cenário 2017 – um salto no escuro

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CENÁRIO 2017 – UM SALTO NO ESCURO
Por Julio Hegedus Netto*
“A garantia de uma boa democracia depende mais da garantia do governo das leis (das
instituições) do que do governo dos homens.” (Noberto Bobbio)
Ingressamos numa espiral de crise política e instabilidade econômica difícil de ser superada.
Tudo parece ter sido detonado no imbróglio entre Geddel Vieira e Marcelo Calero, sobre o
licenciamento de um imóvel em Salvador, que acabou reverberando, pois colocou em dúvida
a idoneidade do chamado “núcleo duro” do governo. Tudo piorou depois que a Câmara e o
Senado lançaram dois petardos contra a atuação do Judiciário, visando atacar a Lava-Jato. O
primeiro, tentando votar, na “calada da madrugada”, o projeto popular “Dez Medidas contra
a Corrupção”, totalmente deturpado, num claro objetivo de esvaziar a atuação do Judiciário.
Outro, a atuação de Renan Calheiros, em vários movimentos, tentando atacar o juiz Sergio
Moro e sua equipe, visando aprovar, a “toque de caixa”, a lei contra o abuso de autoridade,
engavetada no Senado há mais de sete anos.
Claramente, tais movimentos foram um esforço, meio que desesperado, dos parlamentares
de tentar fugir das denúncias que devem vir com a delação premiada da Odebrecht. A
primeira, do “lobista” Marcos Melo Filho, já causou um terremoto político em Brasília. E olha
que ainda faltam 76 delações. Só o atual presidente Temer já foi citado em duas situações.
Para piorar, o TSE segue avançando nas investigações sobre a chapa Dilma-Temer e muitos
consideram como certo o acolhimento da denúncia do PSDB pelo uso de recursos ilícitos, do
Petrolão, na campanha de 2014.
Sendo assim, é cada vez mais complicado, dado o imbróglio político existente, construir um
cenário sobre o que deve acontecer em 2017. Será que o presidente Temer emplaca até
2018, muitos questionam. E o pior é que uma revoada de quadros do governo deve
acontecer, devido à Lava-Jato, o que forçará uma reforma ministerial em fevereiro.
Comentários são de que Temer deve buscar figuras mais representativas da sociedade.
Formará então um ministério mais técnico e com grande aceitação na sociedade.
Interessante observar que na área econômica, embora não tenhamos uma recuperação, até
que o quadro não é tão ruim. Muitas medidas foram aprovadas nestes pouco mais de seis
meses de governo. Tivemos a aprovação da “PEC do Teto”, depois de um longo trâmite no
Congresso (duas votações na Câmara e no Senado), a PEC da Reforma Previdenciária foi
aceita e começou a ser discutida em Comissão na Câmara, passou a reforma do Ensino
Médio, várias leis foram aprovadas, como a do Pré-Sal, das Estatais, da repatriação de
recursos, das Concessões e Privatizações, só para ficar nas mais importantes.
Uma ação bem coordenada e transparente do BACEN fez com que a inflação desacelerasse
forte nestes meses, já estando próxima ao teto da meta neste ano (6,6/6,7%). A taxa Selic
foi reduzida cautelosamente, havendo aqueles que defendiam uma redução mais agressiva,
o “risco país” está próximo a 300 pontos, tendo passado de 350 pontos no início do ano e o
dólar, em torno de R$ 3,35/3,40, depois de ter passado R$ 4,00 ao final do ano passado.
Na economia real o quadro ainda é indefinido. Embora os indicadores de confiança tenham
melhorado no passado recente, talvez refletindo uma expectativa de virada, depois do
desastre que foi o governo Dilma, nos últimos meses estes movimentos perderam força,
diante da baixa resposta da atividade econômica, ainda envolta em indicadores negativos,
mais afetados pelo alto endividamento e a crise política em curso. Esta, com certeza,
alimentada pelo avanço da Lava-Jato, o que vem derrubando o ânimo dos agentes em voltar
a consumir e investir.
