Repercussões do cyberbullying na saúde mental dos adolescentes

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Ano 5 • n°2 • Mar/Abr 2015
ISSN 2236-918X
1
MAIS UMA OPÇÃO DE ATUALIZAÇÃO EM
PSIQUIATRIA PARA OS ASSOCIADOS DA ABP.
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www.abp.org.br
/////////// APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
Prezados leitores da RDP,
Em nosso segundo número de 2015, Marlos Fernando Vasconcelos Rocha et al. iniciam
revisando o tema da neuroimagem no transtorno bipolar. Os autores sintetizam os principais
achados em neuroimagem estrutural e funcional, descrevendo as estruturas corticais e
subcorticais do encéfalo mais relevantes e que embasam a provável fisiopatologia desse
transtorno. São revisadas anormalidades nos circuitos neuronais supostamente envolvidos
no processamento e regulação da emoção, bem como no processamento de recompensas.
Os autores destacam o papel chave, embora ainda controverso, desse tipo de pesquisa na
identificação de biomarcadores associados ao transtorno.
ANTÔNIO GERALDO DA SILVA
EDITOR
Na sequência, Marina Dyskant Mochcovitch oferece uma atualização sobre o tratamento
farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada – um dos menos estudados entre
os transtornos de ansiedade, apesar de sua alta cronicidade e prevalência. São descritos
resultados obtidos com os medicamentos de primeira linha no tratamento do transtorno
(inibidores seletivos da recaptação da serotonina e inibidores da recaptação da serotonina
e noradrenalina), bem como diversas opções de segunda escolha, com destaque para a
pregabalina e a quetiapina. Os autores salientam a necessidade de mais estudos e o papel
importante da abordagem psicoterápica no manejo do transtorno.
Sara Mota Borges Bottino et al. são os autores do segundo artigo de atualização deste
número. Eles abordam um tema extremamente relevante no cenário atual, a saber, o
cyberbullying. Numa era em que a comunicação online se tornou peça central na vida social
dos adolescentes, evidências indicam que 20-40% deles terão pelo menos uma experiência
com cyberbullying. Os autores destacam as repercussões do cyberbullying na saúde mental
dos adolescentes, como problemas sociais e de comportamento, sintomatologia depressiva,
abuso de substâncias psicoativas, tentativas de suicídio e suicídio. Algumas estratégias de
prevenção são sugeridas, e o papel importantíssimo dos pais, educadores e profissionais de
saúde é enfatizado.
A espiritualidade como mecanismo de coping em transtornos mentais é tema da
comunicação breve publicada a seguir, de autoria de Rogério R. Zimpel et al. Os autores
discutem os achados de estudos empíricos sobre o papel protetor da espiritualidade na
prevenção de depressão, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do risco
de suicídio, promoção de bem-estar e qualidade de vida, além de resiliência em situações de
adversidade, traumas e estresse agudo ou crônico. Por outro lado, o papel às vezes negativo
da espiritualidade, aumentando as dificuldades no enfrentamento das adversidades, também
é lembrado.
JOÃO ROMILDO BUENO
EDITOR
Finalmente, fechando o número, Mirian Pezzini dos Santos et al. relatam um caso de
transtorno dissociativo de identidade diagnosticado e tratado após permanecer sintomático
por 10 anos. Os autores abrem o artigo fazendo uma apresentação detalhada do transtorno
para, em seguida, descrever e discutir o caso relatado. O artigo é de grande utilidade para a
prática clínica, já que psiquiatras se deparam com um grande número de pacientes vítimas de
violência, sobretudo durante fases precoces do desenvolvimento, uma das causas centrais na
etiologia dos transtornos dissociativos (ou transtorno de estresse pós-traumático complexo).
Esperamos que nossos leitores apreciem a seleção!
Os Editores
3
//////////// EXPEDIENTE
EDITORES
Antônio Geraldo da Silva
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2º Tesoureiro: Alfredo Minervino - PB
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Diretor Regional Adjunto Norte: Maria da Graça Guimarães
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Diretor Regional Nordeste: Fábio Gomes de Matos e Souza - CE
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Diretor Regional Centro-Oeste: Juberty Antônio de Souza - MS
Diretor Regional Adjunto Centro-Oeste: Renée Elizabeth de
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Diretor Regional Sudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro RJ
Diretor Regional Sul: Ronaldo Ramos Laranjeira - SP
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4
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Jornalista Responsável: Brenda Ali Leal
Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Ilustração: Daniel Adler
e Renato Oliveira
Produção Editorial: Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP
Gerente Geral: Simone Paes
Impressão: Gráfica Editora Pallotti
//////////////// ÍNDICE
MAR/ABR 2015
6/revisão
Neuroimagem no transtorno bipolar
MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA, AMANDA
GALVÃO-DE ALMEIDA, FABIANA NERY-FERNANDES,
ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA
14/atualização
Atualizações do tratamento farmacológico do
transtorno de ansiedade generalizada
MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH
20/atualização
Repercussões do cyberbullying na saúde
mental dos adolescentes
SARA MOTA BORGES BOTTINO, ROMAYNE MIRELLE
SANTOS, BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS,
CAROLINE GOMEZ REGINA
28/comunicação breve
Espiritualidade como mecanismo de
coping em transtornos mentais
ROGÉRIO R. ZIMPEL, BRUNO PAZ MOSQUEIRO,
NEUSA SICA DA ROCHA
* As opiniões dos autores são de exclusiva
responsabilidade dos mesmos.
32/relato de caso
Transtorno dissociativo de identidade (múltiplas
personalidades): relato e estudo de caso
MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS, LIDIANE DOTTA
GUARIENTI, PEDRO PAIM SANTOS, EDUARDO
FERREIRA DAURA, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL
5
ARTIGO DE REVISÃO
MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA
AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA
FABIANA NERY-FERNANDES
ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA
REVISÃO
NEUROIMAGEM NO TRANSTORNO BIPOLAR
NEUROIMAGING IN BIPOLAR DISORDER
Resumo
Nas últimas décadas, pesquisas de neuroimagem no transtorno bipolar (TB) têm demonstrado anormalidades nos circuitos neuronais supostamente envolvidos no processamento
e na regulação da emoção, bem como no processamento de
recompensas. Entretanto, os resultados relativos a diversas
estruturas do sistema nervoso central são escassos e difíceis
de serem comparados, devido à grande heterogeneidade do
TB e às diferentes metodologias empregadas para a coleta
das imagens. Esta revisão teve como objetivo sintetizar os
principais achados em neuroimagem estrutural e funcional
no TB, descrevendo as estruturas corticais e subcorticais do
encéfalo mais relevantes e que embasam a provável fisiopatologia desse transtorno.
Palavras-chave: Neuroimagem, transtorno bipolar, circuitos neuronais.
Abstract
In the past few decades, neuroimaging research in bipolar
disorder (BD) has demonstrated abnormalities in neural circuits thought to be involved in emotion processing and regulation, and reward processing as well. However, results related to a number of structures of the central nervous system
are scarce and difficult to compare, due to both the clinical
heterogeneity of BD and the different methodologies used to
collect images. The objective of this review was to synthetize
the main findings available in structural and functional neuroimaging in BD and to describe major cortical and subcortical
brain structures that underpin the likely pathophysiology of
this disorder.
Keywords: Neuroimaging, bipolar disorder, neural circuits.
Introdução
Nos últimos 30 anos, assistiu-se ao desenvolvimento das
técnicas de neuroimagem, o que tornou possível o estudo
estrutural e funcional do cérebro in vivo, através de medidas
6
da estrutura, do metabolismo e da neuroquímica cerebral.
Em pesquisas, esse fato tem resultado em uma maior
compreensão dos transtornos psiquiátricos, do ponto de
vista não apenas fenomenológico ou comportamental, mas
também biológico1,2. A neuroimagem pode ser definida como
um conjunto de técnicas que permite a obtenção de imagens
do encéfalo de forma não invasiva1.
Em termos de avaliação estrutural do tecido, existem, na
atualidade, a tomografia axial computadorizada (TAC) e a
ressonância nuclear magnética (RNM). A TAC explora o fato
de que tecidos com diferentes densidades absorvem os raios
X de modo diferente, gerando uma imagem da densidade
tecidual. Na TAC, um feixe de raios X é utilizado ao longo
de cortes seriados do cérebro, sendo o grau de atenuação
medido quando o feixe emerge do outro lado da cabeça.
No entanto, os maiores avanços ocorreram com a utilização
da RNM a partir de 1983, uma vez que ela permite maior
detalhamento e melhor resolução e contraste do que a TAC2.
Não só a resolução da RNM é superior; ela permite uma
melhor discriminação entre as substâncias branca e cinzenta.
A RNM possibilita também a reconstituição e visualização da
imagem cerebral em todos os planos, ou seja, para além dos
planos transversal e sagital obtidos com a TAC. Os cortes
coronais são particularmente valiosos para a visualização de
estruturas subcorticais, como a amígdala e o hipocampo,
importantes na expressão do comportamento e da emoção1.
As técnicas imagiológicas ou de neuroimagem funcional são
aquelas que permitem a quantificação da função cerebral,
ou seja, medem o metabolismo cerebral e a densidade dos
neurorreceptores. Os princípios básicos dessas técnicas
comuns e envolvem a visualização de isótopos radiativos
localizados em áreas de elevada atividade funcional. No caso
da espectroscopia por emissão de fóton único (SPECT), os
isótopos são emissores de fótons isolados, enquanto que na
tomografia por emissão de pósitrons (PET), os isótopos são
emissores de pósitrons1.
O
MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA1, AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA2,
FABIANA NERY-FERNANDES3, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA4
Neurologista. Colaborador, Centro de Estudos de Transtornos do Humor e de Ansiedade (CETHA), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde,
UFBA, Salvador, BA. 2 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora adjunta, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 3 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de
Medicina, UFBA, Salvador, BA. 4 Psiquiatra. Coordenadora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora associada,
Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA.
1
Uma modificação da RNM permitiu o desenvolvimento
da ressonância nuclear magnética funcional (RNMf), que é
uma técnica mista, estrutural e funcional. Diferentemente
da RNM, a RNMf permite medir variáveis fisiológicas, como
volume sanguíneo regional, consumo de oxigênio e consumo
de glicose nos tecidos. Além disso, ela avalia os efeitos
de paradigmas de ativação sobre essas variáveis (estado
de repouso versus estado de ativação)1,3. A ressonância
magnética por espectroscopia de prótons de hidrogênio
(H+MRS) é uma técnica também não invasiva que permite
medir os constituintes bioquímicos in vivo. Em particular, a
H+MRS permite medir as concentrações de glutamato,
glutamina, N-acetil-aspartato (NAA), creatina, lactato,
mioinositol, glicose e colina. Finalmente, a P31MRS determina
o pH e a concentração de fósforo contido em metabólitos
energéticos no cérebro1.
A imagem por tensor de difusão (DTI) é um exame
baseado em uma modificação da RNM convencional que
permite a quantificação não invasiva das características
de difusão das moléculas de água in vivo. As moléculas de
água se difundem livremente ao longo dos tratos das fibras
nervosas, mas a difusão é restrita em outras direções. Essa
dependência direcional, chamada de difusão anisotrópica, é
descrita matematicamente por um tensor, que é muitas vezes
representado como um elipsoide. A análise do tensor de
difusão permite a reconstrução dos tratos de fibras nervosas
e a quantificação da anisotropia da substância branca do
cérebro. Dessa forma, a tratografia por tensor de difusão
(DTT) permite a avaliação dos tratos de fibras com base no
DTI e fornece ferramentas importantes para a visualização
dos tratos de substância branca, como o mapeamento por
cor e o acompanhamento contínuo das fibras.
Imagens de fibras nervosas obtidas por DTT mostram
boa correspondência com sintomas clínicos ou mudanças
histológicas; além disso, áreas de substância branca
relacionadas a transtornos psiquiátricos, tais como o cíngulo,
o fascículo uncinado, o fórnix cerebral e o corpo caloso (CC),
podem ser identificadas com relativa facilidade através da
DTT4.
O transtorno bipolar (TB) é uma doença multifatorial
grave, decorrente de influências genéticas e ambientais.
Caracteriza-se por anormalidades de pensamento,
comportamento, cognição e humor. Os portadores de TB
se apresentam com quadro clínico, curso e prognóstico
muito variáveis, sendo este considerado um transtorno
bastante heterogêneo. Nesse contexto, o grande impulso
da pesquisa em neuroimagem documentado nas últimas
décadas não só tem permitido a melhor compreensão da
fisiopatologia do TB, por meio do estabelecimento de
prováveis associações entre áreas e circuitos neuronais de
um lado e os diversos fenótipos clínicos de outro, assim como
também tem sinalizado a utilidade das diversas modalidades
de neuroimagem enquanto métodos para a definição de
potenciais marcadores neurobiológicos da doença. Mais
ainda, alguns autores propõem conceitos de biomarcadores
em neuroimagem para transtornos de humor, tais como:
biomarcadores prognósticos, que caracterizariam o risco
para o surgimento da doença; biomarcadores preditores,
associados à probabilidade de resposta terapêutica; e
biomarcadores farmacodinâmicos, implicados na evidência
dos efeitos relacionados ao tratamento farmacológico5.
