IX ENCONTRO NACIONAL DA ECOECO Outubro de 2011 Brasília - DF - Brasil LEVANTAMENTO PARTICIPATIVO DE BENS E SERVIÇOS AMBIENTAIS PARA ESTUDOS DE VALORAÇÃO EM RESERVAS EXTRATIVISTAS EM ÁREAS DE MANGUEZAIS Bruno de Brito Gueiros Souza (CNPT/ICMBio) - [email protected] Dr. em Geoquímica Ambiental pela UFF, Analista Ambiental/Pesquisador do CNPT/ICMBio; Professor Colaborador do Mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas na UFMA, Trabalho há 20 anos com ecossistemas manguezais, atualmente com economia ecológica LEVANTAMENTO PARTICIPATIVO DE BENS E SERVIÇOS AMBIENTAIS PARA ESTUDOS DE VALORAÇÃO EM RESERVAS EXTRATIVISTAS EM ÁREAS DE MANGUEZAIS EIXO TEMÁTICO: Sustentabilidade dos Biomas Brasileiros e as Políticas Públicas: Metodologias, aplicações e políticas de valoração e de outros instrumentos econômicos, tais como pagamentos por serviços ambientais e ecossistêmicos relativos aos biomas, impostos, subsídios, etc. RESUMO Foi realizado um levantamento participativo de bens e serviços ambientais, como subsídio para estudos de valoração, através da aplicação de técnica de Grupo Focal, tendo como alvo lideranças extrativistas e gestores de duas Reservas Extrativistas em áreas de manguezais, no litoral da Bahia. Foram levantados atributos, hierarquizados em relação ao grau de importância e classificados como de uso direto, uso indireto e não uso. Os resultados foram satisfatórios no sentido de elencar os múltiplos usos por parte das populações tradicionais, bem como, no sentido de apresentar especificidades locais nas duas áreas onde foram aplicados. Entretanto, não foi capaz de apontar importantes serviços ambientais prestados pelos manguezais em escalas regionais, ou globais. Desta forma, é apontada a necessidade de conjugar entrevistas individuais à especialistas técnicos em adição ao emprego da técnica de Grupo Focal, da maneira como foi aplicada neste trabalho. ABSTRACT We conducted a survey of participatory environmental goods and services, such as contribution to studies of valuation, by applying the technique of Focus Group, targeting leaders and managers of extractive Extractive Reserves in two mangrove areas near the coast of Bahia. Were collected attributes, ranked according to the degree of importance and rated for direct use, indirect use and nonuse. The results were satisfactory in the sense of listing by the multiple uses of traditional populations and, in order to present specific local areas where the two were applied. However, it was not able to point out important environmental services provided by mangroves to regional or global scales. Thus, we can argue about the need to combine individual interviews with technical experts in addition to the use of Focus Group, as it has been applied in this work. Palavras-Chave: Reservas Extrativistas; Ecossistemas Manguezais; Bens e Serviços Ambientais; Levantamento participativo; Valoração Ambiental INTRODUÇÃO A valoração ambiental vem se consolidando, nas últimas décadas como uma importante ferramenta de gestão ambiental. Apesar de todas as críticas que existem, em relação à tentativa em se precificar bens e serviços prestados pelos ecossistemas, em muitos casos, o valor econômico destes ecossistemas pode ser considerado fator determinante no processo de tomada de decisão, através de análises de custos e benefícios associados à implantação de empreendimentos econômicos em áreas naturais, sobretudo em países em desenvolvimento. Além disso, a valoração ambiental pode apoiar esforços de conservação. Em uma publicação recente, MEDEIROS et al. (2011) demonstraram através de estudos de valoração, a importância das Unidades de Conservação para a economia nacional, com capacidade de gerar impactos positivos diretos e indiretos em diversos setores da economia. A receita gerada por Unidades de Conservação no Brasil pode chegar à ordem de grandeza de dezenas de bilhões de reais, anualmente. A valoração ambiental, também pode servir como instrumento de empoderamento para comunidades tradicionais, na defesa de seus territórios, e em alguns casos, pode auxiliar até mesmo no controle social, e fundamentar reivindicações por parte de movimentos sociais. Assim, captar o valor econômico de ecossistemas que prestam uma série de bens e serviços, por muitas vezes gratuitamente, à sociedade em geral, pode ser determinante para sua perpetuação num mundo dominado pela