Ano 5 • n°2 • Mar/Abr 2015 ISSN 2236-918X 1 MAIS UMA OPÇÃO DE ATUALIZAÇÃO EM PSIQUIATRIA PARA OS ASSOCIADOS DA ABP. TODAS ÀS SEGUNDAS - FEIRAS 21H AO VIVO NO PORTAL DA PSIQUIATRIA WWW.ABP.ORG.BR Assistir é muito fácil e prático, basta acessar o Portal da Psiquiatria www.abp.org.br /////////// APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Prezados leitores da RDP, Em nosso segundo número de 2015, Marlos Fernando Vasconcelos Rocha et al. iniciam revisando o tema da neuroimagem no transtorno bipolar. Os autores sintetizam os principais achados em neuroimagem estrutural e funcional, descrevendo as estruturas corticais e subcorticais do encéfalo mais relevantes e que embasam a provável fisiopatologia desse transtorno. São revisadas anormalidades nos circuitos neuronais supostamente envolvidos no processamento e regulação da emoção, bem como no processamento de recompensas. Os autores destacam o papel chave, embora ainda controverso, desse tipo de pesquisa na identificação de biomarcadores associados ao transtorno. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA EDITOR Na sequência, Marina Dyskant Mochcovitch oferece uma atualização sobre o tratamento farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada – um dos menos estudados entre os transtornos de ansiedade, apesar de sua alta cronicidade e prevalência. São descritos resultados obtidos com os medicamentos de primeira linha no tratamento do transtorno (inibidores seletivos da recaptação da serotonina e inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina), bem como diversas opções de segunda escolha, com destaque para a pregabalina e a quetiapina. Os autores salientam a necessidade de mais estudos e o papel importante da abordagem psicoterápica no manejo do transtorno. Sara Mota Borges Bottino et al. são os autores do segundo artigo de atualização deste número. Eles abordam um tema extremamente relevante no cenário atual, a saber, o cyberbullying. Numa era em que a comunicação online se tornou peça central na vida social dos adolescentes, evidências indicam que 20-40% deles terão pelo menos uma experiência com cyberbullying. Os autores destacam as repercussões do cyberbullying na saúde mental dos adolescentes, como problemas sociais e de comportamento, sintomatologia depressiva, abuso de substâncias psicoativas, tentativas de suicídio e suicídio. Algumas estratégias de prevenção são sugeridas, e o papel importantíssimo dos pais, educadores e profissionais de saúde é enfatizado. A espiritualidade como mecanismo de coping em transtornos mentais é tema da comunicação breve publicada a seguir, de autoria de Rogério R. Zimpel et al. Os autores discutem os achados de estudos empíricos sobre o papel protetor da espiritualidade na prevenção de depressão, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do risco de suicídio, promoção de bem-estar e qualidade de vida, além de resiliência em situações de adversidade, traumas e estresse agudo ou crônico. Por outro lado, o papel às vezes negativo da espiritualidade, aumentando as dificuldades no enfrentamento das adversidades, também é lembrado. JOÃO ROMILDO BUENO EDITOR Finalmente, fechando o número, Mirian Pezzini dos Santos et al. relatam um caso de transtorno dissociativo de identidade diagnosticado e tratado após permanecer sintomático por 10 anos. Os autores abrem o artigo fazendo uma apresentação detalhada do transtorno para, em seguida, descrever e discutir o caso relatado. O artigo é de grande utilidade para a prática clínica, já que psiquiatras se deparam com um grande número de pacientes vítimas de violência, sobretudo durante fases precoces do desenvolvimento, uma das causas centrais na etiologia dos transtornos dissociativos (ou transtorno de estresse pós-traumático complexo). Esperamos que nossos leitores apreciem a seleção! Os Editores 3 //////////// EXPEDIENTE EDITORES Antônio Geraldo da Silva João Romildo Bueno DIRETORIA EXECUTIVA Presidente: Antônio Geraldo da Silva - DF Vice-Presidente: Itiro Shirakawa - SP 1º Secretário: Claudio Meneghello Martins - RS 2º Secretário: Mauricio Leão - MG 1º Tesoureiro: João Romildo Bueno - RJ 2º Tesoureiro: Alfredo Minervino - PB DIRETORES REGIONAIS Diretor Regional Norte: Aparício Carvalho de Moraes - RO Diretor Regional Adjunto Norte: Maria da Graça Guimarães Souto - MA Diretor Regional Nordeste: Fábio Gomes de Matos e Souza - CE Diretor Regional Adjunto Nordeste: Miriam Elza Gorender - BA Diretor Regional Centro-Oeste: Juberty Antônio de Souza - MS Diretor Regional Adjunto Centro-Oeste: Renée Elizabeth de Figueiredo Freire - MT Diretor Regional Sudeste: Marcos Alexandre Gebara Muraro RJ Diretor Regional Sul: Ronaldo Ramos Laranjeira - SP CONSELHO FISCAL Titulares: Francisco Baptista Assumpção Júnior – SP Florence Kerr-Corrêa – SP Sérgio Tamai – SP Suplentes: José Toufic Thomé – SP Fernando Grilo Gomes – SP ABP - Rio de Janeiro Av. Rio Branco, 257 – 13º andar salas 1310/15 –Centro CEP: 20040-009 – Rio de Janeiro - RJ Telefax: (21) 2199.7500 Rio de Janeiro - RJ E-mail: [email protected] Publicidade: [email protected] 4 Editores Associados Itiro Shirakawa Alfredo Minervino Luiz Carlos Illafont Coronel Maurício Leão Fernando Portela Camara Conselho Editorial Almir Ribeiro Tavares Júnior - MG Ana Gabriela Hounie - SP Analice de Paula Gigliotti - RJ Carlos Alberto Sampaio Martins de Barros - RS Carmita Helena Najjar Abdo - SP Cássio Machado de Campos Bottino - SP César de Moraes - SP Elias Abdalla Filho - DF Érico de Castro e Costa - MG Eugenio Horácio Grevet - RS Fausto Amarante - ES Flávio Roithmann - RS Francisco Baptista Assumpção Junior - SP Helena Maria Calil - SP Humberto Corrêa da Silva Filho - MG Irismar Reis de Oliveira - BA Jair Segal - RS João Luciano de Quevedo - SC José Cássio do Nascimento Pitta - SP José Geraldo Vernet Taborda - RS Marco Antonio Marcolin - SP Marco Aurélio Romano Silva - MG Marcos Alexandre Gebara Muraro - RJ Maria Alice de Vilhena Toledo - DF Maria Dilma Alves Teodoro - DF Maria Tavares Cavalcanti - RJ Mário Francisco Pereira Juruena - SP Paulo Belmonte de Abreu - RS Paulo Cesar Geraldes - RJ Sergio Tamai - SP Valentim Gentil Filho - SP Valéria Barreto Novais e Souza - CE William Azevedo Dunningham - BA Conselho Editorial Internacional Antonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara (Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza Figueira (Portugal), Julio Bobes Garcia (Espanha), Jerónimo Sáiz Ruiz (Espanha), Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni (Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela) Jornalista Responsável: Brenda Ali Leal Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Ilustração: Daniel Adler e Renato Oliveira Produção Editorial: Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP Gerente Geral: Simone Paes Impressão: Gráfica Editora Pallotti //////////////// ÍNDICE MAR/ABR 2015 6/revisão Neuroimagem no transtorno bipolar MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA, AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA, FABIANA NERY-FERNANDES, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA 14/atualização Atualizações do tratamento farmacológico do transtorno de ansiedade generalizada MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH 20/atualização Repercussões do cyberbullying na saúde mental dos adolescentes SARA MOTA BORGES BOTTINO, ROMAYNE MIRELLE SANTOS, BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS, CAROLINE GOMEZ REGINA 28/comunicação breve Espiritualidade como mecanismo de coping em transtornos mentais ROGÉRIO R. ZIMPEL, BRUNO PAZ MOSQUEIRO, NEUSA SICA DA ROCHA * As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos mesmos. 32/relato de caso Transtorno dissociativo de identidade (múltiplas personalidades): relato e estudo de caso MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS, LIDIANE DOTTA GUARIENTI, PEDRO PAIM SANTOS, EDUARDO FERREIRA DAURA, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL 5 ARTIGO DE REVISÃO MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA FABIANA NERY-FERNANDES ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA REVISÃO NEUROIMAGEM NO TRANSTORNO BIPOLAR NEUROIMAGING IN BIPOLAR DISORDER Resumo Nas últimas décadas, pesquisas de neuroimagem no transtorno bipolar (TB) têm demonstrado anormalidades nos circuitos neuronais supostamente envolvidos no processamento e na regulação da emoção, bem como no processamento de recompensas. Entretanto, os resultados relativos a diversas estruturas do sistema nervoso central são escassos e difíceis de serem comparados, devido à grande heterogeneidade do TB e às diferentes metodologias empregadas para a coleta das imagens. Esta revisão teve como objetivo sintetizar os principais achados em neuroimagem estrutural e funcional no TB, descrevendo as estruturas corticais e subcorticais do encéfalo mais relevantes e que embasam a provável fisiopatologia desse transtorno. Palavras-chave: Neuroimagem, transtorno bipolar, circuitos neuronais. Abstract In the past few decades, neuroimaging research in bipolar disorder (BD) has demonstrated abnormalities in neural circuits thought to be involved in emotion processing and regulation, and reward processing as well. However, results related to a number of structures of the central nervous system are scarce and difficult to compare, due to both the clinical heterogeneity of BD and the different methodologies used to collect images. The objective of this review was to synthetize the main findings available in structural and functional neuroimaging in BD and to describe major cortical and subcortical brain structures that underpin the likely pathophysiology of this disorder. Keywords: Neuroimaging, bipolar disorder, neural circuits. Introdução Nos últimos 30 anos, assistiu-se ao desenvolvimento das técnicas de neuroimagem, o que tornou possível o estudo estrutural e funcional do cérebro in vivo, através de medidas 6 da estrutura, do metabolismo e da neuroquímica cerebral. Em pesquisas, esse fato tem resultado em uma maior compreensão dos transtornos psiquiátricos, do ponto de vista não apenas fenomenológico ou comportamental, mas também biológico1,2. A neuroimagem pode ser definida como um conjunto de técnicas que permite a obtenção de imagens do encéfalo de forma não invasiva1. Em termos de avaliação estrutural do tecido, existem, na atualidade, a tomografia axial computadorizada (TAC) e a ressonância nuclear magnética (RNM). A TAC explora o fato de que tecidos com diferentes densidades absorvem os raios X de modo diferente, gerando uma imagem da densidade tecidual. Na TAC, um feixe de raios X é utilizado ao longo de cortes seriados do cérebro, sendo o grau de atenuação medido quando o feixe emerge do outro lado da cabeça. No entanto, os maiores avanços ocorreram com a utilização da RNM a partir de 1983, uma vez que ela permite maior detalhamento e melhor resolução e contraste do que a TAC2. Não só a resolução da RNM é superior; ela permite uma melhor discriminação entre as substâncias branca e cinzenta. A RNM possibilita também a reconstituição e visualização da imagem cerebral em todos os planos, ou seja, para além dos planos transversal e sagital obtidos com a TAC. Os cortes coronais são particularmente valiosos para a visualização de estruturas subcorticais, como a amígdala e o hipocampo, importantes na expressão do comportamento e da emoção1. As técnicas imagiológicas ou de neuroimagem funcional são aquelas que permitem a quantificação da função cerebral, ou seja, medem o metabolismo cerebral e a densidade dos neurorreceptores. Os princípios básicos dessas técnicas comuns e envolvem a visualização de isótopos radiativos localizados em áreas de elevada atividade funcional. No caso da espectroscopia por emissão de fóton único (SPECT), os isótopos são emissores de fótons isolados, enquanto que na tomografia por emissão de pósitrons (PET), os isótopos são emissores de pósitrons1. O MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA1, AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA2, FABIANA NERY-FERNANDES3, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA4 Neurologista. Colaborador, Centro de Estudos de Transtornos do Humor e de Ansiedade (CETHA), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, UFBA, Salvador, BA. 2 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora adjunta, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 3 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 4 Psiquiatra. Coordenadora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora associada, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 1 Uma modificação da RNM permitiu o desenvolvimento da ressonância nuclear magnética funcional (RNMf), que é uma técnica mista, estrutural e funcional. Diferentemente da RNM, a RNMf permite medir variáveis fisiológicas, como volume sanguíneo regional, consumo de oxigênio e consumo de glicose nos tecidos. Além disso, ela avalia os efeitos de paradigmas de ativação sobre essas variáveis (estado de repouso versus estado de ativação)1,3. A ressonância magnética por espectroscopia de prótons de hidrogênio (H+MRS) é uma técnica também não invasiva que permite medir os constituintes bioquímicos in vivo. Em particular, a H+MRS permite medir as concentrações de glutamato, glutamina, N-acetil-aspartato (NAA), creatina, lactato, mioinositol, glicose e colina. Finalmente, a P31MRS determina o pH e a concentração de fósforo contido em metabólitos energéticos no cérebro1. A imagem por tensor de difusão (DTI) é um exame baseado em uma modificação da RNM convencional que permite a quantificação não invasiva das características de difusão das moléculas de água in vivo. As moléculas de água se difundem livremente ao longo dos tratos das fibras nervosas, mas a difusão é restrita em outras direções. Essa dependência direcional, chamada de difusão anisotrópica, é descrita matematicamente por um tensor, que é muitas vezes representado como um elipsoide. A análise do tensor de difusão permite a reconstrução dos tratos de fibras nervosas e a