O objetivo deste trabalho foi reunir dados recentes
e discutir os estudos mais relevantes relacionados à
neuroimagem estrutural e funcional no TB, descrevendo a
neuroanatomia provavelmente envolvida na expressão do
comportamento e da emoção, com ênfase no TB.
Método
Foi realizada uma revisão clássica da literatura na base de dados
PubMed para encontrar artigos científicos em português, espanhol
ou inglês, publicados nos últimos 20 anos, que abordassem o uso
da neuroimagem na compreensão de aspectos fisiopatológicos
ou clínicos do TB. As seguintes palavras-chave foram utilizadas
na busca: “bipolar disorder” OR “mood disorder” OR “affective
disorder” AND “neuroimaging”. Foram selecionados os artigos
originais e as revisões mais pertinentes ao tema. As referências
dos artigos encontrados também foram consultadas, a fim de
identificar artigos adicionais importantes.
Resultados
Substância branca
O hipersinal de substância branca é uma alteração
frequentemente descrita em pacientes bipolares, tanto na
população adulta6 quanto em crianças e adolescentes7. Entre
os feixes de associação de substância branca, o CC representa
uma das estruturas de grande interesse na pesquisa do TB.
Nessa área, pesquisas que utilizam a técnica do tensor de difusão
frequentemente mostram perda da integridade estrutural do
CC em seus diversos segmentos (joelho, corpo ou esplênio)8,9.
Mais ainda, um estudo recente conduzido pelo nosso grupo e
7
ARTIGO DE REVISÃO
MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA
AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA
FABIANA NERY-FERNANDES
ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA
REVISÃO
que avaliou pacientes bipolares tipo I eutímicos mostrou redução
do CC nas áreas do joelho e istmo quando comparados a
controles sadios10, confirmando dados de outras pesquisas11,12.
Recentemente, ratificando dados anteriores, uma metanálise
documentou a redução volumétrica dessa estrutura em pacientes
bipolares13. Importante ressaltar que as alterações do CC foram
também descritas em crianças e adolescentes com TB14 e em
grupos de risco para o TB, como familiares de primeiro grau15.
Além disso, a perda da integridade funcional foi verificada
em outros feixes associativos de substância branca, tais como o
fascículo uncinado, os fascículos longitudinais superior e inferior, o
fascículo fronto-occipital e do cíngulo anterior em pacientes com
TB16. Em conjunto, esses achados sugerem que as anormalidades
da substância branca podem preceder o início da doença bipolar
e predispor a alterações de desenvolvimento do encéfalo durante
o processo de neurodesenvolvimento do sistema nervoso central
(SNC) na infância e adolescência.
Lobo frontal
O cíngulo anterior, o córtex pré-frontal dorsolateral e o córtex
orbitofrontal (COF) representam as áreas mais extensamente
estudadas do lobo frontal na pesquisa do TB. Os estudos que
avaliaram o giro do cíngulo por meio de RNM demonstraram
de forma recorrente a redução volumétrica do cíngulo subgenual
(áreas 24 e 25 de Brodmann), achado confirmado em uma metanálise recente17. Adicionalmente, no cíngulo anterior, têm sido
observadas alterações funcionais tanto em pacientes em estado
de repouso quanto naqueles submetidos a tarefas de ativação. A
maioria deles mostra hiperatividade do cíngulo anterior, notadamente da região subgenual, em pacientes nas fases depressiva18 e
de mania19. Observa-se, ainda, em pacientes com TB, redução do
NAA e aumento da colina no cíngulo anterior como os resultados
mais consistentes da H+MRS20. O hipometabolismo do córtex
pré-frontal dorsolateral tem sido descrito em estudos que avaliaram pacientes em estado de depressão21 e de mania22. Da mesma
forma, níveis menores de NAA têm sido encontrados em pacientes adultos eutímicos20. Em relação ao COF, os estudos também
sugerem disfunção, com presença de hipometabolismo23,24 e redução volumétrica da substância cinzenta, em particular do giro
frontal inferior, conforme documentado em uma metanálise25.
Lobo temporal
A alteração volumétrica da amígdala representa o achado de
neuroimagem estrutural mais reportado entre pacientes com
TB, com a descrição frequente de redução do seu volume em
8
amostras de pacientes adolescentes, enquanto que, em adultos,
os resultados ainda são conflitantes. Essa variação nos resultados
obtidos em adultos pode ser justificada pelos efeitos neurotróficos de fármacos utilizados na estabilização do humor, pelas variações genéticas de cada indivíduo ou pelos aspectos relacionados
ao neurodesenvolvimento. De fato, alguns estudos que utilizaram PET ou SPECT demonstraram anormalidades funcionais
da amígdala – hipermetabolismo na fase depressiva em alguns
estudos, versus hipometabolismo em outros, nas fases tanto de
depressão quanto de mania26. Por outro lado, vários estudos que
utilizaram RNMf e mediram resposta a estímulos emocionais positivos utilizando tarefas cognitivas sem valência emocional descreveram hiperatividade da amígdala apenas na fase de mania27.
Os estudos de RNM que mediram o hipocampo encontraram
resultados muito variáveis, o que pode ser explicado em parte
por variações genéticas (carreamento do alelo Met, associado a
menores volumes hipocampais), efeitos de tratamento (uso de
lítio, associado a aumento do volume hipocampal) ou hormônios sexuais26. Entretanto, uma menor concentração de NAA
no hipocampo de pacientes adultos eutímicos foi documentada
em uma metanálise20. Por fim, a hiperatividade do giro para-hipocampal foi relatada em duas metanálises que utilizaram a RNMf 27.
Cerebelo
Estudos em geral demonstraram redução do volume do vérmis cerebelar28; porém, em relação ao volume dos hemisférios
cerebelares, os resultados são controversos28,29. Nesse sentido,
pesquisa realizada pelo nosso grupo que mediu o tamanho das
diversas áreas do cerebelo em pacientes bipolares tipo I eutímicos mostrou perda volumétrica tanto do vérmis quanto dos
hemisférios cerebelares30.
Circuitos
e
modelos
neuronais
de
regulação
emocional
Circuito pré-frontal ventrolateral
Este circuito é constituído pelo córtex pré-frontal ventrolateral
(CPFVL) (áreas 10 e 47 de Brodmann), o qual envia fibras para o
striatum ventromedial (núcleo caudado ventromedial, putâmen
ventral, núcleo accumbens e tubérculo olfatório), que, por sua
vez, projeta-se ao globo pálido. Fibras palidais seguem para os
núcleos ventroanterior e dorsomedial do tálamo, que se conecta
novamente ao CPFVL. O córtex temporal anterior, que compreende as áreas 20 e 38 de Brodmann, mantém conexões recíprocas com o CPFVL e a amígdala31.
O
MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA1, AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA2,
FABIANA NERY-FERNANDES3, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA4
Neurologista. Colaborador, Centro de Estudos de Transtornos do Humor e de Ansiedade (CETHA), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde,
UFBA, Salvador, BA. 2 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora adjunta, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 3 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de
Medicina, UFBA, Salvador, BA. 4 Psiquiatra. Coordenadora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora associada,
Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA.
1
Circuito pré-frontal ventromedial
Este circuito é formado pela região pré-frontal ventromedial,
definida pelas áreas corticais 11 e 12 de Brodmann, da qual partem fibras que seguem para o núcleo caudado ventromedial e
striatum ventral. Dessas topografias partem projeções para os
núcleos talâmicos ventroanterior, dorsomedial e ventrolateral, os
quais fecham o circuito com vias talâmicas para o córtex ventromedial. Devem-se mencionar as projeções dessas áreas corticais
também para o córtex entorrinal e amígdala. Vale lembrar que o
córtex pré-frontal ventral está associado à modulação de comportamentos adaptativos e da autorregulação afetiva mediante
contingências ambientais sociais e emocionais, e também participa
da integração entre informações sensoriais do ambiente e estímulos internos (por exemplo, pensamentos e respostas fisiológicas), o que influencia a atividade de outras estruturas, tais como
a amígdala e o hipotálamo, e, subsequentemente, as funções neurovegetativas e respostas emocionais.
Circuito pré-frontal dorsolateral
Este circuito é composto pelas áreas corticais 9, 10 e 46 de
Brodmann, as quais abrangem parte da superfície lateral dos lobos frontais. Dessas regiões partem fibras para o núcleo caudado
dorsolateral, que, por sua vez, envia fibras para o globo pálido
dorsal, o qual se projeta para os núcleos ventroanterior, ventrolateral e dorsomedial do tálamo; vias talâmicas provenientes
desses núcleos retornam ao circuito pré-frontal dorsolateral. Esse
circuito está associado às funções executivas, que envolvem um
sistema de diversas habilidades cognitivas que capacitam o indivíduo para a formulação de metas e planejamento de processos e
estratégias e para a realização de ações ou comportamentos voluntários, autônomos (independentes), auto-organizados, eficazes
e orientados a objetivos, especialmente no contexto de situações
novas ou em circunstâncias que exigem ajustamento, adaptação
ou flexibilidade do comportamento para as demandas ambientais. Apreende-se, então, que funções executivas designam um
construto multidimensional, no qual os processos cognitivos caracterizam operações distintas, ainda que relacionadas.
Circuito do cíngulo anterior
O cíngulo anterior corresponde à maior parte das áreas 24, 25
e 32 de Brodmann. Essa área cortical mantém conexões com o
striatum ventromedial, do qual seguem fibras para o globo pálido
ventral e rostrolateral, que, por sua vez, envia projeções para o
núcleo dorsomedial do tálamo; vias dessa topografia retornam
ao cíngulo anterior e fecham o circuito. Funcionalmente, o córtex
do cíngulo anterior é subdividido em cíngulo anterior ventral e
dorsal: o primeiro inclui as porções rostrais das áreas 24 e 25 de
Brodmann e está envolvido no processamento afetivo em termos
de regulação das funções endócrinas e autonômicas e geração de
comportamentos sociais apropriados, e também contribui para
a resposta emocional global pela ativação de estados somáticos
e viscerais relevantes para a experiência emocional; o segundo
abrange as porções posteriores das áreas 24 e 32 de Brodmann
e está envolvido na seleção de respostas a estímulos nociceptivos,
no aprendizado associado à predição e prevenção à exposição ao
estímulo nociceptivo, e também na atenção e orientação motora
a estímulos externos.
Compondo esses circuitos, o cerebelo recebe projeções corticais por meio de núcleos situados na base da ponte. As fibras dos
núcleos pontinos decussam e seguem pelo pedúnculo cerebelar
médio para alvos cerebelares específicos: enquanto o córtex motor se projeta para o cerebelo (região paravermiana) via núcleos
pontinos laterais, áreas corticais associativas da região pré-frontal,
parietal e temporal, bem como o cíngulo anterior, alcançam o
cerebelo via núcleos pontinos mediais. Essas vias córtico-ponto-cerebelares apresentam organização topográfica: as fibras provenientes do córtex pré-frontal descem na porção mais anterior
da cápsula interna e na porção mais medial do pedúnculo cerebral; as outras áreas corticais associativas enviam fibras que descem na porção mais posterior da cápsula interna e na porção mais
lateral do pedúnculo cerebral; fibras do córtex motor primário
apresentam um trajeto intermediário.
O cerebelo, além de contribuir no componente motor, é responsável também pela modulação da duração, da intensidade e
do perfil da resposta emocional e, dentro do contexto ambiental
adequado, recepciona a informação proveniente de estruturas
telencefálicas envolvidas no processamento cognitivo emocional
e envia informação para sítios efetores (córtex motor, hipotálamo,
substância cinzenta periaquedutal e núcleos de nervos cranianos)
e sítios indutores (rede paralímbica ventral).
Discussão
Entre os modelos de circuitos neuronais em pacientes com TB
relacionados aos processos de percepção e regulação emocionais
propostos na literatura, destaca-se o do grupo de Mary Phillips32.
Esse modelo preconiza a existência de dois sistemas neuronais: 1)
um sistema ventral, composto por estruturas subcorticais (amígdala, striatum ventral) e corticais (ínsula, cíngulo anterior ventral e
córtex pré-frontal ventral), e que estaria vinculado à identificação
do significado emocional de um estímulo associado à geração de
9
ARTIGO DE REVISÃO
MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA
AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA
FABIANA NERY-FERNANDES
ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA
REVISÃO
estados afetivos e regulação autonômica; e 2) um sistema dorsal,
representado pelas regiões dorsais do cíngulo anterior e córtex
pré-frontal, bem como pelo hipocampo, e que suportaria processos cognitivos como atenção seletiva, planejamento, monitorização
do desempenho e regulação voluntária dos estados emocionais.
