UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS INSERÇÃO INTERNACIONAL E DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA: UMA ANÁLISE DA MUDANÇA DE TRAJETÓRIA DA ECONOMIA PARAGUAIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Letícia Temp Santa Maria, RS, Brasil 2014 INSERÇÃO INTERNACIONAL E DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA: UMA ANÁLISE DA MUDANÇA DE TRAJETÓRIA DA ECONOMIA PARAGUAIA Letícia Temp Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Adriano José Pereira Co-Orientadora: Profa. Danielle Jacon Ayres Pinto Santa Maria, RS, Brasil 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS A Comissão Organizadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso INSERÇÃO INTERNACIONAL E DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA: UMA ANÁLISE DA MUDANÇA DE TRAJETÓRIA DA ECONOMIA PARAGUAIA elaborado por Letícia Temp como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais COMISSÃO EXAMINADORA: Adriano José Pereira, Dr. (UFSM) (Presidente/Orientador) Danielle Jacon Ayres Pinto, Ma. (UFSM) (Co-Orientadora) Daniela Dias Kühn, Dra. (UFSM) Santa Maria, dezembro de 2014. RESUMO Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Relações Internacionais Universidade Federal de Santa Maria INSERÇÃO INTERNACIONAL E DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA: UMA ANÁLISE DA MUDANÇA DE TRAJETÓRIA DA ECONOMIA PARAGUAIA AUTORA: LETICIA TEMP ORIENTADOR: ADRIANO JOSÉ PEREIRA CO-ORIENTADORA: DANIELLE JACON AYRES PINTO Local da Defesa: Universidade Federal de Santa Maria, prédio de apoio. O presente trabalho tem por finalidade analisar a economia do Paraguai visando identificar se houve mudança na sua trajetória. Compreendendo que a economia de um país, na dinâmica atual, é afetada em grande medida por fatores globais, confirma-se a percepção de que as políticas adotadas por um Estado devem estar aliadas ao conhecimento das vantagens comparativas existentes internamente, bem como das oportunidades de inserção internacional para que o país obtenha melhores níveis de desenvolvimento econômico. O período abrangido no trabalho tem foco de 1990 a 2014 e, a partir da análise de dados, constatou-se a mudança na trajetória econômica paraguaia a partir dos anos 2000. O país, inicialmente agroexportador, a partir de sua crescente abertura comercial e políticas de atração de investimentos, interagiu de forma diferenciada com âmbito internacional. O desempenho dos produtos primários, especialmente o complexo sojeiro, aliado a uma nova participação nas Cadeias Globais de Valor com as maquilas, representaram a exploração de novos mercados, uma evolução no seu aparato industrial e uma diversificação da sua pauta exportadora. Palavras-chave: Paraguai; Inserção Internacional; Trajetória econômica. ABSTRACT Senior Tesis International Relations Majors Universidade Federal de Santa Maria INTERNATIONAL INSERTION AND PRODUCTIVE DIVERSIFICATION: AN ANALYSIS OF THE CHANGE IN PARAGUAYAN ECONOMY TRAJECTORY AUTHOR: LETÍCIA TEMP ADVISER: ADRIANO JOSÉ PEREIRA CO-ADVISER: DANIELLE JACON AYRES PINTO Defense Place: Universidade Federal de Santa Maria, prédio de apoio. The study aims to analyze the Paraguayan economy, seeking to identify if there was a change in its trajectory. Realizing that the economy of a country is largely affected by global factors, confirms the perception that the policies adopted by a state must be combined with the knowledge of existing comparative advantages internally, as well as opportunities for international integration for the country to get better levels of economic development. The period covered in the study is 1990 to 2014 and, from the data analysis, it was found that the change in the economic trajectory in Paraguay occurred from the 2000’s. The country initially agro exporting from the increasing trade openness and policies to attract investment, interacted differently with international scope. The performance of the commodities, specially the soybean complex, coupled with a new participation in Global Value Chains with the maquilas, represented the exploration of new markets, an increase in its industrial apparatus and a diversification of its export basket. Key-words: Paraguay; International Insertion; Economic Trajectory. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Evolução em percentual do grau de abertura da economia paraguaia no período de 1991 a 2013.............................................................................................34 Gráfico 2 – Indicação do foco das importações paraguaias no período de 1991 a 2013............................................................................................................................47 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Participação percentual das principais regiões de destino das exportações paraguaias no período de 2005 a 2014.................................................41 Tabela 2 – Participação percentual dos principais produtos de exportação paraguaia no período de 2005 a 2014........................................................................................43 Tabela 3 – Maquilas: Exportações em milhões de US$ e número de unidades instaladas no período de 2001 a 2014.......................................................................51 Tabela 4 – Valores em US$ das exportações dos principais produtos da Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores no período de 2011 a 2013.......................52 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ALADI: Associação Latino Americana de Integração BBVA: Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Braspar: Centro Empresarial Brasil-Paraguai CADEP: Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia CEPAL: Comissão Econômica para América Latina e o Caribe CGVs: Cadeias Globais de Valor EDEP: Plano de Desenvolvimento Inclusivo no Paraguai FOCEM: Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IED: Investimento Externo Direto JICA: Agência de Cooperação Internacional do Japão Mercosul: Mercado Comum do Sul NAFTA: Tratado Norte-Americano de Livre Comércio PIB: Produto Interno Bruto PSCI: Programa de Substituição Competitiva de Importações Rediex: Rede de Investimentos e Exportações UNCTAD: Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................9 1 ECONOMIA PARAGUAIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA ..........12 1.1 Breve contextualização sobre a Independência e as duas guerras (1864-70 / 1932-35) ................................................................................... 12 1.2 Os fatos subseqüentes às duas guerras ................................................ 22 1.3 Os choques econômicos no Paraguai a partir de 1940......................... 25 2 PILARES DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PARAGUAIO ................................................................................... 30 2.1 Abertura comercial do Paraguai ............................................................. 33 2.2 A inserção do Paraguai nas Cadeias Globais de Valor ......................... 35 2.3 Exportação de commodities e produtos agroindustriais...................... 39 2.3.1 Exportação de energia elétrica ...................................................... 44 2.4 Comércio de reexportação ...................................................................... 45 2.3.1 Comércio de triangulação .............................................................. 45 2.3.2 Maquilas ........................................................................................ 48 2.5 Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores ..................................... 51 2.6 Incentivos ao desenvolvimento e à atração de IED no Paraguai ......... 53 CONCLUSÃO ....................................................................................... 58 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 60 9 INTRODUÇÃO A economia de um país é afetada por questões internas como população, território, governos, mas, especialmente, na era atual, é conduzida por fatores globais. A consonância dos elementos internos com a conjuntura mundial define o rumo do desenvolvimento econômico do país. O presente trabalho analisa a história econômica do Paraguai e tem seu foco no período de 1990 a 2014, visando identificar se houve mudança na trajetória econômica do país. O período escolhido para a análise se justifica, pois, a partir da década de 90 juntamente com a redemocratização, o país começa a participar mais ativamente de organismos internacionais e iniciam as elaborações de algumas políticas de incentivos e isenções fiscais com a finalidade de fortalecer o setor industrial, ainda tão incipiente no país. É também a partir da década de 90 que o Paraguai inicia um processo de progressiva abertura comercial da sua economia, aumentando sua inserção internacional. Esses fatores apresentam resultados, especialmente, a partir dos anos 2000, quando o país consegue consolidar novos mercados e se observa uma mudança na pauta de suas exportações, bem como a participação do Paraguai nas Cadeias Globais de Valor. A efetividade da inserção de um país pequeno depende da sua capacidade de articulação e negociação, bem como a noção das condições do Sistema Internacional para que se faça possível identificar internamente quais as vantagens comparativas existentes capazes de serem oferecidas, bem como as oportunidades a partir das quais pode se beneficiar. Um modelo de inserção internacional é sempre orientado pela trajetória histórica do país, e é apoiado em políticas governamentais. Essas podem ter sofrido rupturas com conseqüentes mudanças de rumo, em caso de processos de independência, guerras, golpes de Estado, ocupação de poderes externos ou como no caso paraguaio, da mudança de um regime ditatorial para um democrático e, posteriormente, da mudança de partidos no poder. De toda a forma, é inegável que a inserção internacional de um país agro-exportador será feita de maneira distinta se 10 comparada à inserção de um país com um projeto de economia baseada em bens de maior valor agregado. O processo de diversificação produtiva e de industrialização do Paraguai conta, majoritariamente, com investimentos do setor privado, enquanto o setor público tem seu foco nos áreas mais básicos do país. Essa industrialização, até o início do século XXI, era predominantemente voltada para a agroindústria e manufaturas de baixa tecnologia. A partir da promulgação da Lei das Maquilas e decretos de incentivo para a indústria de montagem, o país começa a vivenciar uma realidade em que os processos contam com uma tecnologia mais avançada que anteriormente. Devido ao alto grau de abertura da economia e de variados fatores de receptividade, é crescente a presença de empresas e capital estrangeiros no território. Os critérios selecionados para a análise neste trabalho têm o objetivo de identificar quais as políticas adotadas pelo governo paraguaio e verificar os seus efeitos sobre a economia do país, a fim de observar se há uma mudança efetiva na trajetória dessa economia ao longo dos últimos anos. Para isso, com base nos pilares econômicos do país - exportação e reexportação, há a análise dos seguintes indicadores: a evolução do grau de abertura da economia, a pauta dos principais produtos exportados e seus destinos, a exibição de alguns produtos da nova Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores, bem como dados do progresso das indústrias maquiladoras instaladas no país. No Paraguai, ainda estão sendo consolidados os organismos oficiais de coleta de dados e de pesquisa. Por essa razão, há uma dificuldade na obtenção de informações e estas, muitas vezes, são divulgadas de forma equivocada ou muito fragmentada. Contudo, os dados e informações encontradas foram suficientes para constatar que a mudança de trajetória, de fato, ocorreu. O conteúdo deste trabalho, no que se refere a informações mais precisas, conta com estudos elaborados pelo Banco Central do Paraguai; pela CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe; pela CADEP - Centro de Análises e Difusão da Economia Paraguaia, e autores vinculados ao Centro; Rediex - Rede de Investimentos e Exportações; e pelos Ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio do Paraguai. O estudo está dividido em 02 capítulos. O primeiro, com viés histórico, visa dar o embasamento para entender as razões do estágio econômico que o Paraguai se encontra atualmente. Faz um breve resgate do período colonial e do processo de 11 independência, os principais governantes do país até 1990, as duas maiores guerras que o Paraguai esteve envolvido e a abordagem dos três grandes choques que afetaram o país economicamente. Já o segundo capítulo, além de enquadrar o Paraguai nas Cadeias Globais de Valor, abrange todos os indicadores selecionados, detalhando suas particularidades, oportunidades e fundamentar o raciocínio para a conclusão final do trabalho. deficiências, buscando 12 1 ECONOMIA PARAGUAIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA Para que seja possível entender a situação presente de um país, é imprescindível que se conheçam os fatos que orientaram o curso de sua história. Condições geográficas, interesses econômicos e financeiros, formas de governo, conflitos e alianças, tudo influencia e torna-se resposta para a conjuntura atual. O Paraguai, durante os séculos XIX e XX, teve momentos de prestígio mas, especialmente, contou com uma turbulenta vida política, guerras civis, ditaduras e dois conflitos internacionais: a Guerra contra a Tríplice Aliança, também chamada de Grande Guerra; e a Guerra do Chaco, contra a Bolívia. A história mostra que o país só estava propício para consolidar uma inserção internacional após a queda de Strossner e a chegada da democratização. Dessa forma, a análise histórica da economia paraguaia será feita em três etapas. A primeira fará uma rápida contextualização acerca dos fatos que marcaram o período colonial paraguaio e as motivações para a conquista da sua independência, além de suas conseqüências e os primeiros governantes que comandaram o país a partir de então. Tratará também da ditadura de Strossner, a mais longa instalada no país, e das razões que levaram à eclosão das duas maiores guerras. A segunda parte do capítulo discorrerá a respeito da situação do país após as guerras e das opções encontradas pelo Estado para minimizar