, dediquem suas vidas. Os fins
últimos nesse sentido, sejam ou não aqueles da tradição judaico-cristã, são o
que geralmente se pretende dizer por valores morais (BERLIN, 2002, p.
314).
O que Maquiavel vislumbra não são princípios valorativos, mas valores políticos, ou
seja, o que ele quer não é emancipar a política da ética ou da religião. Pensa a política em
termos amplos, não podendo ser identificado como um técnico da política (LEFORT, 2014,
167). Ambiciona que possa existir uma prática política para o bem comum e justiça em ambas
partes da vida do ser humano (LEFORT, 2014, 170). .
A razão por que as pessoas não estão completamente abertas à influência é
que, nas massas, os interesses individuais se anulam uns aos outros, de tal
modo que acabam por funcionar no sentido da “regra”. Esta regra ou lei é o
fim objectivo da sociedade, que não pode ser alterado pelos subjectivos (
HELLER,1982, p. 271).
Dois são os meios possíveis de se tornar príncipe, pelo valor ou pela fortuna. Mas,
analisando este o tema do valor e da fortuna nos indagamos sobre se seria possível alcançar o
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poder sem usar a virtú e a fortuna. Como conhecimento político, como manipulação política,
como prática política ou através da ética política? A resposta seria:
Se um homem falhar neste conhecimento político geral e na práxis política,
pode ser subtilíssimo e um astuto dissimulador, pode empregar as
artimanhas mais adequadas da política, mas nunca conseguirá ser um
político sério...Se um homem não conseguir alcançar os resultados
desejados, e benéficos, com os meios permitidos em política – se, por outras
palavras, o seu conhecimento e prática políticas “saem pela cultura” -, então
as suas decisões éticas ou de manipulação não merecem o respeito ou o
perdão, (HELLER,1982, p.276).
Se um homem não conseguir alcançar os seus resultados políticos, então nem a ética
ou a manipulação poderão ser os seus critérios de argumentação. Nos Discursos perceberemos
que a práxis ocupa o primeiro plano, e, n’O Príncipe, a manipulação da ética é reiteradamente
utilizada. Para Maquiavel a manipulação seria o uso da totalidade dos meios de
implementação prática do conhecimento político.
Qual é a essência da manipulação em Maquiavel? É o uso da totalidade dos
meios com vista à implementação prática do conhecimento político.
Nenhum dos meios deve ser rejeitado se for necessário obter o resultado
desejado: é este, em resumo, o conteúdo da teoria dos meios e dos fins de
Maquiavel. Quanto a isto, é necessário sublinhar duas questões. A primeira
é que Maquiavel fala sempre dos meios que são necessários para atingir um
fim. Os meios que nos afastam do fim desejado (e da práxis) devem ser
rejeitados – quer se trate de meios bons ou maus. Num sentido político, os
maus meios apenas são meios inadequados, (HELLER,1982, p. 277).
Tratando-se ainda de valores morais ou políticos, o que se nos fornece como base de
análise das qualidades necessárias que uma pessoa ou um príncipe deva ter para manter-se no
poder, é necessário que um e outro, aprenda ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso
segundo a necessidade que o persegue. Além do que já foi dito, os homens e príncipes devem
estar no mais alto, pois assim todos poderão notar as suas qualidades.
alguns são tidos como liberais, outros como miseráveis (usando o termo
toscano mísero, porque avaro, em nossa língua, é ainda aquele que deseja
possuir pela rapinagem, e miséria chamamos aos que se abstêm muito de
usar o que possuem); alguns são tidos como pródigos, outros como rapaces;
alguns são cruéis e outros piedosos; perjuros ou leis; efeminados e
pusilânimes ou truculentos animosos; humanitários ou soberbos; lascivos ou
castos; estúpidos ou astutos; enérgicos ou indecisos; graves ou levianos;
religiosos ou incrédulos, e assim por diante (MAQUIAVEL, 1973, p. 69 –
70).
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Assim, um príncipe que possuísse entre todas as qualidades que foram ditas, ou que
demonstrasse possuí-las, ele será mau e bom ao mesmo tempo. E isto levaria o príncipe a ser
bom e ser prudente e que saiba evitar os eventuais defeitos em público, o que fará com que
pratique em seu governo as boas qualidades que permita assegurar o seu governo. É certo que
em determinados momentos os defeitos podem ajudá-lo em seu governo. Além de tudo as
coisas que pareçam ser virtudes e se forem praticadas, poderiam levá-lo à ruína.