quantificação da anisotropia da substância branca do cérebro. Dessa forma, a tratografia por tensor de difusão (DTT) permite a avaliação dos tratos de fibras com base no DTI e fornece ferramentas importantes para a visualização dos tratos de substância branca, como o mapeamento por cor e o acompanhamento contínuo das fibras. Imagens de fibras nervosas obtidas por DTT mostram boa correspondência com sintomas clínicos ou mudanças histológicas; além disso, áreas de substância branca relacionadas a transtornos psiquiátricos, tais como o cíngulo, o fascículo uncinado, o fórnix cerebral e o corpo caloso (CC), podem ser identificadas com relativa facilidade através da DTT4. O transtorno bipolar (TB) é uma doença multifatorial grave, decorrente de influências genéticas e ambientais. Caracteriza-se por anormalidades de pensamento, comportamento, cognição e humor. Os portadores de TB se apresentam com quadro clínico, curso e prognóstico muito variáveis, sendo este considerado um transtorno bastante heterogêneo. Nesse contexto, o grande impulso da pesquisa em neuroimagem documentado nas últimas décadas não só tem permitido a melhor compreensão da fisiopatologia do TB, por meio do estabelecimento de prováveis associações entre áreas e circuitos neuronais de um lado e os diversos fenótipos clínicos de outro, assim como também tem sinalizado a utilidade das diversas modalidades de neuroimagem enquanto métodos para a definição de potenciais marcadores neurobiológicos da doença. Mais ainda, alguns autores propõem conceitos de biomarcadores em neuroimagem para transtornos de humor, tais como: biomarcadores prognósticos, que caracterizariam o risco para o surgimento da doença; biomarcadores preditores, associados à probabilidade de resposta terapêutica; e biomarcadores farmacodinâmicos, implicados na evidência dos efeitos relacionados ao tratamento farmacológico5. O objetivo deste trabalho foi reunir dados recentes e discutir os estudos mais relevantes relacionados à neuroimagem estrutural e funcional no TB, descrevendo a neuroanatomia provavelmente envolvida na expressão do comportamento e da emoção, com ênfase no TB. Método Foi realizada uma revisão clássica da literatura na base de dados PubMed para encontrar artigos científicos em português, espanhol ou inglês, publicados nos últimos 20 anos, que abordassem o uso da neuroimagem na compreensão de aspectos fisiopatológicos ou clínicos do TB. As seguintes palavras-chave foram utilizadas na busca: “bipolar disorder” OR “mood disorder” OR “affective disorder” AND “neuroimaging”. Foram selecionados os artigos originais e as revisões mais pertinentes ao tema. As referências dos artigos encontrados também foram consultadas, a fim de identificar artigos adicionais importantes. Resultados Substância branca O hipersinal de substância branca é uma alteração frequentemente descrita em pacientes bipolares, tanto na população adulta6 quanto em crianças e adolescentes7. Entre os feixes de associação de substância branca, o CC representa uma das estruturas de grande interesse na pesquisa do TB. Nessa área, pesquisas que utilizam a técnica do tensor de difusão frequentemente mostram perda da integridade estrutural do CC em seus diversos segmentos (joelho, corpo ou esplênio)8,9. Mais ainda, um estudo recente conduzido pelo nosso grupo e 7 ARTIGO DE REVISÃO MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA FABIANA NERY-FERNANDES ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA REVISÃO que avaliou pacientes bipolares tipo I eutímicos mostrou redução do CC nas áreas do joelho e istmo quando comparados a controles sadios10, confirmando dados de outras pesquisas11,12. Recentemente, ratificando dados anteriores, uma metanálise documentou a redução volumétrica dessa estrutura em pacientes bipolares13. Importante ressaltar que as alterações do CC foram também descritas em crianças e adolescentes com TB14 e em grupos de risco para o TB, como familiares de primeiro grau15. Além disso, a perda da integridade funcional foi verificada em outros feixes associativos de substância branca, tais como o fascículo uncinado, os fascículos longitudinais superior e inferior, o fascículo fronto-occipital e do cíngulo anterior em pacientes com TB16. Em conjunto, esses achados sugerem que as anormalidades da substância branca podem preceder o início da doença bipolar e predispor a alterações de desenvolvimento do encéfalo durante o processo de neurodesenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) na infância e adolescência. Lobo frontal O cíngulo anterior, o córtex pré-frontal dorsolateral e o córtex orbitofrontal (COF) representam as áreas mais extensamente estudadas do lobo frontal na pesquisa do TB. Os estudos que avaliaram o giro do cíngulo por meio de RNM demonstraram de forma recorrente a redução volumétrica do cíngulo subgenual (áreas 24 e 25 de Brodmann), achado confirmado em uma metanálise recente17. Adicionalmente, no cíngulo anterior, têm sido observadas alterações funcionais tanto em pacientes em estado de repouso quanto naqueles submetidos a tarefas de ativação. A maioria deles mostra hiperatividade do cíngulo anterior, notadamente da região subgenual, em pacientes nas fases depressiva18 e de mania19. Observa-se, ainda, em pacientes com TB, redução do NAA e aumento da colina no cíngulo anterior como os resultados mais consistentes da H+MRS20. O hipometabolismo do córtex pré-frontal dorsolateral tem sido descrito em estudos que avaliaram pacientes em estado de depressão21 e de mania22. Da mesma forma, níveis menores de NAA têm sido encontrados em pacientes adultos eutímicos20. Em relação ao COF, os estudos também sugerem disfunção, com presença de hipometabolismo23,24 e redução volumétrica da substância cinzenta, em particular do giro frontal inferior, conforme documentado em uma metanálise25. Lobo temporal A alteração volumétrica da amígdala representa o achado de neuroimagem estrutural mais reportado entre pacientes com TB, com a descrição frequente de redução do seu volume em 8 amostras de pacientes adolescentes, enquanto que, em adultos, os resultados ainda são conflitantes. Essa variação nos resultados obtidos em adultos pode ser justificada pelos efeitos neurotróficos de fármacos utilizados na estabilização do humor, pelas variações genéticas de cada indivíduo ou pelos aspectos relacionados ao neurodesenvolvimento. De fato, alguns estudos que utilizaram PET ou SPECT demonstraram anormalidades funcionais da amígdala – hipermetabolismo na fase depressiva em alguns estudos, versus hipometabolismo em outros, nas fases tanto de depressão quanto de mania26. Por outro lado, vários estudos que utilizaram RNMf e mediram resposta a estímulos emocionais positivos utilizando tarefas cognitivas sem valência emocional descreveram hiperatividade da amígdala apenas na fase de mania27. Os estudos de RNM que mediram o hipocampo encontraram resultados muito variáveis, o que pode ser explicado em parte por variações genéticas (carreamento do alelo Met, associado a menores volumes hipocampais), efeitos de tratamento (uso de lítio, associado a aumento do volume hipocampal) ou hormônios sexuais26. Entretanto, uma menor concentração de NAA no hipocampo de pacientes adultos eutímicos foi documentada em uma metanálise20. Por fim, a hiperatividade do giro para-hipocampal foi relatada em duas metanálises que utilizaram a RNMf 27. Cerebelo Estudos em geral demonstraram redução do volume do vérmis cerebelar28; porém, em relação ao volume dos hemisférios cerebelares, os resultados são controversos28,29. Nesse sentido, pesquisa realizada pelo nosso grupo que mediu o tamanho das diversas áreas do cerebelo em pacientes bipolares tipo I eutímicos mostrou perda volumétrica tanto do vérmis quanto dos hemisférios cerebelares30. Circuitos e modelos neuronais de regulação emocional Circuito pré-frontal ventrolateral Este circuito é constituído pelo córtex pré-frontal ventrolateral (CPFVL) (áreas 10 e 47 de Brodmann), o qual envia fibras para o striatum ventromedial (núcleo caudado ventromedial, putâmen ventral, núcleo accumbens e tubérculo olfatório), que, por sua vez, projeta-se ao globo pálido. Fibras palidais seguem para os núcleos ventroanterior e dorsomedial do tálamo, que se conecta novamente ao CPFVL. O córtex temporal anterior, que compreende as áreas 20 e 38 de Brodmann, mantém conexões recíprocas com o CPFVL e a amígdala31. O MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA1, AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA2, FABIANA NERY-FERNANDES3, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA4 Neurologista. Colaborador, Centro de Estudos de Transtornos do Humor e de Ansiedade (CETHA), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, UFBA, Salvador, BA. 2 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora adjunta, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 3 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 4 Psiquiatra. Coordenadora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora associada, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 1 Circuito pré-frontal ventromedial Este circuito é formado pela região pré-frontal ventromedial, definida pelas áreas corticais 11 e 12 de Brodmann, da qual partem fibras que seguem para o núcleo caudado ventromedial e striatum ventral. Dessas topografias partem projeções para os núcleos talâmicos ventroanterior, dorsomedial e ventrolateral, os quais fecham o circuito com vias talâmicas para o córtex ventromedial. Devem-se mencionar as projeções dessas áreas corticais também para o córtex entorrinal e amígdala. Vale lembrar que o córtex pré-frontal ventral está associado à modulação de comportamentos adaptativos e da autorregulação afetiva mediante contingências ambientais sociais e emocionais, e também participa da integração entre informações sensoriais do ambiente e estímulos internos (por exemplo, pensamentos e respostas fisiológicas), o que influencia a atividade de outras estruturas, tais como a amígdala e o hipotálamo, e, subsequentemente, as funções neurovegetativas e respostas emocionais. Circuito pré-frontal dorsolateral Este circuito é composto pelas áreas corticais 9, 10 e 46 de Brodmann, as quais abrangem parte da superfície lateral dos lobos frontais. Dessas regiões partem fibras para o núcleo caudado dorsolateral, que, por sua vez, envia fibras para o globo pálido dorsal, o qual se projeta para os núcleos ventroanterior, ventrolateral e dorsomedial do tálamo; vias talâmicas provenientes desses núcleos retornam ao circuito pré-frontal dorsolateral. Esse circuito está associado às funções executivas, que envolvem um sistema de diversas habilidades cognitivas que capacitam o indivíduo para a formulação de metas e planejamento de processos e estratégias e para a realização de ações ou comportamentos voluntários, autônomos (independentes), auto-organizados, eficazes e orientados a objetivos, especialmente no contexto de situações novas ou em circunstâncias que exigem ajustamento, adaptação ou flexibilidade do comportamento para as demandas ambientais. Apreende-se, então, que funções executivas designam um construto multidimensional, no qual os processos cognitivos caracterizam operações distintas, ainda que relacionadas. Circuito do cíngulo anterior O cíngulo anterior corresponde à maior parte das áreas 24, 25 e 32 de Brodmann. Essa área cortical mantém conexões com o striatum ventromedial, do qual seguem fibras para o globo pálido ventral e rostrolateral, que, por sua vez, envia projeções para o núcleo dorsomedial do tálamo; vias dessa topografia retornam ao cíngulo anterior e fecham o circuito. Funcionalmente, o córtex do cíngulo anterior é subdividido em cíngulo anterior ventral e dorsal: o primeiro inclui as porções rostrais das áreas 24 e 25 de Brodmann e está envolvido no processamento afetivo em termos de regulação das funções endócrinas e autonômicas e geração de comportamentos sociais apropriados, e também contribui para a resposta emocional global pela ativação de estados somáticos e viscerais relevantes para a experiência emocional; o segundo abrange as porções posteriores das áreas 24 e 32 de Brodmann e está envolvido na seleção de respostas a estímulos nociceptivos, no aprendizado associado à predição e prevenção à exposição ao estímulo nociceptivo, e também na atenção e orientação motora a estímulos externos. Compondo esses circuitos, o cerebelo recebe projeções corticais por meio de núcleos situados na base da ponte. As fibras dos núcleos pontinos decussam e seguem pelo pedúnculo cerebelar médio para alvos cerebelares específicos: enquanto o córtex motor se projeta para o cerebelo (região paravermiana) via núcleos pontinos laterais, áreas corticais associativas da região pré-frontal, parietal e temporal, bem como o cíngulo anterior, alcançam o cerebelo via núcleos pontinos mediais. Essas vias córtico-ponto-cerebelares apresentam organização topográfica: as fibras provenientes do córtex pré-frontal descem na porção mais anterior da cápsula interna e na porção mais medial do pedúnculo cerebral; as outras áreas corticais associativas enviam fibras que descem na porção mais posterior da cápsula interna e na porção mais lateral do pedúnculo cerebral; fibras do córtex motor primário apresentam um trajeto intermediário. O cerebelo, além de contribuir no componente motor, é responsável também pela modulação da duração, da intensidade e do perfil da resposta emocional e, dentro do contexto ambiental adequado, recepciona a informação proveniente de estruturas telencefálicas envolvidas no processamento cognitivo emocional e envia informação para sítios efetores (córtex motor, hipotálamo, substância cinzenta periaquedutal e núcleos de nervos cranianos) e sítios indutores (rede paralímbica ventral). Discussão Entre os modelos de circuitos neuronais em pacientes com TB relacionados aos processos de percepção e regulação emocionais propostos na literatura, destaca-se o do grupo de Mary Phillips32. Esse modelo preconiza a existência de dois sistemas neuronais: 1) um sistema ventral, composto