A apreciação dos achados de neuroimagem permite corroborar
a pertinência desse modelo, a partir de: identificação de disfunções
em distintas áreas corticais e subcorticais (como já exposto, estruturas envolvidas no processamento e na regulação da emoção);
aumento anormal da atividade da amígdala durante o desempenho de tarefas emocionais e não emocionais; diminuição anormal
da atividade do CPFVL, do COF e da conectividade funcional entre a amígdala e córtex pré-frontal durante tarefas de regulação
emocional. Ademais, nos estudos que envolvem paradigmas de
recompensa (antecipação de recompensa), observa-se aumento
anormal da atividade do striatum ventral, do CPFVL e do COF.
Em relação aos circuitos e modelos neuronais da regulação
emocional, Thompson, citado no trabalho de Phillips et al.32, definiu a regulação emocional da seguinte forma: “Emotion regulation
consists of extrinsic and intrinsic processes responsible for monitoring, evaluating, and modifying emotional reactions, especially their
intensive and temporal features, to accomplish one’s goals”32. Nesse contexto, o processamento normal de estímulos de valência
emocional pode ser compreendido em etapas, de acordo com
alguns autores31:
-avaliação e identificação do estímulo emocional;
-produção de estado afetivo específico em resposta ao estímulo, composto por respostas comportamentais, autonômicas e
neuroendócrinas;
-regulação do estado afetivo e do comportamento emocional – envolve modulação dos processos de avaliação/identificação bem como de produção de estados afetivos –, a qual resulta
em adequação comportamental para o contexto.
Essa modulação envolve processos tanto automáticos como
controlados, os quais podem exercer efeitos em qualquer etapa
do processamento emocional32. Assim, na atualidade, o grande
desafio é desvendar quais estruturas e sistemas neuronais seriam
responsáveis pela neuropatologia da doença bipolar, considerando
suas diversas fases e manifestações clínicas. Agrega-se, ainda, como
problema, a existência de subtipos de TB (tipo I, II), cujos limites e
definições continuam sendo estudados e reavaliados. Outra questão relevante é a diversidade da metodologia empregada, com
técnicas diversas e potencias diferentes de detecção de alterações
neuronais teciduais, sejam elas estruturais ou funcionais.
10
Conclusão
A aplicação dos diversos métodos de neuroimagem representa
um aspecto chave na pesquisa do TB, sobretudo na identificação de biomarcadores que podem não somente proporcionar
maior precisão diagnóstica (por exemplo, depressão bipolar versus depressão unipolar), como também quantificar o risco de desenvolvimento da doença e predizer estratégias de tratamento
mais eficazes. Entretanto, os resultados das pesquisas ainda são
escassos e controversos. Dessa forma, na atualidade, os estudos
de imagem destinam-se apenas às pesquisas e ao processo de
avaliação diagnóstica, a fim de afastar os transtornos relacionados a doenças clínicas, tais como tumores do SNC, doença de
Alzheimer, neuroinfecções, doenças hereditárias como a doença
de Wilson, entre outras. Assim, as técnicas de neuroimagem atuais são capazes de identificar mudanças estruturais e funcionais
nos diversos transtornos mentais (comparação entre grupos),
detectar circuitos neuronais e lesões localizadas. Mais ainda, as
alterações funcionais parecem ter algum poder preditivo quanto à
resposta ao tratamento farmacológico.
Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Fontes de financiamento inexistentes.
Correspondência: Marlos Fernando Vasconcelos Rocha, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, 3º andar, Serviço de Psiquiatria, Rua Augusto Vianna, s/ nº, Canela,
CEP 40110-909, Salvador, BA. E-mail: [email protected]
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UFBA, Salvador, BA. 2 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora adjunta, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 3 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de
Medicina, UFBA, Salvador, BA. 4 Psiquiatra. Coordenadora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora associada,
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O
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH
ARTIGO
ATUALIZAÇÕES DO TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO DE
ANSIEDADE GENERALIZADA
AN UPDATE ON THE PHARMACOLOGICAL TREATMENT OF
GENERALIZED ANXIETY DISORDER
Resumo
O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é um
transtorno crônico e prevalente, mas também um dos menos estudados entre os transtornos de ansiedade. Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina
(ISRS) e inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (IRSN) são considerados medicamentos de primeira
linha no tratamento de TAG, porém não são incomuns casos
de refratariedade, intolerância ou a presença de contraindicações ao uso dessas subtâncias. Diversas substâncias, como
a pregabalina e a quetiapina, surgem, então, como alternativas para o tratamento do TAG nesses casos, assim como
para a substituição dos benzodiazepínicos como medicações
adjuvantes aos antidepressivos.
Palavras-chave: Transtorno de ansiedade generalizada,
tratamento, ensaios clínicos.
Abstract
Generalized anxiety disorder (GAD) is a chronic and prevalent disorder, but also one of the least studied among
anxiety disorders. Selective serotonin reuptake inhibitors
(SSRI) and selective norepinephrine reuptake inhibitors
(SNRI) are considered first-line drugs in the treatment of
GAD, but refractory cases and the occurrence of intolerance
and contraindications to these drugs are not uncommon. In
this scenario, various substances, e.g., pregabalin and quetiapine, have emerged as alternatives for the treatment of TAG
in these patients, as well as for replacing the use of benzodiazepines as adjunctive therapy to antidepressants.
Keywords: Generalized anxiety disorder, treatment, clinical
trials.
14
Introdução
O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é uma
condição clínica de curso crônico e flutuante, caracterizada
por preocupação excessiva persistente associada a sintomas
físicos e psíquicos de ansiedade, como cefaleia, dores
musculares, palpitações, fadiga, irritabilidade, insônia e
dificuldade de concentração1. Sua etiopatogenia é complexa
e pouco estudada, sendo atribuída a fatores genéticos,
ambientais e epigenéticos que promovem disfunções no
circuito amígdala-córtex cingulado-córtex pré-frontal2,3.
Os principais sistemas de neurotransmissores que
desempenham papel etiopatogênico ou de modulação nas
manifestações do TAG são os sistemas monoaminérgicos,
através dos quais atuam os inibidores seletivos da recaptação
da serotonina (ISRS), os inibidores seletivos da recaptação
da noradrenalina (IRSN), os antidepressivos tricíclicos e a
buspirona, e o sistema gabaérgico, através do qual atuam os
benzodiazepínicos1. Recentemente, a importância do sistema
glutamatérgico no TAG também tem sido estudada4.
Tratamento
farmacológico do
TAG:
o que há de
novo?
Medicações para monoterapia
Até o momento, o tratamento farmacológico considerado
de primeira linha para o TAG são os antidepressivos ISRS
e IRSN1,5,6 . Tal escolha se deve ao fato de que essas classes
de antidepressivos têm demonstrado eficácia em diversos
ensaios clínicos de curto e longo prazo e apresentam perfil
favorável de efeitos colaterais6 . A paroxetina, a sertralina e
o escitalopram são os ISRS com maior número de estudos
favoráveis para o tratamento do TAG1,6. Dos IRSN, a venla-
O
MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH
Mestre em Psiquiatria, Programa de Pós-Graduação, Instituto de Psiquiatria (IPUB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Doutoranda, Programa de
Pós-Graduação, IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, Laboratório de Pânico e
Respiração (LabPR), IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.
faxina foi mais amplamente estudada, mas a duloxetina também já apresenta eficácia comprovada1,6 .
No entanto, os ensaios clínicos com ISRS e ISRN mostram
médias em torno de 60 a 70% de resposta terapêutica, havendo, portanto, uma parcela significativa de pacientes não
responsivos a essas medicações de primeira linha. Além
disso, em pacientes que fazem uso prolongado de ISRS ou
IRSN, a disfunção sexual e o embotamento afetivo se apresentam como limitações importantes6 . Por fim, casos de comorbidade com transtorno bipolar do humor são comuns (a
prevalência da comorbidade é de 29,6% segundo o National
Comorbidity Replication Study)7. Nesses casos, o uso de antidepressivos pode ser temerário. Portanto, apesar de os ISRS
e IRSN se manterem como primeira linha para o tratamento
do TAG, faz-se necessária a utilização de medicações alternativas, seja para os casos não responsivos ou intolerantes aos
antidepressivos, seja para aqueles em que essa classe está
contraindicada.
A pregabalina é uma medicação anticonvulsivante que
pode ser indicada para cumprir esse papel. Muito utilizada
para o tratamento de quadros de dor crônica e fibromialgia,
a pregabalina já está aprovada para o tratamento do TAG
em países europeus7. Atua como ligante da unidade α2δ dos
canais de cálcio em neurônios pré-sinápticos hiperexcitados,
reduzindo, assim, a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato.
Oito ensaios clínicos placebo-controlados de fase aguda
demonstraram a eficácia da pregabalina em pacientes com
TAG. Destes, dois estudos compararam essa medicação com
lorazepam e placebo, e dois com venlafaxina e e placebo,
sendo os demais apenas versus placebo, sem outra droga
ativa. Em conjunto, esses estudos demonstram eficácia semelhante entre a pregabalina e a droga ativa, e superioridade em relação ao placebo7. De acordo com estudos de
segurança e tolerabilidade, a pregabalina é uma droga bem
tolerada na faixa de dose considerada terapêutica, de 150 a
600 mg/dia. Tontura e sonolência foram os efeitos colaterais
mais comumente citados, mas a proporção de abandono de
tratamento por intolerância em pacientes em uso de pregabalina foi equivalente à do grupo placebo8. Ganho de peso
foi reportado em 4% dos casos7, e houve uso abusivo em um
paciente com transtorno por uso de substâncias − mas este
efeito pode ser considerado bastante inferior ao observado
com benzodiazepínicos9,10.
Outro anticonvulsivante que já foi testado para tratamento
do TAG foi o valproato de sódio. Apenas um ensaio clínico controlado foi realizado, mostrando eficácia superior ao
placebo em 6 semanas de tratamento11. Ainda não há aprovação para o uso dessa medicação em pacientes com TAG
sem comorbidades, mas o valproato de sódio já é uma opção
medicamentosa para os pacientes que apresentam comorbidade com transtorno bipolar do humor, com mais sintomas
como irritabilidade, impulsividade e inquietação psicomotora
e, portanto, menor tolerância aos antidepressivos12.
A quetiapina de liberação prolongada, um antipsicótico
atípico, também ainda não foi aprovada para uso no TAG,
porém oito ensaios clínicos de fase aguda já demonstraram
sua eficácia em comparação ao placebo em monoterapia13-16 .
Essa substância pode, assim, ser considerada em casos refratários ou intolerantes às medicações de primeira linha. As
dosagens utilizadas para o TAG são inferiores àquelas utilizadas para efeito antipsicótico (100-200 mg/dia)13-16 . A principal
limitação ao uso da quetiapina é o risco elevado de ganho de
peso e desenvolvimento de síndrome metabólica1,13. Tontura
e sedação são outros efeitos colaterais, por vezes limitantes6 .
Novos antidepressivos também vêm sendo testados para
utilização no TAG, como a agomelatina e a vortioxetina. A
agomelatina é um antidepressivo agonista melatoninérgico e
antagonista do receptor serotoninérgico 5HT2c ainda pouco
estudado para o tratamento do TAG. Inicialmente, o efeito ansiolítico da agomelatina foi observado como desfecho
secundário nos estudos para o tratamento da depressão
maior17. Esses achados motivaram a realização de estudos
com agomelatina em pacientes com transtornos de ansiedade. No caso do TAG, um ensaio clínico controlado mostrou
eficácia dessa medicação no curto prazo (8 semanas)18, e um
estudo de longo prazo mostrou redução de 42% no risco de
recaída dos sintomas19. O efeito ansiolítico da agomelatina
pode se dever tanto ao antagonismo 5HT2c quanto à melhora do padrão de sono e regularização do ciclo sono-vigília20.
A vortioxetina, por sua vez, é um antidepressivo multimodal, com ação inibidora da recaptação da serotonina, agonista
do receptor 5HT1a, antagonistas 5HT3 e 5HT7 e agonista
parcial 5HT1b, aprovado em países europeus e nos Estados
Unidos para uso na depressão maior. Apresentou eficácia
ansiolítica em estudos pré-clínicos e tem sido avaliada para
o tratamento de pacientes com TAG. Até o momento, dois
ensaios clínicos foram realizados. No estudo de Bidzan et
al., a vortioxetina apresentou eficácia superior ao placebo na
dose de 5 mg/dia21. Já no estudo de Mahableshwarkar et al.,
15
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH
ela não se diferenciou do placebo nas doses de 2,5 mg/dia e
10 mg/dia22. Essa medicação ainda não está disponível para
uso no Brasil.
O sistema glutamatérgico ainda não representa um alvo terapêutico importante no arsenal atual das medicações ansiolíticas. No entanto, o glutamato é um mediador da aquisição
e extinção de medo, e os antagonistas dos receptores glutamatérgicos NMDA e AMPA e moduladores alostéricos dos
receptores mGlu se mostraram eficazes para o tratamento
da ansiedade em estudos com animais4. Estudos com humanos ainda estão em desenvolvimento e precisam ser concluídos para que essas substâncias possam ser empregadas no
tratamento de transtornos de ansiedade como o TAG.