racionalidade econômica. Talvez esse seja o caso dos ecossistemas manguezais. Apesar da crescente conscientização em relação aos importantes serviços prestados por este ecossistema, sendo comumente associado a “berçário” e “criatório” para diversas espécies de importância marinha e costeira, não tem sido suficiente para evitar sua substituição para outros fins. Em outras palavras, apesar de aparentemente notória a importância dos manguezais, a carência de dados quantitativos, e mesmo de valoração não conseguem fundamentar análises de custos e benefícios para subsidiar tomadas de decisão a seu favor, frente a outras atividades econômicas. Um exemplo clássico deste fato foi a expansão vertiginosa da carcinicultura no nordeste brasileiro na última década. Provavelmente, uma simples comparação, levando em conta as devidas taxas de desconto ao longo do tempo, entre os valores econômicos gerados pelos manguezais no nordeste, considerando o grande número de pessoas que se beneficiam e dependem deste ecossistema, com a receita de uma fazenda de camarão, que emprega pouca mão-de-obra, e tem um ciclo de investimento curto, da ordem de 4 a 5 anos, e tem deixado um histórico de destruição por onde tem se desenvolvido ao longo do mundo, poderia tornar insustentável do ponto de vista político e social a anuência e os investimentos destinados a esta atividade, por parte do poder público. Outro acontecimento recente que se pode tomar como exemplo, é a pouca importância que a sociedade vem dando à situação fragilizada em que se encontram os ecossistemas manguezais na proposta de modificação do Código Florestal (Lei Nº 4771/65) apresentada, e aprovada, pelos Deputados Federais. O grande foco das discussões, em geral, se concentra no desmatamento da Amazônia, nas Reservas Legais e na diminuição das matas ciliares. Manifestações em favor dos manguezais, que praticamente deixariam de ser áreas de Preservação Permanente (APP), na proposta apresentada, quase não foram observadas, provavelmente, em função do desconhecimento de seu verdadeiro valor, inclusive econômico, para o bem-estar da sociedade. Grande parte dos trabalhos de valoração ambiental em ecossistema manguezais tem como referencia metodologias que vinham sendo desenvolvidas por Edwar B. Barbier desde o final dos anos 80, que culminaram com a publicação de um guia para valoração de zonas úmidas, pela Convenção Ramsar (BARBIER et al., 1997). Apesar de ser uma importante publicação onde se apresentam o passo-a-passo da valoração ambiental, algumas questões precisam ser consideradas para que possamos aplicar esta metodologia à realidade do trabalho em questão, isto é, em áreas de manguezais usadas por comunidades tradicionais, sob forma de Reservas Extrativistas, ao longo do litoral brasileiro: A alta diversidade de espécies e elevado grau de interdependência entre ecossistemas adjacentes O alto grau de dependências das populações tradicionais em relação a estes recursos, para perpetuação de seu modo de vida Os múltiplos usos e o profundo conhecimento sobre este ecossistema, transmitido de geração-a-geração (etnoconhecimento) As características socioeconômicas e culturais destas populações, em geral, com baixo grau de escolaridade, baixa renda familiar, baixa noção de cidadania, que levam a uma situação de vulnerabilidade social O amparo legal do uso destes recursos pelas populações tradicionais alvo das Reservas Extrativistas, tendo como pré-condição a sustentabilidade e a conservação O crescente emprego de instrumentos econômicos de incentivos à conservação, como Pagamentos por Serviços Ambientais, sobretudo em Unidades de Conservação, que podem trazer melhorias à qualidade de vida para as populações tradicionais mantenedoras destes serviços DIEGUES, et al. (1994), também destacaram a necessidade em se fazerem adaptações à metodologia de valoração de zonas úmidas utilizada por BARBIER (1989) na América Central, para aplicação à realidade caiçara do litoral paulista. Parte dos argumentos apontados pelos autores para justificar adaptações, foram semelhantes aos descritos por este trabalho, no texto acima. Desta forma, o presente trabalho surgiu da demanda em se realizar estudos de valoração ambiental em Reservas Extrativistas (RESEX) em áreas de Manguezais. Tendo o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT/ICMBio) a atribuição de desenvolver pesquisas que busquem