por estruturas subcorticais (amígdala, striatum ventral) e corticais (ínsula, cíngulo anterior ventral e córtex pré-frontal ventral), e que estaria vinculado à identificação do significado emocional de um estímulo associado à geração de 9 ARTIGO DE REVISÃO MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA FABIANA NERY-FERNANDES ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA REVISÃO estados afetivos e regulação autonômica; e 2) um sistema dorsal, representado pelas regiões dorsais do cíngulo anterior e córtex pré-frontal, bem como pelo hipocampo, e que suportaria processos cognitivos como atenção seletiva, planejamento, monitorização do desempenho e regulação voluntária dos estados emocionais. A apreciação dos achados de neuroimagem permite corroborar a pertinência desse modelo, a partir de: identificação de disfunções em distintas áreas corticais e subcorticais (como já exposto, estruturas envolvidas no processamento e na regulação da emoção); aumento anormal da atividade da amígdala durante o desempenho de tarefas emocionais e não emocionais; diminuição anormal da atividade do CPFVL, do COF e da conectividade funcional entre a amígdala e córtex pré-frontal durante tarefas de regulação emocional. Ademais, nos estudos que envolvem paradigmas de recompensa (antecipação de recompensa), observa-se aumento anormal da atividade do striatum ventral, do CPFVL e do COF. Em relação aos circuitos e modelos neuronais da regulação emocional, Thompson, citado no trabalho de Phillips et al.32, definiu a regulação emocional da seguinte forma: “Emotion regulation consists of extrinsic and intrinsic processes responsible for monitoring, evaluating, and modifying emotional reactions, especially their intensive and temporal features, to accomplish one’s goals”32. Nesse contexto, o processamento normal de estímulos de valência emocional pode ser compreendido em etapas, de acordo com alguns autores31: -avaliação e identificação do estímulo emocional; -produção de estado afetivo específico em resposta ao estímulo, composto por respostas comportamentais, autonômicas e neuroendócrinas; -regulação do estado afetivo e do comportamento emocional – envolve modulação dos processos de avaliação/identificação bem como de produção de estados afetivos –, a qual resulta em adequação comportamental para o contexto. Essa modulação envolve processos tanto automáticos como controlados, os quais podem exercer efeitos em qualquer etapa do processamento emocional32. Assim, na atualidade, o grande desafio é desvendar quais estruturas e sistemas neuronais seriam responsáveis pela neuropatologia da doença bipolar, considerando suas diversas fases e manifestações clínicas. Agrega-se, ainda, como problema, a existência de subtipos de TB (tipo I, II), cujos limites e definições continuam sendo estudados e reavaliados. Outra questão relevante é a diversidade da metodologia empregada, com técnicas diversas e potencias diferentes de detecção de alterações neuronais teciduais, sejam elas estruturais ou funcionais. 10 Conclusão A aplicação dos diversos métodos de neuroimagem representa um aspecto chave na pesquisa do TB, sobretudo na identificação de biomarcadores que podem não somente proporcionar maior precisão diagnóstica (por exemplo, depressão bipolar versus depressão unipolar), como também quantificar o risco de desenvolvimento da doença e predizer estratégias de tratamento mais eficazes. Entretanto, os resultados das pesquisas ainda são escassos e controversos. Dessa forma, na atualidade, os estudos de imagem destinam-se apenas às pesquisas e ao processo de avaliação diagnóstica, a fim de afastar os transtornos relacionados a doenças clínicas, tais como tumores do SNC, doença de Alzheimer, neuroinfecções, doenças hereditárias como a doença de Wilson, entre outras. Assim, as técnicas de neuroimagem atuais são capazes de identificar mudanças estruturais e funcionais nos diversos transtornos mentais (comparação entre grupos), detectar circuitos neuronais e lesões localizadas. Mais ainda, as alterações funcionais parecem ter algum poder preditivo quanto à resposta ao tratamento farmacológico. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Marlos Fernando Vasconcelos Rocha, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, 3º andar, Serviço de Psiquiatria, Rua Augusto Vianna, s/ nº, Canela, CEP 40110-909, Salvador, BA. E-mail: [email protected] Referências 1. Pires AM. Doença bipolar. Do diagnóstico ao tratamento: evidência científica/aspectos atuais. Módulo 2 - Dados neuropsicológicos e imagiológicos na doença bipolar [Internet]. E-learning: Saúde Mental. 2006 [cited 2015 Jan 20]. http://www.saude-mental.net/images/ articles/500/DBP_M2_UT4_texto1.pdf 2. Gomes AR, Trzesniak C, Ferrari MCF. Psicoterapia comportamental realmente muda o cérebro? Uma análise crítica dos estudos de neuroimagem vigentes. Comport Foco. 2011;1:231-9. 3. Rocha ET, Alves TCT, Garrido GEJ, Buchpiguel CA, Nitrini R, Busatto Filho G. Novas técnicas de O MARLOS FERNANDO VASCONCELOS ROCHA1, AMANDA GALVÃO-DE ALMEIDA2, FABIANA NERY-FERNANDES3, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA4 Neurologista. Colaborador, Centro de Estudos de Transtornos do Humor e de Ansiedade (CETHA), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, UFBA, Salvador, BA. 2 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora adjunta, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 3 Psiquiatra. Colaboradora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 4 Psiquiatra. Coordenadora, CETHA, UFBA, Salvador, BA. Professora associada, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Faculdade de Medicina, UFBA, Salvador, BA. 1 neuroimagem em psiquiatria: qual o potencial de aplicações na prática clínica? Rev Bras Psiquiatr. 2001;23:58-60. 4. Shizukuishi T, Abe O, Aoki S. Diffusion tensor imaging analysis for psychiatric disorders. Magn Reson Med Sci. 2013;12:153-9. 5. Savitz JB, Rauch SL, Drevets WC. Clinical application of brain imaging for the diagnosis of mood disorders: the current state of play. Mol Psychiatry. 2013;18:528-39. 6. Soares JC, Mann JJ. The anatomy of mood disorders - review of structural neuroimaging studies. Biol Psychiatry. 1997;41:86-106. 7. Lyoo IK, Lee HK, Jung JH, Noam GG, Renshaw PF. White matter hyperintensities on magnetic resonance imaging of the brain in children with psychiatric disorders. Compr Psychiatry. 2002;43:361-8. 8. Wang F, Kalmar JH, Edmiston E, Chepenik LG, Bhagwagar Z, Spencer L, et al. 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O ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH ARTIGO ATUALIZAÇÕES DO TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA AN UPDATE ON THE PHARMACOLOGICAL TREATMENT OF GENERALIZED ANXIETY DISORDER Resumo O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é um transtorno crônico e prevalente, mas também um dos menos estudados entre os transtornos de ansiedade. Os antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (IRSN) são considerados medicamentos de primeira linha no tratamento de TAG, porém não são incomuns casos de refratariedade, intolerância ou a presença de contraindicações ao uso dessas subtâncias. Diversas substâncias, como a pregabalina e a quetiapina, surgem, então, como alternativas para o tratamento do TAG nesses casos, assim como para a substituição dos benzodiazepínicos como medicações adjuvantes aos antidepressivos. Palavras-chave: Transtorno de ansiedade generalizada, tratamento, ensaios clínicos. Abstract Generalized anxiety disorder (GAD) is a chronic and prevalent disorder, but also one of the least studied among anxiety disorders. Selective serotonin reuptake inhibitors (SSRI) and selective norepinephrine reuptake inhibitors (SNRI) are considered first-line drugs in the treatment of GAD, but refractory cases and the occurrence of intolerance and contraindications to these drugs are not uncommon. In this scenario, various substances, e.g., pregabalin and quetiapine, have emerged as alternatives for the treatment of TAG in these patients, as well as for replacing the use of benzodiazepines as adjunctive therapy to antidepressants. Keywords: Generalized anxiety disorder, treatment, clinical trials. 14 Introdução O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é uma condição clínica de curso crônico e flutuante, caracterizada por preocupação excessiva persistente associada a sintomas físicos e psíquicos de ansiedade, como cefaleia, dores musculares, palpitações, fadiga, irritabilidade, insônia e dificuldade de concentração1. Sua etiopatogenia é complexa e pouco estudada, sendo atribuída a fatores genéticos, ambientais e epigenéticos que promovem disfunções no circuito amígdala-córtex cingulado-córtex pré-frontal2,3. Os principais sistemas de neurotransmissores que desempenham papel etiopatogênico ou de modulação nas manifestações do TAG são os sistemas monoaminérgicos, através dos quais atuam os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), os inibidores seletivos da recaptação da noradrenalina (IRSN), os antidepressivos tricíclicos e a buspirona, e o sistema gabaérgico, através do qual atuam os benzodiazepínicos1. Recentemente, a importância do sistema glutamatérgico no TAG também tem sido estudada4. Tratamento farmacológico do TAG: o que há de novo? Medicações para monoterapia Até o momento, o tratamento farmacológico considerado de primeira linha para o TAG são os antidepressivos ISRS e IRSN1,5,6 . Tal escolha se deve ao fato de que essas classes de antidepressivos têm demonstrado eficácia em diversos ensaios clínicos de curto e longo prazo e apresentam perfil favorável de efeitos colaterais6 . A paroxetina, a sertralina e o escitalopram são os ISRS com maior número de estudos favoráveis para o tratamento do TAG1,6. Dos IRSN, a venla- O MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH Mestre em Psiquiatria, Programa de Pós-Graduação, Instituto de Psiquiatria (IPUB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Doutoranda, Programa de Pós-Graduação, IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, Laboratório de Pânico e Respiração (LabPR), IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. faxina foi mais amplamente estudada, mas a duloxetina também já apresenta eficácia comprovada1,6 . No entanto, os ensaios clínicos com ISRS e ISRN mostram médias em torno de 60 a 70% de resposta terapêutica, havendo, portanto, uma parcela significativa de pacientes não responsivos a essas medicações de primeira linha. Além disso, em pacientes que fazem uso prolongado de ISRS ou IRSN, a disfunção sexual e o embotamento afetivo se apresentam como limitações importantes6 . Por fim, casos de comorbidade com transtorno bipolar do humor são comuns (a prevalência da comorbidade é de 29,6% segundo o National Comorbidity Replication Study)7. Nesses casos, o uso de antidepressivos pode ser temerário. Portanto, apesar de os ISRS e IRSN se manterem como primeira linha para o tratamento do TAG, faz-se necessária a utilização de medicações alternativas, seja para os casos não responsivos ou intolerantes aos antidepressivos, seja para aqueles em que essa classe está contraindicada. A pregabalina é uma medicação anticonvulsivante que pode ser indicada para cumprir esse papel. Muito utilizada para o tratamento de quadros de dor crônica e fibromialgia, a pregabalina já está aprovada para o tratamento do TAG em países europeus7. Atua como ligante da unidade α2δ dos canais de cálcio em neurônios pré-sinápticos hiperexcitados, reduzindo, assim, a liberação de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato. Oito ensaios clínicos placebo-controlados de fase aguda demonstraram a eficácia da pregabalina em pacientes com TAG. Destes, dois estudos compararam essa medicação com lorazepam e placebo, e dois com venlafaxina e e placebo, sendo os demais apenas versus placebo, sem outra droga ativa. Em conjunto, esses estudos demonstram eficácia semelhante entre a pregabalina e a droga ativa, e superioridade em relação ao placebo7. De acordo com estudos de segurança e tolerabilidade, a pregabalina é uma droga bem tolerada na faixa de dose considerada terapêutica, de 150 a 600 mg/dia. Tontura e sonolência foram os efeitos colaterais mais comumente citados, mas a proporção de abandono de tratamento por intolerância em pacientes em uso de pregabalina foi equivalente à do grupo placebo8. Ganho de peso foi reportado em 4% dos casos7, e houve uso abusivo em um paciente com transtorno por uso de substâncias − mas este efeito pode ser considerado bastante inferior ao observado com benzodiazepínicos9,10. Outro anticonvulsivante que já foi testado para tratamento do TAG foi o valproato de sódio. Apenas um ensaio clínico controlado foi realizado, mostrando eficácia superior ao placebo em 6 semanas de tratamento11. Ainda não há aprovação para o uso dessa medicação em pacientes com TAG sem comorbidades, mas o valproato de sódio já é uma opção medicamentosa para os pacientes que apresentam comorbidade com transtorno bipolar do humor, com mais sintomas como irritabilidade, impulsividade e inquietação psicomotora e, portanto, menor tolerância aos antidepressivos12. A quetiapina de liberação prolongada, um antipsicótico atípico, também ainda não foi aprovada para uso no TAG, porém oito ensaios clínicos de fase aguda já demonstraram sua eficácia em comparação ao placebo em monoterapia13-16 . Essa substância pode, assim, ser considerada em casos refratários ou intolerantes às medicações de primeira linha. As dosagens utilizadas para o TAG são inferiores àquelas utilizadas para efeito antipsicótico (100-200 mg/dia)13-16 . A principal limitação ao uso da quetiapina é o risco elevado de ganho de peso e desenvolvimento de síndrome metabólica1,13. Tontura e sedação são outros efeitos colaterais, por vezes limitantes6 . Novos antidepressivos também vêm sendo testados para utilização no TAG, como a agomelatina e a vortioxetina. A agomelatina é um antidepressivo agonista melatoninérgico e antagonista do receptor serotoninérgico 5HT2c ainda pouco estudado