as seqüelas deixadas por elas. A terceira seção abordará os três choques econômicos que atingiram o Paraguai a partir de 1940, e como eles prepararam o país para a entrada no século XXI. 1.1 Breve contextualização sobre a Independência e as duas guerras (1864-70 / 1932-35) Os séculos XVI a XVIII marcaram a história do Paraguai pelo seu período colonial. Explorado por espanhóis, o território, escasso em ouro e prata, era utilizado 13 para abastecimento agropecuário para as demais missões de conquista e colonização (FIGUEREDO; FILIPPI, 2005). O vice-reino do Rio da Prata, criado pelos espanhóis em 1776 como alternativa de contenção da expansão portuguesa na região, abrangia o que hoje é Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e uma parte do Oceano Pacífico. Paraguai, uma das intendências dependentes que compunham o vice-reino, tinha participação preferencial no comércio regional da erva-mate e no comércio de produtos como madeira, tabaco e couro a nível internacional, utilizando-se dos portos de Buenos Aires e Montevidéu. Essa conexão com outras partes do mundo permitiu uma maior circulação de moeda metálica e oferta de produtos manufaturados europeus no Paraguai, especialmente nas últimas décadas do século XVIII (DORATIOTO, 2002; FIGUEREDO; FILIPPI, 2005; YEGROS; BREZZO, 2013). Contudo, esse bom desempenho da província era prejudicado por alguns fatores. O território paraguaio dividia fronteiras com domínios americanos de Portugal, e os diversos tratados assinados entre este e a Espanha (Tratado de Tordesilhas - 1494; Tratado de Madri - 1750; Tratado de Santo Ildefonso - 1777) “fixaram os novos limites mediante acidentes geográficos, que deviam ser localizados e demarcados em territórios ainda bem pouco conhecidos” (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 19). Esta indefinição de limites, constantemente, provocava reclamações paraguaias quanto a ocupações julgadas indevidas. Outros reclames provinham das taxas alfandegárias que gravavam em Buenos Aires para produtos que procediam do Paraguai (YEGROS; BREZZO, 2013). Esses fatores instigavam mudanças na província, sobretudo motivados por insatisfações com as ordens vindas da Espanha. Aparte desses descontentamentos regionais, houve fatores fora do continente que fortaleceram a gana paraguaia por independência. “Em 1808, o imperador da França forçou a transferência do trono da Espanha para sua família, mantendo como prisioneiro o rei Fernando VII” (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 21). Constituiu-se uma Junta Suprema Central para tratar dos assuntos políticos e ainda que, inicialmente, tenha predominado a fidelidade ao monarca, não tardou o surgimento dos questionamentos a respeito da autoridade da metrópole, visto que a falta da figura do rei significava a ausência de uma autoridade suprema que representasse os vínculos com a metrópole hispânica (YEGROS; BREZZO, 2013). 14 A conseqüência, na América, foi o desenvolvimento de um sentimento dos “hispano-americanos de governarem-se a si mesmos, enquanto o rei Fernando VII estivesse em cativeiro, traduzida na formação de juntas que exerceriam com autonomia a autoridade em seus respectivos territórios” (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 21). Neste contexto, a burguesia mercantil de Buenos Aires, local sede do vicereino do Prata, encabeçou a independência do vice-reino, cuja motivação era a implementação de um “[...] Estado nacional centralizado, sob sua hegemonia, com a unificação das economias das demais províncias da ex-colônia” (DORATIOTO, 2002, p. 24). O impasse ocorreu, porém, quando na intenção de centralizar, no porto de Buenos Aires, as trocas mercantis internacionais da região platina, fato que dificultaria o comércio marítimo das elites do interior em benefício da burguesia mercantil portenha, e acabou provocando forte reação nas províncias (DORATIOTO, 2002). Foi em meio a essa crise da monarquia hispânica e disputa hegemônica na região entre Portugal e Buenos Aires, que Paraguai reivindicou sua independência em 1811 e a efetivou em 1813, insistindo na troca da designação de Província para República (DORATIOTO, 2002). Somente em 1842, iniciou a busca pelo reconhecimento internacional de sua independência, com êxito tão só em 1852. A República proclamada fora a primeira da América do Sul, surgindo, de pleno direito, o Estado paraguaio, rompendo todos os laços de dependência colonial (DORATIOTO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013). Inicialmente no país governavam cônsules, sendo que da breve direção de Fulgencio Yegros e José Gaspar Rodríguez de Francia sucedeu uma ditadura, do segundo, de quase 30 anos (1814-1840). Francia almejava conservar a paz, a tranqüilidade interior e exterior, e a independência de seu país. Essas intenções se traduziram em um isolamento parcial do Paraguai, com relações comerciais que somente suprissem as necessidades mínimas do país, estando estas subordinadas a interesses políticos. Essa restrição de comércio provocou declínio nas exportações e, obviamente, afetou o país economicamente (YEGROS; BREZZO, 2013). A economia passou a centralizar-se no Estado, que regulava todas as atividades e monopolizava o comércio dos principais produtos da economia nacional: de erva-mate, madeira e tabaco. Estes produtos, juntamente com o couro, 15 serviam como moeda de troca para armas, artigos têxteis e metalurgias (DORATIOTO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013). O afastamento das lutas platinas e esse isolamento paraguaio foram questões superadas com a queda de Francia, em 1840, e já nos primeiros anos do governo de seu sucessor, o advogado, Carlos Antônio López, o país se sentia suficientemente apto a buscar externamente o reconhecimento da sua independência (DORATIOTO, 2002). Como no governo anterior as terras das elites tradicionais haviam sido confiscadas, neste momento os grupos oligárquicos (responsáveis por administrar e investir) estavam desestruturados e sem forças para promover uma modernização da economia, fator essencial para garantir o posicionamento a nível internacional. Assim, coube ao Estado o papel de dinamizar a economia de forma a representar “os interesses vitais da nascente burguesia rural cujo poder e sofisticação se garantiam com a expansão de um regime capitalista fortemente baseado nos itens exportáveis da produção agropecuária” (KRAUER; HERKEN, 1982, p. 46 apud DORATIOTO, 2002). O reconhecimento internacional da independência, em 1852, trouxe consigo a consagração da navegação do Prata e do Rio Paraná e, conseqüentemente, um crescimento do comércio exterior paraguaio (YEGROS; BREZZO, 2013). Com o acesso ao mar garantido, o país pôde ampliar a lucratividade da exportação dos seus produtos primários a nível regional e mundial e, com isso, acelerar a modernização, no momento com foco especialmente militar. Em 1853, o país assina acordos de Amizade, Comércio e Navegação com diversos países, permitindo uma atividade mercantil mais ativa ainda, mas sem promover uma ampla abertura comercial e com forte controle da navegação no Alto Paraguai (DORATIOTO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013). O incremento das arrecadações aduaneiras permitiu que o governo multiplicasse suas receitas. No entanto, a prosperidade fiscal procedia não só dos tributos que gravavam o comércio; provinha principalmente da muito significativa intervenção estatal na economia do país. O Estado conservava o domínio da maior parte das terras rurais [...] determinava os preços dos produtos agros florestais e, desde 1846, se havia reservado o monopólio da exploração e comercialização da erva-mate, o principal produto de exportação do país, e o das madeiras (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 70). Essas receitas geradas eram destinadas, principalmente, para preparação militar e para a implantação de um processo industrial. Contavam com a 16 transferência de tecnologia de técnicos e profissionais europeus, fato este que, somado ao envio de estudantes para completar sua formação na Europa, acabaram por alterar diversos hábitos da sociedade que havia sido, por muito tempo, marcada pelo isolamento (YEGROS; BREZZO, 2013). Na Inglaterra, Francisco Solano López, filho mais velho do presidente Carlos Antonio López, firmou uma parceria com a empresa Blyth & Co, reconhecida por ser uma das mais avançadas do mundo em tecnologia na época. Essa combinação teve como resultado a compra de armamentos pelo Paraguai em troca do envio de pessoal para que recebessem treinamentos pelos ingleses. Além disso, houve a massiva contratação de técnicos europeus com a função de modernizar o país. Neste contexto, é importante enfatizar que “os projetos de infra-estrutura guarani foram atendidos por bens de capital ingleses e a maioria dos especialistas estrangeiros que o implementaram era britânica” (DORATIOTO, 2002, p. 30). As boas condições do início da década de 1850 (população de meio milhão de habitantes, e uma sociedade bastante diversificada e culturalmente desenvolvida), começaram a dar sinais de declínio a partir de 1858. Neste ano, houve fatos de conflito com diversas nações, dentre elas Estados Unidos e GrãBretanha. Com a primeira, o inconveniente surgiu com uma empresa de capital estadunidense que teve como conseqüência a perda de estímulo governamental paraguaio quanto à atração de capitais estrangeiros com fins industriais no país (YEGROS; BREZZO, 2013). Já com a Grã-Bretanha, não fora feito um tratado de comércio e navegação mais amplo, para renovar que o que fora assinado em 1853, e que havia expirado em 1860. Essa não renovação era prejudicial para o Paraguai, pois o comércio inglês era de suma importância para o país. Acrescido a isto, houveram problemas diplomáticos gerados pelo fracasso da colonização francesa no Chaco, inibindo o interesse paraguaio quanto à imigração européia (YEGROS; BREZZO, 2013). Em outubro de 1862 morre Carlos Antônio Lopez, e sobe ao poder seu filho, Francisco Solano López. Em vida, Carlos pregava uma resolução de conflitos por meio do diálogo e acordos, de modo a não envolver o país em guerras, especialmente em se considerando os países vizinhos. Doratioto (2002) relembra que esse cuidado devia ser redobrado com o Brasil, visto que as questões fronteiriças já eram um problema histórico e que, na década de 60, foram acrescidas de litígios territoriais para produção de erva-mate. Além da disputa por mercados de 17 consumo, havia o excesso de oferta, que reduzia os preços em um momento que o Paraguai necessitava dos recursos provenientes das exportações. Estas só poderiam ser ampliadas se utilizadas da porção cuja apropriação era brasileira. O conhecimento das debilidades do Paraguai dava caráter pragmático à sua política externa, para fazer possível o seu objetivo principal: a obtenção de um lugar a nível internacional para seu país (DORATIOTO, 2002). Solano López assumiu o Paraguai em uma época em que o Estado ainda estava isento de dívidas, unificado, detentor de 90% do território nacional e com o controle quase total do comércio interno e externo. O aproveitamento dos avanços tecnológicos trazidos pelos estrangeiros se dava nos setores militares e de defesa, enquanto camponeses paraguaios seguiam utilizando técnicas de cultivo bastante arcaicas. A tradição autoritária de governo foi mantida por Solano López e tinha-se o entendimento de que o desenvolvimento paraguaio, a partir da importação de tecnologia, só conseguiria ser mantido se houvesse um aumento de recursos pautado no aumento de exportações (DORATIOTO, 2002). Assim, a solução pensada pelo país fora a de aumentar sua presença na Bacia do Prata. Este fato, porém, além de alterar as relações que o país possuía com a Argentina, contou como elemento adicional nas tensões com o Brasil, uma vez que “este buscava manter o status quo platino, que se caracterizava pelo desequilíbrio favorável ao Brasil, hegemônico na área por ter sido, até então, vitorioso em influir sobre os Estados da região, por meio de um sistema de alianças” (DORATIOTO, 2002, p. 44). Na época, a Argentina buscava uma aproximação com os países platinos que pudessem fortalecê-la no combate ao recém-nascido governo central no seu país e às resistências federalistas que haviam restado, especialmente, em Entre Rios e Corrientes. Dentre os possíveis apoiadores, destacavam-se duas opções: os blancos, que estavam no poder no Uruguai; e o Paraguai. O primeiro contava com o porto de Montevidéu que, por ser uma alternativa paraguaia de saída para o oceano e uma opção para as exportações de Entre Rios e Corrientes, apresentava-se como competidor do porto de Buenos Aires (BARRÁN, 1982 apud DORATIOTO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013). Nesse contexto, os blancos buscaram uma aproximação entre o Uruguai, o Paraguai e a resistência federalista. E, o governo paraguaio, a fim de enfraquecer a hegemonia brasileira, eliminou os privilégios comerciais a partir da não renovação do 18 Tratado de Comércio e Navegação que tinha com o Brasil, impôs impostos sobre as exportações de gado em pé para o Rio Grande do Sul e procurou evitar o uso da mão-de-obra escrava por fazendeiros brasileiros, atividade que barateava a produção de charque com relação aos produtores orientais que utilizavam trabalho livre. Todos esses aspectos colocaram Assunção em rota de colisão com Argentina e Brasil, sendo a situação política do Uruguai apenas o elemento catalisador de todas as divergências (BARRÁN, 1982 apud DORATIOTO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013). O governo de Assunção estava dividido entre sua intenção de abandonar a condição de isolamento diplomático e a baixa disposição para oficializar a aliança pretendida pelo governo do Uruguai. Neste momento, o governo uruguaio lutava para se pacificar internamente e alertava o país guarani sobre os perigos de uma aliança entre Argentina e Brasil, especialmente contra as independências de Paraguai e Uruguai (YEGROS; BREZZO, 2013). Em meados de 1864, o grupo que comandava as ações para obtenção da paz interna no Uruguai contava com representantes da Argentina, Brasil e Inglaterra 1. Nos vários encontros, eram debatidas tanto as questões da pacificação do Estado Oriental como a respeito da futura política do Rio da Prata (DORATIOTO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013). Ainda nesse cenário, havia uma intenção de anexação, por parte do Brasil, de um pedaço do território uruguaio com ameaça, inclusive, de envio de tropas para se concretizar. Esse fato constituía uma coação ao Paraguai, que se posicionou oficialmente com repulsa a tal atitude, indicando o caráter de atentado ao equilíbrio do Prata, e a essencialidade da manutenção deste equilíbrio para a garantia da paz, segurança e prosperidade do seu país (YEGROS; BREZZO, 2013). “O Paraguai começou a respirar uma atmosfera de guerra” (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 79) e, em setembro de 1864, as tropas brasileiras penetraram o Uruguai. Ao saber dessa invasão, López decretou a apreensão do navio brasileiro, Marquês de Olinda, e rompeu relações com o Brasil, inclusive proibindo a navegação dos seus navios pelo Rio Paraguai. A gravidade da situação levou o 1 Este último, por obviedade, visto que o Uruguai teve sua independência patrocinada pelos ingleses, em 1828, para ser o representante britânico no Prata, conforme afirma Doratioto (2002). 