entender as relações entre as populações tradicionais e o ambiente em que vivem e dependem para a manutenção de seu modo de vida, de modo a gerar subsídios para o processo de gestão, percebeu-se a necessidade de adaptações às metodologias de valoração existentes, que atendam às especificidades de modelos de Unidades de Conservação com presença de populações tradicionais, sendo neste caso a Reserva Extrativistas o foco do trabalho. Na metodologia proposta por BARBIER, et al. (1997), a valoração é feita em três etapas. Consideramos a etapa crítica desta metodologia a segunda etapa, onde são determinados e hierarquizados os bens e serviços prestados pelos ecossistemas passíveis de valoração, de acordo com o grau de importância, suas relações com valores de uso e não-uso e, por fim, são levantadas que informações serão necessárias para realização desta valoração. Conforme discutido anteriormente, entendeu-se que a principal adaptação para a aplicação em Reservas Extrativistas em ecossistemas manguezais, deveria se concentrar nesta etapa da metodologia. Assim, a proposta apresentada no presente trabalho sugere que esta etapa, de levantamento de bens e serviços prestados pelos manguezais, deva ser realizada de forma participativa, tendo como Grupo Focal, as populações tradicionais que compõe as Reservas Extrativistas. Desta forma, o levantamento foi realizado tendo como objeto de estudo duas Reservas Extrativistas do litoral da Bahia, a RESEX Canavieiras e a RESEX Baía do Iguape. METODOLOGIA O trabalho foi desenvolvido em duas Reservas Extrativistas no litoral sul da Bahia, uma na Costa do Cacau (RESEX de Canavieiras), e outra no Recôncavo Baiano (RESEX Baía do Iguape). Segundo a Lei Nº 9985/2000 (SNUC), que define as categorias de Unidades de Conservação (UC), as Reservas Extrativistas, tem como objetivo básico proteger os meios de vida e a cultura das populações tradicionais extrativistas, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. Além disso, esta categoria de UC apresenta um modelo de gestão compartilhada, onde as decisões são tomadas através do Conselho Deliberativo, que tem em sua composição a representação majoritária de povos e comunidades tradicionais alvo da unidade, garantida por força de Lei. RESEX de Canavieiras: A Reserva Extrativista de Canavieiras (Figura 1) localiza-se no litoral sul do Estado da Bahia, foi criada pelo Decreto Presidencial em 05 de Junho de 2006, abrangendo uma área de aproximadamente 100.645,85 ha. Está inserida na região costeira e marítima dos municípios de Canavieiras, Una e Belmonte, na chamada Costa do Cacau. O acesso à sede municipal se dá pela rodovia BA 001, a partir de Ilhéus – BA, ou pela BR 101, passando pelo município de Santa Luzia. A RESEX de Canavieiras possui aproximadamente 2.300 famílias de extrativistas beneficiários diretos, distribuídos em 12 comunidades e nas sedes dos municípios de Canavieiras e Belmonte. Essas famílias realizam a pesca artesanal, mariscagem (extrativismo de mariscos: moluscos e crustáceos) e a agricultura de subsistência, como atividades tradicionais responsáveis pela sua sobrevivência. A RESEX Canavieiras apresenta áreas de terra firme (4,8 %), manguezais e rios (12,2 %) e mar (83 %). Os manguezais e os rios da RESEX, que totalizam cerca de 12.300 hectares, são os principais responsáveis pela sobrevivência da maior parte da população extrativista, sendo o ecossistema onde 80% dos pescadores praticam suas atividades. Na área marítima, é realizada a pesca do camarão e peixes. Até o início dos anos 80, a principal atividade econômica na região estava atrelada a produção de cacau. Atualmente, as principais atividades econômicas são a pesca artesanal, o turismo e a criação de camarão em cativeiro (carcinicultura). O avanço da carcinicultura em áreas de manguezais na região foi uma das principais motivações para a criação da Reserva Extrativista, através da mobilização e luta das comunidades tradicionais em defesa de seus territórios ancestrais e da perpetuação de seu modo de vida. O município de Canavieiras é conhecido regionalmente como a “Capital do Caranguejo”, tendo o caranguejo-uçá como espécie símbolo da cidade com monumentos e suvenires associando o nome da cidade a caranguejos e outros elementos ligados aos manguezais. Além disso, a cidade promove anualmente o um Festival do Caranguejo, que leva um grande número de turistas