para o tratamento do TAG. Inicialmente, o efeito ansiolítico da agomelatina foi observado como desfecho secundário nos estudos para o tratamento da depressão maior17. Esses achados motivaram a realização de estudos com agomelatina em pacientes com transtornos de ansiedade. No caso do TAG, um ensaio clínico controlado mostrou eficácia dessa medicação no curto prazo (8 semanas)18, e um estudo de longo prazo mostrou redução de 42% no risco de recaída dos sintomas19. O efeito ansiolítico da agomelatina pode se dever tanto ao antagonismo 5HT2c quanto à melhora do padrão de sono e regularização do ciclo sono-vigília20. A vortioxetina, por sua vez, é um antidepressivo multimodal, com ação inibidora da recaptação da serotonina, agonista do receptor 5HT1a, antagonistas 5HT3 e 5HT7 e agonista parcial 5HT1b, aprovado em países europeus e nos Estados Unidos para uso na depressão maior. Apresentou eficácia ansiolítica em estudos pré-clínicos e tem sido avaliada para o tratamento de pacientes com TAG. Até o momento, dois ensaios clínicos foram realizados. No estudo de Bidzan et al., a vortioxetina apresentou eficácia superior ao placebo na dose de 5 mg/dia21. Já no estudo de Mahableshwarkar et al., 15 ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH ela não se diferenciou do placebo nas doses de 2,5 mg/dia e 10 mg/dia22. Essa medicação ainda não está disponível para uso no Brasil. O sistema glutamatérgico ainda não representa um alvo terapêutico importante no arsenal atual das medicações ansiolíticas. No entanto, o glutamato é um mediador da aquisição e extinção de medo, e os antagonistas dos receptores glutamatérgicos NMDA e AMPA e moduladores alostéricos dos receptores mGlu se mostraram eficazes para o tratamento da ansiedade em estudos com animais4. Estudos com humanos ainda estão em desenvolvimento e precisam ser concluídos para que essas substâncias possam ser empregadas no tratamento de transtornos de ansiedade como o TAG. Medicações adjuvantes Em muitos casos, uma única medicação não é suficiente para a remissão dos sintomas do TAG ou para abarcar todas as diferentes manifestações sintomáticas de um determinado paciente. Nesses casos, faz-se necessária a associação de uma segunda droga ao esquema terapêutico1. As medicações mais utilizadas em associação aos antidepressivos são os benzodiazepínicos, como o clonazepam, o diazepam, o alprazolam e o lorazepam. Esses medicamentos são interessantes porque são eficazes no tratamento dos sintomas físicos de ansiedade e também da insônia, muito comum nesses pacientes. Além disso, apresentarem ação imediata1. Há, no entanto, limitações importantes ao uso dos benzodiazepínicos, como a possibilidade de desenvolvimento de tolerância e o risco de abuso e dependência, este último principalmente em pacientes com história de dependência química ou transtorno de personalidade1. Além disso, pacientes idosos ou com doenças pulmonares, como doença pulmonar obstrutiva crônica, apresentam contraindicação relativa ao uso de benzodiazepínicos. Como alternativa aos benzodiazepínicos no tratamento adjuvante do TAG, as medicações mais estudadas são a buspirona e a quetiapina de liberação prolongada1,13. A buspirona, apesar de ter sido avaliada para o TAG em diversos estudos e ter perfil favorável de efeitos colaterais, apresenta, de forma geral, baixo tamanho de efeito1,6 . A quetiapina de liberação prolongada, por sua vez, mostrou eficácia em dois ensaios clínicos controlados em associação a ISRS ou IRSN, porém também com baixo tamanho de efeito e efeitos cola- 16 ARTIGO terais mais significativos, como o desenvolvimento de síndrome metabólica1,13. A risperidona e a olanzapina também já demonstraram eficácia no tratamento adjuvante do TAG, porém o perfil de efeitos colaterais tende a ser ainda mais desfavorável do que o da quetiapina de liberação prolongada1,13. Um ensaio clínico avaliou a eficácia da pregabalina associada a ISRS ou IRSN em pacientes com TAG, com resultado positivo23. Estudos de longo prazo e prevenção de recaídas O TAG é um transtorno de curso crônico e flutuante, de modo que o momento ideal para a interrupção da farmacoterapia se torna uma questão de extrema importância. Seis estudos de longo prazo já foram realizados com venlafaxina, duloxetina, escitalopram, paroxetina, agomelatina e pregabalina para avaliar se a manutenção da medicação é superior ao placebo na prevenção de recaídas. Os resultados mostram que há benefício na manutenção do tratamento por, no mínimo, 6 meses, sendo, entretanto, recomendada por muitos autores a manutenção por 12 meses1,5,6 . Conclusões Concluímos, então, que a pregabalina e é a principal opção ao tratamento com antidepressivos para o TAG nos casos não responsivos, intolerantes ou que apresentam alguma contraindicação ao uso dessas medicações. A quetiapina de liberação prolongada também surge como alternativa para esses casos, em uso off label. Quando a indicação for de associação aos antidepressivos, os benzodiazepínicos ainda são os mais utilizados, podendo-se optar pela buspirona, pregabalina ou quetiapina quando se deseja evitar o uso de benzodiazepínicos por contraindicação clínica ou risco aumentado de abuso e dependência. A duração recomendada do tratamento é de, ao menos, 6 meses. Mais estudos com novas medicações, como a agomelatina e a vortioxetina, são necessários, assim como com substâncias glutamatérgicas, estas ainda não utilizadas para o tratamento do TAG, porém com significativo potencial ansiolítico. Por fim, é importante acrescentar que o tratamento do TAG não deve se restringir ao tratamento farmacológico, sendo a abordagem psicoterápica também fundamental para o manejo desse transtorno crônico1. MARINA DYSKANT MOCHCOVITCH O Mestre em Psiquiatria, Programa de Pós-Graduação, Instituto de Psiquiatria (IPUB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Doutoranda, Programa de Pós-Graduação, IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Pesquisadora, Laboratório de Pânico e Respiração (LabPR), IPUB, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. A autora informa não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Marina Dyskant Mochcovitch, Av. Ataulfo de Paiva, 1079/608, Leblon, CEP 22440-034, Rio de Janeiro, RJ. Tel: (21) 2540.8820. E-mail: [email protected] 10. 11. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bandelow B, Lichte T, Rudolf S, Wiltink J, Beutel ME. The diagnosis of and treatment recommendations for anxiety disorders. Dtsch Arztebl Int. 2014;111:473-80. Leonardo ED, Hen R. Anxiety as a developmental disorder. Neuropsychopharmacology. 2008;33:134-40. Mochcovitch MD, da Rocha Freire RC, Garcia RF, Nardi AE. A systematic review of fMRI studies in generalized anxiety disorder: evaluating its neural and cognitive basis. J Affect Disord. 2014;167:336-42. 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Essas ações podem ser feitas via e-mail, salas de bate-papo, telefones celulares, mensagens instantâneas, cabines de votação online. As evidências indicam que 20-40% dos adolescentes terão pelo menos uma experiência com cyberbullying e que o número de cybervítimas está aumentando. O principal dano causado pelo cyberbullying é o de prejudicar a reputação da vítima, com repercussões que podem ser ainda maiores do que aquelas observadas no bullying tradicional. A vitimização relacionada ao cyberbullying está associada a problemas sociais e de comportamento, incluindo sintomatologia depressiva, abuso de substâncias psicoativas, tentativas de suicídio e suicídio, constituindo-se assim em problemas significativos para a saúde mental dos adolescentes. Palavras-chave: Internet, adolescente, violência, saúde mental. Abstract Cyberbullying has been described as one or more individuals using electronic means with the intent to harm, inflict injury or discomfort, cause fear or a feeling of despair in the individual who is the target of aggression. These actions may be done by e-mail, chat rooms, cell phones, instant messaging, online polling booths. Evidence indicates that 20-40% of adolescents will have at least one cyberbullying experience and the number of cybervictims is increasing. The main problem caused by cyberbullying is damage to the victim’s re- 20 putation, with repercussions that may be even greater than those observed in traditional bullying. Victimization related to cyberbullying is associated with social and behavioral problems, including depressive symptoms, psychoactive substance abuse, suicide attempts, and suicide, and can be considered a significant mental health problem among adolescents. Keywords: Internet, adolescent, violence, mental health. Introdução O acesso aos meios de comunicação eletrônica, como a Internet e o uso de mensagens de texto, influenciou a interação social entre os adolescentes na última década. Um em cada três adolescentes prefere a comunicação eletrônica à comunicação face a face para falar sobre tópicos como amor, sexo e outros assuntos sobre os quais eles sentem vergonha de falar 1. Porque a comunicação online é tão atraente para os adolescentes? Uma explicação plausível, apoiada em vários estudos, considera que a comunicação online aumenta a sensação de controle sobre a maneira como os adolescentes querem se apresentar e fazer revelações a respeito de si mesmos. O maior controle dessa situação cria, por sua vez, um senso de segurança nos adolescentes, permitindo que eles se sintam mais livres em suas interações interpessoais online em comparação com situações face a face 2,3 . As características desse tipo de comunicação facilitariam, assim, a superação de ansiedades sociais e, consequentemente, uma maior liberdade de expressão e a formação de novas amizades (Figura 1). SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2, BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3 O Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 1 Pode levar à perda do senso de individualidade e responsabilidade pessoal. COMUNICAÇÃO ONLINE Pode facilitar a interação com desconhecidos e o surgimento potencial de riscos associados. Pode facilitar a autopreservação e autorrevelação dos adolescentes. Resultado: oportunidades para aprovação e aceitação social. Permite que adaptem informações de forma a torná-las ofensivas e/ou dolorosas para um alvo ou vítima online. ANONIMATO Características definidoras ACESSIBILIDADE ASSINCRONICIDADE Permite que adolescentes façam mudanças e reflitam sobre o que escreveram antes de enviar suas mensagens. Pode facilitar a comunicação e o compartilhamento de ideias entre pessoas que pensam de forma similar. Figura 1 - Características da comunicação online. A alta proporção de adolescentes no Brasil que usa o Facebook (61%) e o Orkut (39%) confirma a relevância dessa mídia no contexto social4. Entretanto, o cyberbullying, uma nova forma de violência expressa pelos meios de comunicação eletrônica, tem preocupado pais, educadores e pesquisadores em virtude dos seus efeitos na saúde mental dos adolescentes. O cyberbullying ocorre quando um ou mais indivíduos utilizam os meios eletrônicos com a intenção de agredir, infligir injúria ou desconforto em outro indivíduo. Essas ações podem ser feitas via e-mail, salas de bate-papo, telefones celulares, mensagens instantâneas, cabines de votação online, etc., com a intenção de humilhar, causar medo ou sensação de desespero no indivíduo que é alvo das agressões5,6 . O cyberbullying pode alcançar uma grande audiência, considerando que essas agressões ocorrem no espaço virtual, com direito a livre expressão, e ficam registradas; são grandes as dificuldades para a vítima de “se ver livre do agressor” e bloquear os sites com as publicações. Adicionalmente, cyberbullies são difíceis de identificar e rastrear e, por essa razão, não têm medo das consequências de seus atos, já que podem não responder por essas agressões, o que aumenta a sensação de impunidade. As evidências indicam que 2040% dos adolescentes terão pelo menos uma experiência com cyberbullying ao longo da vida e que o número das cybervítimas está aumentando7. O principal dano causado pelo cyberbullying é o de prejudicar a reputação da vítima, com repercussões que podem ser ainda maiores do que aquelas observadas no bullying tradicional. A vitimização relacionada ao cyberbullying associa-se a problemas sociais e de comportamento, incluindo sintomatologia depressiva, abuso de substâncias, tentativas de suicídio e suicídio, constituindo-se assim em problemas significativos para a saúde dos adolescentes6,8. Comunicação online e desenvolvimento psicossocial dos adolescentes A comunicação eletrônica, para a maioria dos adolescentes, faz parte do comportamento pró-social que visa desenvolver e manter redes de amizade e relacionamentos afetivos. Nessas interações, eles aprendem a se apresentar aos outros e ajustam sua autoapresentação de acordo com as reações dos outros2. O senso de intimidade desenvolvido nos relacionamentos permite a autoapresentação e os “ajustes”. A partir do feedback que recebem, os adolescentes podem ensaiar e validar suas identidades sociais e, eventualmente, integrá-las ao self (eu). Apresentar características de si mesmo para os outros e revelar aspectos íntimos faz parte da interação e do desenvolvimento psicossocial dos adolescentes. A autorrevelação não só os ajuda a validar a adequação de suas cognições, emoções e comportamentos, mas também desperta amizades de apoio e a formação de relacionamentos românticos baseados na reciprocidade9. Autoapresentação e autorrevelação são habilidades inter-relacionadas que precisam ser aprendidas, praticadas e ensaiadas na adolescência, e ambas são vitais para o desenvolvimento da identidade, intimidade e sexualidade. Tradicionalmente, os adolescentes aprendem a ensaiar a autoapresentação e a autorrevelação durante a comunicação face a face, muitas vezes com os colegas e amigos íntimos. No entanto, vários estudos sugerem que a autoapresentação e a autorrevelação acontecem, cada vez mais, por intermédio da Internet10,11. Perfil e uso da Internet por crianças e adolescen Z Geração Z é a denominação sociológica dada às pessoas nascidas na década de 1990 até os anos de 2010, também chamadas de nativos digitais. Essa geração se caracteriza pela multiplicidade de tarefas: são capazes de estudar enquanto ouvem música ou assistem à televisão, acessam redes sociais, falam ao celular, buscam informações na Internet, mandam mensagens instantâneas, entre outras atividades, de forma simultânea12. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011, a posse de celular entre tes brasileiros: nativos digitais ou geração 21 ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO ARTIGO SARA MOTA BORGES BOTTINO ROMAYNE MIRELLE SANTOS BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS CAROLINE GOMEZ REGINA brasileiros com 10 anos de idade ou mais cresceu de 36,6% em 2005 para 69,1% em 2011, e o número de usuários da Internet cresceu de 32 milhões em 2005 para 78 milhões, traduzindo um aumento de 20,9 para 46,5% da população13 (Figura 2). 68 milhões 78 milhões 56 milhões 32 milhões Figura 2 - Crescimento do número de internautas brasileiros com 10 anos ou mais. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 201113. O Brasil também é recordista em número de usuários residenciais de Internet: o número de horas gastas mensalmente em conexões residenciais é de 23 horas e 28 minutos, aproximando o Brasil de países como o Japão (21 horas e 34 minutos), França (20 horas e 23 minutos) e EUA (19 horas e 46 minutos)14. Em 2013, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) conduziu um inquérito domiciliar em cinco regiões geográficas brasileiras (zonas urbanas e rurais) com amostras representativas de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos (n = 2.002)15. Observou-se que 64% dos adolescentes que utilizavam a Internet acessavamna todos os dias, 26% uma vez por semana, e 9% acessavam a Internet uma vez ou menos por semana (Figura 3). Figura 3 - Frequência de uso da Internet por adolescentes nos últimos 3 meses. Fonte: Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 201315. 22 Em relação ao monitoramento do uso da Internet pelos adolescentes, 54% relataram ter algum acompanhamento dos pais, enquanto 46% não apresentavam nenhuma forma de controle14. A porcentagem de pais que fica por perto quando os adolescentes usam a Internet é de 43%, sendo que 28% deles conferem o histórico das páginas visitadas pelos adolescentes. Esse controle dos pais diminui com o avanço da idade dos adolescentes e é menor nas classes D/E: 58% dos adolescentes da classe A/B recebem algum tipo de controle sobre o que fazem na Internet, comparados a 53% dos entrevistados da classe C e a 43% dos adolescentes da classe D/E14. Metade dos adolescentes nega a utilização de ferramentas para o bloqueio de informações, permitindo, assim, que suas postagens possam ser visualizadas por qualquer pessoa. Quanto ao bloqueio de pessoas nas redes sociais, 51% dos adolescentes afirmam já ter recorrido a essa ferramenta pelos seguintes motivos: não gostava da pessoa (40%), para evitar o acesso à informação (30%), não gostou do que foi postado (29%), não conhecia a pessoa (24%) e sentiu-se ameaçado (4%). A porcentagem de adolescentes que conhecem pessoas na Internet é de 39%. Entre os adolescentes entrevistados que utilizam as redes sociais, 21% adicionam pessoas desconhecidas16 . Abusos da comunicação online: cyberbullying Os primeiros estudos sobre cyberbullying verificaram se os três critérios propostos por Olweus17 para o bullying tradicional (intencionalidade, repetição e desequilíbrio de força ou poder) também se aplicavam ao cyberbullying18. A seguir apresentaremos os resultados de pesquisas recentes. Intencionalidade Pesquisas qualitativas realizadas com adolescentes e jovens consideram que é necessário que o perpetrador tenha a intenção de prejudicar, causar mal ou algum tipo de dano à outra pessoa para que o ato seja considerado como cyberbullying18. Por essa razão, a maioria das definições de cyberbullying considera que o comportamento é hostil e intencional. Repetição Esse critério é bastante discutido na literatura, considerando que, no contexto virtual, um único ato agressivo pode levar a um imenso número de repetições da vitimização sem a O SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2, BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3 Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 1 contribuição do perpetrador. Alguns autores consideram que esse critério pode ser menos confiável, enquanto outros consideram que tanto a repetição como a intenção são elementos cruciais para a classificação e caracterização do cyberbullying, e que, caso fossem excluídos, poderiam comprometer a forma como o conceito é interpretado6,19. Outros autores apontam ainda para uma diferença importante entre o bullying e o cyberbullying, relacionada às dificuldades para supervisionar o espaço virtual e as mensagens enviadas, além das competências dos pais para usar as ferramentas eletrônicas da mesma forma que os adolescentes. Somado a isso, é importante mencionar que boa parte dessas comunicações é feita nos próprios quartos dos filhos, onde os adultos nem sempre supervisionam suas atividades20. Desequilíbrio de força ou poder Esse critério descreve que uma pessoa com mais força atinge, de alguma forma, outra pessoa com menos força. Entretanto, esse desbalanço de forças não se refere necessariamente a força física ou poder entre o agressor e a vítima, mas de um relacionamento violento entre uma pessoa que tem mais poder e outra que não consegue se defender. Os perpetradores desse tipo de violência virtual não são necessariamente mais fortes, podendo inclusive ser anônimos, e as vítimas podem ou não conhecer o agressor. Em estudo recente, apenas metade das vítimas de cyberbullying conhecia os agressores19. Os agressores podem desconhecer o sofrimento que estão causando, porque não veem as reações emocionais das vítimas, como, por exemplo, as crises de choro. As cybervítimas, por sua vez, podem não revelar as agressões que estão sofrendo porque têm receio de que seus pais retirem seu acesso à Internet, computadores ou telefones celulares e, consequentemente, fiquem socialmente isolados do contato virtual com os seus amigos. Para Menesini et al.18, o que melhor caracteriza o desequilíbrio de forças é a sensação de impotência para a vítima e suas dificuldades em se defender. A definição de desequilíbrio de forças para esses autores é apoiada principalmente nas consequências para as vítimas. Dois critérios adicionais específicos foram propostos para o cyberbullying: o anonimato e o público versus privado21. Anonimato O anonimato do agressor é uma característica única do cyberbullying e que, segundo alguns autores, aumenta os sentimentos negativos na vítima, como impotência, insegurança e medo. Entretanto, as repercussões na vítima podem ser ainda maiores quando o cyberbullying é realizado por algum amigo ou alguém que ele conhece5,6 . Público versus privado Os adolescentes consideram o ataque mais grave quando uma imagem constrangedora é enviada para uma página na Internet e se torna pública, em função do grande potencial de audiência quando comparada ao envio de outras formas de agressão online (mensagens, ameaças, boatos, etc.)5. Os estudos identificam diferentes tipos de cyberbullying, de acordo com a natureza secreta ou aberta dos atos, com os dispositivos eletrônicos utilizados (ou seja, os meios utilizados para intimidar os outros) e, ainda, de acordo com comportamentos específicos. Nocentini et al.21, utilizando uma lista de comportamentos, propôs uma classificação do cyberbullying de acordo com a natureza dos ataques (Figura 4). CYBERBULLYING Escrito-verbal Representação Visual Ameaças Invadir perfil ou conta online de outra pessoa para prejudicá-la Enviar fotos ou vídeos de alguém em situação comprometedora Rumores Piadas Ofensas Ligações telefônicas Usar/roubar identidade para expor informações pessoais Realizar montagem constrangedora de fotos e vídeos sobre alguém e mostrar/enviar para outras pessoas Exclusão Excluir alguém de um grupo ou conversa online sem motivo aparente Deixar de responder propositalmente a alguém em uma conversa online E-mail Mensagens de texto Mensagens instantâneas Redes sociais Figura 4 - Tipos de cyberbullying de acordo com a natureza dos ataques. Adaptado de Nocentini et al.21. 23 ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO SARA MOTA BORGES BOTTINO ROMAYNE MIRELLE SANTOS BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS CAROLINE GOMEZ REGINA Prevalência e fatores associados ao cyberbullying Na revisão sistemática realizada pelos autores para avaliar a associação entre o cyberbullying e problemas de saúde mental entre adolescentes com idades entre 10 e 17 anos, a prevalência do cyberbullying variou entre 6,5 e 35,4%. Histórico de experiências prévias ou atuais de bullying tradicional associou-se ao cyberbullying tanto entre vítimas (cybervítimas) quanto entre agressores (cyberbullies). Os fatores de risco para cybervitimização foram os seguintes: idade entre 10 e 12 anos, uso diário de 3 ou mais horas de Internet, uso de mensagens instantâneas, postagem de informações pessoais, utilização de webcam e prática de assédio online8. Os seguintes fatores associaramse aos cyberbullies: dores de cabeça, níveis elevados de dificuldades percebidas, não se sentirem seguros na escola e não se sentirem cuidados pelos professores, problemas de conduta, hiperatividade, tabagismo, embriaguez frequente e comportamento pró-social reduzido. Finalmente, todos esses fatores de risco mencionados estavam presentes naqueles que relataram experiências como cyberbullies e cybervítimas. Repercussões do cyberbullying na saúde mental dos adolescentes As respostas emocionais dos adolescentes a um incidente de cyberbullying variam na intensidade e na qualidade da emoção. Entretanto, o impacto emocional é prejudicial para a maioria das vítimas, que experimentam várias emoções negativas ao mesmo tempo. A raiva foi a emoção mais relatada por adolescentes da Inglaterra, Itália e Espanha no estudo multicêntrico que avaliou o impacto emocional de diferentes formas de cyberbullying22. Situações como “postaram coisas a meu respeito que eu não queria que ninguém soubesse” prejudicam a reputação da vítima, humilham-na publicamente ou danificam suas amizades e status social em uma fase da vida em que o grupo social desempenha um papel importante na formação da identidade. A raiva é considerada uma reação à violação da autonomia e ao desrespeito aos direitos e liberdades do indivíduo, e serve para facilitar uma resposta vigorosa quando uma ação tem impacto negativo sobre o self – é, portanto, uma reação considerada saudável. Nesse mesmo estudo, 20-30% dos adolescentes não se importaram com os incidentes, e 5,9% foram considerados vítimas fortemente afetadas porque apresentaram várias emoções negativas ao mesmo tempo, como raiva, estresse, preocupação, medo e, principalmente, “se sentiam deprimidos”22. 24 ARTIGO Adolescentes que relataram experiências com cyberbullying, quando comparadas com outras formas de bullying, apresentaram sintomatologia depressiva mais grave, principalmente aqueles que sofreram ataques frequentes (duas ou mais vezes no mês)23. Em vários estudos, o risco de cybervitimização é maior entre aqueles que sofreram bullying tradicional, sugerindo uma continuidade e sobreposição entre o cyberbullying e o bullying escolar. O espaço virtual poderia ser considerado uma extensão do ambiente escolar para as agressões ocorrerem. Tanto os cyberbullies como as cybervítimas relataram mais experiências com bullying escolar, tanto como bullies como também como vítimas de bullying escolar. As cybervítimas podem sofrer ataques anônimos e ter suas fotos com montagens visualizadas de forma instantânea nas redes sociais. Os estudos ressaltam que algumas características das agressões online, como agressões realizadas de forma anônima por adulto do mesmo sexo ou do sexo oposto e agressões realizadas por uma pessoa desconhecida ou por um grupo de pessoas desconhecidas, associam-se ao aumento da sensação de medo e insegurança entre as vítimas. Situações de agressão online ocorrem ou são passíveis de ocorrer durante todo o dia, na própria casa das vítimas, um ambiente considerado seguro. A maioria dos adolescentes não conta o incidente para os adultos, e a principal razão relatada por eles para essa atitude é: “porque precisam aprender a lidar com seus problemas por si mesmos” (50%), além de terem receio de que os pais restrinjam seu acesso à Internet (31%) e de que fiquem socialmente isolados5. Os sentimentos de desamparo e impotência para se defender do ataque podem aumentar a sensação de medo e sofrimento emocional, assim como o surgimento da sintomatologia depressiva. Os resultados dos estudos sobre a associação entre bullying, cyberbullying e sintomatologia depressiva sugerem que esses fenômenos ocorrem de forma bidirecional. Adolescentes que apresentavam sintomatologia depressiva mais grave tinham três vezes mais chances de relatar cyberbullying do que aqueles com sintomatologia leve ou ausente8. As alterações cognitivas e o humor depressivo podem alterar a percepção, o que, somado à ausência de pistas sociais, como volume e tom de voz nas comunicações online, resultam em interpretações negativas por parte dos adolescentes deprimidos, que podem ser mais propensos a perceber uma situação como ameaçadora. SARA MOTA BORGES BOTTINO1, ROMAYNE MIRELLE SANTOS2, BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS2, CAROLINE GOMEZ REGINA3 O Médica assistente, Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP. 2 Acadêmica de Enfermagem (2º ano), Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 3 Acadêmica de Medicina (3º ano), Escola Paulista de Medicina e Escola Paulista de Enfermagem, UNIFESP, São Paulo, SP. 1 Além dos sintomas depressivos, o cyberbullying pode apresentar desfechos ainda mais devastadores para a saúde mental dos adolescentes, como o abuso