SONDAGENS DE CONFIANÇA (FGV)
ICS
ICC
ICI
ICST
ICOM
jul/14
ago/14
set/14
out/14
nov/14
dez/14
jan/15
fev/15
mar/15
abr/15
mai/15
jun/15
jul/15
ago/15
set/15
out/15
nov/15
dez/15
jan/16
fev/16
mar/16
abr/16
mai/16
jun/16
jul/16
ago/16
set/16
out/16
nov/16
110,0
105,0
100,0
95,0
90,0
85,0
80,0
75,0
70,0
65,0
60,0
Na semana passada, em resposta a este ambiente, o governo anunciou um pacote de
estímulos para a área microeconômica. Foram variadas medidas para desafogar as dívidas
das famílias e empresas, redução do “Custo Brasil”, melhorando o ambiente de negócios, e
renegociação de dívidas junto ao BNDES. Consideramos que estas medidas foram acertadas,
mas seus efeitos só devem ser sentindo mais à frente, não havendo maiores impactos no
curto prazo.
É nesta simbiose entre crise política e institucional e incertezas na economia, todos na
expectativa do clareamento do horizonte, portanto, que tentaremos enxergar 2017. Nossa
expectativa é que as delações não atinjam tanto o governo, caso contrário será difícil manter
o leme até 2018. Se reduziram um pouco as chances de Temer terminar o mandato, mas
isto será possível desde que a economia melhore. A consultoria política Eurásia, por
exemplo, há duas semanas achava a chance de queda em 20%, depois da primeira delação
da Odebrecht deve ter aumentado um pouco, chegando a 30% ou 40%.
Como conduziremos o próximo ano se esta crise de governabilidade e este surdo embate
entre Legislativo e Judiciário continuam a paralisar todas as decisões dos agentes? Não será
surpresa se este impasse político perdurar no transcorrer do próximo ano.
Sendo assim, tentemos enxergar o próximo ano a partir da construção de um
cenário, mas sem descartar a possibilidade de perda do mandato do presidente
mediante uma variante de possibilidades.
Não devemos também deixar de salientar os riscos que representam a eleição de Donald
Trump para a economia norte-americana e, por que não, para o mundo. Suas propostas
indicam uma maior expansão dos gastos públicos e a política de corte de impostos, o que
deve gerar alguma pressão na demanda agregada, mais inflação e resposta do Fed elevando
a taxa de juros. Na reunião do Fed, agora em dezembro, foi informado que o ciclo de ajustes
da taxa Fed Funds em 2017 deve ficar em três e não em dois, como antes anunciado. Ou
seja, teremos uma aceleração no ciclo de ajustes da taxa de juros, o que deve gerar alguma
mudança da liquidez global, afetando em especial os emergentes e o Brasil, com sua alta
liquidez no mercado de ativos. Isso posto, o BACEN doméstico terá que estar mais atento ao
efeitos do câmbio mais depreciado sobre a inflação.
No cenário mais provável, mas não folgado, temos a continuidade do governo Temer,
mesmo com toda a crise política no entorno. Pelo menos por enquanto, achamos que o TSE
não deve avançar sobre a chapa e não acontecerá a renúncia do presidente Temer. Sem
estes dois riscos, será possível conduzir o processo até 2017.
Claro que o governo deve terminar o mandato enfraquecido politicamente, tal o estrago que
a Lava-Jato deve causar. Não sabemos qual o impacto sobre a economia, mas nossa
expectativa é de que seja limitado, já que as medidas de ajuste estão avançando, o que
pode ser bem interpretado pelos agentes. A economia deve responder lentamente, mas as
medidas de estímulo em pleno curso e o avanço, com todas as dificuldades, da Reforma da
Previdência, serão contrapontos positivos.
Cenários
Considerações
Mais provável
Temer
acaba
protegido
pela
CF
contra
acusações
relacionadas a atos que não tenham sido cometidos no
estrito exercício do cargo. Seu governo, embora avançando
na área econômica, será marcado por muitas crises e
reviravoltas políticas. Deve terminar o ano fortalecido pela
melhoria da economia, mas fragilizado pela Lava-Jato e
seus corolários.
Alternativo
A sucessão de denúncias contra o presidente Temer abre o
flanco para a cassação do seu mandato pelo TSE, a partir
da denúncia do PSDB sobre o uso de recursos ilegais do
Petrolão na campanha de 2014
Sobre como deve evoluir a economia neste ano de 2017, a partir dos principais
fundamentos, temos as seguintes considerações.