à cidade, sendo um importante incentivo à economia local. RESEX da Baía do Iguape: A Reserva Extrativista da Baía do Iguape (Figura 1) foi criada por decreto presidencial em 11 de agosto de 2000, tendo 8.117,53 ha de área total, sendo 2.831,24 ha de manguezal e 5.286,29 ha de águas internas, abrangendo os municípios de Maragojipe, Cachoeira e São Felix. A Baía do Iguape é formada pelo deságüe dos rios Paraguaçu e Iguaí na Baía de Todos os Santos, se situando cerca de 100 km a leste de Salvador, na região do Recôncavo Baiano. A RESEX tem aproximadamente 15.000 pescadores e marisqueiras. Uma parcela significativa destes extrativistas mora no perímetro urbano de Maragojipe. Assim, no período de baixa-mar é comum se observar mulheres e crianças “mariscando” nos bancos de lama expostos, bem próximos à cidade. O declínio de atividades econômicas, como a indústria de charutos que chegou a empregar até 5.000 funcionários no município de Maragojipe e a crescente concentração fundiária nas mãos de grandes fazendeiros, confere grande importância social à pesca artesanal e maricagem, na região da RESEX (PROST, 2007). Outro aspecto que merece destaque é questão de gênero na RESEX. Há uma clara divisão de trabalho no extrativismo, onde mulheres se dedicam a coleta de moluscos: Ostras, sururus, mapés e vôngoles; e os homens são responsáveis pelos crustáceos e peixes. Além disso, segundo OLIVEIRA (2009), as mulheres também participam na produção caseira da massa ou filé de caranguejos, siris e aratús, capturados pelos homens. Segundo o mesmo autor, as mulheres são mais organizadas, reunidas em associações de marisqueiras, e estão em maior número entre os extrativistas da RESEX. Outra questão abordada pelo autor foi a importância social dos manguezais depois do fechamento de uma grande indústria de charuto, em Maragojipe, que empregava quase que exclusivamente mulheres na confecção dos charutos. Este enorme contingente de mulheres desempregadas passou a ter o manguezal como sua nova “fábrica”, que contribui para o sustento de suas famílias. Figura 1 – Localização das RESEX de Canavieiras e da Baía do Iguape. Maragojipe, também é conhecida por muitos como a “Capital dos manguezais”, tendo sediado importantes eventos acadêmicos, científicos e culturais, desde os anos 90, voltados à temática dos manguezais. Ainda sobre este tema, já foram desenvolvidos muitos projetos socioambientais e educativos em Maragojipe, tendo inclusive trabalhos pioneiros em recuperação de manguezais degradados envolvendo comunidades tradicionais. A formação étnica da população desta região, também confere aos manguezais importância religiosa, sendo considerado local sagrado, usado em rituais afro-brasileiros. A expansão recente da indústria naval na Bahia, tendo como área prioritária para instalação à região do Recôncavo Baiano, sendo considerado um potencial vetor de pressão sobre os manguezais e o modo de vida das populações que dependem deste ecossistema. Apesar da semelhança pelo fato de serem no litoral da Bahia, bem como, em relação à importância do ecossistema manguezal para estas Reservas Extrativistas, as duas unidades apresentam diferenças sociais, culturais, econômicas e ambientais bastante significativas. Este foi um fator determinante na escolha destas Reservas Extrativista para aplicação da metodologia, onde se espera que estas diferenças e especificidades locais sejam percebidas e elencadas ao final do trabalho. Assim, o fato de ser possível apontar especificidades locais, poderá permitir que esta metodologia seja aplicada em qualquer RESEX ao longo do litoral brasileiro. Este trabalho se baseou na metodologia apresentada no guia para valoração de zonas úmidas, publicado pela Convenção Ramsar (BARBIER et al., 1997). Esta metodologia se desenvolve em sete passos, divididos em três etapas, da seguinte forma: Primeira Etapa Passo 1 – Se elege o método de avaliação apropriado (análises de impactos, valoração parcial ou valoração total) Segunda Etapa Passo 2 – Se determina a superfícies das zonas úmidas (delimitação da área de estudo) e se especificam os limites sistêmico ente estes e a zona adjacente. Passo 3 – Se determinam os componentes, funções e propriedades dos ecossistemas de zonas úmidas e se hierarquizam (ex. muito importante, importante e pouco importante). Passo 4 – Os componentes, funções e propriedades são relacionadas com os