de substâncias e o aumento da ideação suicida e das tentativas de suicídio24. O estudo de Hinduja & Patching demonstrou que tanto vítimas como ofensores apresentam até duas vezes mais chances de realizar tentativas de suicídio quando comparados com adolescentes que não estiveram envolvidos com cyberbullying25. A experiência com cyberbullying em si mesma não induz ao suicídio, porém os adolescentes que sofrem cyberbullying podem experimentar estados psicológicos negativos decorrentes das ações do cyberbullying e usar o álcool ou outras drogas como um meio de lidar com afetos negativos – uma explicação que está de acordo com pesquisas sobre a etiologia do consumo de substâncias na adolescência. O abuso de substâncias pode ainda contribuir para a habituação à dor física e à ansiedade psicológica associadas com a automutilação. Especificamente, o abuso de substâncias pode encorajar adolescentes com ideação suicida, incentivando comportamentos de automutilação, diminuindo a inibição e exacerbando humores negativos preexistentes26 . O modelo apresentado na Figura 5 ilustra como o uso de drogas e o comportamento violento medeiam a relação entre o cyberbullying, o bullying físico e os comportamentos suicidas em adolescentes24. Psiquiatria, com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão, desenvolvem um programa intitulado Prevenção da Violência nos Meios de Comunicação Eletrônica entre Adolescentes da Rede Pública de São Paulo. Esse projeto de prevenção do cyberbullying promove grupos de discussão com os adolescentes, enfatizando a importância do uso das mídias eletrônicas para o conhecimento e também para a interação social, assegurando as vantagens e a importância do uso crítico e consciente dessas mídias, prevenindo o “abuso” que caracteriza a violência. Para isso, são discutidas as proporções que as agressões online alcançam e suas repercussões negativas, mesmo quando não houve intenção do autor. Os riscos da exposição pessoal indiscriminada também são discutidos com os adolescentes, bem como o potencial de audiência que tais mídias detêm, considerando que o espaço virtual é de livre expressão e que as publicações ficam registradas e são passíveis de serem acessadas por um grande contingente de pessoas, além das dificuldades para retirar essas publicações dos sites. Essas estratégias de prevenção pretendem que os adolescentes possam reavaliar a forma como utilizam essas mídias, suas atitudes e comportamentos relacionados à publicação online (fotos, vídeos e textos)26-28. em escolas Conclusões A comunicação online se tornou uma peça central na vida social dos adolescentes, oferecendo muitas oportunidades para o desenvolvimento psicossocial e a construção de relacionamentos íntimos. Entretanto, podem ocorrer situações de violência nessas interações, como o cyberbullying. Estratégias de prevenção devem ser promovidas para melhorar as habilidades interpessoais dos jovens que escolhem se comunicar por meio de ferramentas online, de forma que evitem comportamentos de risco na Internet, como postar informações pessoais, enviar fotos pessoais e utilizar webcam com estranhos, práticas que podem aumentar o potencial de incidentes do tipo cyberbullying. Os pais, os educadores e os profissionais de saúde necessitam conhecer os riscos da comunicação online e promover discussões sobre o tema, auxiliando os adolescentes a encontrar formas efetivas de lidar com esses incidentes. São Paulo Desde o ano passado, estudantes de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que participam da Liga Acadêmica de Prevenção e Intervenção à Violência (LAPIV), do Departamento de Agradecimentos Ao Departamento de Psiquiatria e à Pró-Reitoria de Extensão da UNIFESP, pelo apoio e incentivo à realização do trabalho, e aos alunos da LAPIV, pela participação no modelo Cyberbullying Conduta suicida Uso de substâncias Conduta violenta Cyberbullying Conduta suicida Figura 5 - Relação entre uso de drogas, comportamento violento, cyberbullying, bullying físico e comportamentos suicidas em adolescentes. Adaptado de Litwiller & Brausch24. Modelos de prevenção experiência dos alunos da do cyberbullying UNIFESP e a públicas de 25 ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO SARA MOTA BORGES BOTTINO ROMAYNE MIRELLE SANTOS BEATRIZ DE CASTILHO MARTINS CAROLINE GOMEZ REGINA de prevenção do cyberbullying entre adolescentes da rede pública de São Paulo. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Sara Mota Borges Bottino, Rua Capote Valente, 432, cj 62, CEP 05409-001, São Paulo, SP. Tel.: (11) 3898.0580. E-mail: [email protected] Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 26 Schouten AP, Valkenburg PM, Peter J. Precursors and underlying processes of adolescents’ online self-disclosure: developing and testing an “Internet attribute-perception” model. Media Psychol. 2007;10:292-315. Valkenburg PM, Peter J. Online communication among adolescents: an integrated model of its attraction, opportunities, and risks. J Adolesc Health. 2011;48:121-7. Valkenburg PM, Peter J. Social consequences of the internet for adolescents: a decade of research. Curr Dir Psychol Sci. 2009;18:1-5. Comitê Gestor da Internet no Brasil. TIC domicílios e empresas 2011 [Internet]. 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ZIMPEL BRUNO PAZ MOSQUEIRO NEUSA SICA DA ROCHA ARTIGO ESPIRITUALIDADE COMO MECANISMO DE COPING EM TRANSTORNOS MENTAIS SPIRITUALITY AS A COPING MECHANISM IN MENTAL DISORDERS Resumo Há um crescente interesse no estudo das relações entre espiritualidade e saúde. Estudos empíricos destacam o papel protetor da espiritualidade na prevenção de depressão, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do risco de suicídio, promoção de bem-estar e qualidade de vida, além de resiliência em situações de adversidade, traumas e estresse agudo ou crônico. No entanto, mais estudos são necessários para que se possa entender como ocorre a associação entre espiritualidade e saúde em diferentes contextos clínicos e, assim, contribuir para o avanço do entendimento desse tema complexo. Palavras-chave: Espiritualidade, enfrentamento, saúde, transtornos mentais. Abstract There has been a growing interest in the study of the relationships between spirituality and health. Empirical studies have highlighted the protective role of spirituality in preventing depression, anxiety disorders, substance use, decreasing suicide risk, promoting well-being and quality of life, in addition to resilience in cases of adverse events, trauma, and acute or chronic stress. However, more studies are needed to better understand the relationship between spirituality and health in different clinical settings, and thus contribute to advance the understanding of this complex topic. Keywords: Spirituality, coping, health, mental disorders. Introdução A partir das últimas décadas do século XX, aumentou o interesse em compreender as relações entre espiritualidade/religiosidade e saúde1. Desde então, houve um aumento 28 considerável de publicações científicas indicando associação entre essas variáveis. O número de publicações sobre o tema nesse início do século XXI já superou o total de materiais publicados em todo o século XX 2. Espiritualidade e religiosidade são conceitos afins, mas que não se sobrepõem completamente. Koenig salienta a relação dos termos com a busca do sagrado, definindo como religiosidade quando essa busca ocorre em um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos delineados para facilitar a proximidade com o sagrado e o transcendente (Deus ou Ser Superior). Já o termo espiritualidade, segundo o mesmo autor, caracteriza-se como uma busca pessoal para questões existenciais, significado da vida e relação com o sagrado ou transcendente – busca esta que pode (ou não) levar ao desenvolvimento de rituais religiosos e à formação de uma comunidade2. No entanto, muitos artigos usam a palavra espiritualidade englobando os dois conceitos, para facilitar ao leitor – critério que também será adotado doravante neste texto. Diferentes variáveis têm sido utilizadas para estudar a espiritualidade, como afiliação religiosa, prática de ritos, oração, entre outras. Essas variáveis indicam o peso que a dimensão espiritual ocupa na vida da pessoa e possibilitam que o rigor metodológico indique se há ou não associação com saúde. Há um número já considerável de estudos que apontam para associação entre espiritualidade e saúde. Koenig, referência no assunto, afirma que “as pesquisas que estão sendo publicadas em revistas médicas com revisão de pares, de saúde pública, sociologia, psicologia, enfermagem, assistência social e ciência da reabilitação, apontam que existem relações entre envolvimento religioso e saúde física e mental” 2. ROGÉRIO R. ZIMPEL1, BRUNO PAZ MOSQUEIRO2, NEUSA SICA DA ROCHA3 O Doutorando, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. Associado, Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC). 2 Mestrando, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, UFRGS, Porto Alegre, RS. Associado, Núcleo de Psiquiatria e Espiritualidade da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (NUPE-APRS), Porto Alegre, RS. Associado, Associação Médico-Espírita do Rio Grande do Sul (AMERGS). 3 Professora, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS. 1 A compreensão das relações entre espiritualidade e saúde mental representa um desafio para a psiquiatria3. Descrições teóricas na primeira metade do século XX abordam predominantemente as relações da religiosidade com a psicopatologia3. Nas últimas décadas, no entanto, estudos empíricos destacam o papel protetor da religiosidade e espiritualidade na prevenção de depressão, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do risco de suicídio, promoção de bem-estar e qualidade de vida4,5. Espiritualidade e resiliência Uma das formas recentes de abordagem da religiosidade/ espiritualidade em saúde mental é quanto à sua capacidade de promover resiliência em situações de adversidade, traumas e estresse agudo ou crônico. Conforme Cyrulnik, “momentos de sofrimento e tormenta podem levar à contemplação de um futuro ou sentido espiritual para existência”6. Crianças sobreviventes e resilientes após adversidades demonstram uma capacidade de encontrar sentido, discurso e significado para o sofrimento6. Após os atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, por exemplo, a religiosidade representou a segunda estratégia de coping mais utilizada para lidar com o estresse, estando presente em 90% dos indivíduos entrevistados7. Além disso, estudos identificam a espiritualidade como fator independente na promoção de resiliência em pacientes com depressão e ansiedade7. Em um seguimento de 10 anos de indivíduos com alto risco para depressão, aqueles que atribuíam maior importância pessoal à religiosidade/espiritualidade apresentavam risco de depressão 10 vezes menor quando comparados a indivíduos que atribuíam menor importância à religiosidade/espiritualidade. Ao mesmo tempo, ambientes sociais com normas rígidas, inflexíveis, condenatórias também representam a possibilidade de criar novos traumas e sofrimentos6. Estratégias de coping religioso/espiritual negativo podem aumentar o sofrimento psíquico e dificultar os processos de resiliência diante de adversidades, reforçando a importância do estudo do tema e a abordagem compreensiva junto ao paciente na prática clínica8. A espiritualidade como mecanismo de coping nos transtornos mentais: o exemplo do transtorno do pânico O papel da espiritualidade como estratégia de enfrentamento do transtorno do pânico ainda é pouco estudado. O trans- torno do pânico é uma enfermidade mental grave, associada a grande morbidade e prejuízo da qualidade de vida. O transtorno do pânico tem um curso crônico e recorrente, sendo que a remissão pode ser apenas parcial, e recaídas podem acontecer mesmo após anos de tratamento. Pelas características clínicas do transtorno do pânico, o paciente apresenta um intenso medo da morte durante a crise, a qual é vivenciada como uma situação extrema do ponto de vista de estresse psíquico, configurando uma condição interessante para avaliar se a dimensão da espiritualidade pode auxiliar no enfrentamento (coping, em inglês) dessa enfermidade. Em uma busca no site PubMed com os termos “spiritual coping” AND “panic disorder”, não se obteve nenhum artigo. Com as palavras “religious coping” AND “panic disorder”, apenas dois artigos foram encontrados. No primeiro deles9, os autores acompanharam sobreviventes nos 3 meses posteriores ao terremoto e tsunami de 2004 nas Ilhas Andamão e Nicobar, na Índia. A morbidade psiquiátrica foi de 5,2% entre os sobreviventes desabrigados, com predomínio dos diagnósticos de transtorno do pânico e transtorno de ansiedade não especificado, além de queixas somáticas. Entre os sobreviventes não desabrigados, a morbidade psiquiátrica atingiu prevalência de 2,8%, sendo que o diagnóstico mais frequente foi o de transtorno de ajustamento. Os dois grupos apresentaram distribuição equivalente de depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Os autores concluíram que, além das estruturas familiar e comunitária, o suporte religioso/espiritual teve papel importante para o coping na primeira fase após o desastre. No segundo artigo10, os autores estudaram os correlatos clínicos do pensamento suicida em 700 pacientes com câncer avançado. Dentre eles, 62 (8,9%) reportaram pensamento suicida. Análises ajustadas revelaram as características que aumentavam a probabilidade de pensar em suicídio, a saber: preencher critérios para transtorno do pânico [odds ratio ajustada de 3.24 (intervalo de confiança de 95%: 1,01-10,4)], preencher critérios para transtorno de estresse pós-traumático [3.97 (1,13-14,1)], e apresentar baixos escores de religiosidade/ espiritualidade, medida pela Escala de Experiências Espirituais Diárias, composta por 13 itens. Conclusão As estratégias de coping religioso-espiritual podem ser tanto positivas como negativas. Dependendo de sua natureza, elas podem estar a serviço de um reforço da resiliência ou de uma dificuldade maior no enfrentamento das adversidades. 