IIV V EERREEB BIIO O RRJ J//EES S● ●UUFFRRRRJJ●22000077 PAINEL TEMÁTICO DESAFIOS DO ENSINO DE GENÉTICA NA ESCOLA BÁSICA _____________________________________________ MENOS PODE SER MAIS: É PRECISO REPENSAR O QUE ENSINAR? Blanche Christine Bitner ­Mathé 1 A Genética é um dos campos do conhecimento que mais se desenvolveu no último século. É incrível imaginar que até o século XX muito pouco se sabia sobre a natureza da hereditariedade, e que neste início do século XXI estamos cercados dos avanços dessa ciência. Embora a curiosidade pelo entendimento dos processos que resultam na transmissão da herança biológica remontem a cerca de 400 a.C, pode­se dizer que a ciência da Genética começou em 1900, com a redescoberta do trabalho de Gregor Mendel de 1865. A partir daí, o esforço e a criatividade de muitos pesquisadores, associados a um modelo de metodologia científica, permitiram grandes avanços na compreensão dos eventos pelos quais os genes expressam sua informação. Passamos das abstratas unidades que Mendel chamava de “fatores” para a identificação do DNA como a base química da hereditariedade. Esse conhecimento gerou tecnologias que vêm permitindo manipular o material genético, ampliando nossa visão do conceito de gene, de como os genes funcionam e de como eles podem ser detectados, modificados ou corrigidos. No ensino, a Genética costuma ser dividida em três grandes áreas: Genética Clássica, Genética Molecular e Genética Evolutiva. Contudo, esta divisão é apenas uma estratégia para a organização de conceitos. Reconhecer que estas áreas são fortemente interligadas, refletindo 1 Departamento de Genética – Instituto de Biologia – UFRJ [email protected] ANAIS DO IV ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA RJ/ES UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO ­ SEROPÉDICA, RJ. OUTUBRO 2007 1 IIV V EERREEB BIIO O RRJ J//EES S● ●UUFFRRRRJJ●22000077 7 níveis diferentes da observação de um mesmo fenômeno, é um ponto fundamental para o real entendimento da origem, diversidade e evolução da vida na Terra. Por outro lado, para se entender a Genética e se avaliar os seus avanços é necessário compreender como este conhecimento vem sendo construído. A Genética é uma ciência essencialmente experimental que evolui a partir da observação, da formulação de hipóteses e de teste de hipóteses. Assim, outro aspecto fundamental do ensino da Genética está em seu caráter analítico e muitas vezes abstrato. Tenho observado que muitos alunos, ao concluir o Ensino Médio, são capazes de enunciar as leis de Mendel, resolver exercícios tradicionais de aplicação de probabilidade em Genética, descrever as fases da mitose e meiose, duplicar uma molécula de DNA e traduzir uma proteína. Em alguns casos, os alunos são até mesmo capazes de citar os mais recentes avanços da área. Contudo, na maioria das vezes, estas habilidades resultam de memorização e não refletem uma compreensão dos processos genéticos. Quando esses alunos se deparam com atividades que avaliam o real entendimento dos conceitos e de suas inter­relações, os resultados são, em geral, desastrosos. Mas que estratégias podemos utilizar para estimular uma turma de estudantes com interesses diversos, em um espaço de tempo limitado, a entender Genética de forma significativa? Griffiths & Mayer­Smith (2000) sugerem que o ensino da Genética deve priorizar os fundamentos da organização do material genético, da transmissão da herança biológica e da construção do conhecimento, de forma que o estudante adquira coerência e precisão na argumentação e flexibilidade de desempenho. Ele deve ser capaz de selecionar, processar, criticar e utilizar novas informações para compreender a complexidade biológica e avaliar a utilização dos avanços desta ciência na sociedade. A problematização por meio de modelos e a realização de experimentos genéticos são estratégias bastante favoráveis para esse fim. A construção de um modelo, ou a interpretação de dados e previsão de resultados em um experimento, permite que o aluno tenha uma postura ativa de aprendizado e concretize idéias. Por outro lado, permite que o professor identifique conceitos e ligações não­válidos incorporados na rede cognitiva do estudante. Quando optamos unicamente pelo modelo tradicional de ensino, onde o aluno tem uma atitude ANAIS DO IV ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA RJ/ES UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO ­ SEROPÉDICA, RJ. OUTUBRO 2007 2 IIV V EERREEB BIIO O RRJ J//EES S● ●UUFFRRRRJJ●22000077 7 passiva, buscando absorver o conteúdo exposto pelo professor, essas interações não são possíveis. Logo na primeira aula da disciplina de Genética Básica para Graduação e nos cursos de Formação Continuada para professores de Ensino Médio, eu tenho convidado os participantes a construir modelos de cromossomos no núcleo de uma célula na fase G1 da interfase, utilizando apenas fios de lã e etiquetas. Os principais objetivos dessa atividade são avaliar os conceitos prévios da audiência e estimular a reflexão e a participação mais ativa. Um exemplo desse tipo de atividade está descrito abaixo. Note que vários conceitos são necessários para a elaboração do modelo; eles estão indicados em negrito. PROPOSTA DE ATIVIDADE: Vamos imaginar