distintos valores de uso (diretor e indiretos) e não-uso. Passo 5 – Se determinam as informações necessárias para avaliar cada classe de uso, ou não-uso objeto do estudo, e como consegui-las. Terceira Etapa Passo 6 – Avalia-se a possibilidade de emprego das informações disponíveis serem empregadas para valorar. Passo 7 – Se aplica o método de avaliação apropriado, como por exemplo, a análise custo-benefício (ACB). Desta forma, entendemos que a etapa crítica que determinará o sucesso da valoração ambiental é a segunda etapa. No caso da aplicação em RESEX, esta etapa onde deverão ser levantadas as especificidades de cada estudo de caso, é fortemente influenciada pelas características sociais, econômicas e culturais das populações tradicionais extrativistas, que irão determinar os múltiplos usos, e não usos, dos recursos passíveis de valoração. Assim, sugerimos que as informações que compõe a segunda etapa devam ser levantadas de maneira participativa, usando a técnica de Grupo Focal, incluindo no grupo lideranças de extrativistas e gestores das Reservas Extrativistas. Entende-se por gestores, analistas ambientais lotados nas respectivas RESEX e chefes das mesmas, sendo assim, funcionários do ICMBio. O chamado Grupo Focal (Focus Group) é uma técnica de pesquisa que utiliza sessões grupais de discussões, centralizando um tópico específico a ser debatido entre os participantes, com o propósito de se obter informações de caráter qualitativo em profundidade (KITZINGER e BARBOUR, 1999). Essa técnica distingue-se por suas características próprias, principalmente pelo processo de interação grupal, que é uma resultante da procura de dados. Segundo KIND (2004), os grupos focais utilizam a interação grupal para produzir dados e insights que dificilmente seriam conseguidos fora do grupo. Assim, os dados obtidos, levam em conta o processo do grupo, tomados como maior do que a soma das opiniões, sentimentos e pontos de vista individuais. Ainda segundo autor, o Grupo Focal conserva o caráter de técnica de coleta de dados, adequada para investigações qualitativas. Dentre as principais vantagens na utilização da técnica de Grupo Focal, esta o fato de fornecer um resultado rápido, de baixo custo, de formato flexível, permitindo que o moderador explore perguntas não previstas e incentive a interação entre os participantes. Além disso, esta técnica permite que sejam esclarecidas questões consideradas complexas pelo grupo no decorrer do levantamento. O levantamento foi realizado em de junho de 2010 em uma oficina realizada pelo CNPT/ICMBio na sede da RESEX da Baía do Iguape, em Maragojipe – BA. A oficina teve como objetivos principais explicar e sensibilizar gestores e lideranças extrativistas em relação à importância da realização de estudos de valoração ambiental e, aplicar a técnica de Grupo Focal para levantar as informações referentes à etapa dois da metodologia aplicada por BARBIER et al. (1997), de forma participativa. Na ocasião, foram reunidos lideranças extrativistas e gestores, incluindo analistas ambientais e chefes das Reservas Extrativistas de Baía do Iguape e de Canavieiras. A oficina foi dividida em três momentos. No primeiro momento foi apresentada uma palestra explicativa sobre metodologia de valoração de zonas úmidas (BARBIER et al., 1997), sua aplicação prática e a necessidade de adaptações. Neste primeiro momento foram reunidos extrativistas e gestores de ambas as RESEX, no mesmo ambiente, e teve como objetivo explicar os fundamentos de valoração, apresentar a metodologia e a proposta de adaptação, sensibilizá-los em relação à importância da valoração ambiental e preparar o grupo para etapa seguinte do levantamento. Nos dois momentos seguintes, foram realizados os levantamentos das informações referentes à segunda etapa da metodologia aplicado por BARBIER et al. (1997), através da técnica de Grupo Focal, para representantes das duas RESEX em separado. Assim, um grupo não influenciou o outro. As informações levantadas foram sendo anotadas sob a forma de quadro pelo moderador, em cartolina na parede durante as discussões, em comum acordo com o grupo. Detalhes, informações sobre os dados necessários à valoração, e outras informações consideradas importantes, foram sendo anotadas por um relator à parte. As discordâncias entre os participantes, quando houveram, foram resolvidas através do consenso entre o grupo, sendo