29 COMUNICAÇÃO BREVE ROGÉRIO R. ZIMPEL BRUNO PAZ MOSQUEIRO NEUSA SICA DA ROCHA Há algumas décadas pensava-se que a espiritualidade estaria sempre associada à psicopatologia. As evidências atuais – em que pese as muitas dúvidas – parecem sinalizar que não necessariamente esse é o caso. Esse novo entendimento pode ser útil na prática clínica. Koenig entende que a base das evidências sobre associação entre espiritualidade e saúde já é consistente e que o atual desafio nesse campo é entender melhor como essa associação ocorre. O autor sugere que “um número muito maior de pesquisas é necessário para entender como essas relações operam e se são causais, ou seja, se o envolvimento religioso realmente melhora a saúde”2. Estudar a relação da espiritualidade com o coping, resiliência e outros aspectos envolvidos na adesão e resposta aos tratamentos pode trazer luz à essa reflexão. Nessa direção, são necessários mais estudos que visem entender melhor o papel da espiritualidade em diferentes contextos clínicos. Com esse propósito, os autores do presente artigo desenvolvem pesquisas em pacientes ambulatoriais diagnosticados com transtorno do pânico e em pacientes hospitalizados com doença mental grave. Desta forma, espera-se contribuir para o avanço do complexo entendimento sobre os temas espiritualidade e saúde. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Rogério R. Zimpel, Av. Protásio Alves, 1281/204, CEP 90410-001, Porto Alegre, RS. Tel.: (51) 3332.3542, Fax: (51) 3308.5628. E-mail: [email protected] Referências 1. 2. 3. 4. 30 Blazer D. Religion/spirituality and depression: what can we learn from empirical studies? Am J Psychiatry. 2012;169:10-2. Koenig HG. Medicina, religião e saúde: o encontro da ciência e da espiritualidade. Porto Alegre: L± 2012. Koenig H, King D, Carson VB. Handbook of religion and health. New York: Oxford University Press; 2012. Rocha NS, Fleck MP. Avaliação de qualidade de vida e importância dada a espiritualidade/ ARTIGO 5. 6. 7. 8. 9. 10. religiosidade/crenças pessoais (SRPB) em adultos com e sem problemas crônicos de saúde. 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Spencer RJ, Ray A, Pirl WF, Prigerson HG. Clinical correlates of suicidal thoughts in patients with advanced cancer. Am J Geriatr Psychiatry. 2012;20:327-36. O 31 RELATO DE CASO MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS LIDIANE DOTTA GUARIENTI PEDRO PAIM SANTOS EDUARDO FERREIRA DAURA ADRIANA DENISE DAL’PIZOL RELATO TRANSTORNO DISSOCIATIVO DE IDENTIDADE (MÚLTIPLAS PERSONALIDADES): RELATO E ESTUDO DE CASO DISSOCIATIVE IDENTITY DISORDER (MULTIPLE PERSONALITIES): CASE REPORT AND STUDY Resumo Na prática clínica, deparamo-nos com um grande número de pacientes vítimas de violência, sobretudo durante fases precoces do desenvolvimento, uma das causas centrais na etiologia dos transtornos dissociativos (ou transtorno de estresse pós-traumático complexo). Este artigo descreve o caso de um paciente diagnosticado com transtorno dissociativo de identidade após permanecer sintomático por 10 anos e comenta sobre o manejo e os desafios no tratamento desses pacientes. Palavras-chave: Transtorno dissociativo, múltiplas personalidades, transtorno dissociativo de identidade. Abstract In clinical practice we are often faced with patients who are victims of violence, especially in early developmental stages, which is a major cause of dissociative disorders (or complex posttraumatic stress disorder). This article describes the case of a patient diagnosed with dissociative identity disorder after being symptomatic for 10 years, and comments on the clinical management and challenges involved in the treatment of these patients. Keywords: Dissociative disorder, multiple personalities, dissociative identity disorder. Introdução O indivíduo humano não é unitário nem internamente consistente, mas complexo, contraditório e dividido. Em alguns casos, essas atitudes contraditórias e os comportamentos podem se tornar incompatíveis, ameaçando a estabilidade e a integridade da personalidade. Em raras ocasiões, a estabilidade somente pode ser preservada por uma dissociação ou 32 por uma separação da personalidade em subunidades mais estáveis1. Na prática clínica, deparamo-nos com pacientes que desafiam tanto a nossa experiência e conhecimento técnico quanto as convenções de enquadramento diagnóstico. Após décadas de relativa negligência, devido principalmente à desconsideração dos efeitos das experiências traumáticas da vida real na psicopatologia e na psicoterapia, há um aumento de interesse no estudo dos transtornos dissociativos2. O transtorno protótipo da categoria (transtorno dissociativo de identidade, TDI) é tema de controvérsia particular. Esse diagnóstico é feito na América do Norte com certa frequência, enquanto que na Europa sua avaliação é discutível, e muitos casos clínicos publicados são considerados como produtos artificiais2. Os transtornos dissociativos podem ser encarados como tipos muito complexos do transtorno de estresse pós-traumático, começando na infância e se tornando crônicos durante toda a adolescência e vida adulta. Muitas dimensões diferentes da experiência do self são afetadas, já que o trauma é impingido durante os anos fundamentais do desenvolvimento. O trauma produz uma dissociação, que é uma descontinuidade da experiência (consciência) e da memória. Tais processos psíquicos inicialmente podem funcionar como defesas adaptativas, preservando o ego do aniquilamento. Com o tempo, segundo Gabbard et al.2, a dissociação distorce o desenvolvimento da personalidade e a integração contínua de vivências, autopercepções e percepção das emoções das outras pessoas, obliterando o desenvolvimento da capacidade de mentalização (desenvolvimento de habilidades metacognitivas que permitem a reflexão crítica sobre o próprio estado da mente ou das outras pessoas). O MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS1, LIDIANE DOTTA GUARIENTI2, PEDRO PAIM SANTOS3, EDUARDO FERREIRA DAURA4, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL2 Consultório particular, Passo Fundo, RS. 2 Consultório particular, Porto Alegre, RS. 3 Consultório particular, São Paulo, SP. 4 Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre, RS. 1 Por vezes, a dissociação também facilita a perpetuação de uma hiperexcitação autonômica via hipófise-hipotálamo-suprarrenal, através da evocação da memória traumática em resposta a estímulos remanescentes ao trauma, criando, assim, sucessivos microtraumas3. Os alters (estados dissociativos) passam a assumir partes do conflito interno, resultando em estados do ego com diferentes identidades e desempenhando funções executivas distintas de acordo com as demandas internas e os estímulos externos. Segundo a 4ª edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o TDI é caracterizado pela presença de duas ou mais identidades distintas ou estados de personalidade que recorrentemente assumem o controle do comportamento do indivíduo, acompanhado de uma incapacidade de recordar informações pessoais importantes, cuja extensão é demasiadamente abrangente para ser explicada pelo esquecimento normal4. O interesse norte-americano pelos transtornos dissociativos surge no início dos anos 1980, pois tanto o TDI quanto os transtornos dissociativos em geral não são patologias incomuns. Nos estudos de população geral, a taxa de prevalência de TDI é de 1 a 3% da população descrita5. Outros estudos relatam uma prevalência ao longo da vida de aproximadamente 10%, sendo o TDI responsável por aproximadamente 1% deles. O diagnóstico de TDI está associado quase universalmente com uma história prévia de trauma mais significativo, que ocorre frequentemente na infância. Estudos sistemáticos que examinaram a história de trauma de pacientes com TDI encontraram uma taxa mais elevada de traumatismo na infância nesses pacientes quando comparados com qualquer outro grupo clínico. Logo, o processo diagnóstico deve incluir uma possível história de trauma, sendo muito comum história de abuso sexual ou outros tipos de abuso5. A grande maioria dos casos tem histórias psiquiátricas complexas e longas. O intervalo médio entre as primeiras apresentações e o diagnóstico psiquiátrico de TDI é de 7 anos. Sete estudos incluindo o total de 719 pacientes com TDI mostraram que estes permaneceram por 5 a 11 anos no sistema de saúde mental antes de terem o diagnóstico correto de TDI5. Durante esse tempo, os pacientes apresentaram uma grande variedade de sintomas psiquiátricos e físicos, incluindo depressão, ansiedade, alucinações auditivas e visuais, transtornos alimentares e queixas somáticas1. Diferentemente de outros transtornos do trauma, como, por exemplo, o transtorno de estresse pós-traumático, o transtorno de ansiedade generalizada e a fobia social, que apresentam uma diminuição volumétrica da amígdala e do hipocampo, com comprometimento cognitivo, os pacientes com TDI não apresentam tais alterações, sugerindo uma hipótese neurobiológica diferenciada6 . Outro estudo avaliou a perfusão vascular nos pacientes com TDI em comparação com um grupo controle. O resultado foi que os pacientes com essa patologia apresentavam uma hipoperfusão orbitofrontal bilateral, e também uma hiperperfusão nas regiões frontal superior e mediana e na região occipital bilateral, o que leva a crer que a fisiopatologia da doença estaria na interação anômala dessas regiões7. Em termos de prevalência, em média 92% dos casos são mulheres, com idade média no diagnóstico de 31 anos e um número médio de 13 personalidades. Em 85% dos casos, uma das personalidades é de criança. Muitas personalidades são autodestrutivas, violentas, criminosas ou desinibidas sexualmente1. De acordo com um estudo holandês que avaliou a frequência de transtornos dissociativos em internações psiquiátricas, 8% dos pacientes apresentavam essas patologias, e 2% do total apresentavam TDI, correspondendo à média relatada em estudos europeus, porém menor do que as taxas norte-americanas8. Outro estudo americano procurou avaliar as taxas de TDI em pacientes psiquiátricos ambulatoriais, e a porcentagem foi de 6% do total, sendo que 29% apresentavam algum tipo de transtorno dissociativo9. O diagnóstico diferencial em adultos inclui comorbidades como transtorno de somatização, transtorno de estresse pós-traumático, convulsões e amnésia. Pseudoconvulsões e os fenômenos de conversão são processos psicológicos similares aos transtornos dissociativos. Esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtornos de humor bipolar e unipolar devem ser igualmente excluídos. De fato, os sintomas dissociativos, os transtornos dissociativos não especificados e o TDI podem todos ocorrer na presença desses diagnósticos10. Finalmente, as populações abusadoras de substância são conhecidas por terem altos níveis de experiências dissociativas, e o abuso de substância é elevado entre pacientes com TDI10. No contexto psiquiátrico brasileiro, não estão disponíveis instrumentos específicos para a detecção e quantificação dos sintomas dissociativos. No entanto, diretrizes internacionais estabelecem como condição sine qua non para o diagnóstico 33 RELATO DE CASO MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS LIDIANE DOTTA GUARIENTI PEDRO PAIM SANTOS EDUARDO FERREIRA DAURA ADRIANA DENISE DAL’PIZOL RELATO de TDI o uso de entrevistas diagnósticas que inquiram sobre dissociação, suplementadas, quando necessário, por instrumentos selecionados e por entrevistas estruturadas que avaliem a presença ou ausência de sintomas dissociativos5. Fiszman et al. apresentam as etapas de tradução e adaptação para a língua portuguesa do instrumento Dissociative Experiences Scale (DES), o questionário mais utilizado para o rastreamento e a quantificação dos sintomas dissociativos. Apesar de a escala não ser utilizada como instrumento diagnóstico, o escore de 30 é considerado o ponto de corte acima do qual se pode identificar os pacientes com transtornos dissociativos. Numa investigação dos autores da DES, 74% dos pacientes com TDI e 80% daqueles com outro transtorno dissociativo foram corretamente identificados por esse ponto de corte11. Em sua recente publicação, a saber, o DSM-5, a Associação Americana de Psiquiatria manteve o TDI como uma patologia diagnóstica. E manteve, também, os mesmos critérios diagnósticos12: - Ruptura da identidade, caracterizada pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos, descrita em algumas culturas como uma experiência de possessão. A ruptura da identidade envolve descontinuidade acentuada no senso de si mesmo e no domínio das próprias ações, acompanhada por alterações relacionadas no afeto, no comportamento, na consciência, na memória, na percepção, na cognição e/ ou no funcionamento sensório-motor. Esses sinais e sintomas podem ser observados por outros ou relatados pelo indivíduo. - Lacunas recorrentes na recordação de eventos cotidianos, informações pessoais importantes e/ou eventos traumáticos que são incompatíveis com o esquecimento comum. -Os sintomas causam um sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. - A perturbação não é parte normal de uma prática religiosa ou cultural amplamente aceita. Em crianças, os sintomas não são bem explicados por amigos imaginários ou outros jogos de fantasia. - Os sintomas não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma substância (por exemplo, apagões ou comportamento caótico durante intoxicação alcóolica) ou a outra condição médica (por exemplo, convulsões parciais complexas). O presente artigo visa descrever e discutir o caso de um paciente com diagnóstico de TDI. 34 R elato de caso Paciente do sexo masculino, 24 anos, natural e procedente do interior do estado do Rio Grande do Sul, solteiro, sem religião, com 1º ano do Ensino Médio completo, atualmente recebe benefício devido a doença psiquiátrica. Teve quatro internações prévias neste hospital e outras internações na região de sua cidade natal. O paciente foi internado