19 governo brasileiro à Buenos Aires, a fim de formalizar uma intervenção conjunta na região (YEGROS; BREZZO, 2013). Os planos de Solano López de tentar controlar as tropas brasileiras e incitar um acordo que favorecesse Assunção começaram a desandar quando no mandato do novo presidente do Uruguai. Já em 1865, este comandava a favor dos comerciantes que temiam os prejuízos causados pelo bloqueio brasileiro ao porto de Montevidéu, o que encaminharia os esforços para uma aproximação do Uruguai com o Brasil (YEGROS; BREZZO, 2013) Depois da campanha do Mato Grosso (1864), Solano López se apressou para atacar o Rio Grande do Sul, e para tanto solicitou permissão ao governo de Buenos Aires para passar pelo território argentino. Manifestando sua neutralidade [...] negou a autorização solicitada, em [...] 1865. Esta resposta e o final da guerra no Uruguai condicionaram a que o presidente López convocasse um Congresso extraordinário para examinar a situação internacional (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 80). A decisão do congresso foi a de declarar guerra contra a Argentina, acusando-a de pregar a neutralidade, porém sempre ter atitudes que acabavam por favorecer o Brasil. Assim, em abril de 1865, López decretou a ocupação da província de Corrientes, na Argentina. Este ataque criou terreno para a formalização da aliança entre Argentina e Brasil, e alterou o quadro de relações internacionais no subsistema platino, pois os dois países que antes eram tidos como competidores, passaram a exercer uma hegemonia conjunta na região (YEGROS; BREZZO, 2013). Essas circunstâncias levaram Brasil, Argentina e Uruguai a firmarem o Tratado da Tríplice Aliança contra o Paraguai, em 1865. O acordo previa a aliança militar e estabelecia pré-requisitos para o estabelecimento da paz, oficializando a entrada em guerra. Ademais, deram respaldo para que a Bolívia discutisse seus direitos sobre o Chaco (YEGROS; BREZZO, 2013). A Guerra da Tríplice Aliança durou até 1870 e, conforme explicado, foi oriunda das contradições platinas e do processo de formação dos Estados nacionais dali. Houve erros de análise partindo de vários dos envolvidos, porém, sem dúvida, ao final o maior dos prejudicados foi o Paraguai. Este teve seu país devastado e a suas bases políticas e econômicas destruídas, debilitando sua soberania estatal (FIGUEREDO; FILIPPI, 2005). Ainda que o tratado estabelecido entre a Tríplice Aliança previsse o restabelecimento da independência, soberania e integridade territorial, o saldo após 20 a Guerra fora bastante diferente. Não houve a mínima solidariedade com o Paraguai após a derrocada, os aliados não forneceram subsídios financeiros, nem abertura comercial e, acrescido a isto, impuseram “uma enorme dívida de guerra que meio século depois ninguém pensava que pudesse ser cancelada pelo Paraguai algum dia” (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 79). Algumas décadas subseqüentes ao término da guerra foram destinadas aos acordos de paz e redefinição dos limites. Somente após tudo isso estabelecido, o Paraguai pôde iniciar suas primeiras tentativas de reconstrução. Estas, contudo, durante sucessivos governos paraguaios, não foram bem sucedidas, em razão do escasso dinamismo socioeconômico no período. Esse quadro de baixa atividade econômica não tornou possível a arrecadação pretendida a partir das receitas fiscais (forte fonte de receitas em períodos anteriores), visto que os produtos destinados ao comércio exterior seguiram sendo os tradicionais e, neste momento, as autoridades esbarravam em interesses muito fortes e no risco de contrabando, caso optassem por ampliar os impostos (YEGROS; BREZZO, 2013). Assim, a opção encontrada foi a venda massiva das terras públicas e plantações de erva-mate. É importante lembrar que essas terras pertenciam ao Estado e que, contudo, a transferência da propriedade pública para particulares não gerou progresso econômico neste momento. Os baixos preços e as burocracias descomplicadas e liberais deram margem para a entrada de especuladores e investidores, que criaram latifúndios (YEGROS; BREZZO, 2013). As terras, inicialmente, não eram utilizadas de forma intensiva, mas sim com caráter especulativo e de reserva de valor. Somente no século XX que estas começaram a dar efeitos produtivos, com a instalação de indústrias de extrato de tanino, utilizado no curtume de peles e couros (YEGROS; BREZZO, 2013). Esta indústria contava, predominantemente, com capital argentino e teve sua importância, pois habilitou territórios desertos do Chaco para a exploração pecuarista que, em 1920, impulsionou as indústrias de carne e a atividade pecuarista. Ambas as indústrias, de tanino e os frigoríficos, pertenciam a capitais estrangeiros, mas foram essenciais tanto em questões econômicas como em sociais (YEGROS; BREZZO, 2013). Essa região do Chaco foi palco de disputa entre Bolívia e Paraguai, na última grande guerra dos países latino-americanos (ASCHIERO, 2002). 21 As causas desse conflito não se restringiam a problemas dos tratados de limite feitos quando no surgimento de ambos Estados no século XIX. Os motivos abrangiam também o fato da região possuir elementos de alto valor econômico como, por exemplo, o petróleo. Este aspecto trouxe o envolvimento de duas empresas petrolíferas internacionais: Standard Oil Company (EUA) e a Royal Dutch Schell (Inglaterra), interessadas em explorar as jazidas petrolíferas da região do Chaco. Como resultado houve o fortalecimento dos norte-americanos na região, em detrimento do inglês; mudando de protagonista, mas dando continuidade à dependência externa (ASCHIERO, 2002; FIGUEREDO; FILIPPI, 2005). Ademais, o governo boliviano era tentado pela saída do mar que lhe seria proporcionado através dos rios Picolmayo e Paraguai, caso tivesse a possessão do Chaco. Já para o Paraguai, a posse da região era imprescindível para sua manutenção econômica, visto que naquele território encontravam-se as grandes fontes de sua economia (ASCHIERO, 2002). No Paraguai, além do aumento do preço dos produtos alimentícios, [...] quatro foram os mecanismos chave através dos quais se financiou o esforço de guerra: os empréstimos da Argentina [...], a retenção de parte das divisas geradas pelas exportações, a emissão de papel moeda, e o uso de reservas monetárias internacionais acumuladas durante a década de 1920 (HERKEN, 2011, p. 41, tradução nossa) A controvérsia diplomática em torno do domínio do Chaco Boreal levou à ocupação militar do território já em 1928 e com declaração oficial de guerra em 1932. Após forte luta armada, os ânimos começaram a se acalmar em 1935 e, em 1938, chegou-se a um entendimento e à assinatura de um Tratado de Paz, Amizade e Limites entre as Repúblicas da Bolívia e do Paraguai (ASCHIERO, 2002; YEGROS; BREZZO, 2013) Ao final da guerra, já em 1939, os Estados Unidos ofereceram uma assistência técnica e financeira com a finalidade de viabilizar a recomposição do Paraguai. Inicialmente, estas se davam na resolução dos conflitos, na pecuária e nos frigoríficos. Entre 1941 e 1943, Washington usava de hard power e soft power para manter o Paraguai em sua zona de influência, visto que este tinha uma simpatia pelo exército alemão. Politicamente e economicamente, contudo, o Paraguai sabia da sua necessidade de optar pelo que fosse trazer maior bem à pátria, ou seja, que garantisse a sua sobrevivência econômica e politicamente, 22 salvaguardasse a sua população e desse condições para que o país se reerguesse (YEGROS; BREZZO, 2013). 1.2 Os fatos subseqüentes às duas guerras Ao término da Guerra da Tríplice Aliança, o Paraguai se encontrava em um momento de extremo caos. Sua população havia sido dizimada em um terço da que existia no período anterior a guerra, o território encontrava-se ocupado por forças estrangeiras e havia uma fraca administração pública. Esta tentava se estruturar a fim de reorganizar a economia a partir de um modelo denominado “Crescimento para fora”2 (HERKEN, 2011). O plano consistia basicamente em atração de capital estrangeiro, financiamento externo e estímulos para a imigração européia. Acreditava-se que, com isto, haveria “modernização da estrutura econômica [...] e que a incorporação de braços europeus ajudaria a repovoar o país e faria crescer [...] a produção agrícola para a exportação, gerando ao mesmo tempo um maior rendimento da força de trabalho nativa” (YEGROS; BREZZO, 2013, p. 104). No final da década de 1870, já estava comprovado o fracasso da implantação do plano. Houve desorganização do programa de imigração e o Paraguai se viu incapaz de pagar os títulos adquiridos no mercado de Londres. Esses títulos só seriam quitados na década de 1960, retardando a participação do Paraguai no mercado internacional de capitais e difundindo uma imagem de pouca confiança do seu setor público. Sentiu-se a necessidade de se buscar outra solução e, conforme já citado, no início de 1880, iniciaram as vendas massivas de terras (HERKEN, 2011). A entrada de entes privados a partir da transferência das terras trouxe a questão de que a receita das exportações no período não gerava um impacto tão direto domesticamente. Isso ocorria por diversos motivos como a utilização de fatores de produção externos (mão-de-obra, capital, maquinário); a distância entre 2 Neste caso, Herken (2011) afirma que o crescimento era pautado nas exportações destinadas ao mercado mundial e o modelo era inspirado em casos já aplicados nos países vizinhos, sendo os melhores exemplos Argentina e Uruguai. 23 os centros populacionais e essas unidades, que eram grandes produtoras e com bastante participação nas exportações; o controle desses latifúndios por poucas grandes empresas, em detrimento de pequenos e/ou médios empresários, acarretando em uma dedicação à exploração e organizando o seu entorno de acordo com seus interesses. Essas empresas usavam rios internos e rede de linhas férreas próprias, inibindo a evolução dos meios de transporte para a economia doméstica e fazendo com que o Paraguai possuísse um sistema de comunicação eficaz baixa (KRAUER, 2010). Já a agricultura se desenvolveu no entorno da estrada de ferro central e dos escassos centros urbanos. Os benefícios desta (podendo considerar, neste caso, também a pecuária) eram mais limitados, pois dependiam em maior grau da inconstante demanda mundial, e contavam com a incidência de custos de frete e intermediação pela Argentina. Neste ponto, vale ressaltar a dependência que o Paraguai possuía pelo transporte e pelo setor monetário argentino, pois o país era tido como principal destino dos produtos paraguaios (KRAUER, 2010). Quando os prejuízos voltaram a assolar o Paraguai, em razão da diminuição da demanda argentina por erva-mate, e as restrições ao tabaco e outros produtos, houve um processo de diversificação de mercados e quebra de vínculos com a Argentina. Logo nas primeiras décadas do século XX, mais da metade das exportações eram destinadas para fora da Argentina (HERKEN, 2011). Isso implicou [...] em uma abertura brutal, no sentido do tamanho do setor externo no conjunto da economia [...] pouco filtrado em termos fiscais pelo débil aparato público. A recuperação do estoque de gado bovino foi bastante rápida, [...] o que daria um novo ímpeto para as exportações de couro. A indústria de saladeiril apareceu nos anos de 1890, e a ela se somariam as indústrias processadoras e empacotadoras de carne, que agregariam novos itens [...] a partir da Primeira Guerra Mundial. Também nasce a indústria de [...] tanino, cujo valor para o processamento de couro se converte em um item de relevância militar [...] nos mercados mundiais durante as épocas que se produziam tensões militares em todos os lugares do mundo (HERKEN, 2011, p. 25, tradução nossa). Deste período até a Guerra do Chaco, pode-se dividir o crescimento econômico em três ciclos: (1870-1890); (1891 - 1920); (1923 - 1929). O primeiro ciclo conta com três momentos: - O imediato pós guerra; - A crise regional do início da década de 1890; 24 - Uma recuperação da economia paraguaia no final de 1880, devido às exportações de erva-mate (HERKEN, 2011). Já os anos entre 1891 - 1920 foram marcados pela institucionalização mais estável, especialmente nos sistemas bancário e monetário. Ademais, os primeiros anos da Primeira Guerra Mundial elevaram os preços das commodities (HERKEN, 2011). O fim da Primeira Guerra Mundial gerou um impacto imediato no Paraguai, e em 1923 o país encontrava-se, novamente, lutando para evitar uma crise econômica e financeira. As indústrias de carne, todavia, passaram a ter um papel ainda maior na economia e, o setor agrícola observou a expansão do algodão. Assim, apoiado nestes produtos e também no tanino e na erva-mate, em 1924, o país já volta a crescer economicamente (HERKEN, 2011). Com a crise de 29, o efeito sobre a demanda mundial dos produtos paraguaios que eram exportáveis, somado a restrições de exportações impostas internacionalmente em razão do início dos conflitos com a Bolívia, fez com que a economia paraguaia voltasse a desacelerar. “Quebras comerciais e financeiras se expandiram por todo o país, enquanto o sistema de câmbio estabelecido tão meticulosamente começa a sofrer severas pressões” (HERKEN, 2011, p. 29, tradução nossa). A guerra do Chaco, conforme já visto, se desenrolou em áreas mais afastadas daquelas que eram de maior concentração populacional e agropecuária, não chegando a diminuir tão significativamente