mediadas pelo moderador, que procurou manter imparcialidade de opiniões. Ao final do levantamento, foram cruzadas e sistematizadas as informações do quadro construído pelo grupo com as informações anotadas pelo relator, e os resultados serão apresentados logo abaixo. RESULTADOS Os resultados serão apresentados no formato em que foram concebidos durante a aplicação da técnica de Grupo Focal durante as oficinas, isto é, na forma de quadros. O Quadro 1 apresenta os resultados do Grupo Focal da RESEX da Baía do Iguape e o Quadro 2 da RESEX de Canavieiras. Além dos resultados apresentados nos Quadros 1 e 2, foram levantadas informações pertinentes sobre que tipo de dados necessitam ser obtidos para valoração, como e onde consegui-los. Por fim, foram elencadas as técnicas de valoração a serem empregadas, entretanto, estas informações não serão apresentadas, não sendo este o objetivo deste artigo. Quadro 1 – Resultado do levantamento participativo de bens e serviços na RESEX da Baía do Iguape. Valor Econômico Uso Direto Uso Indireto Não Uso BENS: Recursos Pesqueiros Comercialização Consumo Recursos Florestais Lenha Carvão Construção (Casas, cercas, etc) Casca (tanino) Petrecho de Pesca Apicultura (Mel) Conchas (adubo) Artesanato ●●● ●●● ●● ● ● ● ● ●● ● ●● SERVIÇOS: Reflorestamento Educação Ambiental Turismo Maricultura (Ostra) Questão de Gênero (Marisqueiras) Identidade da Cidade com Manguezal Dia do Manguezal Pesquisa Educação Cultura Grupo Musical Cantarolama Religião Etnoconhecimento Geração de Emprego e Renda Existência ●● ●● ●● ●●● ●● ● ● ●● ●● ●● ● ●●● ●●● ●●● ●● ● ●●● ●●● ●●● ●●● ●●● ●●● ●●● – Muito importante; ●● – Importante; ● – Pouco importante Algumas especificidades levantadas no Quadro 1 merecem destaque, sendo abordados no texto abaixo. A pesca para consumo apresentou um alto grau de importância de uso direto. Segundo relatado na oficina, na maioria das vezes, o melhor peixe pescado é destinado para consumo próprio dos pescadores. Este fato merece destaque, uma vez que o que se observa, em geral, em outras regiões do litoral brasileiro é exatamente o contrário. Os peixes mais valiosos são comercializados, e os de menor valor comercial são consumidos pelos próprios pescadores. Em relação ao reflorestamento, apontado no Quando 1, foi desenvolvido um projeto pioneiro de produção de mudas de espécies de manguezais e recuperação de áreas de manguezais degradadas. O objetivo inicial do projeto era voltado para ações de educação ambiental. Como conseqüência desta iniciativa, houve o financiamento do projeto, por uma empresa no ramos de petróleo que cobriu as despesas com logística e manutenção do viveiro, bolsas para participantes do projeto, e por fim, a empresa encomendou milhares mudas para recuperar áreas de seu interesse. A questão de gênero apresentou grande importância, em virtude do fechamento de uma grande indústria local, que empregava majoritariamente mulheres, que tiveram como alternativa ao desemprego, o trabalho como marisqueiras, conforme apontado na caracterização da RESEX da Baía do Iguape. Da mesma forma, a geração de emprego e renda foi apontada como de grande importância em todos os níveis, isto é, valores de uso direto, indireto e não uso. Provavelmente este fato possa ser explicado em função dos baixos índices de desenvolvimento humano (IDH), nesta região onde grande parte dos empregos está direta ou indiretamente relacionado aos recursos ambientais associados aos ecossistemas manguezais. A identificação do município de Maragojipe com os manguezais, sendo reconhecida como Capital dos manguezais, conforme descrito anteriormente na caracterização da área de estudo, também apresentou uma importâncias relacionada a valores de existência, isto é valores de não uso. A promoção de festividades associadas ao Dia do Manguezal, que acontece anualmente na data de 26 de julho, foi destacada associando a valores de uso indireto e não uso, embora tenha sido atribuída baixa importância. Esta data está relacionada à questão da religiosidade associada aos manguezais, sendo a data de Nossa Senhora de Santana, que no sincretismo religioso é reconhecida como a orixá Nanã, que tem forte popularidade na região. Foram apontados valores de uso direto, em função do uso dos manguezais em rituais, embora classificado como pouco importante, e valores existências, considerados muito importante pelo grupo. Outro