GILBERTO FARIAS DOS SANTOS OS NORDESTES DE LUIZ

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS IV
LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA
GILBERTO FARIAS DOS SANTOS
OS NORDESTES DE LUIZ GONZAGA: CONFIGURAÇÕES E
CONSTRUÇÕES DE UM LUGAR
JACOBINA – BA
2015
GILBERTO FARIAS DOS SANTOS
OS NORDESTES DE LUIZ GONZAGA: CONFIGURAÇÕES E
CONSTRUÇÕES DE UM LUGAR
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
ao Colegiado de História do Campus IV da
Universidade do Estado da Bahia, como
requisito para obtenção do título de Graduação
em Licenciatura em História.
Orientadora
Vasconcelos
JACOBINA – BA
2015
-
Profª
Cláudia
Pereira
GILBERTO FARIAS DOS SANTOS
OS NORDESTES DE LUIZ GONZAGA: CONFIGURAÇÕES E
CONSTRUÇÕES DE UM LUGAR
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
ao Colegiado de História do Campus IV da
Universidade do Estado da Bahia, como
requisito para obtenção do título de Graduação
em Licenciatura em História.
Apresentado em: ______________/_____________/_____________
BANCA EXAMINADORA
. __________________________________________________________________
Profª. Mestra Cláudia Pereira Vasconcelos – UNEB Campus IV
Orientadora
___________________________________________________________________
Profª Mestra Joelma Ferreira dos Santos – UNEB Campus IV
___________________________________________________________________
Profº Mestre Kleber José Fonseca Simões – UNEB Campus IV
Dedico este trabalho a todos aqueles,
que viram o meu sonho transformar-se em realidade.
AGRADECIMENTOS
Tenho consciência de que as minhas palavras serão insuficientes para
externar a minha gratidão pelas pessoas que foram e tem sido de extrema
importância para minha vida, mesmo assim deixo registrado o meu agradecimento a
Deus, por ter me dado à oportunidade de cursar o Ensino Superior, numa instituição
de renome no cenário nacional. Pois sendo filho de lavradora, tive a oportunidade de
descer das Serras da Jaqueira, onde trabalhava como garimpeiro e ir em busca de
outras preciosidades.
Agradeço a minha mãe, uma guerreira que precisou lutar contra a morte por
três vezes quando fora acometida por AVC (Acidente Vascular Cerebral) esta mulher
que esteve sempre ao meu lado, dando-me força e mostrando por diversas vezes os
seus olhos lacrimejados o orgulho que tinha em saber que o seu caçula, estaria
dando um grande passo para sua vida pessoal e profissional. A você mainha quero
dizer o quanto eu te amo.
Ao meu padrasto Artur Eduardo (in memorian) por ter me ensinado a ser um
homem e honrar diariamente a confiança depositada em mim, minha tristeza é saber
que ele se foi sem que eu pudesse ter lhe dado a alegria de me ver completar mais
um degrau da escada da vida.
A minha esposa Selma, a mulher que escolhi e prometi fazê-la feliz enquanto
eu vivesse, por ser uma grande incentivadora, por dividir diariamente comigo as
minhas angústias, e acalmar-me durante os constantes stress, por me fazer feliz e
ser uma das fontes de inspiração para que eu possa prosseguir em busca de meus
objetivos. Agradeço a minha filha Gabrielle, esta benção que Deus me deu e que me
traz mais vida e alegria. A vocês duas, obrigado por fazer de mim uma pessoa
extremamente feliz, não poderia dizer a vocês o quanto as amo.
Aos meus colegas de classe, por terem me dado a honra de conhecê-los. E
se algum dia me perguntarem se sou da época de Sócrates, Aristóteles ou Platão,
responderei que fui da época de Ramon, Fabrício, Andréa, Samuel e Rita de Cássia,
se eu os conhecia? Direi que não. Direi apenas que tive tempo suficiente para
comprovar que ainda existe amizade, e neste tempo eu aprendi que, o que
realmente importa na vida é com o que se faz com o tempo que nos é dado, ao
lembrar desses colegas e amigos sou obrigado a concordar com a celebre frase que
nos diz: Tudo que é bom dura pouco, mas dura tempo suficiente para tornar
inesquecível, obrigado a todos.
Agradeço a todos os professores do Campus IV, por ensinar-me a garimpar
outros tipos de riqueza, a vocês que muitas vezes pegaram e pegam algumas
pedras brutas e conseguem transformar em verdadeiras pedras preciosas. Dentre
todos os professores deixo em destaque a minha orientadora Cláudia Pereira
Vasconcelos, esta mulher arretada, de sorriso fácil, carismática e comprometida,
obrigado pelos puxões de orelha e pela disposição e paciência nos momentos de
orientação. Minha gratidão por você não será apenas nas páginas de um papel, pois
um dia ele envelhecerá e será rapidamente esquecido, você sempre estará do lado
esquerdo do peito e assim desejo e peço a Deus para que Ele continue te
abençoando imensamente.