Se um governante não depende da virtude para manter o seu Estado, mas sim dos
conhecimentos dos homens prudentes, sendo um governante prudente a sua tendência é ser
amigo dos seus inimigos, para que eles não venham a derrubá-lo de seu trono. Conforme
assinalado, essas qualidades são essenciais ao exercício do poder, mesmo simuladas em certas
circunstâncias, tanto na visão moral ou política. É neste sentido que Maquiavel crítica os
cristãos por querer regular as ações humanas e políticas pelas leis de uma moral abstrata, com
os ideais do cristianismo.
Os ideais do cristianismo são a caridade, a misericórdia, o sacrifício, o amor
a Deus, o perdão aos inimigos, o desprezo pelos bens deste mundo, a fé na
vida depois da morte, acresça na salvação da alma individual como algo de
incomparável valor – mais elevado do que todo objetivo social, político ou
qualquer outro propósito terrestre, qualquer outra consideração econômica,
militar ou estética, na verdade, inteiramente incomensurável em relação a
qualquer um desses valores (BERLIN, 2000, p. 314).
O que Maquiavel busca é assinalar que os homens acreditam nesses ideais e os
praticam, mas num certo sentido de estabelecerem o bom estado cristão. Disso ele nos
convence de que as virtudes cristãs são meros obstáculos à construção de uma sociedade onde
a justiça possa reinar tanto na prática moral como nas ações políticas, ou seja, uma sociedade
onde satisfaz os desejos e interesses dos homens dos quais buscam o exercício prático em seu
dia a dia. “É, pois, uma condição fundamental da política se desenrolar na aparência”
(BIGNOTTO,1992, p. 117). Mas, se a condição da política só depende do desenrolar de sua
aparência, onde ficaria a sua moralidade? Permaneceria na prática tanto da vida em sociedade
como na vida individual. “Falar apenas em divórcio entre ética e política não espelha o
pensamento de Maquiavel, ainda que para ele a ética pareça ser apenas o depósito de nossas
representações (BIGNOTTO, 1992, 117).
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A problematização desta pesquisa se dá a partir das obras de Maquiavel, procurando
elementos que possibilitem compreender a construção do pensamento de Maquiavel e que se
encontram na história, na análise da tomada e conservação do poder, e na utilização dos meios
adequados para o governo de uma cidade, tais como o poder, as armas, as leis e a religião. É
assim que a religião apresenta-se como um elemento indispensável para a compreensão das
relações entre as esferas humana e política, Maquiavel relata a religião como um instrumento
da política, fazendo uma diferenciação entre a moralidade pagã antiga e a cristã.
Esta pesquisa busca desenvolver uma análise das ideias políticas nas obras de
Maquiavel, aprofundando o contexto de uma Florença representada por muitos de seus
contemporâneos, como uma cidade arrasada tanto pelos estrangeiros, como por seus próprios
políticos. Massimo Firpo afirma em seu livro O Cardeal, que a política da Itália, que os
Estados não eram o centro da vida política e cultural, alguns chegavam a ser abalados por
crises, mas a Igreja, que era comandada por pontífices, diretamente envolvidos com a política,
inclusive possuindo um poder maior do que aquele atribuído aos príncipes. Os cardeais eram
nomeados pelo Papa e, deste modo, os designados eram pessoas próximas ao Pontífice,
parentes ou pessoas de sua confiança ou de famílias ricas que em troca do chapéu cardinalício
pagavam altas somas. É nesta busca por encontrar soluções para esses problemas que
Maquiavel escolheu o modelo romano que conheceu por intermédio de Tito Lívio, talvez por
sua própria relação com a Florença moderna, ou talvez por ter contatado-a durante suas
leituras, cuja obra lhe acompanhou desde as primeiras fases de seus estudos latinos na casa
paterna (GRAZIA,1993).
Esta política da Igreja afetava diretamente a política, interna e a externa, das cidades
que em geral estavam diretamente ligadas à política de Roma. As cidades ligadas ao
pontificado não dispunham de liberdade para organizar o seu governo, e suas decisões
dependiam do governo central; já as que não estavam diretamente ligadas ao pontificado eram
impedidas de conduzir uma política que satisfizesse os interesses da população.
Maquiavel sublinha que nenhum Estado sobrevive sem a religião (MANENT, 2007,
46-47). Não porque se sustente pela fé ou pela crença em Deus. A sua razão está na finalidade
que lhe é externa, qual seja, um devotamento dos súditos à pátria e às causas cívicas. Desta
maneira, o temor a Deus pode ser um importante elemento que o monarca pode utilizar para
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tornar o povo mais submetido ao Estado, o que, em última análise, facilita a sua
administração.