ponto apontado pelo grupo foi a existência de um grupo musical, o Cantarolama, que ganhou projeção regional, nacional e até mesmo internacional, com diversas apresentações e álbuns gravados. Suas músicas são usadas como veículo de educação ambiental, trazendo como tema, a importância ecológica, social e cultural dos ecossistemas manguezais. Quadro 2 - Resultado do levantamento participativo de bens e serviços na RESEX de Canavieiras. Valor Econômico Uso Direto Uso Indireto Não Uso BENS: Recursos Pesqueiros Comercialização Consumo Recursos Florestais Lenha Carvão Construção (Casas, cercas, etc) Casca (tanino) Petrecho de Pesca Apicultura (própolis) Usos Medicinais Conchas (Adubo) Artesanato ●●● ●● ●● ● ●●● ● ●● ●●● ● ● ●● SERVIÇOS: Turismo Lama Negra Turismo - população local Passeio de Barco Pesca Amadora Pesca Esportiva Maricultura (Ostra, Sururu) Proteção da Linha da Costa Espécie Símbolo da Cidade (caranguejo) Festival do Caranguejo Festival da Moqueca Pesquisa Educação Cultura Etnoconhecimento Conservação (RESEX) ●● ●●● ● ●● ● ●●● ●● ● ●●● ●●● ●●● ●● ●● ●● ●●● ●●● ●●● ●●● ●●● – Muito importante; ●● – Importante; ● – Pouco importante Nos resultados apresentados no Quadro 2, algumas especificidades foram elencadas. Assim, podemos notar a aparição do uso medicinal dos manguezais, embora tenha pouca importância associada ao uso direto. Outra questão que merece destaque é a importância do Turismo para a RESEX de Canavieiras, que apresentou diversas modalidades de turismo. No turismo chamado de lama negra, por exemplo, os visitantes são levados de barco para cobrir seus corpos com a lama de manguezais. Comumente são atribuídas funções terapêuticas a esta atividade, considerada importante e associada ao uso direto. Os manguezais também foram considerados, através do uso indireto como muito importante para o laser da população local. A pescaria associada ao laser, tanto amadora, quanto esportiva, também foi apontada pelo grupo, embora a primeira mereça destaque como muito importante, e a segunda com pouca importância. O grupo também relatou um acontecimento, onde uma área de manguezal foi suprimida, trazendo como conseqüência a erosão provocada pelas marés. Foi preciso que a prefeitura realizasse uma obra com a construção de um enrocamento, para minimizar os efeitos da erosão, substituindo assim, a função de proteção da linha da costa desempenhada originalmente pelos manguezais suprimidos. Este uso indireto dos manguezais foi considerado muito importante pelo grupo de trabalho. Uma grande importância associada ao uso indireto dos manguezais foi atribuída em função da identificação do município de Canavieiras como “Capital do Caranguejo”, conforme descrito na caracterização da RESEX de Canavieiras. Da mesma forma, o Festival do Caranguejo, que acontece há mais de anos neste município, foi apontado como muito importante, e vinculado ao uso indireto, uma vez que os caranguejos são obtidos nos manguezais. Seguindo o mesmo raciocínio, o Festival da Moqueca também foi destacado, embora possua um menos grau de importância, se comparado ao Festival do Caranguejo. Por fim, a conservação associada à criação da RESEX, também foi elencada pelo grupo com um valor de existência, ou não uso, considerado muito importante, em função do histórico de luta, durante o processo de criação, onde foram relatados fortes conflitos, inclusive com casos de violência, entre os grupos favoráveis e contra a criação da UC. Como foi possível observar, a metodologia proposta foi capaz de captar valores relacionados a questões específicas para cada RESEX estudada, embora alguns aspectos tenham apresentado resultados semelhantes, como comercialização de conchas para fabricação de adubo e a produção de artesanatos. Outros aspectos levantados, apesar de parecidos apresentam importância, ou até mesmo usos distintos, como por exemplo, a apicultura, que na Baía do Iguape tem como principal fim a produção de mel, ao passo que em Canavieiras a produção está fortemente associada ao própolis. O uso de recursos florestais para construção também apresentaram diferentes graus de importância nas RESEX estudadas. Desta forma, o levantamento dos bens e serviços passíveis de serem valorados através da aplicação da técnica de Grupo Focal, composto por lideranças de extrativistas e gestores das RESEX, pode ser considerado eficiente para levantar os múltiplos usos, bem