os níveis de produção no Paraguai. Porém, deve-se lembrar que a imposição em atender as necessidades bélicas, fez com que houvesse um desvio de recursos produtivos para este setor. Este fato, independente dos meios de financiamento adotados pelo governo, não condenou o país a um elevado endividamento externo; ademais, grande parte dos custos seriam “devolvidos” com a alta dos preços das matérias primas na década de 40, em função das tensões internacionais (HERKEN, 2011). O episódio dos títulos do mercado de Londres e a baixa participação, no período, do Paraguai no mercado internacional de capitais, eram resolvidos com os empréstimos de governo a governo, como por exemplo, com o argentino durante a Guerra do Chaco, e em menor proporção de alguns organismos internacionais no século XX. Isso implicou uma “exclusão” do Paraguai na crise da dívida externa que 25 assolaria os países latino-americanos na década de 1960 em diante (HERKEN, 2011). Desde a década de 1940, observou-se que o Paraguai conseguia atingir de maneira expressiva os mercados regionais e o mundial com a exportação, especialmente, de produtos florestais e pecuários. O escasso efeito multiplicador, explicado pelas ações das poucas grandes empresas que se utilizavam do território paraguaio, produziam empregos, porém não em quantidades tão significativas e, ao influir na remuneração da força de trabalho, criavam um mercado interno fraco (KRAUER, 2010). Esse contexto também acabou por atrasar a expansão da fronteira agrícola. Foi somente quando “no declínio da exploração de erva-mate, no desmembramento de alguns grandes latifúndios, e na ‘liberação’ de terras férteis produzida pelo desmatamento acelerado” que se faria possível criar um espaço produtivo expressivo. Ademais, na década de 1960, se observou uma evolução na infraestrutura doméstica, promovendo uma “agricultura mais intensiva e mecanizada, [...] seja através das grandes fazendas, ou de pequenos e médios produtores. A imigração de colonos brasileiro-europeus que se instalaram em regiões de fronteira [...] começaria a cobrar [...] geração de divisas a partir de 1970” (HERKEN, 2011, p. 43, tradução nossa). 1.3 Os choques econômicos no Paraguai a partir de 1940 Os autores Herken, Arce e Ovando (2011), fazem uma análise da economia paraguaia desde 1940 até inícios da primeira década do ano 2000. Dividem a história econômica do país em três grandes etapas: a primeira abrange os anos de 1940 a 1970, que possuí como marco principal a guerra civil de 1947. Esta caracteriza o primeiro choque no país, chamado Choque Endógeno, e que produz um grande atraso econômico. Já a segunda etapa, vai desta data até meados de 1982, abarcando a construção de Itaipu que traduz o período em um Choque Exógeno, com a economia crescendo a ritmos muito acelerados. Após sentidos os efeitos da estruturação da usina, o crescimento praticamente cessa até os anos 2000. No século XXI, então, o aumento da demanda internacional por alimentos, 26 refletindo no aumento de seus preços, fornece a base para o Terceiro Choque no país, também exógeno e com retorno do crescimento econômico. No Paraguai, o período que compreende as décadas de 1940 e 1950, foi marcado por um lento desenvolvimento causado pela instabilidade e violência política. A luta entre os dois partidos políticos tradicionais levou a ações bélicas e revoluções civis. Esse clima de conflito interno provocou a expulsão de boa parte da mão-de-obra do país e a guerra civil de 1947 contribuiu fortemente para a aceleração desse processo (FIGUEREDO; FILLIPI, 2005; HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011). A partir das décadas de 1950 e 1960, com a ascensão de Alfredo Strossner (1954), tem-se uma maior rigidez com a administração e entidades públicas, estabilizando o país economicamente e ampliando as oportunidades de emprego. Com a expansão da fronteira agrícola, a população rural pôde se manter fixada no campo. A forte repressão do período (violação dos direitos humanos, escândalos de tráfico de drogas e denúncias de falta de democracia) dividiu espaço com uma melhora no crescimento econômico nacional, definindo os setores agropecuário e florestal como bases, e utilizando a água, pradarias e outros recursos. O crescimento deu-se também com a obtenção de créditos internacionais e [...] política monetária e taxa de câmbio conservadoras; acesso irrestrito a investimentos estrangeiros e uma política de investimentos em infraestrutura e transporte destinada a integrar e densificar o mercado interno, bem como melhorar as condições de chegada ao mercado mundial (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011, p.63, tradução nossa). Neste contexto, negociou-se a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. A construção desta iria trazer consigo um incremento populacional que, por propiciar a criação de um mercado interno mais consistente, em comparação com a quase inexistência deste em períodos anteriores, oportunizou um aumento da oferta de trabalho (FIGUEREDO; FILIPPI, 2005). A parte populacional que se pautava no modelo econômico das commodities, porém, iniciou um processo de migração, em função do seu efeito multiplicador de emprego baixo (usam pouca mão-de-obra para produção). Constituía assim uma segunda leva da população que emigrou motivada pela busca de melhores condições de vida (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011). 27 Na década de 1970, parte do modelo florestal que havia no Paraguai desde o século XIX, passa a dar lugar para a pecuária e a agricultura. Emergiram, com isso, duas rupturas no modelo produtivo: 1) a expansão bastante acelerada da fronteira agrícola, neste caso significando o aumento de terra arável disponível; 2) a construção das represas de Itaipu e Yacyretá, que transformaram o Paraguai em um exportador de energia hidroelétrica. Esta última oportunizou um fenômeno até então pouco aproveitado: a industrialização no país, com as agroindústrias e, posteriormente, com as maquilas (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011). Com relação à agricultura, há uma diversificação da oferta agrícola e novos produtos são inseridos na produção, com a soja tendo um papel determinante na geração de divisas desde então (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011). A reforma agrária promovida por Strossner de 1952 a 1972, ampliou a acumulação de capital, terra, infraestrutura e maquinário. A partir de 1960, a superfície agrícola praticamente duplicou. Inicialmente, havia predominância dos produtos destinados a exportação (algodão e soja) em detrimento dos produtos destinados ao consumo interno (milho, trigo, tabaco e cana-de-açúcar). A situação agora se mantém idêntica quanto à utilização da extensão agrícola: prioriza-se o espaço para a produção de itens exportáveis, porém agrega a estes os produtos que antes eram destinados somente ao abastecimento interno (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011) Ainda nas décadas de 1980 e 1990, o país manifestou-se positivamente quando na liberalização do mercado financeiro, privatização de empresas estatais e fomento de atividades vinculadas à agroindústria e de investimento externo direto. Contudo, com limitados bens competitivos no mercado externo e alguns entraves internos enfrentados pelo país, a década de 90 fora solapada por um estancamento da produção e das exportações, balança de pagamentos deficitária, quebra do equilíbrio fiscal e aumento do desemprego (CEPAL, 2013). Entre 1958 e 1982, o abandono do câmbio fixo em relação ao dólar sobrevalorizou o Guarani e aproveitou os benefícios gerados pela taxa moderadamente livre. A alta nas exportações em parte deste período coincidiu com a expansão da fronteira agrícola e a adição da soja na pauta dos produtos exportáveis. Esta acabou se posicionando a frente dos produtos mais tradicionais e causou um importante impacto na balança comercial (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011) 28 Em 1990, com a queda do ditador Strossner e a ascensão de Andrés Rodriguez, iniciou um processo de transição democrática e avanços na integração regional, com o ingresso do país no MERCOSUL em 1991, a adesão plena ao Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT) em 1993, e a participação na criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), em 1994 (YEGROS; BREZZO, 2013). À nível internacional, o país foi retomando seus contatos, sem grandes restrições a ideologias e proximidades geográficas. A partir de 1982 até meados de 2000, há ciclos de ingresso e fuga de capitais, influenciados pela crise bancária dos anos 90 e por uma taxa múltipla de câmbio que afetou o ritmo das exportações. Já no começo dos anos 2000, com a revalorização progressiva do Guarani frente ao dólar e ao euro, bastante vinculada ao aumento de transferência dos paraguaios que residiam no exterior, observa-se um crescimento significativo do fluxo de Investimentos Externos Diretos (IED). Estes eram também influenciados pelo escasso controle sobre o uso desses capitais e destino dos fluxos, e eram muito direcionados ao setor financeiro, após processo de reorganização com liquidação de bancos e financeiras (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011). Há um reposicionamento considerável da economia paraguaia dentro do contexto regional e mundial. Muito mais aberta e integrada [...] o Paraguai estaria se aproximando [...] de economias [...] muito dinâmicas como plataformas de re-direcionamento e, em parte, como plataforma de reprocessamento de fluxos comerciais, regionais e mundiais altamente cíclicos. Seria uma condição similar a que passam países como Holanda na Europa ou Singapura na Ásia. [...] esse fenômeno explica, ao mesmo tempo o grau de volatilidade certamente alta da taxa de câmbio real, e o potencial perigo de retração profunda que poderia se dar no mercado interno, se as coordenadas internacionais favoráveis mudem de direção (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011, p. 83, tradução nossa). A revolução de 1947, no Paraguai, provocou uma ruptura política, econômica e social no país. Esse choque endógeno perdurou por cerca de duas décadas, caracterizando o período por um grande retardo econômico. As altas taxas de crescimento acompanhadas durante a década de 1920 sofrem um brusco declínio, estancando-se até a década de 1960. Os efeitos desse período foram tão negativos que acabaram por distanciar o Paraguai dos demais países da região (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011) O choque exógeno de Itaipu quebrou essa situação e movimentou a economia, com um forte aumento de estoque de capital e uma economia crescendo 29 a ritmos asiáticos. Pelos anos da construção da hidrelétrica, o Paraguai conseguiu se recuperar do atraso da fase anterior. Porém, com o fim do efeito multiplicador de Itaipu, as taxas de crescimento voltaram a cair (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011) O crescimento atual do Paraguai, após 2000, fora viabilizado pelo abandono do câmbio fixo e a conseqüente expansão acelerada do comércio exterior, cuja base encontra-se na expansão da fronteira agrícola e no estoque de gado. Acrescido a isto, há a venda de energia elétrica; o complemento nas exportações, tanto em termos de valor agregado como dos novos produtos industriais; as transferências monetárias do exterior e o aumento de Investimento Externo Direto (HERKEN; ARCE; OVANDO, 2011). 30 2 PILARES DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PARAGUAIO A entrada do Paraguai no século XXI confirmou a percepção de que, por um baixo índice populacional, na época de cerca de somente 6 milhões de habitantes (atualmente, em 2014, há cerca de 7 milhões) (IBGE, 2014), desenvolver a indústria tendo como foco principal suprir a demanda interna, faria com que houvesse recursos ociosos e uma tendência que ela se tornasse obsoleta. Além do mais, a globalização instigou sucessivos governos a melhorar o desenvolvimento produtivo e a competitividade em diferentes setores, a fim de promover uma efetiva inserção internacional do país. Juan Scartascini del Río (2007) define “inserção internacional” como o posicionamento de um determinado Estado frente ao contexto da Comunidade Internacional que está inserido no momento. A ação estatal estará pautada em múltiplos fatores, que o autor exemplifica como: negociações político-diplomáticas, alianças estratégicas, parceiros políticos e econômicos, grau de cooperação, integração com demais Estados, nível qualitativo e quantitativo do intercâmbio comercial com outros Estados, a fluidez e profundidade das relações com seus parceiros comerciais, entre outros. O conceito “inserção internacional”, neste trabalho, tem na sua natureza o caráter mais voltado para o viés econômico. Porém, é importante lembrar que, uma vez que considera a orientação do Estado para uma “inserção competitiva”, abrange demais âmbitos das relações internacionais como questões políticas e sociais. Em uma primeira medida, questiona-se qual é o modelo almejado pelo país, considerando todo o leque de fatores mutáveis e imutáveis. Em uma segunda etapa, definem-se políticas para distintos âmbitos das relações externas do país (político, econômico e social) e para distintos níveis (local, regional, mundial) (CLÉRICO, 2007). Para Lilia Ferro Clérico (2007), há, basicamente, duas vias de inserção internacional: uma em que o Estado é um ator mais individual e faz associações por meio de acordos bilaterais; e outra em que o Estado participa de uma maneira mais ativa, afeta e é afetado por um conjunto maior, aspirando uma maior projeção global. 