no último mês devido ao abuso de substâncias e risco de exposição, pois se encontrava na rua, prostituindo-se para comprar drogas. Encaminhado pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de sua cidade, o paciente foi internado no Hospital Psiquiátrico São Pedro, na unidade Mario Martins Masculina. Na primeira entrevista, o paciente relata que pediu para ser internado, pois seus “13 amigos” estavam lhe atormentando muito. Devido a isso, voltou a fazer uso de maconha e cocaína para tentar esquecê-los, não ouvi-los nem vê-los. Esses 13 “personagens” o acompanham há 10 anos. Usa o pronome “nós” para referir-se a si próprio e frequentemente refere-se aos 13, ora de forma contraditória, como amigos, ora como demônios. Diz que, desde 1999, seus 13 personagens fazem uso de seu corpo, eventualmente assumindo seus atos. O paciente diz não recordar muitos fatos ocorridos em sua vida, situações que pensa terem sido vivenciadas por “eles”. Apresenta muito sofrimento em relação a isso, pois as pessoas à sua volta lhe chamam de mentiroso e dissimulado. Relata episódios de esquecimento, como perceber estar em algum lugar e não recordar como chegou lá e, ainda, episódios em que se descobriu usando roupas estranhas ou estando com pessoas que não lembrava conhecer. O paciente também apresenta dificuldades de lembrar episódios de sua vida, principalmente os relacionados à sua infância e adolescência. Indica períodos em que ficou abstinente de drogas; nesses intervalos, mantinha presentes suas 13 personalidades. Justifica o uso de drogas para esquecê-los. O paciente também possuía história prévia de tentativas de suicídio e apresentava características de personalidade borderline e traços de personalidade histriônica, ambos evidenciados na atual internação e também diagnosticados previamente. O paciente já esteve internado muitas vezes, sendo que nenhuma internação foi efetiva. Além disso, nenhuma medicação que tenha usado fez com que seus 13 personagens O MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS1, LIDIANE DOTTA GUARIENTI2, PEDRO PAIM SANTOS3, EDUARDO FERREIRA DAURA4, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL2 Consultório particular, Passo Fundo, RS. 2 Consultório particular, Porto Alegre, RS. 3 Consultório particular, São Paulo, SP. 4 Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre, RS. 1 fossem embora. Fez, inclusive, sessões de eletroconvulsoterapia. Diz já ter passado pela avaliação de 17 psiquiatras, também sem resultado. O paciente já teve vários empregos, como, por exemplo, vendedor de roupas, padeiro, pedreiro, músico, vendedor de joias, até que acabou se envolvendo com tráfico de drogas e prostituição. Nunca conseguiu se manter fixo em algum serviço, pois “eles” o atrapalhavam. O paciente também estava tentando frequentar a escola e o CAPS de sua cidade, porém com dificuldades de adesão. Após uma decepção amorosa, piorou, voltou a usar drogas e então foi internado. Atualmente mora com a mãe, a irmã e seu padrasto, porém já ficou em situação de rua e já morou com o pai. Quando criança, presenciou muitas brigas em casa, com história de maus-tratos pelo pai, o qual é dependente de múltiplas drogas. Sua mãe já trabalhou como prostituta, fazendo programas inclusive em casa. Aos 8 anos, o paciente foi abusado sexualmente por um tio materno e também sofreu abuso sexual na escola. Aos 14 anos, foi morar com o pai, período de muito estresse e brigas entre os dois, com ameaças de morte por parte do pai. Nesse período, o paciente começou a se prostituir e a abusar de substâncias. Após desentendimentos com o pai, ficou alguns meses em situação de rua, já que a mãe havia mudado de endereço e perdido contato com o paciente. Durante a internação, principalmente em situações de ansiedade, ao falar de seu passado, ou em consultas mais demoradas, o paciente apresentava episódios característicos de dissociação, em que mudava bruscamente o tom de voz, a fisionomia do rosto, o modo de falar e respondia como sendo outra pessoa, sempre um dos 13 personagens. Nessas mudanças de personalidade, as quais, às vezes, eram acompanhadas por piscadas rápidas dos olhos, foram identificadas 13 personalidades de diferentes idades e características. Três delas eram mulheres, sendo uma adolescente de 13 anos (Luci), que era triste e só chorava; uma criança de 7 anos (a personalidade que aparecia com maior frequência, Lalinha), a qual era filha de dois dos seus personagens (Lalinha dizia-se uma criança carente, que não recebia apoio ou carinho por parte dos pais); e a terceira personalidade do sexo feminino, Gata Negra, uma mulher adulta, sedutora e hipersexualizada (nesses momentos, o paciente dizia-se homossexual e adquiria trejeitos claramente afeminados). As outras 10 personalidades eram masculinas, sendo em geral irritadas, amarguradas e “do mal”, com nomes como Ratos, Carnéver e Abutre – todos nomes sugestivos de coisas assustadoras e que, por vezes, lembravam personagens de filmes. Uma dessas personalidades era a mais agressiva (Ratos), com muita raiva e ódio, a qual, segundo o paciente e um familiar, já havia agredido fisicamente outras pessoas. Outra personalidade era inteligente, sensata, “controlava” as outras – esta o paciente relacionava com seu pai. Também havia uma personalidade com traços antissociais que era sedutora, manipuladora e não apresentava remorso por prejudicar outras pessoas. Durante a internação, foi possível identificar e reconhecer claramente 10 das 13 personalidades. Foram aplicadas duas escalas: a Dissociative Disorders Interview Schedule (DDIS), com critérios diagnósticos para transtorno depressivo maior passado, abuso de substâncias, abuso sexual na infância, distúrbio borderline de personalidade, TDI e esquizofrenia; e o DES, em versão traduzida para língua portuguesa. O DES é o questionário mais utilizado para o rastreamento de sintomas dissociativos. Possui um ponto de corte de 30, acima do qual se pode identificar transtorno dissociativo; nosso paciente pontuou 168. Foi também realizado eletroencefalograma (EEG), o qual não demonstrou alterações. O paciente permaneceu 35 dias internado, período durante o qual passou a ser atendido diariamente em consultas médicas e por equipe multiprofissional. Houve melhora dos sintomas de impulsividade e depressivos, com melhor compreensão da doença pelo paciente, por sua família e pela equipe que permaneceu acompanhando o paciente no CAPS. Recebeu alta hospitalar melhorada em uso de carbamazepina 1.200mg/dia, olanzapina 10 mg/dia, lítio 900 mg/ dia e sertralina 50 mg/dia. Foram mantidas sessões de psicoterapia bissemanais, com indicação de acompanhamento por longo prazo. Discussão Após 10 anos sintomático, tendo passado por múltiplas internações e avaliações psiquiátricas, o paciente recebeu diagnóstico de TDI segundo critérios do DSM-5, sendo que possuía mais de duas personalidades distintas que assumiam recorrentemente o comportamento, com episódios característicos de amnésia sem estar sob a influência de substâncias12. Pacientes como este tendem a ser subdiagnosticados, já que se trata de um diagnóstico raro e difícil e que pode 35 RELATO DE CASO MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS LIDIANE DOTTA GUARIENTI PEDRO PAIM SANTOS EDUARDO FERREIRA DAURA ADRIANA DENISE DAL’PIZOL RELATO levar anos para ser corretamente estabelecido, existindo ainda muita incompreensão a respeito entre os profissionais de saúde mental13. No caso do nosso paciente, as personalidades possuíam nomes próprios, com funções definidas e distintas entre si e transição de uma personalidade para outra de forma súbita e drástica. Às vezes, o sujeito tem repleta consciência da existência, das qualidades e das atividades das outras personalidades14. Os pacientes geralmente referem-se a si mesmos como tendo “partes”, “vozes”, “múltiplos eus”, “pessoas” ou “demônios”15, entre outras formas, fato observado com frequência em nosso paciente. Compatível com dados da literatura, o paciente apresentava-se dentro da média, indicando um número de 13 personalidades, sendo que uma delas era criança, o que também é relatado com relativa frequência1. Uma das personalidades era deprimida, outra era controladora, muito irritada, e foram verificados também traços antissociais. O paciente desenvolveu amnésia parcial a eventos passados, relacionados principalmente ao período de sua infância e em relação aos abusos de que foi vítima10. A causa do transtorno não é definida, porém sabe-se que pacientes com transtornos dissociativos, em sua grande maioria, possuem história de trauma, em geral na infância15. Os transtornos dissociativos podem ser encarados como tipos muito complexos e de longo prazo do transtorno do estresse pós-traumático, começando agudamente durante a infância e se tornando crônicos durante toda a adolescência e idade adulta. A dissociação pode servir inicialmente como uma função adaptativa, tornando mais tolerável o medo e a dor psicológica que acompanham o trauma. Com o tempo, no entanto, a dissociação distorce o desenvolvimento da personalidade, a integração contínua de lembranças e a percepção das emoções em outras pessoas2. Os estados de self separados e dissociados (alters) são, primeiro, desdobrados de forma adaptativa, numa tentativa, por parte da criança abusada, de se distanciar da experiência traumática. Os alters logo ganham formas secundárias de autonomia, e a personalidade do paciente consiste, na realidade, na soma total de todas as personalidades16. O TDI também está associado com um alto grau de comorbidades psiquiátricas. Entre os diagnósticos mais frequentes encontrados em pacientes com TDI, salientamos o abuso de substâncias e a dependência química17 – diagnóstico este também presente em nosso paciente. O TDI também pode coexistir com outros transtornos mentais, principalmente dis- 36 túrbio de personalidade borderline, e diferenciá-los pode ser difícil18. Tentativas de suicídio são comuns19. Em nosso caso, foram aplicadas duas escalas, a DDIS19 e a DES11, que auxiliaram no estabelecimento do diagnóstico de TDI. Também foi realizado EEG, com resultado normal. Esse exame se faz necessário porque existe na literatura a hipótese de que a epilepsia parcial complexa esteja envolvida em sua etiologia20. Vale ressaltar que, na aplicação da escala DDIS, o paciente pontuou para esquizofrenia, um diagnóstico de notável confusão com TDI; no entanto, não foram verificados sintomas negativos característicos da esquizofrenia, nem a presença de deterioração social14. A psicoterapia individual ambulatorial de longo prazo é o tratamento de escolha para os transtornos dissociativos2. Para casos de TDI, a psicoterapia envolve basicamente três enfoques: primeiramente, a construção de um vínculo seguro, a estabilização dos sintomas; em seguida, trabalhar diretamente com as memórias traumáticas e o processamento do trauma, desfazendo a hiperexcitação a estímulos remanescentes; por último, a busca pela integração das identidades e pela reabilitação. Pacientes traumatizados com frequência vivenciam as interpretações como um desafio a seu sentido de realidade. No contexto da terapia, a dissociação geralmente é um escape defensivo de algo que produz sofrimento e ansiedade, e os diferentes alters presentes no setting clínico devem sem tratados como aspectos da mesma pessoa16 . Farmacoterapia e intervenções familiares são de grande valor, porém secundários à terapia individual5. Conclusões Na prática clínica e psicoterápica, deparamo-nos com um grande número de pacientes vítimas de violência, sobretudo durante fases precoces do desenvolvimento. Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de identificar corretamente a sintomatologia específica voltada aos transtornos dissociativos, bem como todas as formas de transtorno de estresse pós-traumático, com o intuito de selecionar e disponibilizar as estratégias terapêuticas mais adequadas. Há um consenso de o tratamento mais eficaz consiste na integração dialética entre farmacoterapia, psicoterapia psicodinâmica eclética incorporada a técnicas de terapia cognitivo-comportamental, intervenções de grupo e de família. Salientamos que a exposição persistente a condições traumáticas (transtorno de estresse pós-traumático complexo), bem como a evocação de memória do trauma através de O MIRIAN PEZZINI DOS SANTOS1, LIDIANE DOTTA GUARIENTI2, PEDRO PAIM SANTOS3, EDUARDO FERREIRA DAURA4, ADRIANA DENISE DAL’PIZOL2 Consultório particular, Passo Fundo, RS. 2 Consultório particular, Porto Alegre, RS. 3 Consultório particular, São Paulo, SP. 4 Hospital Psiquiátrico São Pedro, Porto Alegre, RS. 1 estímulos remanescentes, tendem tanto a agravar as alterações neuroquímicas dessa patologia quanto favorecer a estruturação de quadros psiquiátricos crônicos graves, como o transtorno de personalidade borderline e o transtorno de estresse pós-traumático complexo, que cursam com sintomas dissociativos, violência e autodestrutividade. 9. Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Fontes de financiamento inexistentes. Correspondência: Mirian Pezzini dos Santos, Av. Sete de Setembro, 594/402, CEP 99010-121, Passo Fundo, RS. Tel.: (54) 3311-5345. E-mail: [email protected] 11. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Fahy T. Multiple personality disorder: where is the split? J R Soc Med. 1990;83:544-6. Gabbard GO, Beck JS, Holmes J. Compêndio de psicoterapia de Oxford. Porto Alegre: Artmed; 2006. Lyons-Ruth K, Dutra L, Schuder MR, Bianchi I. From infant attachment disorganization to adult dissociation: relational adaptations or traumatic experiences? Psychiatr Clin North Am. 2006;29:63-86, viii. Sadock BJ, Sadock VA. Kaplan and Sadock’s synopsis of psychiatry: behavioral sciences/ clinical psychiatry. 10th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. International Society for Study of Dissociation. Guidelines for treating dissociative identity disorder in adults (2005). J Trauma Dissociation. 2005;6:69-149. Weniger G, Lange C, Sachsse U, Irle E. 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