palavras do brasil – vocabulário e experiência histórica - PUC-Rio

Propaganda
Departamento de História
PALAVRAS DO BRASIL – VOCABULÁRIO E EXPERIÊNCIA
HISTÓRICA NO IMPÉRIO DO BRASIL
Aluno: Andre Novellino Gouvêa
Orientador: Ilmar Rohloff de Mattos
I – Relatório Técnico – Período: Agosto de 2010 – Julho de 2011
O objetivo deste texto é relatar a minha atuação na linha de pesquisa “Palavras do
Brasil – Vocabulário e Experiência Histórica no Império do Brasil” do professor Ilmar
Rohloff de Mattos. No princípio, o grupo era formado pelo professor orientador Ilmar Rohloff
de Mattos, pelas pesquisadoras bolsistas Beatriz Campos Pantaleão e Vera Regina BastosTigre e por mim; eventualmente, juntaram-se a nós Ruberval Silva na condição de
pesquisador bolsista e Bárbara Perdigão e Eduardo Falcão como pesquisadores voluntários.
• Práticas do Grupo
A pesquisa contou com reuniões semanais, nas quais discutimos tanto textos
historiográficos, quanto as fontes primárias utilizadas para o nosso trabalho. Houveram
também apresentações para o grupo dos resultados do trabalho de cada pesquisador. Os
pesquisadores investigaram fontes primárias relevantes para o trabalho, trazendo para as
reuniões os resultados obtidos. Realizamos ainda reuniões extras nas quais a mestranda
Alessandra Gonzalez de Carvalho Seixlack apresentou os capítulos 1, 2, 9 e 13 do livro
Futuro Passado de Reinhart Koselleck.
1
Departamento de História
II – Relatório Substantivo
• Introdução
Fiquei encarregado principalmente de estudar as relações entre o conceito de império e
a escravidão nas falas e ações políticas de Bernardo Pereira de Vasconcelos, deputado e
posteriormente senador do Império do Brasil. Embora inicialmente tivesse uma postura liberal
na política, Vasconcelos tornaria-se um dos elementos principais da guinada conservadora na
política brasileira na década de 1840, sendo seu discurso de 1843 no qual afirmou que “a
África civiliza” marco importante disto, tendo Bernardo Pereira de Vasconcelos feito
contundente defesa da escravidão em tal discurso. Para a pesquisa foi de particular interesse o
vínculo estabelecido nas falas de Vasconcelos entre escravidão e império – entendido como
sendo caracterizado pela ordem. Nas falas de Bernardo Pereira de Vasconcelos, o mesmo
estabelecia uma relação de interdependência entre o império e a escravidão, sendo a ordem
interna e a integridade territorial do império essenciais para se poder combater as revoltas
escravas e fazer frente aos anseios anti-escravistas das potências estrangeiras, e a escravidão
sendo necessária para prover a prosperidade do país e portanto possibilitar ter-se os
instrumentos necessários para prover a ordem no império.
Nas falas de Vasconcelos, apresentava-se uma caracterização da história nos moldes
da filosofia da história; haveria uma contraposição entre um regresso marcado pela ordem e
um progresso caracterizado pela liberalização das instituições e contendo a possibilidade de
anarquia. Bernardo Pereira de Vasconcelos se identificava como regressista, afirmando que o
processo de liberalização haveria passado do ponto, e que seria necessário estancar e mesmo
regredir nas reformas liberais.
Ao longo de sua atuação política, Vasconcelos foi delineando um projeto político para
o Império do Brasil que o colocava como uma civilização – no sentido de uma cultura em
particular – que teria sua marca própria na escravidão; tal instituição civilizaria o império, no
sentido de trazer a ele prosperidade e povoamento de seu grande território esparsamente
habitado.
2
Departamento de História
• Objetivo
No projeto de pesquisa, de forma a investigar o conceito de império e a escravidão no
pensamento de Bernardo Pereira de Vasconcelos e as relações estabelecidades pelo mesmo
entre eles, analisei seus discursos no Senado nos anos de 1843 e 1848, o que possibilitou
melhor entendimento do projeto político de Vasconcelos para o Brasil.