31 O Paraguai compartilha da segunda via e, nos últimos anos, sofreu a influência da democratização e dos preceitos econômicos derivados do Consenso de Washington, resultado do Novo Modelo Econômico - NME3. Após 1990 teve avanços na integração regional e mundial com o ingresso no Mercosul (1991), a adesão plena ao Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT (1993), e a participação na criação da Organização Mundial do Comércio - OMC (1994) (FIGUEREDO; FILIPPI, 2005; YEGROS; BREZZO, 2013). A nível internacional, o país foi fundamentando seus contatos e parceiros sem grandes restrições a ideologias e proximidades geográficas. A abertura comercial expressiva adotada pelo Paraguai também é reflexo de sua política para inserção internacional e reflete o peso que o comércio exterior tem no desenvolvimento econômico do país. Assim, o desenvolvimento econômico está intimamente ligado com a percepção das potencialidades existentes no território nacional, incluídas em um amplo conjunto de políticas econômicas e sociais. No caso do Paraguai, o desenvolvimento está pautado no crescimento de modalidades de exportação e atração de investimentos externos. Luiz Carlos Bresser-Pereira (2008) trata o desenvolvimento econômico como o resultado do fenômeno da Revolução Capitalista, pela qual se inaugura conceitos como acumulação de capital, salários e aumento sustentável da produtividade. A partir dessas concepções, entende-se o desenvolvimento econômico como acumulação de capital e aperfeiçoamento técnico, que refletem em uma melhoria na qualidade de vida de uma sociedade. As taxas de desenvolvimento variam de Estado para Estado dependendo da capacidade de formulação de estratégias nacionais que tornem o país competitivo a nível global. Visto que, no capitalismo, não somente entidades privadas como também os Estados competem a nível internacional, o desenvolvimento econômico tem uma estreita ligação com crescimento econômico. Bresser Pereira (2008) considera desenvolvimento econômico e crescimento como sinônimos, uma vez que o primeiro influencia não apenas no aumento da renda per capita como também na demanda por transformações estruturais da sociedade. O autor afirma ainda que o agente 3 Política de desenvolvimento baseada em recomendações de instituições multilaterais, que manejam a economia mundial, a fim de auxiliar a obtenção de um crescimento econômico sustentável em países em desenvolvimento (FIGUEREDO; FILIPPI, 2005). 32 principal do desenvolvimento econômico é o Estado, enquanto os empresários têm papel nos investimentos e na inovação. Desde os anos 90, o Paraguai conta com duas principais modalidades de inserção internacional: Exportação de commodities e a Reexportação. Para fins de divisão, tem-se a composição das exportações segmentada em duas categorias: as tradicionais e as não tradicionais. As tradicionais geralmente são matérias-primas agrícolas, com baixo valor agregado e preços fixados internacionalmente. Compõem esse grupo produtos como: sementes oleaginosas4, carne5, couro, madeira, trigo, tabaco, açúcar. Já as não-tradicionais são produtos exportados com maior valor agregado se comparadas às tradicionais, e abrangem: produtos de madeira, produtos alimentícios, produtos têxteis, produtos químicos e plástico 6, produtos de couro, produtos tipo da maquila/reexportação. O capítulo está distribuído em seis seções. A primeira trata de conceitos de Abertura Comercial e da essencialidade desse fenômeno para a economia paraguaia, mostrando a evolução dessa abertura de 1991 a 2013. A segunda seção explica o que são Cadeias Globais de Valor e de que forma o Paraguai participa delas, fator chave no entendimento da mudança da trajetória econômica. A terceira parte do capítulo aborda o setor mais característico do país: a produção e exportação de commodities e a exportação de produtos agroindustriais. São comentados os principais produtos de ambos, seus anos de auge e declínio, bem como aspectos do comportamento do setor, mais detalhadamente a partir de 2005. Há um adendo na seção sobre a exportação de energia elétrica, devido a sua importância para a economia nacional. A terceira parte discorre a respeito das Reexportações: atividade já antiga em zonas fronteiriças conhecida como comércio de triangulação e, a partir de 2000, ganhando uma nova vertente com as maquilas. A quarta seção apresenta a nova mesa setorial da Rede de Investimentos e Exportações do Paraguai e os primeiros resultados dos seus produtos como um conjunto. A quinta e última parte, aborda as principais instituições e leis de incentivo que auxiliam no desenvolvimento econômico e na atração de Investimento Externo Direto no Paraguai. 4 Sementes de soja e sementes de sésamo. Carne bovina refrigerada, carne bovina congelada e miudezas de animais. 6 Produtos de plástico, medicamentos, fertilizantes e insumos agropecuários, pneus, insumos para indústria química. 5 33 2.1 Abertura comercial do Paraguai A abertura comercial, medida em graus de abertura7, determina a relevância do comércio internacional para a economia de um país. Uma nação cuja economia é considerada aberta tende a facilitar o intercâmbio de bens, serviços e investimentos com outras nações do mundo. Já quando fechada, ou seja, com maior protecionismo, cria mecanismos que controlam o intercâmbio comercial (CADEP, 2014a; GUILLÉN, 2012). Quando relacionado com taxas de crescimento, percebe-se que nações mais abertas, crescem a ritmos mais elevados. Esse, todavia, não é sinônimo de um crescimento sustentável, nem tampouco de desenvolvimento econômico, ainda que essa abertura gere condições para que esse desenvolvimento aconteça (GUILLÉN, 2012). À medida que uma economia se abre para o mundo, a política econômica deve necessariamente complementar sua estratégia com outras medidas internas: fortalecimento das instituições, desenvolvimento de redes de segurança e proteção social, modernização da infra-estrutura interna, e etc. Sem estes elementos, os benefícios de uma maior abertura econômica podem não gerar o resultado esperado (GUILLÉN, 2012, p. 2, tradução nossa) A liberdade econômica condiciona perdas e ganhos em um país. No lado dos ganhos há a maior gama de produtos a preços mais baixos para os consumidores; e insumos e bens de capital com menores impostos de importação, para os produtores. Por outro lado, o governo perde em arrecadação de impostos que poderiam ser feitos sobre a importação e exportação. Em termos gerais, porém, afirma-se que a nação como um conjunto ganha, uma vez que pode realocar os fatores produtivos em atividades que possuí vantagem comparativa, desde que adotando as medidas adequadas, conforme citado no parágrafo anterior (GUILLÉN, 2012). Desde 1990, o Paraguai tem aumentado significativamente o grau de abertura da sua economia, passando de 34% em 1991 para 88% em 2013, com alguns anos de pouca retração. Esse fato implica em dizer que uma parte importante do consumo e investimento depende de fatores econômicos externos, e que medidas de restrição 7 Calculado como Exportações + Importações / PIB *100 34 ao comércio internacional afetariam negativamente o bem-estar dos consumidores e a capacidade produtiva das empresas instaladas no país (GUILLÉN, 2012). O gráfico 1 refere-se a evolução da abertura comercial paraguaia, de 1991 a 2013. Este nos mostra que houve tendência crescente e que os anos em que houve retração do grau de abertura, referem-se a anos de instabilidade externa. Gráfico 1 – Evolução em percentual do grau de abertura da economia paraguaia no período de 1991 a 2013 Fonte: Elaboração própria com dados até 2000, do Centro de Análise do Desenvolvimento Econômico Paraguaio (CADEP); de 2001 a 2013, do Centro de Análise Estratégico para Agricultura (CAESPA). No caso paraguaio, apesar da maior vulnerabilidade que fica exposto, o fato de possuir um mercado interno pouco expressivo, torna essencial a abertura comercial para a manutenção das exportações e, conseqüentemente, de toda a nação. O acesso mais facilitado a insumos, bens de capital e progresso técnico de outros países, também auxilia na estrutura produtiva industrial (GUILLÉN, 2012). 35 A abertura comercial e um maior acesso a mercados trouxeram benefícios para a pauta e volume das exportações do Paraguai, bem como para os investimentos no Estado, como será apresentado nas seções seguintes. Ademais, é importante considerar duas questões quanto aos principais blocos comerciais que afetam o Paraguai: Mercosul e União Européia. Em 2012, o Paraguai sofreu uma suspensão temporária e unilateral do Mercosul, pelos demais países membros. Esta excluiu somente o Paraguai das deliberações e de órgãos do bloco, não afetando os benefícios e as obrigações comerciais do Paraguai com o Mercosul. Assim, o país continua com acesso preferencial, mantendo vigente o acesso liberado de tarifas externas para a grande maioria dos produtos, seguindo as ressalvas da Lista de Exceção (REDIEX, 2013). Em 2009, o Paraguai passou a integrar o regime chamado “SGP+”, que constituí em um Sistema de preferências tarifárias adicionais, que facilitam o acesso a produtos nacionais para a União Européia. Antes, o país fazia parte do Sistema de Preferências Generalizadas (SPG), que promovia acessos preferenciais a países em desenvolvimento e, por ter cumprido uma série de requisitos como a assinatura de 27 convênios internacionais sobre áreas de trabalho, ambientais e de direitos humanos, foi prestigiado com o nível plus do sistema. O que muda de um nível para o outro é a quantidade de produtos abarcados, facilidades de negociações e comércio. Em janeiro de 2014, outra modificação foi feita no Sistema de Preferências da União Européia. Houve a exclusão de alguns países que usufruíam do acesso preferencial, sendo o Paraguai o único país do Mercosul a permanecer, aumentando com isso a sua vantagem competitiva na região (REDIEX, 2013). 2.2 A inserção do Paraguai nas Cadeias Globais de Valor De acordo com o relatório da UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a respeito dos investimentos mundiais, publicado em 2013, há uma tendência crescente das políticas nacionais de investimentos focadas em estratégias de desenvolvimento. Isso indica que há uma facilitação por parte dos governos para a entrada dos investimentos a fim de 36 fomentar uma melhora na capacidade produtiva e alcançar um desenvolvimento sustentável. Esses investimentos e comércio para o desenvolvimento resultam, atualmente, nas chamadas Cadeias de Valor Mundial, ou Cadeias Globais de Valor (CGVs). Essas são [...] aquelas em que bens e serviços intermediários são negociados em processo de produção fragmentados e dispersos em todo o mundo. Essas cadeias geralmente estão coordenadas por Empresas Transnacionais (ETN), e o comércio transfronteiriço de insumos e produtos tem lugar no interior de sua rede de filiais, associados contratuais e provedores independentes (UNCTAD, 2013, p. 10, tradução nossa). Essa fragmentação de processos tem dado lugar para uma produção sem fronteiras, podendo corresponder a cadeias seqüenciais ou redes complexas, a nível regional ou mundial (UNCTAD, 2013). A participação nas CGVs gera potencial para a modernização industrial por dar condições para difusão de tecnologia e desenvolvimento de competências. Esses fatos, porém, não são automáticos e dependem do acompanhamento de políticas coerentes para a absorção desses impactos, além de uma boa condução dos efeitos ambientais, sociais e de condições trabalhistas acarretados por essa inserção. É obrigação do Estado analisar os riscos e oportunidades antes de optar pela estratégia de participar em menor ou maior grau das CGVs (UNCTAD, 2013). Para que os efeitos das CGVs e do desenvolvimento sejam positivos, a UNCTAD ressalta algumas iniciativas essenciais: 1) Integrar as cadeias globais de valor na estratégia de desenvolvimento nacional; 2) Permitir a participação nas cadeias globais de valor: através da criação de um entorno propício para o comércio e os investimentos, além de requisitos básicos de infraestrutura para a participação (especialmente logística e de telecomunicações); 3) Fomentar a capacidade produtiva nacional: apoiando o desenvolvimento empresarial, e fortalecendo as competências da força laboral; 37 4) Proporcionar um sólido marco ambiental, social e de governança: a partir da regulamentação de normas públicas e privadas, a fim de reduzir os riscos de participação nas CGVs, e do apoio das empresas locais no cumprimento de normas internacionais; 5) Estabelecer sinergias entre políticas e instituições de comércio e desenvolvimento: para evitar efeitos involuntários, fazendo com que os instrumentos normativos incidam simultaneamente nos investimentos e no comércio, ou seja, as medidas comerciais fomentam os investimentos, e os investimentos fomentam o comércio, a partir de organismos que estimulem o aumento do comércio e dos investimentos; 6) Realizar pactos regionais de desenvolvimento industrial: a partir dos preceitos da cooperação regional, abrangem a liberalização e a facilitação de acordos regionais de comércio e investimento, estabelecimento de mecanismos e instituições conjuntas, além de agrupações industriais transfronteiriças; 7) Zonas Industriais Francas Sustentáveis: por ser um forte atrativo para as atividades das cadeias de valor global. Além dos benefícios fiscais oferecidos, podem promover serviços mais amplos de apoio a iniciativas de responsabilidade social empresarial (UNCTAD, 2013). Acrescido a todos estes pontos, para o desenvolvimento industrial das cadeias de valor há também as associações entre os setores público e privado, com a realização de projetos conjuntos de desenvolvimento de infraestruturas de apoio. Países que possuem uma forte presença de IED com relação ao tamanho da sua economia, tendem a contar com uma maior participação nas Cadeias Globais de Valor. Essas podem contribuir para o desenvolvimento nacional visto que afetam o PIB per capita em razão do aumento do comércio de valor agregado, emprego e renda (UNCTAD, 2013). Atualmente, cerca de 30% das exportações brutas correspondem a valores de importações que sofreram agregação de bens ou serviços, para posterior reexportação. Dessa forma, nas CGVs, há uma maior presença de setores em que 38 as atividades podem ser mais facilmente separadas como eletrônica, indústria automobilística, ou têxtil e de vestimentas. Contudo, as cadeias contam com a predominância do setor de serviços, uma vez que a maioria das exportações de manufaturas requerem serviços para sua produção (UNCTAD, 2013). Os países em desenvolvimento têm apresentado uma crescente inserção nas cadeias globais de valor. De acordo com a UNCTAD (2013), a participação desses países nesse tipo de comércio cresceu de 20%, em 1990, para 30% em 2000. Em 2013, já representavam mais de 40%. Muitos deles têm dificuldade para desenvolver setores que não seja o de recursos naturais (UNCTAD, 2013). O Paraguai se diferenciou a partir de 2000, quando houve a elaboração de um Plano para o Desenvolvimento Inclusivo no Paraguai (EDEP), realizado pelo governo do Estado em parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA). A formulação contou com o apoio de diversos ministros do governo e a participação ativa do setor privado, incluindo empresas privadas e cooperativas de produção (CEPAL, 2013). A proposta do EDEP se baseou na criação de cadeias agroalimentárias mais abrangentes e clusters, que ainda eram incipientes no país, além do estabelecimento de uma estratégia para fortalecimento da indústria manufatureira e montadoras, através do regime de maquilas e da implementação de processos de qualidade, regulamentados pela ISO 9000. A diferença principal estava no fato de que os processos antes utilizados eram setoriais e acabavam por contemplar majoritariamente a agricultura. O foco principal da iniciativa era aumentar o valor agregado da produção por meio da industrialização (CEPAL, 2013). Esse sistema integral realçou a importância de infraestruturas de comunicação e da articulação público-privada como forma de melhorar a competitividade nacional. Assim, formou-se um ambiente mais propício para negócios e atração de investimentos, e fomentou a criação de ferramentas e instituições de incentivo. Dessa forma, o Paraguai se inseriu nas CGVs como país em desenvolvimento, porém passou de exportações baseadas somente em produtos primários, para exportações de manufaturas e serviços com maior grau de complexidade, como iremos ver nas seções seguintes. 