A dupla função da religião, de coerção e de persuasão, coincide, respectivamente, com
a virtù do príncipe e a do povo. A religião, compreendida como instrumentum regni, requer
do príncipe a capacidade de servir-se de modo sagaz da fé do povo para levá-lo à obediência
da lei civil (MAQUIAVEL, 2007, p. 58). Quer dizer, somente um príncipe 'virtuoso' é capaz
de levar o povo a temer a desobediência às ordens do Estado como se fosse uma ofensa a
Deus. E por que o povo estaria mais propenso a obedecer às ordens divinas do que às
humanas? Para Maquiavel, isso se deve à superioridade da eficácia do mandamento divino em
relação à lei humana para submeter o povo, pois este, segundo ele:
Teme muito mais romper os juramentos do que as leis por prezar mais o
poder de Deus do que o dos homens (MAQUIAVEL, Discorsi I, 11).
Note-se que Maquiavel não nega que a religião tenha sua função social e política;
aliás, a função elementar da religião é focalizada quando ele relata que após a morte de
Rômulo, seu sucessor, Numa, encontrou um povo rude e bravio e que para impor-lhe a
obediência civil, para que pudesse conviver em paz. Ele diz:
Voltou-se para a religião como o agente mais poderoso da manutenção da
sociedade, fundando-a sobre tais bases que nenhuma outra república
demonstrou maior respeito pelos deuses, o que facilitou todos os
empreendimentos do Senado e dos grandes homens que aquele Estado viu
nascer (NAMER, 1982).
Para Maquiavel, governantes e governados, conhecem a verdade da religião de modo
diferente.
O príncipe conhece a verdade da religião de maneira racional, ao passo que o
povo, quando muito, conhece-lhe a falsidade quando a intenção de embuste
do mediador lhe é descoberta (NAMER, 1982).
Portanto, o verdadeiro problema não é saber se há ou não algum conteúdo de verdade
na religião, e, sim, o de canalizar os sentimentos e as energias que a religião suscita no
espírito dos homens em uma direção politicamente útil e construtiva. Isso justifica a
necessidade de esses homens dissimularem o próprio juízo no confronto das coisas que dizem
respeito à religião. Igualmente, é o que fundamenta a exigência de fingir uma atitude
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exatamente oposta, cultivando e protegendo e, na situação concreta, também suscitando tudo
quanto seja capaz de favorecer o sentimento religioso coletivo.
Para Berlin, (2002, p. 323) o ideal de Maquiavel é uma crítica do sistema que na época
era autoritário, que regiam as normas da natureza humana, tanto, para os indivíduos
autônomos como para os da vida públicas, ou seja, a natureza humana apesar de individuais
decidem pela política, a massa não pode agir tanto comunal e moral.
o ideal de Maquiavel é delineado, particularmente nos Discursos, a
atividade política é intrínseca à natureza humana e, apesar de alguns
indivíduos aqui e ali decidirem abster-se da política, a massa da
humanidade não pode agir assim; e sua vida comunal determina os deveres
morais de seus membros, (BERLIN, 2000, p. 323).
Já Bignotto afirma que, (1992, p.119) Maquiavel não opõe duas esferas autônomas da
ação humana, da política e da ética. Mas, a maneira de como deve ser concebida a ética
(cristã) que busca revelação na consciência e as outras antigas fundadas no respeito ao bem
público. Portanto, Bignotto, separa a ética abstrata (cristã) da ética política (pública).
Maquiavel não opõe duas esferas autônomas de ação – a política e a ética –
mas (...) duas maneiras de se conceber a ética: uma cristã, fundada na
revelação e na consciência, e outras antigas, fundadas no respeito ao bem
público e às leis da polis. (BIGNOTTO, 1992, p. 119).
Segundo o florentino, (1992, p. 119) a ética cristã, é incapaz de fundar uma sociedade
livre e forte. “Nossa religião dá mais crédito às virtudes contemplativas do que às virtudes
ativas” (BIGNOTTO, 1992, p.119).
Maquiavel, sabendo que o cristianismo triunfou das ruínas de Roma, o seu projeto era
buscar a destruição do espírito cristão que se cristalizava na Itália como um espírito
dominante do bem que chamamos de valor. Surge então a delimitação de ética na política,
onde na verdade ética e política estavam ligado a um pensamento renascentista.