Medicações adjuvantes
Em muitos casos, uma única medicação não é suficiente
para a remissão dos sintomas do TAG ou para abarcar todas
as diferentes manifestações sintomáticas de um determinado
paciente. Nesses casos, faz-se necessária a associação de uma
segunda droga ao esquema terapêutico1.
As medicações mais utilizadas em associação aos antidepressivos são os benzodiazepínicos, como o clonazepam, o
diazepam, o alprazolam e o lorazepam. Esses medicamentos são interessantes porque são eficazes no tratamento dos
sintomas físicos de ansiedade e também da insônia, muito
comum nesses pacientes. Além disso, apresentarem ação
imediata1.
Há, no entanto, limitações importantes ao uso dos benzodiazepínicos, como a possibilidade de desenvolvimento
de tolerância e o risco de abuso e dependência, este último
principalmente em pacientes com história de dependência
química ou transtorno de personalidade1. Além disso, pacientes idosos ou com doenças pulmonares, como doença
pulmonar obstrutiva crônica, apresentam contraindicação
relativa ao uso de benzodiazepínicos.
Como alternativa aos benzodiazepínicos no tratamento
adjuvante do TAG, as medicações mais estudadas são a buspirona e a quetiapina de liberação prolongada1,13. A buspirona, apesar de ter sido avaliada para o TAG em diversos
estudos e ter perfil favorável de efeitos colaterais, apresenta,
de forma geral, baixo tamanho de efeito1,6 . A quetiapina de
liberação prolongada, por sua vez, mostrou eficácia em dois
ensaios clínicos controlados em associação a ISRS ou IRSN,
porém também com baixo tamanho de efeito e efeitos cola-
16
ARTIGO
terais mais significativos, como o desenvolvimento de síndrome metabólica1,13.
A risperidona e a olanzapina também já demonstraram eficácia no tratamento adjuvante do TAG, porém o perfil de
efeitos colaterais tende a ser ainda mais desfavorável do que
o da quetiapina de liberação prolongada1,13.
Um ensaio clínico avaliou a eficácia da pregabalina associada a ISRS ou IRSN em pacientes com TAG, com resultado
positivo23.
Estudos de longo prazo e prevenção de recaídas
O TAG é um transtorno de curso crônico e flutuante, de
modo que o momento ideal para a interrupção da farmacoterapia se torna uma questão de extrema importância.
Seis estudos de longo prazo já foram realizados com venlafaxina, duloxetina, escitalopram, paroxetina, agomelatina e
pregabalina para avaliar se a manutenção da medicação é superior ao placebo na prevenção de recaídas. Os resultados
mostram que há benefício na manutenção do tratamento
por, no mínimo, 6 meses, sendo, entretanto, recomendada
por muitos autores a manutenção por 12 meses1,5,6 .
Conclusões
Concluímos, então, que a pregabalina e é a principal opção
ao tratamento com antidepressivos para o TAG nos casos
não responsivos, intolerantes ou que apresentam alguma
contraindicação ao uso dessas medicações. A quetiapina de
liberação prolongada também surge como alternativa para
esses casos, em uso off label. Quando a indicação for de
associação aos antidepressivos, os benzodiazepínicos ainda
são os mais utilizados, podendo-se optar pela buspirona,
pregabalina ou quetiapina quando se deseja evitar o uso de
benzodiazepínicos por contraindicação clínica ou risco aumentado de abuso e dependência. A duração recomendada
do tratamento é de, ao menos, 6 meses.
Mais estudos com novas medicações, como a agomelatina e a vortioxetina, são necessários, assim como com
substâncias glutamatérgicas, estas ainda não utilizadas para
o tratamento do TAG, porém com significativo potencial
ansiolítico.
Por fim, é importante acrescentar que o tratamento do
TAG não deve se restringir ao tratamento farmacológico,
sendo a abordagem psicoterápica também fundamental
para o manejo desse transtorno crônico1.
MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH
O
Mestre em Psiquiatria, Programa de Pós-Graduação, Instituto de Psiquiatria (IPUB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Doutoranda, Programa de
Pós-Graduação, IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, Laboratório de Pânico e
Respiração (LabPR), IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ.
A autora informa não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Fontes de financiamento inexistentes.
Correspondência: Marina Dyskant Mochcovitch, Av. Ataulfo de Paiva, 1079/608, Leblon, CEP 22440-034, Rio de Janeiro,
RJ. Tel: (21) 2540.8820. E-mail: [email protected]
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O
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
SARA MOTA BORGES BOTTINO
ROMAYNE MIRELLE SANTOS
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS
CAROLINE GOMEZ REGINA
ARTIGO
REPERCUSSÕES DO CYBERBULLYING NA
SAÚDE MENTAL DOS ADOLESCENTES
EFFECTS OF CYBERBULLYING ON
ADOLESCENTS’ MENTAL HEALTH
Resumo
Considera-se cyberbullying quando um ou mais indivíduos
utilizam os meios eletrônicos com a intenção de agredir, infligir injúria ou desconforto, humilhar, causar medo ou sensação
de desespero no indivíduo que é alvo das agressões. Essas
ações podem ser feitas via e-mail, salas de bate-papo, telefones celulares, mensagens instantâneas, cabines de votação
online. As evidências indicam que 20-40% dos adolescentes
terão pelo menos uma experiência com cyberbullying e que o
número de cybervítimas está aumentando. O principal dano
causado pelo cyberbullying é o de prejudicar a reputação da
vítima, com repercussões que podem ser ainda maiores do
que aquelas observadas no bullying tradicional. A vitimização
relacionada ao cyberbullying está associada a problemas sociais e de comportamento, incluindo sintomatologia depressiva, abuso de substâncias psicoativas, tentativas de suicídio
e suicídio, constituindo-se assim em problemas significativos
para a saúde mental dos adolescentes.
Palavras-chave: Internet, adolescente, violência, saúde
mental.
Abstract
Cyberbullying has been described as one or more individuals using electronic means with the intent to harm, inflict
injury or discomfort, cause fear or a feeling of despair in the
individual who is the target of aggression. These actions may
be done by e-mail, chat rooms, cell phones, instant messaging, online polling booths. Evidence indicates that 20-40%
of adolescents will have at least one cyberbullying experience
and the number of cybervictims is increasing. The main problem caused by cyberbullying is damage to the victim’s re-
20
putation, with repercussions that may be even greater than
those observed in traditional bullying. Victimization related to
cyberbullying is associated with social and behavioral problems, including depressive symptoms, psychoactive substance
abuse, suicide attempts, and suicide, and can be considered a
significant mental health problem among adolescents.
Keywords: Internet, adolescent, violence, mental health.
Introdução
O acesso aos meios de comunicação eletrônica, como
a Internet e o uso de mensagens de texto, influenciou a
interação social entre os adolescentes na última década.
Um em cada três adolescentes prefere a comunicação
eletrônica à comunicação face a face para falar sobre
tópicos como amor, sexo e outros assuntos sobre os
quais eles sentem vergonha de falar 1.
Porque a comunicação online é tão atraente para os
adolescentes? Uma explicação plausível, apoiada em
vários estudos, considera que a comunicação online
aumenta a sensação de controle sobre a maneira como
os adolescentes querem se apresentar e fazer revelações
a respeito de si mesmos. O maior controle dessa
situação cria, por sua vez, um senso de segurança nos
adolescentes, permitindo que eles se sintam mais livres
em suas interações interpessoais online em comparação
com situações face a face 2,3 . As características desse
tipo de comunicação facilitariam, assim, a superação
de ansiedades sociais e, consequentemente, uma maior
liberdade de expressão e a formação de novas amizades
(Figura 1).
SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2,
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3
O
Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola
Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º
ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP,
São Paulo, SP.
1
Pode levar à
perda do senso de
individualidade e
responsabilidade
pessoal.
COMUNICAÇÃO ONLINE
Pode facilitar
a interação com
desconhecidos
e o surgimento
potencial de
riscos associados.
Pode facilitar
a autopreservação
e autorrevelação
dos adolescentes.
Resultado:
oportunidades
para aprovação
e aceitação social.
Permite que
adaptem informações
de forma a torná-las
ofensivas e/ou
dolorosas para um
alvo ou vítima online.
ANONIMATO
Características
definidoras
ACESSIBILIDADE
ASSINCRONICIDADE
Permite que adolescentes
façam mudanças e reflitam
sobre o que escreveram
antes de enviar suas
mensagens.
Pode facilitar
a comunicação
e o compartilhamento
de ideias entre pessoas
que pensam de
forma similar.
Figura 1 - Características da comunicação online.
A alta proporção de adolescentes no Brasil que usa o
Facebook (61%) e o Orkut (39%) confirma a relevância
dessa mídia no contexto social4. Entretanto, o cyberbullying,
uma nova forma de violência expressa pelos meios de
comunicação eletrônica, tem preocupado pais, educadores e
pesquisadores em virtude dos seus efeitos na saúde mental
dos adolescentes. O cyberbullying ocorre quando um ou mais
indivíduos utilizam os meios eletrônicos com a intenção de
agredir, infligir injúria ou desconforto em outro indivíduo.
Essas ações podem ser feitas via e-mail, salas de bate-papo,
telefones celulares, mensagens instantâneas, cabines de
votação online, etc., com a intenção de humilhar, causar
medo ou sensação de desespero no indivíduo que é alvo das
agressões5,6 .
O cyberbullying pode alcançar uma grande audiência,
considerando que essas agressões ocorrem no espaço virtual,
com direito a livre expressão, e ficam registradas; são grandes
as dificuldades para a vítima de “se ver livre do agressor”
e bloquear os sites com as publicações. Adicionalmente,
cyberbullies são difíceis de identificar e rastrear e, por essa
razão, não têm medo das consequências de seus atos, já que
podem não responder por essas agressões, o que aumenta
a sensação de impunidade. As evidências indicam que 2040% dos adolescentes terão pelo menos uma experiência
com cyberbullying ao longo da vida e que o número das
cybervítimas está aumentando7.
O principal dano causado pelo cyberbullying é o de
prejudicar a reputação da vítima, com repercussões que
podem ser ainda maiores do que aquelas observadas no
bullying tradicional. A vitimização relacionada ao cyberbullying
associa-se a problemas sociais e de comportamento, incluindo
sintomatologia depressiva, abuso de substâncias, tentativas
de suicídio e suicídio, constituindo-se assim em problemas
significativos para a saúde dos adolescentes6,8.
Comunicação
online e desenvolvimento psicossocial
dos adolescentes
A comunicação eletrônica, para a maioria dos adolescentes,
faz parte do comportamento pró-social que visa desenvolver
e manter redes de amizade e relacionamentos afetivos. Nessas interações, eles aprendem a se apresentar aos outros e
ajustam sua autoapresentação de acordo com as reações dos
outros2. O senso de intimidade desenvolvido nos relacionamentos permite a autoapresentação e os “ajustes”. A partir
do feedback que recebem, os adolescentes podem ensaiar
e validar suas identidades sociais e, eventualmente, integrá-las ao self (eu). Apresentar características de si mesmo para
os outros e revelar aspectos íntimos faz parte da interação
e do desenvolvimento psicossocial dos adolescentes. A autorrevelação não só os ajuda a validar a adequação de suas
cognições, emoções e comportamentos, mas também desperta amizades de apoio e a formação de relacionamentos
românticos baseados na reciprocidade9. Autoapresentação e
autorrevelação são habilidades inter-relacionadas que precisam ser aprendidas, praticadas e ensaiadas na adolescência,
e ambas são vitais para o desenvolvimento da identidade,
intimidade e sexualidade. Tradicionalmente, os adolescentes
aprendem a ensaiar a autoapresentação e a autorrevelação
durante a comunicação face a face, muitas vezes com os colegas e amigos íntimos. No entanto, vários estudos sugerem
que a autoapresentação e a autorrevelação acontecem, cada
vez mais, por intermédio da Internet10,11.
Perfil e uso da Internet por crianças e adolescen Z
Geração Z é a denominação sociológica dada às pessoas
nascidas na década de 1990 até os anos de 2010, também
chamadas de nativos digitais. Essa geração se caracteriza pela
multiplicidade de tarefas: são capazes de estudar enquanto
ouvem música ou assistem à televisão, acessam redes sociais,
falam ao celular, buscam informações na Internet, mandam
mensagens instantâneas, entre outras atividades, de forma
simultânea12.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 2011, a posse de celular entre
tes brasileiros: nativos digitais ou geração
21
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
ARTIGO
SARA MOTA BORGES BOTTINO
ROMAYNE MIRELLE SANTOS
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS
CAROLINE GOMEZ REGINA
brasileiros com 10 anos de idade ou mais cresceu de 36,6%
em 2005 para 69,1% em 2011, e o número de usuários da
Internet cresceu de 32 milhões em 2005 para 78 milhões,
traduzindo um aumento de 20,9 para 46,5% da população13
(Figura 2).