39 2.3 Exportação de commodities e produtos agroindustriais No momento de assinatura do Tratado de Assunção em 1991, o Paraguai apresentava uma estrutura industrial diferente das dos demais países que iriam compor o Mercosul. Era clara a forte concentração do setor em recursos naturais e recursos humanos (NONNEMBERG; MESENTIER, 2011). Em 1994, com a implantação da União Aduaneira, imaginava-se que haveria um crescimento do comércio bilateral como resultado de dois processos: a maior utilização das vantagens comparativas de cada país, o que iria favorecer o desenvolvimento da estrutura industrial existente; e a adoção de forças como valorização cambial e medidas de política industrial, que terminariam por diversificar a estrutura industrial8 e aumentaria a exportação de produtos não tradicionais (NONNEMBERG; MESENTIER, 2011). Os dados que serão apresentados nesta unidade contam com a produção apenas da indústria nacional paraguaia, não incluindo porcentagens e valores das maquilas e de empresas estrangeiras. A agroindústria, atividade que corresponde a qualquer processo “posterior a colheita destinado a transformação, preservação e preparação da produção agropecuária para consumo intermediário ou final”, (CRESTA, 2014, p. 2, tradução nossa) tem um peso relevante nas exportações paraguaias. Este setor tem evoluído consideravelmente a sua participação dentro do setor da indústria, em toda a América Latina, nos últimos anos. Por essa razão, acredita-se que o setor agroindustrial tenha cada vez mais responsabilidade na dinamização da indústria, e criação de empregos e renda nos países em desenvolvimento (CRESTA, 2014). Os itens, no Paraguai, que são envolvidos pela agroindústria, são: produtos alimentícios; bebidas e produtos de tabaco; couro e calçados; produtos têxteis e vestimentas; indústrias de madeira; papel e produtos de papel; fabricação e produtos de borracha. De 1991 a 2004, a taxa de crescimento das exportações do Paraguai para países fora do Mercosul era praticamente nula. As matérias-primas agrícolas (predominantemente a soja) abrangiam mais de 80% do total exportado e os produtos manufaturados aumentaram a sua participação de 10% para 19% nas 8 Diversificação de estrutura industrial, neste caso, significa o aumento relativo da participação de setores mais intensivos em tecnologia. 40 exportações. A América do Sul absorvia, em média, 60% de todas as exportações e os países do Mercosul eram o destino mais predominante (ALADI, 2002; NONNEMBERG; MESENTIER, 2011; PSCI, 2005). A partir desse período, o Paraguai apresenta a maior taxa de crescimento nas exportações para países fora do bloco, em comparação aos demais países signatários. O nível tecnológico, porém, dos produtos provenientes da indústria nacional permaneceram relativamente baixos (ALADI, 2002; NONNEMBERG; MESENTIER, 2011). Entre 1990 e 2000, as exportações no Paraguai tiveram um comportamento cíclico, com quedas entre 90-92 e 98-99, e períodos importantes de auges em 93 e 97. A queda entre 1990 e 1992, se explica pela má colheita da soja, resultado de clima desfavorável, que afetou o volume exportado e o preço. Já a segunda crise do setor foi impulsionada por sucessivas desvalorizações do Brasil. O melhoramento do desempenho das exportações nos anos 2000 esteve ligado ao aumento do preço mundial para as principais commodities de exportação do Paraguai; e a uma maior demanda internacional por sementes oleaginosas, carne e couro (ALADI, 2002, p. 69). Entre os anos de 2003-2005, as exportações crescem baseadas na recuperação da região, especialmente do Brasil, tido como o principal mercado das exportações paraguaias no período. Os produtos de maior participação na estrutura de exportações foram as sementes oleaginosas, carne e azeite vegetal. Até 2004, os destinos das exportações estavam em quatro principais áreas: Países do Mercosul e ALADI, Estados Unidos, Europa e Japão. No Mercosul, o Brasil sempre foi o principal mercado, com exceção do ano de 2004 com o Uruguai tomando a posição por conseqüência da retração dos valores demandados pelo Brasil (ALADI, 2002; BORDA, 2006, p. 48; PSCI, 2005). Conforme apresenta a tabela 1, já em 2005, têm-se uma diferenciação nos grupos de países que absorviam a maior parte das exportações do Paraguai e o aparecimento de mais regiões no mapa de destino do comércio. Assim: Mercosul, União Européia, Associados do Mercosul e ALADI9, e a Rússia, eram os principais. 9 Bolívia, Colômbia, Chile, Venezuela, Equador e Peru. 41 Estes passam a ser seguidos pelos Associados Extra-Regionais10, NAFTA, China e Japão (ALADI, 2002; CADEP, 2011). Tabela 1 – Participação percentual das principais regiões de destino das exportações paraguaias no período de 2005 a 2014 Fonte: Elaboração própria com dados do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (CADEP) e Banco Central do Paraguai (BCP). *Dados acumulados de janeiro a agosto de 2014. **Passa a agregar, também, Países do Sudeste Asiático e Países do Oriente Médio. O aumento da relevância dos mercados como Associados do Mercosul e extra-regionais contribuíram para diversificar a pauta das exportações do Paraguai, especialmente aquelas vinculadas ao setor industrial como medicamentos, produtos alimentícios, bebidas e tabacos, e azeites vegetais. Ademais, produtos como trigo e arroz ganharam mais espaço e, em 2010, tiveram cifras quase 5 vezes maiores do que no período de 2005-2007 (CADEP, 2011). Em 2009, houve uma queda nas exportações de azeites vegetais, produtos da carne, açúcar, produtos do couro e da madeira. Os motivos da queda para estes produtos foram, basicamente, três: queda da cotação internacional de grãos e azeites; queda da oferta local em função da seca que atingiu o país em 2008/2009; e 10 Países Africanos, Egito, Índia e Israel. A partir de 2012, conta também com Países do Sudeste Asiático e Países do Oriente Médio. 42 a retração das atividades de construção, especialmente na Europa e Estados Unidos, como conseqüência da crise financeira. Ainda nesse ano, o Mercosul, que havia tido uma queda de cerca de 15% na participação das exportações paraguaias, recupera boa parte da sua presença alcançando um patamar de 35% do total das exportações (REDIEX, 2009; SERVÍN, 2010) No ano de 2011, houve uma taxa de crescimento do PIB paraguaio de 15%, a maior desde 1978 e que teve como causa o intenso crescimento do setor agrícola, impulsionado pelas ótimas condições climáticas de 2009/2010. O setor cresceu 49,9%, favorecido pela produção da soja, especialmente, e dos cereais. Esse grande contraste tem como causa a forte queda de crescimento no ano anterior (CEPAL, 2011). Os produtos da carne que, em 2010, encontravam-se em segundo lugar de importância nas exportações, tiveram sua venda dificultada devido à suspensão temporária dos mercados em razão da febre aftosa em 2011. Ao contrário, produtos de couro, tabaco, azeites, o complexo têxtil, os alimentos elaborados, produtos químicos e plásticos tiveram alta de vendas (REDIEX, 2013). Uma grande compradora de carne paraguaia é a Federação Russa em razão de uma redução tarifária para importação de 75% concedida pela Rússia, através do Sistema Generalizado de Preferências. Em 2011, o país foi responsável pela importação de 29% do total da carne exportada pelo Paraguai (CADEP, 2012). De acordo com relatório da CADEP (2012), em 2011, as exportações tiveram um aumento de 20% com relação a 2010, e o item de melhor desempenho foi o açúcar, com aumento de 138% no valor exportado. Houve destaque para as exportações para os países do NAFTA, que cresceram 266%, apoiadas no envio de açúcar e sementes oleaginosas. Estas aumentaram sua participação de 44% com relação a 2010 e foram adquiridas principalmente pela União Européia. As exportações de trigo, cereais, arroz, e produtos químicos e plásticos tiveram quase sua totalidade exportada para países do Mercosul. Houve uma queda de 9% no volume total das exportações em 2012, puxados pelo baixo desempenho, principalmente, das sementes oleaginosas, azeites, produtos da madeira e produtos químicos e plásticos. As exportações se recuperam em 2013 e tem na União Européia seu principal destino, com 21% do total, seguido pelo Mercosul e pela Rússia, que continuou ganhando protagonismo com a importação de carne paraguaia (CADEP, 2013a). 43 Em 2013, o complexo oleaginoso representou 59% do total das exportações e as manufaturas industriais de produtos de couro, produtos alimentícios, e têxteis e vestimentas apresentaram crescimento de 37%, 62% e 9%, respectivamente. O ano de 2014, as tabelas 1 e 2 têm sua análise feita nos meses de janeiro a agosto. Assim, houve queda nos primeiros oito meses do ano (com relação ao mesmo período do ano de 2013), das sementes oleaginosas, cereais e trigo, além dos produtos alimentícios, produtos de madeira, e bebidas e tabaco. Há uma tendência de crescimento para os demais produtos manufaturados e semimanufaturados como azeites vegetais e pellets, produtos da carne, produtos do couro, e têxteis e vestimentas. Os destaques de destinos das exportações em 2014 são os países da União Européia, seguido pelo Mercosul e Rússia (CADEP, 2014b). A composição das exportações por principais produtos, desde o ano de 2005, pode ser visualizada nas tabelas 2, e será mostrada em porcentagem de participação. Tabela 2 – Participação percentual dos principais produtos de exportação paraguaia no período de 2005 a 2014 Fonte: Elaboração própria com dados do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (CADEP) e Banco Central do Paraguai (BCP). *Dados acumulados de janeiro a agosto de 2014. 44 As exportações feitas para a China Continental apresentam peculiaridades. Boa parte delas passa primeiro por países do Mercosul para, posteriormente, serem enviadas para lá. Esse sub-registro se dá pelo fato do Paraguai não possuir relações diplomáticas com a China Continental. Não somente neste caso, os dados correspondentes aos destinos das exportações, elaborados pelo Banco Central do Paraguai, consideram outras quantidades de produtos, especialmente a soja, que somente entraram na Argentina e Uruguai para fins de trânsito e reembarque, aumentando o peso do Mercosul nas análises (CADEP, 2012). 2.3.1 Exportação de energia elétrica À parte das exportações já citadas, o Paraguai dispõe de algumas outras formas diferentes para gerar divisas e se inserir internacionalmente. É o caso da exportação de energia elétrica, que tem um peso significativo no PIB do país (MASI, 2011) Da geração total de energia proveniente das usinas que o Paraguai é coproprietário: Itaipu (Brasil) e Yacyretá (Argentina), cerca de 25% é consumido pelo Paraguai11, sendo o restante exportado para países vizinhos. A abundância de energia elétrica no Paraguai, além de permitir geração de divisas a partir da sua venda (exportação), garante receita também por royalties. O Paraguai ocupa, devido a isto, o posto de primeiro exportador mundial de energia elétrica. Entre os anos de 2005 a 2013, essa atividade isolada representou, em média, 3% do PIB (ALADI, 2002; CENTRO INTERNACIONAL DE NEGÓCIOS, 2014; MASI, 2011). Até 2010, grande parte desta energia consumida pelo país era destinada para uso em residências. Apesar de ser o maior país de geração hidrelétrica per capita no mundo, o Paraguai pouco explorava essa vantagem comparativa para desenvolvimento interno. Contudo, nos últimos anos, cada vez mais empresas têm utilizado desta energia, especialmente após a inauguração de uma nova linha de transmissão que vai de Itaipu até Assunção, a capital do país, cuja finalidade é de 11 Fernando Masi (2011) afirma que a biomassa e os combustíveis são os principais recursos energéticos utilizados pelo Paraguai para abastecimento de residências e para atividades de produção. 45 dobrar a capacidade de aproveitamento de energia. A obra foi realizada com verbas do FOCEM - Fundo Estrutural do Mercosul e o impacto gerado pelo aumento dessa rede de transmissão e distribuição de energia é a ampliação da capacidade de instalação de empresas no Paraguai (ALADI, 2002; MASI, 2011; WURMEISTER, 2013). O governo criou uma instância oficial de discussão acerca da política energética nacional e tem priorizado o debate sobre uma estratégia nacional de desenvolvimento. Essa exportação de energia gera um maior fundo para o Estado, que é destinado ao combate da pobreza e aos gastos com infraestrutura física. A intenção, com o aumento da capacidade de instalação de empresas, é utilizar parte dessa energia que é exportada para gerar receitas por meio da industrialização (MASI, 2011). 2.4 Comércio de reexportação A atividade de reexportação é caracterizada pelo processo de importação de determinados tipos de bens, que posteriormente são exportados para outros países. É um setor de bastante importância para a economia paraguaia, pois, por estar ligada a diversos outros setores e subsetores, cria encadeamentos produtivos, dinamiza a atividade econômica e os empregos, e assim, gera divisas e afeta a política econômica nacional (ALADI, 2002). Essa atividade está dividida em dois diferentes tipos: o comércio de triangulação que ocorre, principalmente, em zonas fronteiriças; e as maquilas, espalhadas por todo o território nacional. 