O crescimento da economia deve acontecer lentamente no ano que vem, havendo uma
recuperação mais forte no segundo semestre de 2017. Este ano de 2016 já parece dado,
com o PIB recuando 3,6%, devendo fechar o quarto trimestre, entre estável ou com uma
pequena queda de 0,4% contra o anterior. Na recuperação do ano que vem, os
investimentos do setor privado, estimulados pelas Concessões, terão sua contribuição, assim
como o consumo das famílias, pela sinalização de melhoria da economia. Este processo, no
entanto, será lento, com o crescimento não passando de 0,6% no ano, já que o desemprego
ainda deve piorar um pouco antes de começar a se recuperar, talvez mais ao fim de 2017.
Achamos que o desemprego deve chegar a 12,5% da PEA em meados de 2017, para
começar a reverter ao longo do ano.
PIB EM LENTA RETOMADA (IBGE)
10,0
8,0
6,0
4,0
2,0
0,0
-0,8
-2,9
-2,0
-4,0
-4,4
-6,0
Trimestre contra trimestre anterior
Acumulado em quatro trimestres
set/16
jun/16
mar/16
set/15
dez/15
jun/15
mar/15
set/14
dez/14
jun/14
mar/14
set/13
dez/13
jun/13
mar/13
set/12
dez/12
jun/12
mar/12
set/11
dez/11
jun/11
mar/11
set/10
dez/10
jun/10
mar/10
set/09
dez/09
jun/09
mar/09
-8,0
Trimestre contra mesmo trimestre do ano anterior
Em resposta a isso, o BACEN deve conduzir sua política monetária de forma mais frouxa,
visando estimular a economia, mas alguma cautela deverá ser importante, dada a
instabilidade política gerando pressões sobre a taxa de câmbio, somada ao rumo da política
econômica norte-americana. Achamos que, neste cenário de “lenta distensão”, o BACEN
deve acelerar a taxa de juros a partir de janeiro, em 0,5 ou 0,75 ponto percentual, até
fechar o ano de 2017 em 11%, reduzido a 10% em 2018 e 9% em 2019, desde que a
inflação convirja para 4,5% neste período.
Sobre a inflação, o único impacto preocupante decorre de algum choque agrícola
indesejável, por fatores climáticos, meio que indo na contramão das projeções de mercado
que indicam uma safra agrícola recorde para 2017, além de possíveis choques políticos ou
externos, pressionando a taxa de câmbio. Assim sendo, estamos já considerando que depois
do IPCA fechar 2016 no teto da meta, deve continuar em desaceleração em 2017, para
fechar próximo a 4,5%.
POLÍTICA MONETÁRIA E INFLAÇÃO
Em %
15,00
14,00
13,00
12,00
11,00
IPCA
SELIC
13,75
10,00
9,00
8,00
7,00
6,00
6,99
ago/09
nov/09
fev/10
mai/10
ago/10
nov/10
fev/11
mai/11
ago/11
nov/11
fev/12
mai/12
ago/12
nov/12
fev/13
mai/13
ago/13
nov/13
fev/14
mai/14
ago/14
nov/14
fev/15
mai/15
ago/15
nov/15
fev/16
mai/16
ago/16
nov/16
5,00
4,00
Cabe salientar que a trajetória da taxa de câmbio tende a sinalizar alguma depreciação
em 2017, tanto pela alteração no ritmo de ajustes da taxa de juros norte-americana como
também pelas turbulências políticas, o que pode gerar alguma saída de recursos. Nossa
projeção de taxa de câmbio é de R$ 3,40 neste ano e R$ 3,60 em 2017.
TRAJETÓRIA RECENTE DA TAXA DE CÂMBIO (R$ / 1 US$)
Claro que este quadro mais benigno só se confirma se o ajuste fiscal avançar bem. Tendo-se
incluído no Orçamento de 2017 a limitação das despesas pela “PEC do Teto”, já dá para
vislumbrar alguma estabilização das despesas, embora a arrecadação federal siga fraca,
dada a lenta retomada da economia. Sendo assim, ainda teremos um resultado fiscal em
2017 muito frágil. O mesmo não deve acontecer com o saldo em conta corrente, se
revertendo neste ano para 2017 para superavitário, dada a demanda mais fraca, o que
derrubou boa parte das importações, com as exportações mantidas em baixo crescimento.