Bernardo Pereira de Vasconcelos dava foco à particularidade das circunstâncias do
Império do Brasil. Para Vasconcelos, nações tais como a França e a Inglaterra se encontrariam
em circunstâncias diversas às do Brasil, e portanto tentar imitá-las resultaria em arremedá-las
de forma ridícula, tendo o Brasil que buscar seu próprio caminho para se civilizar mais –
caminho esse que passaria pela escravidão; Vasconcelos criticava o que chamava de
estrangeirismos – buscar emular as nações estrangeiras pelo seu grau de civilização, sem se
atentar para as impraticabilidades de se realizar tal emulação. Afirmava que o fim da
escravidão deveria-se dar não através da atuação do Estado, mas sim como consequência do
desenvolvimento da sociedade, que mudaria as circunstâncias e faria com que a instituição da
escravidão fosse perdendo o sentido e fosse sendo abandonada naturalmente. Países grandes,
desertos e férteis precisariam de escravos e o Brasil, encontrando-se nessa situação,
necessitaria da escravidão para ser próspero, significando sua abolição a ruína. No
pensamento de Vasconcelos, todos os países teriam tido e precisado de escravos em algum
momento no desenvolvimento de sua civilização – mas países tais como a França e a
Inglaterra não mais teriam tal necessidade, por terem se desenvolvido de forma a não mais ter
tal necessidade. Por essa razão que o Brasil, encontrando-se em situação diversa – sendo
menos povoado que tais países – não poderia simplesmente imitá-los, já que tal seria nada
além do que maquiar uma situação fundamentalmente diferente da deles.
Benedict Anderson e Zygmunt Bauman me serviram de base teórica para analisar as
falas de Bernardo Pereira de Vasconcelos em relação à nação brasileira e da sua
particularidade como civilização. Também serviram para correlacionar os conceitos de
império e de nação. O Império do Brasil tinha uma especificidade em relação a outros
impérios experienciados na história, como o Império Napoleônico, o Império Austríaco ou o
Império Romano, que era de que o Império do Brasil, além de ser um império era também
uma nação; e portanto, ao contrário de tais impérios era imaginado como sendo limitado
territorialmente e como um império de uma nação só – a nação brasileira seria imaginada
como uma nação de origem européia que conviveria com outras nações em seu território – as
nações indígenas e as africanas e crioulas – mas estas ficariam em posição subordinada a ela.
3
Departamento de História
No projeto de pesquisa, utilizamos como base teórica Reinhart Koselleck, em especial
seu pensamento sobre as diversas formas de relação com o tempo que foram experienciadas
historicamente, como a história mestra da vida e a filosofia da história, assim como seus
conceitos de “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”. A filosofia da história –
isto é, a idéia de que a história progrediria em um certo sentido, podendo tal progresso ser
acelerado ou retardado, mas sempre estando os eventos históricos subordinados ao fim último
de tal progresso e a como afetariam sua vinda – ocupava um papel importante no pensamento
de Vasconcelos, e era frequentemente em termos de progresso e regresso que ele expunha
suas idéias. O regresso era identificado com a ordem e com o conservadorismo, e o progresso
com o liberalismo e a anarquia; em 1848, disse Vasconcelos no Senado sobre as revoluções
liberais que então ocorriam na Europa: “Lá na Europa tem havido suas desordens; não
sabemos ainda se a Inglaterra seguirá o impulso da Europa; se ela o seguir, se a Inglaterra
entrar também nas vias do progresso, é muito provável que a Europa se tartarise”. Ou seja, o
progresso e a liberalização, se em demasia, implicariam em desordens e anarquia e,
consequentemente, tartarisação, sinônimo para barbarização.
É necessário ressaltar entretanto que a proposta de Vasconcelos não era uma simples
defesa da ordem pela ordem, mas sim de que a ordem deveria ser defendida porque não
haveria liberdade sem ordem. Apesar da grande mudança em sua postura política em meados
da década de 1830, passando de liberal a conservador, pode-se perceber um nexo de
continuidade; Vasconcelos sempre defendeu o parlamentarismo e as liberdades civis e sua
mudança de posição política significou não o abandono da liberdade pela ordem, mas a
adoção da crença de que se deveria garantir antes de tudo a ordem, para que então se pudesse
haver liberdade. E para garantir a ordem, seria essencial a escravidão.