2.4.1 Comércio de triangulação O surgimento do comércio de triangulação conta com aspectos geográficos e econômicos, e remonta a década de 60, com a fundação de Ciudad del Este e Puerto Yguazú. Além dessas cidades de fronteira com Argentina e Brasil, a atividade 46 se beneficia também pelo alto grau de abertura da economia paraguaia (o maior do Cone Sul) e os incentivos pelo “Regime de Turismo12” (ALADI, 2002). Até 1995, as reexportações atingiam níveis altíssimos na economia, superando, em alguns anos, inclusive a exportação de sementes oleaginosas, principal produto tradicional de exportação. Durante o primeiro qüinqüênio da década de 90, as reexportações superaram em magnitude as exportações registradas, sendo uma importante fonte de entrada de divisas no país. Porém, em 1996, há um ponto de inflexão, e o comércio de triangulação esbarra em um aumento de controle alfandegário, imposto pelos países vizinhos, especialmente o Brasil, a fim de coibir o comércio informal (TOCCONE; NOGUEIRA, 2001; ALADI, 2002). As mercadorias13 compradas pelo Paraguai, para esse tipo de atividade, têm sua origem, essencialmente, da Ásia, Europa e Estados Unidos. Ao entrarem no país, estas têm diferentes destinos, sendo o Brasil o principal deles (DIAZ, 2012) Muitos dos dados de comércio do Paraguai acabam por incluir os bens importados para a triangulação. Estes são nacionalizados na aduana, incidindo sobre eles o Regime de Turismo e, posteriormente, são vendidos, majoritariamente nas cidades fronteiriças, para serem consumidos em outro país. Esse regime começou a vigorar em 1995, a partir da Lista de Tarifa Comum do Mercosul. Tão logo implementada, a lista foi agregada de uma Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum. Aprovada por todos os Estados membros do bloco, esta compreendia: i) Lista Nacional de Exceção (LNE), que no caso do Paraguai continha, inicialmente, 399 itens; ii) Lista Comum de Bens de Informática e Telecomunicações (BIT); iii) Lista Comum de Bens de Capital (BK) (DIAZ, 2012) Em 2000, o Paraguai consegue aprovação para ampliar a Lista Nacional de Exceção em 100 itens e, já em 2003, incrementam-se a ela mais 150 bens. Ao final das negociações, o Paraguai passa a ter uma Lista Nacional de Exceções com 649 itens. O país explora seus benefícios de pertencer ao Mercosul para potencializar as 12 Segundo relatório da CADEP - Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia (2012), o Regime de Turismo consiste em uma tributação especial para bens importados de países fora da região para serem revendidos no Paraguai, especialmente para pessoas dos países da fronteira (turistas ou compristas, que se diferem por serem ou não consumidores finais do produto, respectivamente). Esse processo é motivado por incentivos do governo paraguaio (como reduções fiscais para uma lista de bens de consumo) e facilidades concedidas pelos países da região beneficiados pela compra (a reexportação). 13 Como bebidas alcoólicas, perfumes, produtos eletrônicos, computadores e acessórios, jogos, partes e peças. 47 exportações via triangulação e para importar a fim aplicar em melhorias internas (DIAZ, 2012) Uma parte das importações, ao entrarem no país, já com imposto reduzido, é nacionalizada, conforme já mencionado, e comercializadas como produtos locais. Assim, quando o produto deixa o país, não é novamente registrado na aduana, fazendo com que os dados obtidos pelo Banco Central do Paraguai sejam suficientes somente para obter estimativas, havendo bastantes distorções quanto aos dados de reexportação (CADEP, 2014a) Dessa forma, para ter uma maior precisão nas informações, devem-se analisar os dados referentes às importações, pois estas são tributadas diferentes quando para fins de triangulação. O gráfico abaixo mostra que a partir de 2004 há um crescimento significativo do valor importado e, a partir de 2007, uma efetiva mudança na sua finalidade, predominando o mercado interno como destino. Localmente, estão sendo usadas para fins de consumo, insumo produtivo e acumulação de capital, aumentando o potencial nacional (CADEP, 2014a). Gráfico 2 – Indicação do foco das importações paraguaias no período de 1991 a 2013 Fonte: Elaboração com dados do Banco Central do Paraguai (BCP) e Observatório de Economia Internacional (OBEI). 48 O comércio de triangulação teve uma baixa nos últimos anos em razão da alta do dólar, da maior fiscalização das fronteiras, da diminuição da cota permitida para as compras e da mudança do foco do governo paraguaio. Porém, dentre as várias causas da existência e permanência da atividade nas regiões de fronteira no Paraguai, duas são principais: a certeza de um déficit comercial e de conta corrente muito profundos, se considerada a economia sem as reexportações; e o tradicional fluxo comercial nas cidades de fronteiras que encorajam a continuação do setor (BANCO CENTRAL DEL PARAGUAY, 2009). 2.4.2 Maquilas A palavra maquila é utilizada desde o ano de 1020, e se refere à prática de conceder o sub-processamento de algum aspecto da atividade produtiva a terceiros, especialmente quanto a manufaturas. A indústria de maquilas tem como premissa básica a confecção ou montagem de produtos com peças elaboradas e importadas, e é considerada a atividade em que se faz possível perceber a indústria frente ao processo de globalização econômica, uma vez que permite analisar as possibilidades competitivas dos países diante da abertura de mercados (BALDERAS, 2003). A maquiladora é a versão mexicana para o que se chama, mundialmente, de Zona de Processamento para Exportação. Consiste em uma planta manufatureira, de propriedade local ou estrangeira, que opera em conjunto com empresas estrangeiras. Os produtos produzidos por essas empresas, em geral, não são para o consumo do país que hospeda a indústria (BALDERAS, 2003). A escolha do país para sua instalação tem foco, essencialmente, nos baixos preços e custos, baixa intervenção estatal e grande quantidade de mão-de-obra. Dentro de um país, a decisão depende das condições que encontra para a facilitação de investimento para atualizar tecnologicamente a empresa e/ou as possibilidades de racionalização de custos. Neste último ponto, nota-se que os conceitos de barreiras à entrada, custos de transações e custos de oportunidade servem para avaliar as zonas de custos. Em suma, analisam-se todos os elementos 49 que podem determinar a competitividade (custos organizacionais e de trabalho, transporte, serviços e impostos) para, posteriormente, decidir sobre a efetuação do investimento (BALDERAS, 2003). Conforme visto anteriormente, a abertura comercial define o quanto uma nação está disposta a facilitar o intercâmbio de bens, serviços e investimentos com outras nações do mundo. O Paraguai se tornou atrativo para a instalação das maquilas pelo crescente grau de abertura que vem apresentando na sua economia, acrescido dos reduzidos impostos cobrados na instalação no seu território, abundância de energia barata, flexibilização de leis trabalhistas e grande quantidade de mão-de-obra jovem, ainda que esta ainda encontra-se em um nível baixo de qualificação. Assim, em junho de 2000, normalizou-se a Lei Nº 1064/97 do Regime de Maquila, pela qual se promove a regulamentação das atividades de indústrias maquiladoras [...] que se dediquem total ou parcialmente a realizar processos industriais ou de serviços incorporando mão de obra e outros recursos nacionais, destinados a transformação, elaboração, reparação ou montagem de mercadorias de procedência estrangeira, importada temporariamente para efeito de sua posterior reexportação, a execução de um contrato com uma empresa domiciliada no exterior (CENTRO DE ESTUDIOS JUDICIALES, 2000, tradução nossa) O regime se dá através do contrato com uma pessoa física ou jurídica de matriz estrangeira, com a finalidade de realizar atividades relacionadas a processos industriais ou de serviços, total ou parcial sobre bens tangíveis ou intangíveis, cujo produto tenha como foco a exportação. A maquiladora tem que estar instalada em território paraguaio e pode contratar outra empresa (sub-maquiladora) para desenvolver processos contemplados no Programa de Maquilas (REDIEX, 2011). Através desse regime, se produz no Paraguai bens e serviços de exportação com grandes benefícios para os investidores nacionais ou estrangeiros e, por isso, caracteriza-se como um regime de atração de investimento conveniente. É um sistema de produção com prioridade para o Governo em termos de atração de novos investimentos e, para estes, não há limite de capital para investir, nem montantes mínimos para o capital nacional, estrangeiro ou misto. Ademais, há completa liberdade de escolha do local no território paraguaio para instalação, desde que com adequação nos requisitos necessários (ABColor, 2014). 50 O processo funciona da seguinte maneira: a matriz envia insumos, bens de capital e matérias-primas a fim de viabilizar o processo. Os bens importados têm um período de 6 meses a 1 ano de admissão temporária no Paraguai, garantindo a suspensão do pagamento de imposto. A maquiladora tem a liberdade de contratar os bens, serviços e mão-de-obra do Paraguai, ou importá-los de outros países. Quando produzido, o produto final é exportado e, os subprodutos ou desperdício podem ser reexportados, destruídos ou nacionalizados. Caso nacionalizados, estes têm o valor do imposto anteriormente isento, agora incidindo sobre sua comercialização (REDIEX, 2011). Tanto o contrato da maquila como da sub-maquila conta com um tributo único de 1% sobre o valor agregado em território nacional14 ou sobre o faturamento –o que apresentar maior valor. Tais incentivos para a instalação de indústrias são acrescidos de energia barata e uma legislação trabalhista flexível, transformando o Paraguai numa vitrine de investimentos, pela competitividade a nível mundial que proporciona para quem usufrui dessas facilidades (PARO, 2014). Observou-se um aumento no número de indústrias maquiladores instaladas e também no volume produzido, chegando, em outubro de 2014, com 72 maquiladoras instaladas, em contraste com as 4 que haviam em 2001, e um evidente aumento nos valores de exportação. Este crescimento e os valores apresentados das exportações podem ser observados na tabela 3, a seguir: 14 De acordo com a REDIEX - Rede de Investimentos e Exportações (2011), entende-se por “Valor agregado em território nacional” a soma dos bens adquiridos no país, os serviços contratados e os salários pagos, para cumprir com o contrato de maquila e sub-maquila; a depreciação dos bens de capital da maquiladora ou sub-maquiladora e o preço de realizar o serviço de maquila ou submaquila. 51 Tabela 3 - Maquilas: Exportações em milhões de US$ e número de unidades instaladas no período de 2001 a 2014 Fonte: Elaboração própria com dados até 2007, do Ministério da Indústria e Comércio (MIC); de 2008 a 2014, do Conselho Nacional de Indústrias Maquiladoras de Exportação (CNIME). *Dados acumulados de janeiro a outubro de 2014. As maquilas, no Paraguai, correspondem a sua inserção nas CVGs. São construídas com investimentos principalmente de brasileiros, paraguaios, argentinos, japoneses, espanhóis e coreanos, e estão em expansão desde sua lei de implementação. Os ramos englobados pelas maquilas no Paraguai são variados, dentre os maiores: têxtil e derivados; madeira e derivados; couro, sintéticos e derivados; químicos e produtos farmacêuticos; serviços; autopeças e auto-partes; calçados e suas partes; plásticos e suas manufaturas; alimentos para animais; produtos alimentícios; pigmentos e pinturas; borrachas e suas manufaturas (REDIEX, 2011). 2.5 Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores A Rediex - Rede de investimentos e exportações é um órgão vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio, criado em 2005, para implantar o Plano Nacional 52 de Exportação, no Paraguai. Para isto, trabalha nos setores produtivos em que o país tem maiores vantagens comparativas. Estes estão divididos em mesas setoriais: Biocombustíveis; Carnes e Couro; Florestais; Frutas e Hortaliças; Stevia; Têxtil e Confecção; Turismo e Mesa de Setores Exportadores (REDIEX, 2013). Em janeiro de 2010, criou-se uma nova subdivisão: a Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores, que passaria a ter seus valores de exportação contabilizados no final do mesmo ano. Inicialmente, quatro sub-setores foram detectados como tendo novos produtos com competitividade internacional: i) Agrícola não tradicional, envolvendo produtos como ervas medicinais e aromáticas, essências, chá, plantas vivas e ornamentais; ii) Pecuário não tradicional, onde se trabalham com mel de abelha, produtos de aqüicultura, aves; iii) Serviços, abrangendo publicidade, gráficas e artesanato; iv) Setor industrial de produtos elaborados, contendo produtos como medicamentos farmacêuticos, metal mecânicos, parte de peças, plásticos e água mineral (LOMBARDO, 2010). A tabela 4 apresenta os principais produtos da Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores. Pelos valores estarem apurados por somente 3 anos, ainda não caracterizam tendência. Contudo, é importante notar que são produtos distintos dos tradicionais, abrangendo tanto a agroindústria como indústria de baixa e média tecnologia. Tabela 4 - Valores em US$ das exportações dos principais produtos da Mesa Setorial de Novos Setores Exportadores no período de 2011 a 2013 Fonte: Elaboração própria com dados da Rede de Investimentos e Exportações (REDIEX) e Janela Única de Exportação (VUE). *Valor não exposto nas fontes pesquisadas. 