Concluindo. O cenário atual é extremamente volátil, o que prejudica a visualização correta
do que será o País em 2017. Ainda acreditamos que a manutenção da governabilidade do
atual presidente Temer seja essencial para a recuperação da economia, embora mantendo
dúvidas sobre a firmeza da sua condução.
INDICADORES DE CURTO PRAZO
INDEXADORES
2014
2015
Out
Nov
12
meses
Dez*
2016*
2017*
IGP-M (%)
3,69
10,54
0,16
(0,03)
7,12
0,24
6,85
5,08
IPCA (%)
6,41
10,67
0,26
0,18
6,99
0,50
6,60
4,91
TAXA DE CÂMBIO (%)
13,39
47,01
(2,01)
6,78
(11,79)
(1,37)
(14,21)
4,48
R$ / 1 US$ (PTAX)
2,6562
3,9048
3,1811
3,3967
-
3,4000
3,4000
3,6000
TAXA DE JUROS (Selic)
11,75
14,25
14,00
13,75
-
13,75
13,75
11,00
*PROJEÇ
ÃO
INDICADORES ECONÔMICOS DE LONGO PRAZO
PRINCIPAIS FUNDAMENTOS
2016
*
2017
*
5,9
6,3
6,6
(3,8)
(3,6)
0,6
1,8
2,0
1,0
(6,2)
(6,5)
1,0
(2,7)
(2,4)
0,5
1,3
(4,0)
(4,5)
1,4
1,5
1,2
(1,0)
0,5
1,0
2012
2013
2014
PIB nominal (R$ trilhões)
4,8
5,3
5,7
Crescimento real do PIB (% anual)
1,9
3,0
0,1
Agropecuária
(3,1)
8,4
2,1
Indústria
(0,7)
2,2
(0,9)
Serviços
2,9
2,8
0,4
Consumo das Famílias (% anual)
3,5
3,5
Consumo do Governo (% anual)
2,3
2015
CONTAS NACIONAIS
Formação Bruta de Capital Fixo (%
anual)
0,8
5,8
(4,5)
(14,1)
(11,0)
4,0
Taxa de Investimento (% do PIB)
20,2
20,5
19,7
18,1
15,5
16,5
Poupança (% do PIB)
17,7
17,0
15,8
15,0
14,5
13,5
Resultado Nominal (% do PIB)
(2,47)
(3,25)
(6,23)
(10,34
)
(9,5)
(9,4)
Resultado Primário (% do PIB)
2,38
1,90
(0,59)
(1,88)
(2,40)
(2,20)
63,0
63,5
62,2
65,4
70,2
75,6
32,9
31,5
34,1
36,0
46,4
53,0
6,9
6,2
6,5
9,0
12,5
12,0
Produção Industrial, IBGE (% anual)
(2,3)
2,1
(3,2)
(8,3)
(6,0)
4,0
Comércio Varejista, IBGE (% anual)
8,4
4,3
2,2
(4,3)
(6,5)
1,0
162,6
186,8
202,0
207,7
209,0
214,0
378,6
375,8
374,1
368,7
374,0
370,0
Setor Público
Dívida Bruta do Governo Geral (% do
PIB)
Dívida Líquida do Setor Público (% do
PIB)
Atividade Econômica
Taxa de Desocupação (% da PEA),
IBGE
Safra Agrícola (Milhões de toneladas)
Setor Externo
Reservas Internacionais (US$ bilhões)
Investimentos diretos no país (US$
bilhões)
86,6
69,2
96,9
75,1
75,0
75,0
Exportações (US$ bilhões)
242,6
240,0
225,1
191,1
231,0
240,0
Importações (US$ bilhões)
223,1
242,5
229,1
171,4
186,0
200,0
19,4
(2,5)
(4,0)
19,7
45,0
40,0
(58,9)
(15,0)
30,0
(3,33)
(0,4)
0,5
Saldo Comercial (US$ bilhões)
Saldo em conta corrente (US$ bilhões)
(74,2)
(74,8)
(104,2
)
Saldo em conta corrente (% do PIB)
(3,02)
(3,04)
(4,31)
*PROJEÇÃO
Economista-chefe Lopes Filho & Associados
20/12/2016
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