uma espécie hipotética, diplóide com 2n = 6 cr omossomos. Essa espécie tem um par de cromossomos sexuais, sendo o masculino o sexo heterogamético. Você deverá construir um modelo que represente os cromossomos do núcleo de uma célula somática de um macho dessa espécie no per íodo G1 da inter fase. Considere ainda, as características listadas abaixo para a construção do seu modelo: • Todos os cr omossomos autossômicos são metacêntricos (centrômero localizado na região mediana do cromossomo), sendo um dos par es de homólogos maior do que outro. • Os cromossomos sexuais são acr ocêntr icos (centrômer o próximo a uma das extremidades do cromossomo), sendo o cromossomo X maior do que o cromossomo Y. • No maior cromossomo autossômico está o loco de um gene responsável pela cor do corpo (gene a ), cujo alelo dominante (A) condiciona o corpo azul e o alelo r ecessivo (a), corpo branco. • Há um gene autossômico responsável pela forma do corpo (gene b ), cujo alelo dominante (B) condiciona o corpo redondo e o alelo recessivo (b), corpo oval. • No cromossomo X está o loco de um gene responsável pela presença ou ausência de pêlos (gene c), cujo alelo dominante (C) condiciona o corpo peludo e o alelo r ecessivo (c), corpo sem pêlos. • Os genes a e b estão localizados em cromossomos diferentes. ANAIS DO IV ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA RJ/ES UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO ­ SEROPÉDICA, RJ. OUTUBRO 2007 3 IIV V EERREEB BIIO O RRJ J//EES S● ●UUFFRRRRJJ●22000077 7 • O macho em questão possui corpo azul, oval e peludo e seu pai possui corpo branco, redondo e pelado. No modelo, utilize um fio vermelho para representar a molécula de DNA de origem materna e um fio azul para representar a molécula de DNA de origem paterna; represente com um nó a região do centrômero e utilize cada etiqueta para representar um loco gênico cujo alelo deve ser indicado. Essa atividade simples tem deixado muito clara a falta de compreensão de alguns fundamentos da organização do material genético e da transmissão da herança biológica. Os estudantes, em geral, têm grande dificuldade para iniciar o desenvolvimento da atividade, mostrando que, embora já tenham ouvido falar dos termos propostos, não refletiram sobre seus significados e suas inter­relações. Como exemplo, pode­se citar o caso da turma de Genética Básica do segundo período de 2007 do curso de Ciências Biológicas da UFRJ. Eram 30 alunos no primeiro dia de aula quando a atividade foi proposta. Nenhum deles conseguiu montar o modelo corretamente, sendo que muitos não tinham idéia de como começar. Esse fato não é uma particularidade dessa turma, tendo sido consistentemente observado em anos anteriores. Um ponto positivo da atividade é que na tentativa de montar o modelo, os estudantes participam ativamente, identificam suas próprias dúvidas, questionam e buscam fazer relações até mesmo entre conceitos não apresentados de forma explicita. A maioria das dificuldades observada está relacionada à forma fragmentada como a Genética é apresentada aos alunos. Eles não associam, por exemplo, os símbolos A e a que usamos para identificar alelos, definir genótipos e fenótipos na Genética Clássica com processos da Genética Molecular. Desconhecem ou não refletem sobre o fato de que cromátides­irmãs possuem a mesma seqüência de nucleotídeos porque resultam da replicação do DNA. Pode­se concluir, portanto, que muitas respostas corretas formuladas pelos alunos, não tem nenhuma consistência, sendo meras repetições de conteúdos memorizados. Grande parte de nossos estudantes não são capazes de uma argumentação precisa e coerente nos níveis mais básicos da Genética. Se solicitarmos, por exemplo, a estudantes que concluíram o Ensino Médio que citem um dos fatores responsáveis pela variabilidade genética, muitos dirão permuta. Mas quantos compreendem o significado da permuta além de ANAIS DO IV ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA RJ/ES UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO ­ SEROPÉDICA, RJ. OUTUBRO 2007 4 IIV V EERREEB BIIO O RRJ J//EES S● ●UUFFRRRRJJ●22000077 7 uma troca entre bastõezinhos de cores diferentes como apresentado em ilustrações de livros didáticos. Problemas semelhantes aos descritos foram observados por Griffiths &Mayer­Smith (2000) na Universidade British Columbia no Canadá, o que os fez cunhar a expressão “Less is more” cuja versão utilizei no título desse texto. Sem dúvida, a quantidade de temas genéticos apresentados pela mídia é um fator motivador e deve ser aproveitado pelo professor. A questão é o que deve ser priorizado: o volume de informação ou a compreensão da rede conceitual básica da disciplina? Não devemos esquecer que o antigo para professores e pesquisadores é novo e desconhecido para os estudantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MOORE, J. A. Science as a Way of Knowing Genetics. Amer. Zool. V.26: p.583­747, 1986. GRIFFITHS, A.J.F. & MAYER­SMITH, J. Understanding Genetics – Strategies for teachers and learners in Universities and High Schools. Freeman and Company, New York, 2000. ANAIS DO IV ENCONTRO REGIONAL DE ENSINO DE BIOLOGIA RJ/ES UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO ­ SEROPÉDICA, RJ. OUTUBRO 2007 5