Os instrumentos públicos que providenciariam a ordem dependeriam das rendas do
Estado, e para o estado salutar destas Vasconcelos afirmava que os escravos seriam
necessários, já que deles dependeria a prosperidade do país. De acordo com os dados
estatísticos levantados em Escravidão e Política - Brasil e Cuba, 1790-1850, enquanto teria
ocorrido grande crescimento das rendas públicas resultante da expansão da lavoura cafeeira
escravista no período de meados da década de 1830 a meados da década de 1840, teria
também ocorrido grande aumento das despesas estatais com a ordem interna do Brasil e a
manutenção de sua integridade territorial, ficando explícito que não teria sido possível ao
governo imperial arcar com tais despesas se não fosse pela expansão da lavoura escravista.
Com a crescente oposição das grandes potências estrangeiras – em particular da
Inglaterra – ao tráfico de escravos, de maneira a manter a escravidão, Bernardo Pereira de
4
Departamento de História
Vasconcelos além de realizar uma defesa do comércio de escravos, idealizava alternativas de
mão-de-obra que mantivessem o sentido da dominação senhorial, mesmo que não fossem
stricto sensu escravidão. Notável dentre estas alternativas foi a proposição da vinda de
colonos “livres” africanos, que teriam condição similar à de “servidores obrigados”, sendo
encaminhados da costa da África para o Brasil para trabalhar na lavoura, e não teriam plena
liberdade para se desligar de tal trabalho. Entretanto, tal proposição acabou sendo
inviabilizada por oposição inglesa.
Com o fim do tráfico em vista, Bernardo Pereira de Vasconcelos buscou fortalecer o
poder senhorial sobre as terras, formulando projeto do que viria a ser a Lei de Terras e
apresentando-o ao Conselho de Estado em 1843. Tal projeto previa a compra como o meio de
se adquirir terras incultas, restringindo portanto seu acesso às pessoas de posses; as rendas de
tais vendas deveriam ser investidas no incentivo à imigração, sendo os imigrantes vedados de
comprar terras por três anos, imaginando-se que trabalhariam na lavoura nesse período;
fortalecia-se portanto o poder dos grandes proprietários de terra.
A escravidão seria, por sua vez, grande beneficiária da manutenção da ordem pública,
uma vez que tal manutenção implicaria no combate à resistência escrava, e a manutenção da
integridade do território do Império significaria ter-se maior poder para fazer frente às
demandas das grandes potências por restrições ao tráfico e à escravidão.
• Conclusão
Através da análise dos discursos de Bernardo Pereira de Vasconcelos, foi possível
estabelecer os princípios norteadores de suas idéias, e a relação de interdependência pensada
por ele entre o império e a escravidão. Seu estilo de argumentação tem um caráter realista e
contundente, criticando diversos ataques à escravidão e ao tráfico por seu sentimentalismo e
por portanto não levarem em consideração de forma realista e pensada os interesses da nação.
A escravidão surge como elemento singularizador da nação brasileira, e como
sustentáculo da mesma e do império; este, caracterizado pela ordem, protege a escravidão.
Vasconcelos, antes liberal, ao ter em seu espaço de experiência as desordens decorrentes da
abdicação de Dom Pedro I e o esvaziamento do poder central com a interpretação que as
províncias deram ao Ato Adicional à Constituição de 1834, passou a ter em seu horizonte de
expectativa a possibilidade da anarquia e da desagregação do Império do Brasil. Sendo assim,
julgou propício estancar as reformas liberais e mesmo “regredir” em algumas delas, para
evitar a anarquia.
5
Departamento de História
A escravidão e a ordem ambos estariam ameaçados pelas potencialidades do futuro, e
apenas em conjunto poderiam se sustentar.
• Bibliografia Básica
a) Leituras Teóricas:
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do
nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.
BERBEL, Marcia; MARQUESE, Rafael; PARRON, Tâmis. Escravidão e Política - Brasil e
Cuba, 1790-1850. Hucitec, 2010.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
SOUSA, Octavio Tarquinio de. Bernardo Pereira de Vasconcelos. Rio de Janeiro: Livraria
José Olympio Editora, 1957.
b) Fontes Primárias:
Anais do Senado. Anos de 1843, 1848 e 1850. http://www.senado.gov.br/anais/
LOPES, José Reinaldo de Lima. Curso de História do Direito. Ato Adicional de 12 de
agosto de 1834 e Lei de interpretação do Ato Adicional de 12 de maio de 1840.
6
Download