AMBIENTE A GRANDE ESCALA E A DIVERSIDADE GENÉTICA DO COELHO COMO FACTORES A TER EM PDF Ambiente a grande escala e a diversidade genética do Coelho como factores a ter em conta na conservação do Lince-ibérico Um estudo realizado à escala ibérica com recurso à modelação, alerta para a necessidade de ter em conta a estrutura genética das populações de coelho aquando do planeamento das acções de reintrodução, dada a diferente vulnerabilidade das variedades às epizootias virais. A. Márcia Barbosa, Cátedra ‘Rui Nabeiro’ – Biodiversidade, CIBIO, Universidade de Évora 1/5 AMBIENTE A GRANDE ESCALA E A DIVERSIDADE GENÉTICA DO COELHO COMO FACTORES A TER EM À escala local, a presença do lince-ibérico é determinada principalmente pela disponibilidade de habitat adequado e da sua presa fundamental, o coelho. Contudo, a distribuição das espécies também é afectada por factores cuja acção só se detecta em estudos a grande escala. O lince, em particular, só poderá manter-se na Península Ibérica como meta-população, ou seja, com várias populações ligadas entre si por zonas que, não favorecendo o estabelecimento de núcleos reprodutores, permitam ao menos o movimento (dispersão) de indivíduos entre elas. Conhecer a forma e estrutura possíveis dessa meta-população é importante para planear adequadamente a conservação do lince, e só se pode conseguir analisando a Península Ibérica como um todo. Naturalmente, é também necessário analisar a distribuição do coelho e relacioná-la com a do lince à mesma escala. Com esta premissa foi realizado, junto com colaboradores espanhóis, um estudo à escala ibérica sobre os efeitos da mixomatose e da doença hemorrágica viral nas populações ibéricas de coelho. Esta investigação revelou dois factos preocupantes: a esta escala, as distribuições do lince e do coelho estavam a divergir, com o lince relegado ao quadrante sudoeste da península e o coelho a dar-se melhor na região oriental; e a estrutura genética espacial do coelho (com duas variedades bem diferenciadas na Península Ibérica, uma na metade nordeste e outra na metade sudoeste) parecia estar implicada, com os coelhos da variedade do sudoeste – disponíveis para o lince na sua área de distribuição actual – a resistirem pior às doenças que os da metade nordeste da Península, onde já não há linces. Isto aponta para a importância de um factor que não se está a ter em conta nos planos de conservação do lince: a diversidade genética da presa. Se já é arriscado para um predador ameaçado depender tão fortemente de uma só espécie de presa, é ainda mais perigoso estar limitado a apenas uma variedade genética dessa espécie. Estas variedades podem resistir de forma diferente a ameaças como as doenças ou perturbações ambientais, pelo que é importante para o lince poder contar (como contava no passado) com toda a diversidade genética disponível do coelho. Os planos de reintrodução do lince devem, portanto, contemplar regiões com populações naturais saudáveis de coelho de ambas as variedades genéticas – ou seja, deve-se reintroduzir linces também na metade nordeste da Península, desde que seja em zonas conectadas com as populações de lince a sudoeste. Introduzir coelhos do nordeste na região sudoeste não é boa ideia, porque alteraria a estrutura genética natural das populações de coelho (o lince não tem uma estrutura genética marcada). Além disso, as duas variedades não se misturam bem, pelo que isto poderia mesmo 2/5 AMBIENTE A GRANDE ESCALA E A DIVERSIDADE GENÉTICA DO COELHO COMO FACTORES A TER EM levar a uma diminuição da taxa reprodutora do coelho. Um estudo mais recente, realizado novamente à escala ibérica, aponta para a existência de zonas ambientalmente favoráveis simultaneamente para o lince e para o coelho, tanto em Espanha como em Portugal, em ambos os lados da linha teórica que separa a distribuição das duas linhagens de coelho. Apesar de ser baseado em dados de distribuição relativamente grosseiros, o modelo dá conta de vários aspectos importantes. Prevê, por exemplo, que a favorabilidade ambiental para o lince é, em geral, bastante mais baixa em Doñana do que na Serra Morena, o que está de acordo com o que se observa no campo – a população da Serra Morena é claramente mais saudável. Prevê também que a conexão natural entre as populações de Doñana e da Serra Morena vai pela província de Huelva e pela fronteira com Portugal. O lince Caribú, que tentou mais do que uma vez dispersar desde Doñana, seguiu precisamente esta rota e foi apanhado na zona da fronteira entre Espanha e a região de Moura-Barrancos. Segundo as previsões destes modelos de distribuição, em Portugal as áreas favoráveis simultaneamente para o lince e para o coelho estão sobretudo no centro e sul do país, incluindo a zona de Moura-Barrancos e as serras da Malcata (sul), S. Mamede, Monchique e Caldeirão. Em Espanha, para além das áreas que já estão a ser consideradas nos planos de reintrodução do lince, são também altamente favoráveis a ponta nordeste da Andaluzia e as regiões adjacentes das províncias de Albacete e Múrcia, onde os coelhos já são predominantemente da variedade do nordeste e de onde há ligação com as populações de lince da Serra Morena. Estas zonas deveriam, portanto, ser tidas em consideração nos planos de reintrodução dos linces-ibéricos que estão a ser reproduzidos em cativeiro. 3/5 AMBIENTE A GRANDE ESCALA E A DIVERSIDADE GENÉTICA DO COELHO COMO FACTORES A TER EM Bibliografia Barbosa A.M. & Real R. 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