CENTRO DE ESTUDOS ANGLICANOS – CEA

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CENTRO DE ESTUDOS ANGLICANOS – CEA
Clonagem: questionamentos e provocações*
Rev. Carlos Eduardo Calvani
Recentemente, a imprensa publicou informações de que um
cientista italiano estaria realizando experiências em clonagem e
garantindo que no próximo ano, seria apresentado ao mundo o
primeiro clone humano. Alguns grandes jornais do país logo
procuraram ouvir a posição oficial das igrejas frente a esse tema.
Trata-se de um assunto novo, recentemente colocado na pauta de
discussões da ética e da teologia. Naturalmente, as igrejas deverão
num futuro próximo, iniciar um amplo processo de discussão a
respeito desse assunto e, muito provavelmente, esse tema será alvo
de debates na próxima Conferência de Lambeth e em outras
estruturas de nossa Comunhão.
Esse tema não pode ser discutido, isolada e separadamente de
seu escopo maior, que é a própria questão da engenharia genética (a
manipulação de gens). Tudo indica que num futuro próximo,
estaremos envolvidos novamente na velha discussão entre fé e
ciência. Isso vai exigir das igrejas um maior aprofundamento no tema
da ética, da teologia da criação e da dignidade humana, e essa
reflexão deve ser conduzida com muita coerência e segurança,
visando estabelecer pontes entre a fé a ciência e não apenas criar
novos abismos entre essas duas instâncias. Não podemos esquecer o
fato de que muitos que acentuam a incompatibilidade entre fé e
ciência, em geral se esquecem de que são beneficiários de muitos
avanços na medicina. Tomam remédios alopáticos e eventualmente
são submetidos a transplantes de órgãos. Nesse caso, esquecem-se
de que a interferência científica na “ordem natural” é que lhes tem
garantido sobre-vida e mais saúde. Essa é uma atitude temerária e
própria dos que sempre desconfiam que a ciência está querendo
tomar o lugar de Deus. É preciso entender que a engenharia genética
pode prestar um grande serviço à humanidade, desde que o domínio
de suas técnicas não esteja centralizado na mão de poucos
(principalmente das grandes corporações financeiras que regem o
mercado) e que seja regulamentado por princípios éticos sólidos.
*
Este texto foi escrito em julho de 2001 e publicado no jornal “Estandarte Cristão”
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A bioética (área de pesquisa relativamente nova, nascida
exatamente a partir da reflexão sobre o avanço da engenharia
genética) levanta atualmente, no caso da possível clonagem de seres
humanos, perguntas bastante simples, mas tremendamente
pertinentes, tais como: “qual a identidade pessoal do clone?”; “sua
vida tem algum valor à parte daquele para o qual foi programado?”;
“quem se responsabiliza pelos atos do clone?”; “a paternidade e
maternidade do clone – com todos os direitos e deveres envolvidos –
pertence a quem? ao genótipo matriz, ao laboratório, aos cientistas
envolvidos ou ao Estado?” Observamos, a partir daí, que não se pode
tratar com leviandade e superficialidade um assunto que atinge
diretamente o nosso conceito de “ser humano”. Impor a um ser
humano a identidade genética de outro e multiplicá-la por causa das
qualidades, capacidades ou habilidades contidas em seu genoma,
representa uma nítida instrumentalização, impossível de conciliar com
a idéia da dignidade e liberdade humanas. Um ser humano não pode
ser chamado à vida apenas para ser doador de órgãos ou qualquer
outro motivo ligado a interesses comerciais (venda de órgãos para
transplante?) ou científicos. Não podemos nos esquecer de que, até
que a ovelha Dolly fosse apresentada à imprensa, diversas
experiências fracassadas foram realizadas, resultando em animais
deformados e com aspecto monstruoso, até que fosse obtido o
resultado esperado.
Finalmente, é preciso se perguntar também, o que representa o
atual discurso científico de “aperfeiçoamento do ser humano”.
Tornarmo-nos mais humanos não é apenas questão de
aperfeiçoamento físico ou genético, mas ético e, sobretudo, espiritual.
Os atuais rumos da ciência, podem acabar nos privando da
genialidade e criatividade de tantas pessoas que, a despeito de
sofrerem de doenças genéticas, enriqueceram o patrimônio artístico e
cultural da humanidade de forma inigualável. Lembremo-nos da
surdez (genética e hereditária) de Beethoven, a esquizofrenia de
Mozart, a demência de Nietzsche e o conjunto de distrofias de
Stephen Hawking. No admirável mundo novo, parece não haver lugar
para eles. É preciso aprender que, bíblica e teologicamente, a
qualidade de uma sociedade ou civilização se mede não pela suposta
“perfeição” física de seus componentes, mas pelo respeito à
dignidade de seus membros mais fracos.
Uma das reflexões escritas por prisioneiros políticos da África do
Sul na época do Apartheid, é extremamente lúcida, e pode auxiliar
nossa reflexão em torno desse tema da busca da perfeição genética:
Nosso maior medo não é o de sermos inadequados ou
incapazes;
Nosso maior medo é o de sermos poderosos além da medida;
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O que nos assusta não é nossa escuridão, mas o excesso de luz
que julgamos ter.
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