68 milhões
78 milhões
56 milhões
32 milhões
Figura 2 - Crescimento do número de internautas
brasileiros com 10 anos ou mais. Fonte: Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (PNAD), 201113.
O Brasil também é recordista em número de usuários
residenciais de Internet: o número de horas gastas
mensalmente em conexões residenciais é de 23 horas e 28
minutos, aproximando o Brasil de países como o Japão (21
horas e 34 minutos), França (20 horas e 23 minutos) e EUA (19
horas e 46 minutos)14. Em 2013, o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) conduziu um inquérito domiciliar
em cinco regiões geográficas brasileiras (zonas urbanas e
rurais) com amostras representativas de adolescentes com
idades entre 12 e 17 anos (n = 2.002)15. Observou-se que
64% dos adolescentes que utilizavam a Internet acessavamna todos os dias, 26% uma vez por semana, e 9% acessavam
a Internet uma vez ou menos por semana (Figura 3).
Figura 3 - Frequência de uso da Internet por adolescentes
nos últimos 3 meses. Fonte: Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), 201315.
22
Em relação ao monitoramento do uso da Internet pelos
adolescentes, 54% relataram ter algum acompanhamento
dos pais, enquanto 46% não apresentavam nenhuma forma
de controle14. A porcentagem de pais que fica por perto
quando os adolescentes usam a Internet é de 43%, sendo
que 28% deles conferem o histórico das páginas visitadas
pelos adolescentes. Esse controle dos pais diminui com o
avanço da idade dos adolescentes e é menor nas classes D/E:
58% dos adolescentes da classe A/B recebem algum tipo de
controle sobre o que fazem na Internet, comparados a 53%
dos entrevistados da classe C e a 43% dos adolescentes da
classe D/E14.
Metade dos adolescentes nega a utilização de ferramentas
para o bloqueio de informações, permitindo, assim, que
suas postagens possam ser visualizadas por qualquer pessoa.
Quanto ao bloqueio de pessoas nas redes sociais, 51% dos
adolescentes afirmam já ter recorrido a essa ferramenta
pelos seguintes motivos: não gostava da pessoa (40%),
para evitar o acesso à informação (30%), não gostou do
que foi postado (29%), não conhecia a pessoa (24%) e
sentiu-se ameaçado (4%). A porcentagem de adolescentes
que conhecem pessoas na Internet é de 39%. Entre os
adolescentes entrevistados que utilizam as redes sociais, 21%
adicionam pessoas desconhecidas16 .
Abusos da comunicação online: cyberbullying
Os primeiros estudos sobre cyberbullying verificaram se
os três critérios propostos por Olweus17 para o bullying
tradicional (intencionalidade, repetição e desequilíbrio de
força ou poder) também se aplicavam ao cyberbullying18. A
seguir apresentaremos os resultados de pesquisas recentes.
Intencionalidade
Pesquisas qualitativas realizadas com adolescentes e jovens
consideram que é necessário que o perpetrador tenha a
intenção de prejudicar, causar mal ou algum tipo de dano
à outra pessoa para que o ato seja considerado como
cyberbullying18. Por essa razão, a maioria das definições de
cyberbullying considera que o comportamento é hostil e
intencional.
Repetição
Esse critério é bastante discutido na literatura, considerando
que, no contexto virtual, um único ato agressivo pode levar
a um imenso número de repetições da vitimização sem a
O
SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2,
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3
Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola
Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º
ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP,
São Paulo, SP.
1
contribuição do perpetrador. Alguns autores consideram
que esse critério pode ser menos confiável, enquanto
outros consideram que tanto a repetição como a intenção
são elementos cruciais para a classificação e caracterização
do cyberbullying, e que, caso fossem excluídos, poderiam
comprometer a forma como o conceito é interpretado6,19.
Outros autores apontam ainda para uma diferença
importante entre o bullying e o cyberbullying, relacionada
às dificuldades para supervisionar o espaço virtual e as
mensagens enviadas, além das competências dos pais para
usar as ferramentas eletrônicas da mesma forma que os
adolescentes. Somado a isso, é importante mencionar que
boa parte dessas comunicações é feita nos próprios quartos
dos filhos, onde os adultos nem sempre supervisionam suas
atividades20.
Desequilíbrio de força ou poder
Esse critério descreve que uma pessoa com mais força
atinge, de alguma forma, outra pessoa com menos força.
Entretanto, esse desbalanço de forças não se refere
necessariamente a força física ou poder entre o agressor
e a vítima, mas de um relacionamento violento entre uma
pessoa que tem mais poder e outra que não consegue se
defender. Os perpetradores desse tipo de violência virtual
não são necessariamente mais fortes, podendo inclusive ser
anônimos, e as vítimas podem ou não conhecer o agressor.
Em estudo recente, apenas metade das vítimas de
cyberbullying conhecia os agressores19. Os agressores podem
desconhecer o sofrimento que estão causando, porque
não veem as reações emocionais das vítimas, como, por
exemplo, as crises de choro. As cybervítimas, por sua vez,
podem não revelar as agressões que estão sofrendo porque
têm receio de que seus pais retirem seu acesso à Internet,
computadores ou telefones celulares e, consequentemente,
fiquem socialmente isolados do contato virtual com os seus
amigos. Para Menesini et al.18, o que melhor caracteriza o
desequilíbrio de forças é a sensação de impotência para
a vítima e suas dificuldades em se defender. A definição
de desequilíbrio de forças para esses autores é apoiada
principalmente nas consequências para as vítimas.
Dois critérios adicionais específicos foram propostos para
o cyberbullying: o anonimato e o público versus privado21.
Anonimato
O anonimato do agressor é uma característica única
do cyberbullying e que, segundo alguns autores, aumenta
os sentimentos negativos na vítima, como impotência,
insegurança e medo. Entretanto, as repercussões na vítima
podem ser ainda maiores quando o cyberbullying é realizado
por algum amigo ou alguém que ele conhece5,6 .
Público versus privado
Os adolescentes consideram o ataque mais grave quando
uma imagem constrangedora é enviada para uma página na
Internet e se torna pública, em função do grande potencial
de audiência quando comparada ao envio de outras formas
de agressão online (mensagens, ameaças, boatos, etc.)5.
Os estudos identificam diferentes tipos de cyberbullying,
de acordo com a natureza secreta ou aberta dos atos,
com os dispositivos eletrônicos utilizados (ou seja, os meios
utilizados para intimidar os outros) e, ainda, de acordo com
comportamentos específicos. Nocentini et al.21, utilizando
uma lista de comportamentos, propôs uma classificação do
cyberbullying de acordo com a natureza dos ataques (Figura
4).
CYBERBULLYING
Escrito-verbal
Representação
Visual
Ameaças
Invadir perfil ou
conta online de
outra pessoa para
prejudicá-la
Enviar fotos
ou vídeos de
alguém em
situação
comprometedora
Rumores
Piadas
Ofensas
Ligações telefônicas
Usar/roubar
identidade para
expor informações
pessoais
Realizar montagem
constrangedora
de fotos e vídeos
sobre alguém e
mostrar/enviar
para outras
pessoas
Exclusão
Excluir alguém
de um grupo ou
conversa online
sem motivo aparente
Deixar de responder
propositalmente a
alguém em uma
conversa online
E-mail
Mensagens de texto
Mensagens instantâneas
Redes sociais
Figura 4 - Tipos de cyberbullying de acordo com a natureza
dos ataques. Adaptado de Nocentini et al.21.
23
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
SARA MOTA BORGES BOTTINO
ROMAYNE MIRELLE SANTOS
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS
CAROLINE GOMEZ REGINA
Prevalência e fatores associados ao cyberbullying
Na revisão sistemática realizada pelos autores para avaliar
a associação entre o cyberbullying e problemas de saúde
mental entre adolescentes com idades entre 10 e 17 anos,
a prevalência do cyberbullying variou entre 6,5 e 35,4%.
Histórico de experiências prévias ou atuais de bullying
tradicional associou-se ao cyberbullying tanto entre vítimas
(cybervítimas) quanto entre agressores (cyberbullies). Os
fatores de risco para cybervitimização foram os seguintes:
idade entre 10 e 12 anos, uso diário de 3 ou mais horas
de Internet, uso de mensagens instantâneas, postagem
de informações pessoais, utilização de webcam e prática
de assédio online8. Os seguintes fatores associaramse aos cyberbullies: dores de cabeça, níveis elevados de
dificuldades percebidas, não se sentirem seguros na escola
e não se sentirem cuidados pelos professores, problemas de
conduta, hiperatividade, tabagismo, embriaguez frequente e
comportamento pró-social reduzido. Finalmente, todos esses
fatores de risco mencionados estavam presentes naqueles
que relataram experiências como cyberbullies e cybervítimas.
Repercussões
do cyberbullying na saúde mental dos
adolescentes
As respostas emocionais dos adolescentes a um incidente de
cyberbullying variam na intensidade e na qualidade da emoção.
Entretanto, o impacto emocional é prejudicial para a maioria das
vítimas, que experimentam várias emoções negativas ao mesmo
tempo. A raiva foi a emoção mais relatada por adolescentes da
Inglaterra, Itália e Espanha no estudo multicêntrico que avaliou
o impacto emocional de diferentes formas de cyberbullying22.
Situações como “postaram coisas a meu respeito que eu não
queria que ninguém soubesse” prejudicam a reputação da
vítima, humilham-na publicamente ou danificam suas amizades
e status social em uma fase da vida em que o grupo social
desempenha um papel importante na formação da identidade.
A raiva é considerada uma reação à violação da autonomia
e ao desrespeito aos direitos e liberdades do indivíduo, e
serve para facilitar uma resposta vigorosa quando uma ação
tem impacto negativo sobre o self – é, portanto, uma reação
considerada saudável. Nesse mesmo estudo, 20-30% dos
adolescentes não se importaram com os incidentes, e 5,9%
foram considerados vítimas fortemente afetadas porque
apresentaram várias emoções negativas ao mesmo tempo,
como raiva, estresse, preocupação, medo e, principalmente,
“se sentiam deprimidos”22.
24
ARTIGO
Adolescentes que relataram experiências com
cyberbullying, quando comparadas com outras formas de
bullying, apresentaram sintomatologia depressiva mais grave,
principalmente aqueles que sofreram ataques frequentes
(duas ou mais vezes no mês)23. Em vários estudos, o risco de
cybervitimização é maior entre aqueles que sofreram bullying
tradicional, sugerindo uma continuidade e sobreposição
entre o cyberbullying e o bullying escolar. O espaço virtual
poderia ser considerado uma extensão do ambiente escolar
para as agressões ocorrerem. Tanto os cyberbullies como
as cybervítimas relataram mais experiências com bullying
escolar, tanto como bullies como também como vítimas de
bullying escolar.
As cybervítimas podem sofrer ataques anônimos e ter suas
fotos com montagens visualizadas de forma instantânea nas
redes sociais. Os estudos ressaltam que algumas características
das agressões online, como agressões realizadas de forma
anônima por adulto do mesmo sexo ou do sexo oposto e
agressões realizadas por uma pessoa desconhecida ou por um
grupo de pessoas desconhecidas, associam-se ao aumento da
sensação de medo e insegurança entre as vítimas. Situações
de agressão online ocorrem ou são passíveis de ocorrer
durante todo o dia, na própria casa das vítimas, um ambiente
considerado seguro. A maioria dos adolescentes não conta o
incidente para os adultos, e a principal razão relatada por eles
para essa atitude é: “porque precisam aprender a lidar com
seus problemas por si mesmos” (50%), além de terem receio
de que os pais restrinjam seu acesso à Internet (31%) e de
que fiquem socialmente isolados5.
Os sentimentos de desamparo e impotência para se
defender do ataque podem aumentar a sensação de medo
e sofrimento emocional, assim como o surgimento da
sintomatologia depressiva. Os resultados dos estudos sobre
a associação entre bullying, cyberbullying e sintomatologia
depressiva sugerem que esses fenômenos ocorrem de forma
bidirecional. Adolescentes que apresentavam sintomatologia
depressiva mais grave tinham três vezes mais chances de
relatar cyberbullying do que aqueles com sintomatologia leve
ou ausente8. As alterações cognitivas e o humor depressivo
podem alterar a percepção, o que, somado à ausência de
pistas sociais, como volume e tom de voz nas comunicações
online, resultam em interpretações negativas por parte dos
adolescentes deprimidos, que podem ser mais propensos a
perceber uma situação como ameaçadora.
SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2,
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3
O
Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola
Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º
ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP,
São Paulo, SP.