53 Os produtos que apresentaram melhor desempenho de 2011 a 2012 foram Produtos de Aqüicultura, com crescimento de 10,3%; Medicamentos Farmacêuticos, 39,9%; Água mineral e bebidas, 80,2%; Inseticidas, 38,6%; e Condutores elétricos, com surpreendente aumento de 740,7% no volume de exportação. Em contrapartida, decresceram Ervas e Mates, e Chá e erva-mate instantâneo, com respectivamente -35,2% e -19,1%; Produtos de limpeza doméstica, -21,3%; Transformadores elétricos, -74,4%; e Auto-partes, -48,9%. Já de 2012 a 2013 houve crescimento para Medicamentos Farmacêuticos, 31,5%; Erva Mate e Chás e erva-mate instantâneos reverteram a queda, aumentando 48,6% e 65,9%, respectivamente, com relação a 2012; Inseticidas e Condutores Elétricos continuaram ampliando seu volume e cresceram, respectivamente, 14% e 136,91%. Transformadores Elétricos reverteram seu quadro, aumentando sua exportação em 162,16%. Água mineral e bebidas caíram 141% e, continuaram em declínio Produtos de Limpeza (-9,4%) e Auto-partes (10,1%). A Rediex financia parte dos projetos e o setor privado (nacional e/ou estrangeiro) investe no restante do valor. A atividade conta também com cofinanciamento do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento (LOMBARDO, 2010). Os primeiros anos de análise conjunta dos produtos da nova mesa setorial servirão para perceber a situação do setor, e identificar problemas e oportunidades do seu desenvolvimento. Essa análise definirá, nos anos iniciais, os produtos foco da Mesa Setorial, a partir de critérios de produção, estrutura produtiva e mercado. Para os anos seguintes, trabalhar-se-á a fim de fortalecer os produtos que apresentarem pendências (LOMBARDO, 2010). 2.6 Incentivos ao desenvolvimento e à atração de IED no Paraguai A partir de 1990, o foco dos incentivos apoiados pelo governo paraguaio passaram a ir além das atividades que se referiam à soja e a carne. Estas, historicamente, recebem isenção de impostos, redução de taxas sobre a terra 54 utilizada, além de subsídio ao preço do combustível para maquinarias e transporte (SERVÍN, 2011). Implantaram-se, assim, no final do século XX e, principalmente, início do século XXI, diversos instrumentos cuja finalidade era aumentar a competitividade do país para sustentar de forma mais efetiva a sua inserção internacional (SERVÍN, 2011). Dentre as instituições criadas, que apóiam e executam essas ferramentas, estão: Rediex (Rede de Investimentos e Exportações); Programa de Desenvolvimento Empresarial para Pequenas e Médias Empresas (PR-100); Subsecretaria de Estado de Indústria - Ministério da Indústria e Comércio; CONACYT - Inovação e Tecnologia; Programa Incubadora de Empresas Dinâmicas; Apoio Integral a Microempresas; FOCEM; entre outros. Estes estão destinados a melhorar a “competitividade, produtividade, qualidade, associatividade, inovação e desenvolvimento de empreendimentos” (SERVÍN, 2011, p. 5). Concomitantemente a este processo, com o princípio de isenções fiscais, criaram-se leis e regimes que fomentassem os investimentos, a produção industrial e as exportações. Dentre os de maior impacto, estão: 1) Lei Nº 60/90: De incentivo fiscal para investimentos de capital de origem nacional ou estrangeira. É concedido mediante apresentação de projeto de investimento ao Ministério da Indústria e do Comércio, e estipula incidência de 0% para: i) Importação de bens de capital; ii) Imposto sobre valor agregado (IVA) sobre bens de capital adquiridos dentro ou fora do país; iii) Imposto sobre remessas do capital, juros e comissões ao exterior (aplicada em investimentos de valor acima de US$ 5 milhões); iv) imposto sobre remessas de dividendos ao exterior (aplicado a investimentos superiores a US$ 5 milhões por 10 anos) (MINISTERIO DA INDUSTRIA Y COMERCIO, 2013a). 2) Lei Nº 523/95 do Regime de Zonas Francas: Pela qual se promove a regulação de funcionamento das zonas francas, no que se refere à documentação e procedimentos administrativos da entrada, permanência e saída das mercadorias e matérias-primas nas zonas francas. A lei serve para zonas francas comerciais, industriais e de serviços, dando base legal para 55 todas as atividades que se desenvolvam a partir delas, visando à transformação do cenário econômico (MINISTERIO DE HACIENDA, 1995). 3) Lei Nº 1064/97 do Regime de Maquila: Pela qual se promove a regulamentação das atividades de indústrias maquiladoras. Já citada anteriormente na seção 2.4.2 deste capítulo. 4) Decreto Nº 21.944 do Regime Nacional Automotivo: Pelo qual se objetiva o investimento e fortalecimento da indústria nacional, facilitação da transferência de tecnologia e incentivo à exportação, podendo usufruir do benefício tanto empresas nacionais como estrangeiras. O governo regulamenta e apóia a indústria de autopeças e automotiva e, assim, a consolida no mercado nacional e no Mercosul, mediante a ampliação da capacidade desta indústria e dos demais setores relacionados (MINISTERIO DA INDUSTRIA Y COMERCIO, 1998). 5) Decreto Nº 11.771/00 do Regime Especial de Importação de Matéria Prima e Insumo: É utilizado especialmente para estimular a criação e crescimento de micro e pequenas empresas, mas se estende a todas as indústrias do país registradas no Ministério da Indústria e Comércio. Este regime concede uma tarifa aduaneira de 0% para matérias-primas e insumos importados, quando comprovado que são usados nos processos de produção dessas empresas (MINISTERIO DA INDUSTRIA Y COMERCIO, 2013b). 6) Lei 4427: Estabelece incentivos para a produção, desenvolvimento ou montagem de bens de alta tecnologia. Está isenta de impostos a importação de partes para a montagem e obriga as empresas a ter participação nacional. Quando sancionada, em 2011, abrangia somente a área de eletrônica, telecomunicação e informática. Em setembro de 2014, foi modificada, passando a incluir eletrodomésticos e produtos eletromecânicos, com a intenção de impulsionar a produção de artigos simples para depois elaborar produtos mais sofisticados. A lei obriga que os postos de trabalho permanentes devam ser compostos de, pelo menos, 50% de cidadãos paraguaios. Além disso, conta com os seguintes deveres para os 56 beneficiados: desenvolvimento de programas de apoios sociais; incorporação de tecnologias que possibilitem a maior e melhor utilização de matériasprimas e recursos energéticos nacionais; elaboração de planos para a transferência de tecnologia, formação e capacitação da mão-de-obra; dentre outros (ABColor, 2011; EL JURISTA, 2012; REDIEX, 2014). 7) Lei da Parceria Público-Privada: Aprovada no final do ano de 2013, tem seu foco em obras de infraestrutura (portos, aeroportos, ferrovias e estradas) e serviços (distribuição de energia elétrica, saneamento básico, telecomunicações). O plano consiste em um atrativo para investimentos de capital nacional e estrangeiro através do modelo de concessões. A necessidade se deu em razão rápida industrialização e urbanização, esta foi movida pelo fato da população passar de cerca de 850.000 na década de 80, para mais de cerca de 7 milhões em 2014, sem a infraestrutura necessária, além da maior quantidade de empresas que estão abrindo e se instalando no país (BRASPAR, 2013). Tanto as instituições como os incentivos foram instituídos com a premissa de criar mais postos de trabalho, tornar mais efetivas as produções de bens e serviços, melhorar a incorporação e difusão de tecnologia, agilizar e simplificar serviços e trâmites burocráticos, e ampliar a atração de investimentos de forma a sustentar o desenvolvimento econômico pretendido pelo país. Durante a década de 90, os investimentos recebidos pelo Paraguai eram destinados a duas áreas essencialmente: o setor financeiro, em razão da já citada reorganização e liquidação dos bancos e financeiras; e a exploração do mercado interno e, sobretudo, do complexo sojeiro. A partir de 2000, os enfoques desses investimentos passaram a abranger também lucros reinvestidos e empréstimos entre empresas. Ademais, a promulgação da Lei das Maquilas desempenhou um papel essencial na intensificação dos investimentos nacionais e estrangeiros (MASI, 2011). Em razão da natureza das leis de incentivo promovidas pelo Estado, paralelo às maquilas, há as empresas estrangeiras que têm executado projetos de radicação no Paraguai, com o objetivo da utilização do país como plataforma de produção de bens para a exportação. É o exemplo de grandes multinacionais relacionadas à cadeia de valor da soja, que visam aumentar a transformação desse produto em 57 azeite vegetal; e também de empresas de mineração, principalmente para exploração de ouro, titânio e alumínio (Diario La Nación, 2012; Reuters, 2011; Reuters, 2012 apud MASI, 2011). Durante todo o período considerado, o fluxo de IED no Paraguai se comportou de maneira oscilante, porém com acumulação positiva. As causas de expansão e retração desse são variadas: o período compreendido de 1998 a 2004 coincidiu com a crise de alguns países emergentes como Brasil, Turquia, Argentina e Rússia; a queda em 2009 está relacionada à crise mundial (MASI, 2011), e em 2012 houve a crise político-institucional no Paraguai, que resultou no impeachment do então presidente Fernando Lugo. O quadro de insegurança e instabilidade gerado por essa agitação política durou pouco, e foi revertido pelos projetos do novo presidente eleito em abril de 2013, Horacio Cartes. Contudo, há aumento nos valores de IED acumulados, sustentados especialmente pelos anos de 2008, 2010 e 2011 (CEPAL, 2014; MASI, 2011). No governo recém eleito, além da aprovação de Lei de Parceria PúblicoPrivada, tiveram início as chamadas Missões Empresariais. Estas são reuniões feitas com o governo paraguaio e empresários de outros países da região e extraregião. Visto que a intenção é aumentar a integração comercial e os investimentos, há a exposição das potencialidades e vantagens do país, especialmente no quesito de produção com maior competitividade. Desde o seu início, muitas foram feitas com empresários brasileiros, pelo peso que o país sempre apresentou na economia paraguaia (PORTAL DE INDUSTRIA, 2014). Horacio Cartes venceu as últimas eleições com 46% dos votos. É considerado novo na política, porém é muito conhecido por sua trajetória empresarial. Cartes é presidente de um conglomerado de empresas que produzem bebidas, cigarros e charutos, roupas e carnes, além de gerenciar diversos centros médicos. (BBC, 2013). A grande aposta no novo presidente é justamente a mentalidade de empresário que está depositando em suas atividades como gerenciador público. Os pontos favoráveis da sua campanha estavam na utilização de capital privado para o melhoramento da infraestrutura, modernização das funções públicas e uma maior atração de investimentos internacionais para gerar mais empregos. 58 CONCLUSÃO Os níveis de abertura econômica apresentados nos últimos anos, especialmente o de 2013 que foi recorde mundial, mostram que a inserção internacional do Paraguai está encaminhada de forma positiva. A mudança de trajetória observada na economia paraguaia se deu como causa e conseqüência dessa abertura econômica, mas a mudança não se deu somente no aumento de graus de abertura. A partir dos anos 2000, podemos perceber mais claramente indícios de um novo rumo. As sementes oleaginosas, historicamente, são os principais produtos da inserção externa do Paraguai. Foi do fortalecimento das exportações dessas que se geraram recursos na economia para fortalecer outros produtos e, a partir de 2005 alcançar novos mercados de destino das exportações. Esse fato contribuiu para a diversificação da estrutura de exportações do país, visto que conforme novos mercados consumidores surgem, há o potencial de aumentar o volume de produtos exportados. Essa maior gama de produtos, conseqüentemente, gera maior receita, que é reinvestida no país e alimenta o ciclo de diversificação de produtos e mercados, bem como o fortalecimento dos já existentes. Além dos novos mercados atingidos e do aumento do volume das exportações, há a mudança do perfil das importações. Estas passaram a não se destinar, em maior parte, ao comércio de triangulação nas fronteiras. Este, apesar do importante peso na economia do país, não promove a industrialização e tampouco gera progresso técnico, além de incentivar o contrabando, tornando-se incompatível com os interesses do Estado a longo prazo. Desde 2007, além de aumentarem seu volume, as importações têm tido seu foco no mercado interno, sendo transformadas em insumos produtivos ou tendo uma agregação de valor, para posteriormente serem exportadas. Esse último processo inseriu efetivamente e de forma diferenciada, o Paraguai nas chamadas Cadeias Globais de Valor. Estas movimentam a cadeia produtiva, diversificam a pauta de exportações e auxiliam no projeto de uma economia mais sustentável, com as maquilas, que tiveram um considerável aumento desde sua lei de implantação em 2000. 59 No que se refere a uma economia mais estável, há boas perspectivas quanto às indústrias, pois estas apresentam uma tendência crescente de instalação no país. Uma vez instaladas, afetam positivamente o ambiente. O baixo imposto cobrado é fator de atração e, para que se consolidem no país, elas compram terras, empregam mão-de-obra paraguaia, pagam salários que promovem a circulação de renda no país. Ademais, pagam pela energia utilizada, tem outros gastos internamente, realizam construções, investem em transportes e demais áreas de infraestrutura. Todos os aspectos citados no trabalho mostram que houve melhora na estrutura do Paraguai, além da criação de instituições de regulamentação e incentivo a exportações, assessorias ao comércio exterior, centros de apoio a micro e pequenas empresas. Conforme citado, crescimento econômico que não acompanha uma maior institucionalização e política econômica coerente, não gera desenvolvimento. Dessa forma, ainda que singelo, é importante o surgimento dessas entidades. Por enquanto, as empresas que tem se fixado no país buscam as vantagens da mão-de-obra barata, disponibilidade de energia, incentivos fiscais e facilidades burocráticas. Porém, para que o aumento da produtividade no país se consolide em um fato indubitável e sustentável a longo prazo, faz-se necessário fortalecer seu capital humano, aumentando a qualificação da mão-de-obra. A melhora no know how da sua população, desde o que se refere ao ensino educacional (escolas e universidades) como ao ensino técnico, favorece o incremento da qualidade de vida, a competitividade do país a nível mundial e é critério para o desenvolvimento econômico. 60 REFERÊNCIAS ABColor. El régimen de maquila superó los US$ 200 millones em 10 meses. [S.l.: s.n.], 2014. Disponível em: <http://www.economia.com.py/economia/el-regimen-demaquila-supero-los-us-200-millones-en-10-meses-2963.html>. Visualizado em: 19/11/2014. ABColor. Sancionan ley para incentivar ensamblaje de alta tecnología. [S.l.: s.n.], 2011. Disponível em: <http://www.abc.com.py/edicionimpresa/politica/sancionan-ley-para-incentivar-ensamblaje-de-alta-tecnologia303903.html>. Visualizado em: 03/11/2014. ALADI. Paraguay en el Proceso de Integración Regional: Características y Condicionantes. Montevidéo, [s.n.], 2002. 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