como, características específicas de cada RESEX estudada. Apesar de ser considerada eficiente a adaptação metodológica proposta neste trabalho, no sentido de levantar informações mais detalhadas a cerca de bens e serviços prestados pelos ecossistemas manguezais, alguns serviços considerados na literatura científica como muito importantes, não foram apontados pelo Grupo Focal. É o caso, por exemplo, do seqüestro e fixação de carbono pelos manguezais. Nos dia atuais em que o aquecimento global tem preocupado a sociedade como um todo e os manguezais tem sido comumente apontados por cientistas como um importante ecossistema nos seqüestro e estocagem de carbono. DONATO et al. (2011), estudando manguezais do Pacífico, demonstraram que os manguezais armazenam quatro vezes mais carbono que qualquer outra floresta no mundo. Outros serviços ambientais prestados pelos manguezais como ciclagem de nutrientes, fertilização das águas costeiras adjacentes, imobilização de poluentes, abrigo para aves migratórias, berçário para espécies de pescados, entre outros, também são relatados nas mais diversas publicações técnicas relacionadas a este ecossistema. Estes aspectos merecem a devida atenção, sobretudo, considerando emprego crescente de instrumentos econômicos de apoio a conservação, como por exemplo, o REDD e PSA, que tem movimentado anualmente bilhões de dólares em transações voluntárias. Desta forma, a metodologia aplicada neste trabalho não foi capaz de levantar estes importantes serviços ambientais prestado pelos manguezais. Provavelmente, esta lacuna possa ser preenchida com entrevistas junto a cientistas especialistas no assunto. Segundo MORGAN (1997), é possível conciliar distintas escolhas metodológicas, em que uma pode suprir a deficiência da outra e, ainda, se beneficiar de suas virtudes. Assim, este autor sugere que é perfeitamente possível combinar o emprego da técnica de Grupo Focal em adição às entrevistas individuais. As entrevistas individuais permitem um maior controle por parte do investigador, enquanto que o Grupo Focal permite o acesso a um volume maior de informações de um número maior de sujeitos. KAPLOWITS (2000) adotou a técnica de Grupo Focal e entrevistas individuais para identificar os serviços ambientais prestado por manguezais em Yucatan, no México, embora os dois métodos tenham sido aplicados junto a moradores de duas comunidades costeiras. O autor considerou que a coleta de dados usando estes dois métodos tornou o entendimento mais robusto, em relação ao valor atribuído pelas pessoas ao ecossistema manguezais. Desta forma, é provável que uso da técnica de grupo focal, composto por extrativistas e gestores das RESEX, associado às entrevistas individuais com especialistas locais, sejam estes cientistas ou acadêmicos, apresente um resultado mais satisfatório, onde sejam levantados os múltiplos usos e especificidades locais, em adição aos serviços ecossistêmicos, que não são tão facilmente percebidos a uma escala local, por aqueles que estão diretamente em contato com o ecossistema manguezal. CONCLUSÕES A adoção da técnica de Grupo Focal, tendo como alvo lideranças de extrativistas e gestores de Reservas Extrativistas se mostrou eficiente no levantamento de bens e serviços ambientais para RESEX em áreas de manguezais, sobretudo para atributos com valores de uso direto. Por outro lado, o método não foi capaz de levantar importantes serviços ambientais, não tão facilmente percebidos à escala local, como seqüestro e fixação de carbono. Desta forma, é provável que a conjugação da técnica de Grupo Focal, como foi empregada neste trabalho, com entrevistas individuais junto à especialistas em ecossistemas manguezais, apresente resultados mais satisfatórios no levantamento de bens e serviços ambientais, voltados para estudos de valoração em Reservas Extrativistas em áreas de manguezais. AGRADECIMENTOS Ao Projeto Manguezais do Brasil (BRA/07/G32) do PNUD/ICMBio que possibilitou a realização deste estudo e, ao amigo e companheiro de trabalho no CNPT/ICMBio Oscar Borreani, que muito contribuiu ao longo do desenvolvimento deste trabalho. BIBLIOGRAFIA BARBIER, E.B. (1989) Economic evaluation of tropical wetland resources: application in Central América. London Environmental Economics Centre. London: 24p. BARBIER, E.B.; ACREMAN, M.; KNOWLER, D. 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CD-Room.