1
Além dos sintomas depressivos, o cyberbullying pode
apresentar desfechos ainda mais devastadores para a saúde
mental dos adolescentes, como o abuso de substâncias e o
aumento da ideação suicida e das tentativas de suicídio24. O
estudo de Hinduja & Patching demonstrou que tanto vítimas
como ofensores apresentam até duas vezes mais chances
de realizar tentativas de suicídio quando comparados
com adolescentes que não estiveram envolvidos com
cyberbullying25. A experiência com cyberbullying em si mesma
não induz ao suicídio, porém os adolescentes que sofrem
cyberbullying podem experimentar estados psicológicos
negativos decorrentes das ações do cyberbullying e usar
o álcool ou outras drogas como um meio de lidar com
afetos negativos – uma explicação que está de acordo com
pesquisas sobre a etiologia do consumo de substâncias na
adolescência. O abuso de substâncias pode ainda contribuir
para a habituação à dor física e à ansiedade psicológica
associadas com a automutilação. Especificamente, o abuso de
substâncias pode encorajar adolescentes com ideação suicida,
incentivando comportamentos de automutilação, diminuindo
a inibição e exacerbando humores negativos preexistentes26 .
O modelo apresentado na Figura 5 ilustra como o uso de
drogas e o comportamento violento medeiam a relação
entre o cyberbullying, o bullying físico e os comportamentos
suicidas em adolescentes24.
Psiquiatria, com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão,
desenvolvem um programa intitulado Prevenção da Violência
nos Meios de Comunicação Eletrônica entre Adolescentes
da Rede Pública de São Paulo. Esse projeto de prevenção
do cyberbullying promove grupos de discussão com os
adolescentes, enfatizando a importância do uso das mídias
eletrônicas para o conhecimento e também para a interação
social, assegurando as vantagens e a importância do uso
crítico e consciente dessas mídias, prevenindo o “abuso” que
caracteriza a violência. Para isso, são discutidas as proporções
que as agressões online alcançam e suas repercussões
negativas, mesmo quando não houve intenção do autor.
Os riscos da exposição pessoal indiscriminada também são
discutidos com os adolescentes, bem como o potencial de
audiência que tais mídias detêm, considerando que o espaço
virtual é de livre expressão e que as publicações ficam
registradas e são passíveis de serem acessadas por um grande
contingente de pessoas, além das dificuldades para retirar
essas publicações dos sites. Essas estratégias de prevenção
pretendem que os adolescentes possam reavaliar a forma
como utilizam essas mídias, suas atitudes e comportamentos
relacionados à publicação online (fotos, vídeos e textos)26-28.
em escolas
Conclusões
A comunicação online se tornou uma peça central na vida
social dos adolescentes, oferecendo muitas oportunidades
para o desenvolvimento psicossocial e a construção de relacionamentos íntimos. Entretanto, podem ocorrer situações
de violência nessas interações, como o cyberbullying. Estratégias de prevenção devem ser promovidas para melhorar
as habilidades interpessoais dos jovens que escolhem se
comunicar por meio de ferramentas online, de forma que
evitem comportamentos de risco na Internet, como postar
informações pessoais, enviar fotos pessoais e utilizar webcam
com estranhos, práticas que podem aumentar o potencial
de incidentes do tipo cyberbullying. Os pais, os educadores e
os profissionais de saúde necessitam conhecer os riscos da
comunicação online e promover discussões sobre o tema,
auxiliando os adolescentes a encontrar formas efetivas de lidar com esses incidentes.
São Paulo
Desde o ano passado, estudantes de Medicina e
Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP) que participam da Liga Acadêmica de Prevenção
e Intervenção à Violência (LAPIV), do Departamento de
Agradecimentos
Ao Departamento de Psiquiatria e à Pró-Reitoria de Extensão da UNIFESP, pelo apoio e incentivo à realização do
trabalho, e aos alunos da LAPIV, pela participação no modelo
Cyberbullying
Conduta suicida
Uso de substâncias
Conduta violenta
Cyberbullying
Conduta suicida
Figura 5 - Relação entre uso de drogas, comportamento
violento, cyberbullying, bullying físico e comportamentos
suicidas em adolescentes. Adaptado de Litwiller & Brausch24.
Modelos
de
prevenção
experiência dos alunos da
do
cyberbullying
UNIFESP
e
a
públicas de
25
ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO
SARA MOTA BORGES BOTTINO
ROMAYNE MIRELLE SANTOS
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS
CAROLINE GOMEZ REGINA
de prevenção do cyberbullying entre adolescentes da rede
pública de São Paulo.
Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Fontes de financiamento inexistentes.
Correspondência: Sara Mota Borges Bottino, Rua Capote Valente, 432, cj 62, CEP 05409-001, São Paulo, SP. Tel.:
(11) 3898.0580. E-mail: [email protected]
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SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2,
BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3
O
Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola
Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º
ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP,
São Paulo, SP.
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COMUNICAÇÃO BREVE
ROGÉRIO R. ZIMPEL
BRUNO PAZ MOSQUEIRO
NEUSA SICA DA ROCHA
ARTIGO
ESPIRITUALIDADE COMO MECANISMO DE
COPING EM TRANSTORNOS MENTAIS
SPIRITUALITY AS A COPING MECHANISM IN
MENTAL DISORDERS
Resumo
Há um crescente interesse no estudo das relações entre
espiritualidade e saúde. Estudos empíricos destacam o papel protetor da espiritualidade na prevenção de depressão,
transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do
risco de suicídio, promoção de bem-estar e qualidade de
vida, além de resiliência em situações de adversidade, traumas e estresse agudo ou crônico. No entanto, mais estudos
são necessários para que se possa entender como ocorre a
associação entre espiritualidade e saúde em diferentes contextos clínicos e, assim, contribuir para o avanço do entendimento desse tema complexo.
Palavras-chave: Espiritualidade, enfrentamento, saúde,
transtornos mentais.
Abstract
There has been a growing interest in the study of the relationships between spirituality and health. Empirical studies
have highlighted the protective role of spirituality in preventing depression, anxiety disorders, substance use, decreasing
suicide risk, promoting well-being and quality of life, in addition to resilience in cases of adverse events, trauma, and acute or chronic stress. However, more studies are needed to
better understand the relationship between spirituality and
health in different clinical settings, and thus contribute to advance the understanding of this complex topic.
Keywords: Spirituality, coping, health, mental disorders.
Introdução
A partir das últimas décadas do século XX, aumentou o
interesse em compreender as relações entre espiritualidade/religiosidade e saúde1. Desde então, houve um aumento
28
considerável de publicações científicas indicando associação
entre essas variáveis. O número de publicações sobre o
tema nesse início do século XXI já superou o total de materiais publicados em todo o século XX 2.
Espiritualidade e religiosidade são conceitos afins, mas
que não se sobrepõem completamente. Koenig salienta
a relação dos termos com a busca do sagrado, definindo
como religiosidade quando essa busca ocorre em um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos
delineados para facilitar a proximidade com o sagrado e
o transcendente (Deus ou Ser Superior). Já o termo espiritualidade, segundo o mesmo autor, caracteriza-se como
uma busca pessoal para questões existenciais, significado
da vida e relação com o sagrado ou transcendente – busca
esta que pode (ou não) levar ao desenvolvimento de rituais
religiosos e à formação de uma comunidade2. No entanto,
muitos artigos usam a palavra espiritualidade englobando os
dois conceitos, para facilitar ao leitor – critério que também
será adotado doravante neste texto.
Diferentes variáveis têm sido utilizadas para estudar a
espiritualidade, como afiliação religiosa, prática de ritos,
oração, entre outras. Essas variáveis indicam o peso que a
dimensão espiritual ocupa na vida da pessoa e possibilitam
que o rigor metodológico indique se há ou não associação
com saúde. Há um número já considerável de estudos que
apontam para associação entre espiritualidade e saúde. Koenig, referência no assunto, afirma que “as pesquisas que
estão sendo publicadas em revistas médicas com revisão
de pares, de saúde pública, sociologia, psicologia, enfermagem, assistência social e ciência da reabilitação, apontam
que existem relações entre envolvimento religioso e saúde
física e mental” 2.
ROGÉRIO R. ZIMPEL1, BRUNO PAZ MOSQUEIRO2,
NEUSA SICA DA ROCHA3
O
Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. Associado, Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC). 2 Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, UFRGS,
Porto Alegre, RS. Associado, Núcleo de Psiquiatria e Espiritualidade da Associação de Psiquiatria do
Rio Grande do Sul (NUPE-APRS), Porto Alegre, RS. Associado, Associação Médico-Espírita do Rio
Grande do Sul (AMERGS). 3 Professora, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS.
1
A compreensão das relações entre espiritualidade e saúde
mental representa um desafio para a psiquiatria3. Descrições
teóricas na primeira metade do século XX abordam predominantemente as relações da religiosidade com a psicopatologia3.
Nas últimas décadas, no entanto, estudos empíricos destacam
o papel protetor da religiosidade e espiritualidade na prevenção de depressão, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do risco de suicídio, promoção de bem-estar
e qualidade de vida4,5.
Espiritualidade e resiliência
Uma das formas recentes de abordagem da religiosidade/
espiritualidade em saúde mental é quanto à sua capacidade de
promover resiliência em situações de adversidade, traumas e
estresse agudo ou crônico. Conforme Cyrulnik, “momentos
de sofrimento e tormenta podem levar à contemplação de
um futuro ou sentido espiritual para existência”6. Crianças sobreviventes e resilientes após adversidades demonstram uma
capacidade de encontrar sentido, discurso e significado para o
sofrimento6.
Após os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, por exemplo, a religiosidade representou a
segunda estratégia de coping mais utilizada para lidar com o
estresse, estando presente em 90% dos indivíduos entrevistados7. Além disso, estudos identificam a espiritualidade como
fator independente na promoção de resiliência em pacientes
com depressão e ansiedade7. Em um seguimento de 10 anos
de indivíduos com alto risco para depressão, aqueles que atribuíam maior importância pessoal à religiosidade/espiritualidade apresentavam risco de depressão 10 vezes menor quando
comparados a indivíduos que atribuíam menor importância à
religiosidade/espiritualidade.
Ao mesmo tempo, ambientes sociais com normas rígidas,
inflexíveis, condenatórias também representam a possibilidade
de criar novos traumas e sofrimentos6. Estratégias de coping
religioso/espiritual negativo podem aumentar o sofrimento
psíquico e dificultar os processos de resiliência diante de adversidades, reforçando a importância do estudo do tema e a
abordagem compreensiva junto ao paciente na prática clínica8.
A
espiritualidade como mecanismo de coping nos
transtornos mentais: o exemplo do transtorno do
pânico
O papel da espiritualidade como estratégia de enfrentamento do transtorno do pânico ainda é pouco estudado. O trans-
torno do pânico é uma enfermidade mental grave, associada
a grande morbidade e prejuízo da qualidade de vida. O transtorno do pânico tem um curso crônico e recorrente, sendo
que a remissão pode ser apenas parcial, e recaídas podem
acontecer mesmo após anos de tratamento. Pelas características clínicas do transtorno do pânico, o paciente apresenta um
intenso medo da morte durante a crise, a qual é vivenciada
como uma situação extrema do ponto de vista de estresse psíquico, configurando uma condição interessante para avaliar se
a dimensão da espiritualidade pode auxiliar no enfrentamento
(coping, em inglês) dessa enfermidade.
Em uma busca no site PubMed com os termos “spiritual
coping” AND “panic disorder”, não se obteve nenhum artigo. Com as palavras “religious coping” AND “panic disorder”,
apenas dois artigos foram encontrados. No primeiro deles9,
os autores acompanharam sobreviventes nos 3 meses posteriores ao terremoto e tsunami de 2004 nas Ilhas Andamão e
Nicobar, na Índia. A morbidade psiquiátrica foi de 5,2% entre
os sobreviventes desabrigados, com predomínio dos diagnósticos de transtorno do pânico e transtorno de ansiedade não
especificado, além de queixas somáticas. Entre os sobreviventes não desabrigados, a morbidade psiquiátrica atingiu prevalência de 2,8%, sendo que o diagnóstico mais frequente foi o
de transtorno de ajustamento. Os dois grupos apresentaram
distribuição equivalente de depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Os autores concluíram que, além das estruturas familiar e comunitária, o suporte religioso/espiritual teve
papel importante para o coping na primeira fase após o desastre. No segundo artigo10, os autores estudaram os correlatos
clínicos do pensamento suicida em 700 pacientes com câncer
avançado. Dentre eles, 62 (8,9%) reportaram pensamento
suicida. Análises ajustadas revelaram as características que
aumentavam a probabilidade de pensar em suicídio, a saber:
preencher critérios para transtorno do pânico [odds ratio ajustada de 3.24 (intervalo de confiança de 95%: 1,01-10,4)], preencher critérios para transtorno de estresse pós-traumático
[3.97 (1,13-14,1)], e apresentar baixos escores de religiosidade/
espiritualidade, medida pela Escala de Experiências Espirituais
Diárias, composta por 13 itens.
Conclusão
As estratégias de coping religioso-espiritual podem ser tanto positivas como negativas. Dependendo de sua natureza,
elas podem estar a serviço de um reforço da resiliência ou de
uma dificuldade maior no enfrentamento das adversidades.