É preciso assinalar que Maquiavel evita a discussão de ordem exclusivamente
teológica, que inevitavelmente exigiria o recurso aos textos e que culminaria na análise dos
fundamentos e da verdade pronunciada pela religião (TARCOV, 2014, 194-199). O que
procura, no entanto, é compreender o desenvolvimento do estatuto da religião, pois esta
compõe o estabelecimento e conservação do ordenamento político e a busca de seus fins. O
que almeja é situar a religião como instrumento pedagógico e moral para a segurança do
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Estado, sendo, ainda, um elemento constitutivo da identidade social e que integra a coletiva
em metas comum e visa fortalecer os vínculos; nas palavras de Maquiavel “(…) onde há
religião, facilmente se podem introduzir armas; e, onde houver armas, mas não houver
religião, esta com dificuldade poderá ser introduzida” (MAQUIAVEL, 2007, p. 50).
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
Este trabalho analisa o lugar que a religião ocupa no pensamento político e é neste
sentido que a religião apresenta-se como um elemento indispensável para a compreensão das
relações entre as esferas humana e política; não é por acaso que Maquiavel já relatava a
religião como um instrumento da política, fazendo uma diferenciação entre a moralidade pagã
antiga e a cristã.
No primeiro momento da pesquisa entendemos que a religião ganhou força e tornou-se
o agente mais poderoso da manutenção da sociedade. Um recurso à história pode sustentar tal
posicionamento. Os resultados mostraram que o agir humano tem algo de imprevisível,
pulsional, violento, mau, e que, por isso, necessita de algo que o regule, sejam normas sociais,
políticas, morais ou religiosas. É a religião que tem atuado historicamente, desse modo , como
um centro regulador (TARCOV, 2014). As demais normas submetem-se, assim, às exigências
próprias da religião, tornando-a imprescindível para a avaliação das demais normas. Esse é o
ponto: a religião interrompe o movimento das ações humanas, e como força centrípeta,
reorganiza e reordena aquelas ações com vistas ao equilíbrio social e ao bem comum político.
Assim temos um procedimento metodológico que analisa esse fenômeno por sua capacidade
de cumprir a tarefa cívica de mobilizar os homens a favor do fortalecimento do Estado.
Em um segundo momento da pesquisa entendemos que a função da religião na
atualidade tem ocupado o espaço autônomo que cabia fundamentalmente à política e os males
que podem ocasionar tal inversão.
A religião nunca esteve totalmente confinada aos espaços privados, sendo que houve
uma ascensão das mais diversas crenças religiosas atualmente e a inserção massiva de seus
representantes na política radicalizaram esse cenário, tornando difícil imaginar um Congresso
sem a presença de candidatos eleitos por tais representações. Considera-se, assim, que há uma
instrumentalização mútua entre religião e política, percebida no estabelecimento de alianças
entre os maiores partidos laicos do país e as lideranças religiosas, que objetiva cooptar o fiel
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eleitorado apelando a credos de cunho religioso. O entrelaçamento da religião com a política
mostra, deste modo, todo o seu poder de sustentação ideológica, política e econômica. E
atualmente os representantes parlamentares e a mídia viram espaços para a publicização de
discursos baseados no tradicionalismo, na defesa da família e da moral cristã, como se fossem
herdeiros de Savonarola, tão combatido por Maquiavel. Assim, na esteira do fortalecimento
do conservadorismo de nossa sociedade, pautas controversas como o aborto, o casamento
civil de pessoas do mesmo sexo e, ainda, a democratização dos meios de comunicação
continuam interditadas no debate público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos admitir que a proposta de Maquiavel, defensor da autonomia da política,
ainda não se concretizou no Brasil. Haveria uma equiparação entre o combate empreendido
por Maquiavel e os embates contemporâneos entre política e religião? A resposta é,
infelizmente, positiva. No caso específico do Brasil, a política nacional ainda abriga
moralidade e crenças religiosas que minam o avanço de questões que afetam o bem comum.
Se a religião pode ser um instrumento poderoso da política que visa a administração da
política, a política se tornou o instrumento para a satisfação dos ideais religiosos, subvertendo
a lógica da ação política. Neste sentido, se há quem espere a vinda do Messias, ainda estamos
esperando por Maquiavel.
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No. 1 : Spring.
A RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA: O QUE MAQUIAVEL PODE NOS ENSINAR? MARCOMINI, Roberson
Augusto, SIMÕES, Mauro Cardoso
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