29
COMUNICAÇÃO BREVE
ROGÉRIO R. ZIMPEL
BRUNO PAZ MOSQUEIRO
NEUSA SICA DA ROCHA
Há algumas décadas pensava-se que a espiritualidade estaria
sempre associada à psicopatologia. As evidências atuais – em
que pese as muitas dúvidas – parecem sinalizar que não necessariamente esse é o caso. Esse novo entendimento pode
ser útil na prática clínica.
Koenig entende que a base das evidências sobre associação
entre espiritualidade e saúde já é consistente e que o atual
desafio nesse campo é entender melhor como essa associação ocorre. O autor sugere que “um número muito maior
de pesquisas é necessário para entender como essas relações
operam e se são causais, ou seja, se o envolvimento religioso
realmente melhora a saúde”2. Estudar a relação da espiritualidade com o coping, resiliência e outros aspectos envolvidos
na adesão e resposta aos tratamentos pode trazer luz à essa
reflexão.
Nessa direção, são necessários mais estudos que visem entender melhor o papel da espiritualidade em diferentes contextos clínicos. Com esse propósito, os autores do presente
artigo desenvolvem pesquisas em pacientes ambulatoriais
diagnosticados com transtorno do pânico e em pacientes
hospitalizados com doença mental grave. Desta forma, espera-se contribuir para o avanço do complexo entendimento
sobre os temas espiritualidade e saúde.
Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Fontes de financiamento inexistentes.
Correspondência: Rogério R. Zimpel, Av. Protásio Alves,
1281/204, CEP 90410-001, Porto Alegre, RS. Tel.: (51) 3332.3542,
Fax: (51) 3308.5628. E-mail: [email protected]
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O
31
RELATO DE CASO
MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS
LIDIANE DOTTA GUARIENTI
PEDRO PAIM SANTOS
EDUARDO FERREIRA DAURA
ADRIANA DENISE DAL’PIZOL
RELATO
TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE
(MÚLTIPLAS PERSONALIDADES): RELATO E
ESTUDO DE CASO
DISSOCIATIVE IDENTITY DISORDER (MULTIPLE
PERSONALITIES): CASE REPORT AND STUDY
Resumo
Na prática clínica, deparamo-nos com um grande número
de pacientes vítimas de violência, sobretudo durante fases
precoces do desenvolvimento, uma das causas centrais na
etiologia dos transtornos dissociativos (ou transtorno de
estresse pós-traumático complexo). Este artigo descreve o
caso de um paciente diagnosticado com transtorno dissociativo de identidade após permanecer sintomático por 10
anos e comenta sobre o manejo e os desafios no tratamento
desses pacientes.
Palavras-chave: Transtorno dissociativo, múltiplas personalidades, transtorno dissociativo de identidade.
Abstract
In clinical practice we are often faced with patients who are
victims of violence, especially in early developmental stages,
which is a major cause of dissociative disorders (or complex
posttraumatic stress disorder). This article describes the case
of a patient diagnosed with dissociative identity disorder after
being symptomatic for 10 years, and comments on the clinical management and challenges involved in the treatment of
these patients.
Keywords: Dissociative disorder, multiple personalities,
dissociative identity disorder.
Introdução
O indivíduo humano não é unitário nem internamente consistente, mas complexo, contraditório e dividido. Em alguns
casos, essas atitudes contraditórias e os comportamentos
podem se tornar incompatíveis, ameaçando a estabilidade e
a integridade da personalidade. Em raras ocasiões, a estabilidade somente pode ser preservada por uma dissociação ou
32
por uma separação da personalidade em subunidades mais
estáveis1. Na prática clínica, deparamo-nos com pacientes
que desafiam tanto a nossa experiência e conhecimento técnico quanto as convenções de enquadramento diagnóstico.
Após décadas de relativa negligência, devido principalmente à desconsideração dos efeitos das experiências traumáticas da vida real na psicopatologia e na psicoterapia, há um aumento de interesse no estudo dos transtornos dissociativos2.
O transtorno protótipo da categoria (transtorno dissociativo
de identidade, TDI) é tema de controvérsia particular. Esse
diagnóstico é feito na América do Norte com certa frequência, enquanto que na Europa sua avaliação é discutível, e
muitos casos clínicos publicados são considerados como produtos artificiais2.
Os transtornos dissociativos podem ser encarados como
tipos muito complexos do transtorno de estresse pós-traumático, começando na infância e se tornando crônicos durante toda a adolescência e vida adulta. Muitas dimensões
diferentes da experiência do self são afetadas, já que o trauma é impingido durante os anos fundamentais do desenvolvimento.
O trauma produz uma dissociação, que é uma descontinuidade da experiência (consciência) e da memória. Tais processos psíquicos inicialmente podem funcionar como defesas
adaptativas, preservando o ego do aniquilamento. Com o
tempo, segundo Gabbard et al.2, a dissociação distorce o
desenvolvimento da personalidade e a integração contínua
de vivências, autopercepções e percepção das emoções das
outras pessoas, obliterando o desenvolvimento da capacidade de mentalização (desenvolvimento de habilidades metacognitivas que permitem a reflexão crítica sobre o próprio
estado da mente ou das outras pessoas).
O
MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS1, LIDIANE DOTTA GUARIENTI2, PEDRO PAIM SANTOS3,
EDUARDO FERREIRA DAURA4, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL2
Consultório particular, Passo Fundo, RS. 2 Consultório particular, Porto Alegre, RS. 3 Consultório
particular, São Paulo, SP. 4 Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre, RS.
1
Por vezes, a dissociação também facilita a perpetuação de
uma hiperexcitação autonômica via hipófise-hipotálamo-suprarrenal, através da evocação da memória traumática em
resposta a estímulos remanescentes ao trauma, criando, assim, sucessivos microtraumas3.
Os alters (estados dissociativos) passam a assumir partes
do conflito interno, resultando em estados do ego com diferentes identidades e desempenhando funções executivas
distintas de acordo com as demandas internas e os estímulos
externos.
Segundo a 4ª edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o TDI é caracterizado pela presença de duas ou mais identidades distintas
ou estados de personalidade que recorrentemente assumem
o controle do comportamento do indivíduo, acompanhado
de uma incapacidade de recordar informações pessoais importantes, cuja extensão é demasiadamente abrangente para
ser explicada pelo esquecimento normal4.
O interesse norte-americano pelos transtornos dissociativos surge no início dos anos 1980, pois tanto o TDI quanto
os transtornos dissociativos em geral não são patologias incomuns. Nos estudos de população geral, a taxa de prevalência
de TDI é de 1 a 3% da população descrita5. Outros estudos
relatam uma prevalência ao longo da vida de aproximadamente 10%, sendo o TDI responsável por aproximadamente
1% deles.
O diagnóstico de TDI está associado quase universalmente com uma história prévia de trauma mais significativo, que
ocorre frequentemente na infância. Estudos sistemáticos que
examinaram a história de trauma de pacientes com TDI encontraram uma taxa mais elevada de traumatismo na infância
nesses pacientes quando comparados com qualquer outro
grupo clínico. Logo, o processo diagnóstico deve incluir uma
possível história de trauma, sendo muito comum história de
abuso sexual ou outros tipos de abuso5.
A grande maioria dos casos tem histórias psiquiátricas
complexas e longas. O intervalo médio entre as primeiras
apresentações e o diagnóstico psiquiátrico de TDI é de 7
anos. Sete estudos incluindo o total de 719 pacientes com
TDI mostraram que estes permaneceram por 5 a 11 anos no
sistema de saúde mental antes de terem o diagnóstico correto de TDI5. Durante esse tempo, os pacientes apresentaram
uma grande variedade de sintomas psiquiátricos e físicos, incluindo depressão, ansiedade, alucinações auditivas e visuais,
transtornos alimentares e queixas somáticas1.
Diferentemente de outros transtornos do trauma, como,
por exemplo, o transtorno de estresse pós-traumático, o
transtorno de ansiedade generalizada e a fobia social, que
apresentam uma diminuição volumétrica da amígdala e do
hipocampo, com comprometimento cognitivo, os pacientes
com TDI não apresentam tais alterações, sugerindo uma hipótese neurobiológica diferenciada6 . Outro estudo avaliou a
perfusão vascular nos pacientes com TDI em comparação
com um grupo controle. O resultado foi que os pacientes
com essa patologia apresentavam uma hipoperfusão orbitofrontal bilateral, e também uma hiperperfusão nas regiões
frontal superior e mediana e na região occipital bilateral, o
que leva a crer que a fisiopatologia da doença estaria na interação anômala dessas regiões7.
Em termos de prevalência, em média 92% dos casos são
mulheres, com idade média no diagnóstico de 31 anos e um
número médio de 13 personalidades. Em 85% dos casos,
uma das personalidades é de criança. Muitas personalidades
são autodestrutivas, violentas, criminosas ou desinibidas sexualmente1.
De acordo com um estudo holandês que avaliou a frequência de transtornos dissociativos em internações psiquiátricas,
8% dos pacientes apresentavam essas patologias, e 2% do
total apresentavam TDI, correspondendo à média relatada
em estudos europeus, porém menor do que as taxas norte-americanas8. Outro estudo americano procurou avaliar as
taxas de TDI em pacientes psiquiátricos ambulatoriais, e a
porcentagem foi de 6% do total, sendo que 29% apresentavam algum tipo de transtorno dissociativo9.
O diagnóstico diferencial em adultos inclui comorbidades
como transtorno de somatização, transtorno de estresse
pós-traumático, convulsões e amnésia. Pseudoconvulsões e
os fenômenos de conversão são processos psicológicos similares aos transtornos dissociativos. Esquizofrenia, transtorno
esquizoafetivo, transtornos de humor bipolar e unipolar devem ser igualmente excluídos. De fato, os sintomas dissociativos, os transtornos dissociativos não especificados e o
TDI podem todos ocorrer na presença desses diagnósticos10.
Finalmente, as populações abusadoras de substância são conhecidas por terem altos níveis de experiências dissociativas,
e o abuso de substância é elevado entre pacientes com TDI10.
No contexto psiquiátrico brasileiro, não estão disponíveis
instrumentos específicos para a detecção e quantificação dos
sintomas dissociativos. No entanto, diretrizes internacionais
estabelecem como condição sine qua non para o diagnóstico
33
RELATO DE CASO
MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS
LIDIANE DOTTA GUARIENTI
PEDRO PAIM SANTOS
EDUARDO FERREIRA DAURA
ADRIANA DENISE DAL’PIZOL
RELATO
de TDI o uso de entrevistas diagnósticas que inquiram sobre
dissociação, suplementadas, quando necessário, por instrumentos selecionados e por entrevistas estruturadas que avaliem a presença ou ausência de sintomas dissociativos5.
Fiszman et al. apresentam as etapas de tradução e adaptação para a língua portuguesa do instrumento Dissociative
Experiences Scale (DES), o questionário mais utilizado para
o rastreamento e a quantificação dos sintomas dissociativos.
Apesar de a escala não ser utilizada como instrumento diagnóstico, o escore de 30 é considerado o ponto de corte acima
do qual se pode identificar os pacientes com transtornos dissociativos. Numa investigação dos autores da DES, 74% dos
pacientes com TDI e 80% daqueles com outro transtorno dissociativo foram corretamente identificados por esse ponto de
corte11.
Em sua recente publicação, a saber, o DSM-5, a Associação
Americana de Psiquiatria manteve o TDI como uma patologia
diagnóstica. E manteve, também, os mesmos critérios diagnósticos12:
- Ruptura da identidade, caracterizada pela presença
de dois ou mais estados de personalidade distintos, descrita
em algumas culturas como uma experiência de possessão. A
ruptura da identidade envolve descontinuidade acentuada no
senso de si mesmo e no domínio das próprias ações, acompanhada por alterações relacionadas no afeto, no comportamento, na consciência, na memória, na percepção, na cognição e/
ou no funcionamento sensório-motor. Esses sinais e sintomas
podem ser observados por outros ou relatados pelo indivíduo.
- Lacunas recorrentes na recordação de eventos cotidianos, informações pessoais importantes e/ou eventos traumáticos que são incompatíveis com o esquecimento comum.
-Os sintomas causam um sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em
outras áreas importantes da vida do indivíduo.
- A perturbação não é parte normal de uma prática
religiosa ou cultural amplamente aceita. Em crianças, os sintomas não são bem explicados por amigos imaginários ou outros
jogos de fantasia.
- Os sintomas não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos
de uma substância (por exemplo, apagões ou comportamento
caótico durante intoxicação alcóolica) ou a outra condição médica (por exemplo, convulsões parciais complexas).
O presente artigo visa descrever e discutir o caso de um
paciente com diagnóstico de TDI.
34
R elato de caso
Paciente do sexo masculino, 24 anos, natural e procedente do interior do estado do Rio Grande do Sul, solteiro,
sem religião, com 1º ano do Ensino Médio completo, atualmente recebe benefício devido a doença psiquiátrica. Teve
quatro internações prévias neste hospital e outras internações na região de sua cidade natal.
O paciente foi internado no último mês devido ao abuso de substâncias e risco de exposição, pois se encontrava
na rua, prostituindo-se para comprar drogas. Encaminhado
pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de sua cidade,
o paciente foi internado no Hospital Psiquiátrico São Pedro,
na unidade Mario Martins Masculina.
Na primeira entrevista, o paciente relata que pediu para
ser internado, pois seus “13 amigos” estavam lhe atormentando muito. Devido a isso, voltou a fazer uso de maconha
e cocaína para tentar esquecê-los, não ouvi-los nem vê-los.
Esses 13 “personagens” o acompanham há 10 anos. Usa
o pronome “nós” para referir-se a si próprio e frequentemente refere-se aos 13, ora de forma contraditória, como
amigos, ora como demônios.
Diz que, desde 1999, seus 13 personagens fazem uso de
seu corpo, eventualmente assumindo seus atos. O paciente
diz não recordar muitos fatos ocorridos em sua vida, situações que pensa terem sido vivenciadas por “eles”. Apresenta muito sofrimento em relação a isso, pois as pessoas
à sua volta lhe chamam de mentiroso e dissimulado. Relata
episódios de esquecimento, como perceber estar em algum
lugar e não recordar como chegou lá e, ainda, episódios em
que se descobriu usando roupas estranhas ou estando com
pessoas que não lembrava conhecer.
O paciente também apresenta dificuldades de lembrar
episódios de sua vida, principalmente os relacionados à sua
infância e adolescência. Indica períodos em que ficou abstinente de drogas; nesses intervalos, mantinha presentes suas
13 personalidades. Justifica o uso de drogas para esquecê-los. O paciente também possuía história prévia de tentativas de suicídio e apresentava características de personalidade borderline e traços de personalidade histriônica, ambos
evidenciados na atual internação e também diagnosticados
previamente.
O paciente já esteve internado muitas vezes, sendo que
nenhuma internação foi efetiva. Além disso, nenhuma medicação que tenha usado fez com que seus 13 personagens
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EDUARDO FERREIRA DAURA4, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL2
Consultório particular, Passo Fundo, RS. 2 Consultório particular, Porto Alegre, RS. 3 Consultório
particular, São Paulo, SP. 4 Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre, RS.
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fossem embora. Fez, inclusive, sessões de eletroconvulsoterapia. Diz já ter passado pela avaliação de 17 psiquiatras,
também sem resultado.
O paciente já teve vários empregos, como, por exemplo,
vendedor de roupas, padeiro, pedreiro, músico, vendedor de
joias, até que acabou se envolvendo com tráfico de drogas e
prostituição. Nunca conseguiu se manter fixo em algum serviço, pois “eles” o atrapalhavam. O paciente também estava
tentando frequentar a escola e o CAPS de sua cidade, porém
com dificuldades de adesão. Após uma decepção amorosa,
piorou, voltou a usar drogas e então foi internado.
Atualmente mora com a mãe, a irmã e seu padrasto, porém já ficou em situação de rua e já morou com o pai. Quando criança, presenciou muitas brigas em casa, com história
de maus-tratos pelo pai, o qual é dependente de múltiplas
drogas. Sua mãe já trabalhou como prostituta, fazendo programas inclusive em casa. Aos 8 anos, o paciente foi abusado
sexualmente por um tio materno e também sofreu abuso
sexual na escola. Aos 14 anos, foi morar com o pai, período
de muito estresse e brigas entre os dois, com ameaças de
morte por parte do pai. Nesse período, o paciente começou
a se prostituir e a abusar de substâncias. Após desentendimentos com o pai, ficou alguns meses em situação de rua,
já que a mãe havia mudado de endereço e perdido contato
com o paciente.
Durante a internação, principalmente em situações de
ansiedade, ao falar de seu passado, ou em consultas mais
demoradas, o paciente apresentava episódios característicos
de dissociação, em que mudava bruscamente o tom de voz,
a fisionomia do rosto, o modo de falar e respondia como
sendo outra pessoa, sempre um dos 13 personagens. Nessas
mudanças de personalidade, as quais, às vezes, eram acompanhadas por piscadas rápidas dos olhos, foram identificadas
13 personalidades de diferentes idades e características. Três
delas eram mulheres, sendo uma adolescente de 13 anos
(Luci), que era triste e só chorava; uma criança de 7 anos (a
personalidade que aparecia com maior frequência, Lalinha), a
qual era filha de dois dos seus personagens (Lalinha dizia-se
uma criança carente, que não recebia apoio ou carinho por
parte dos pais); e a terceira personalidade do sexo feminino,
Gata Negra, uma mulher adulta, sedutora e hipersexualizada
(nesses momentos, o paciente dizia-se homossexual e adquiria trejeitos claramente afeminados).
As outras 10 personalidades eram masculinas, sendo em
geral irritadas, amarguradas e “do mal”, com nomes como
Ratos, Carnéver e Abutre – todos nomes sugestivos de coisas assustadoras e que, por vezes, lembravam personagens
de filmes. Uma dessas personalidades era a mais agressiva
(Ratos), com muita raiva e ódio, a qual, segundo o paciente e
um familiar, já havia agredido fisicamente outras pessoas. Outra personalidade era inteligente, sensata, “controlava” as outras – esta o paciente relacionava com seu pai. Também havia
uma personalidade com traços antissociais que era sedutora,
manipuladora e não apresentava remorso por prejudicar outras pessoas. Durante a internação, foi possível identificar e
reconhecer claramente 10 das 13 personalidades.
Foram aplicadas duas escalas: a Dissociative Disorders Interview Schedule (DDIS), com critérios diagnósticos para
transtorno depressivo maior passado, abuso de substâncias,
abuso sexual na infância, distúrbio borderline de personalidade, TDI e esquizofrenia; e o DES, em versão traduzida
para língua portuguesa. O DES é o questionário mais utilizado para o rastreamento de sintomas dissociativos. Possui
um ponto de corte de 30, acima do qual se pode identificar transtorno dissociativo; nosso paciente pontuou 168. Foi
também realizado eletroencefalograma (EEG), o qual não
demonstrou alterações.
O paciente permaneceu 35 dias internado, período durante o qual passou a ser atendido diariamente em consultas médicas e por equipe multiprofissional. Houve melhora
dos sintomas de impulsividade e depressivos, com melhor
compreensão da doença pelo paciente, por sua família e
pela equipe que permaneceu acompanhando o paciente no
CAPS. Recebeu alta hospitalar melhorada em uso de carbamazepina 1.200mg/dia, olanzapina 10 mg/dia, lítio 900 mg/
dia e sertralina 50 mg/dia. Foram mantidas sessões de psicoterapia bissemanais, com indicação de acompanhamento por
longo prazo.
Discussão
Após 10 anos sintomático, tendo passado por múltiplas
internações e avaliações psiquiátricas, o paciente recebeu
diagnóstico de TDI segundo critérios do DSM-5, sendo que
possuía mais de duas personalidades distintas que assumiam
recorrentemente o comportamento, com episódios característicos de amnésia sem estar sob a influência de substâncias12. Pacientes como este tendem a ser subdiagnosticados,
já que se trata de um diagnóstico raro e difícil e que pode
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RELATO DE CASO
MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS
LIDIANE DOTTA GUARIENTI
PEDRO PAIM SANTOS
EDUARDO FERREIRA DAURA
ADRIANA DENISE DAL’PIZOL
RELATO
levar anos para ser corretamente estabelecido, existindo ainda muita incompreensão a respeito entre os profissionais de
saúde mental13.
No caso do nosso paciente, as personalidades possuíam nomes próprios, com funções definidas e distintas entre si e transição de uma personalidade para outra de forma súbita e drástica. Às vezes, o sujeito tem repleta consciência da existência,
das qualidades e das atividades das outras personalidades14.
Os pacientes geralmente referem-se a si mesmos como tendo
“partes”, “vozes”, “múltiplos eus”, “pessoas” ou “demônios”15,
entre outras formas, fato observado com frequência em nosso
paciente.
Compatível com dados da literatura, o paciente apresentava-se dentro da média, indicando um número de 13 personalidades, sendo que uma delas era criança, o que também
é relatado com relativa frequência1. Uma das personalidades
era deprimida, outra era controladora, muito irritada, e foram
verificados também traços antissociais. O paciente desenvolveu amnésia parcial a eventos passados, relacionados principalmente ao período de sua infância e em relação aos abusos de
que foi vítima10.
A causa do transtorno não é definida, porém sabe-se que
pacientes com transtornos dissociativos, em sua grande maioria, possuem história de trauma, em geral na infância15. Os
transtornos dissociativos podem ser encarados como tipos
muito complexos e de longo prazo do transtorno do estresse pós-traumático, começando agudamente durante a infância
e se tornando crônicos durante toda a adolescência e idade
adulta. A dissociação pode servir inicialmente como uma função adaptativa, tornando mais tolerável o medo e a dor psicológica que acompanham o trauma. Com o tempo, no entanto,
a dissociação distorce o desenvolvimento da personalidade, a
integração contínua de lembranças e a percepção das emoções em outras pessoas2. Os estados de self separados e dissociados (alters) são, primeiro, desdobrados de forma adaptativa,
numa tentativa, por parte da criança abusada, de se distanciar
da experiência traumática. Os alters logo ganham formas secundárias de autonomia, e a personalidade do paciente consiste, na realidade, na soma total de todas as personalidades16.
O TDI também está associado com um alto grau de comorbidades psiquiátricas. Entre os diagnósticos mais frequentes encontrados em pacientes com TDI, salientamos o abuso
de substâncias e a dependência química17 – diagnóstico este
também presente em nosso paciente. O TDI também pode
coexistir com outros transtornos mentais, principalmente dis-
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túrbio de personalidade borderline, e diferenciá-los pode ser
difícil18. Tentativas de suicídio são comuns19.
Em nosso caso, foram aplicadas duas escalas, a DDIS19 e
a DES11, que auxiliaram no estabelecimento do diagnóstico
de TDI. Também foi realizado EEG, com resultado normal.
Esse exame se faz necessário porque existe na literatura a
hipótese de que a epilepsia parcial complexa esteja envolvida
em sua etiologia20. Vale ressaltar que, na aplicação da escala
DDIS, o paciente pontuou para esquizofrenia, um diagnóstico de notável confusão com TDI; no entanto, não foram verificados sintomas negativos característicos da esquizofrenia,
nem a presença de deterioração social14.
A psicoterapia individual ambulatorial de longo prazo é
o tratamento de escolha para os transtornos dissociativos2.
Para casos de TDI, a psicoterapia envolve basicamente três
enfoques: primeiramente, a construção de um vínculo seguro, a estabilização dos sintomas; em seguida, trabalhar diretamente com as memórias traumáticas e o processamento do
trauma, desfazendo a hiperexcitação a estímulos remanescentes; por último, a busca pela integração das identidades
e pela reabilitação. Pacientes traumatizados com frequência
vivenciam as interpretações como um desafio a seu sentido
de realidade. No contexto da terapia, a dissociação geralmente é um escape defensivo de algo que produz sofrimento
e ansiedade, e os diferentes alters presentes no setting clínico
devem sem tratados como aspectos da mesma pessoa16 . Farmacoterapia e intervenções familiares são de grande valor,
porém secundários à terapia individual5.
Conclusões
Na prática clínica e psicoterápica, deparamo-nos com um
grande número de pacientes vítimas de violência, sobretudo
durante fases precoces do desenvolvimento. Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de identificar corretamente a
sintomatologia específica voltada aos transtornos dissociativos, bem como todas as formas de transtorno de estresse
pós-traumático, com o intuito de selecionar e disponibilizar
as estratégias terapêuticas mais adequadas. Há um consenso
de o tratamento mais eficaz consiste na integração dialética
entre farmacoterapia, psicoterapia psicodinâmica eclética incorporada a técnicas de terapia cognitivo-comportamental,
intervenções de grupo e de família.
Salientamos que a exposição persistente a condições traumáticas (transtorno de estresse pós-traumático complexo),
bem como a evocação de memória do trauma através de
O
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EDUARDO FERREIRA DAURA4, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL2
Consultório particular, Passo Fundo, RS. 2 Consultório particular, Porto Alegre, RS. 3 Consultório
particular, São Paulo, SP. 4 Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre, RS.
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estímulos remanescentes, tendem tanto a agravar as alterações neuroquímicas dessa patologia quanto favorecer a estruturação de quadros psiquiátricos crônicos graves, como
o transtorno de personalidade borderline e o transtorno de
estresse pós-traumático complexo, que cursam com sintomas dissociativos, violência e autodestrutividade.
9.
Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.
Fontes de financiamento inexistentes.
Correspondência: Mirian Pezzini dos Santos, Av. Sete
de Setembro, 594/402, CEP 99010-121, Passo Fundo, RS.
Tel.: (54) 3311-5345. E-mail: [email protected]
11.
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