Agradeço aos meus familiares e a todos que de uma maneira especial, de
uma forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste trabalho.
Não é preciso que a gente fale em miséria, em morrer de fome.
Eu sempre tive o cuidado de evitar essas coisas. É preciso que
a gente fale do povo exaltando o seu espírito, contando como
ele vive nas horas de lazer, nas festas, nas alegrias e nas
tristezas. Quando faço um protesto, chamo a atenção das
autoridades para os problemas, para o descaso do poder
público, mas quando falo do povo nordestino não posso deixar
de dizer que ele é alegre, espirituoso, brincalhão. Eu sempre
procurei exaltar o matuto, o caboclo nordestino, pelo seu lado
heroico. Nunca usei a miséria desvinculada da alegria.
Luiz Gonzaga
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar algumas composições e interpretações de
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, buscando identificar qual imagem de Nordeste
predomina em suas canções, se o Nordeste triste, pobre e seco ou o Nordeste cheio
de alegria, festas e cores. Ao longo do trabalho são trazidas algumas questões
relacionadas à formação identitária do Nordeste, lembrando que tal conceito é
relativamente novo, haja vista que, surgira apenas na primeira metade do século XX.
Para falar da sua carreira artística foram apresentados alguns dos principais
parceiros musicais de Luiz Gonzaga, bem como as composições que o ajudaram a
tornar-se um dos maiores artistas da música popular brasileira. Também é
apresentada uma significativa quantidade de músicas, que foram submetidas a uma
análise minuciosa na tentativa de responder a pergunta norteadora deste trabalho:
Qual imagem de Nordeste prevalece nas composições e interpretações de Luiz
Gonzaga? Ao longo de todo o trabalho é mostrado como Gonzaga externa o seu
amor por esta região tão cheia de vida, ajudando a desconstruir uma imagem
predominantemente estereotipada do Nordeste que é associada basicamente à ideia
de fome, miséria, atraso social e analfabetismo. A principal fonte utilizada para
obtenção das possíveis respostas da pesquisa foi a obra de Luiz Gonzaga, músicas
compostas e/ou interpretadas pelo rei do baião. Para isso, contamos com o auxílio
da internet, um excelente instrumento que tem contribuído para a expansão de
diversas informações e preciosidades no campo historiográfico. Buscamos dialogar
com teóricos que nos ajudasse a fazer uma análise objetiva e coerente, destarte,
utilizamos uma metodologia de análise histórico-discursiva interpretativa de letras de
músicas, documentários, filmes e biografias, que relacionados aos discursos teóricos
nos ajudaram a alcançar o objetivo proposto. É importante salientar que as
composições apresentadas, não foram submetidas a uma ordem cronológica, pois, o
principal objetivo do trabalho é: Identificar as imagens predominantes de Nordeste
na obra de Luiz Gonzaga. E após uma análise minuciosa, arriscamos afirmar que o
rei do baião cantou as alegrias e tristezas, os sorrisos e também as lágrimas do
homem sertanejo, ou seja, consideramos que na sua obra não nos é apresentada
uma ideia hegemônica de Nordeste.
PALAVRAS-CHAVES: Luiz Gonzaga, Nordeste, Músicas.
ABSTRACT:
This work aims at analyzing some compositions and interpretations of Luiz Gonzaga
the King of Baiao, trying to identify which Northeast image predominates in his
songs, the sad, poor and dry Northeast or Northeast full of joy, celebrations and
colors. Throughout the work are brought about some issues related to identity
formation in the Northeast, noting that such a concept is relatively new, given that
only appeared in the first half of the twentieth century. It is also presented some of
the main musical partner Luiz Gonzaga and his compositions that helped make the
son of Januário one of the greatest artists of Brazilian popular music. Besides its
partners, a significant amount of songs that were subjected to a thorough analysis in
an attempt to answer the central question of this work is presented: What Northeast
prevails in the songs and interpretations of Luiz Gonzaga? Throughout the work it is
shown as external Gonzaga his love for this region so full of life, helping to
deconstruct a predominantly stereotypical image of the Northeast that is associated
basically the idea of hunger, poverty, social backwardness and illiteracy. The main
sources used to obtain the answers to our questions were songs composed and
interpreted by baião the king. We rely on the help of the internet, an excellent tool
that has contributed significantly to the expansion of various information and gems in
the historiographical field. We seek dialogue with theorists to help us make an
objective and coherent analysis Thus, we used a methodology of interpretive
historical and discursive analysis, document, song lyrics, documentaries, movies and
biographies, which related to the theoretical discourses that address the issues
Speech construction helped us achieve the proposed objective. It is explicit that the
combinations have not been subjected to a chronological order, since the main
objective is to: Identify the predominant images of Northeast in the work of Luiz
Gonzaga. And after a thorough analysis, it was detected that the ballad King sang
the joys and sorrows smiles as well as tears of backcountry man, the final there is no
hegemonic Northeast.
KEYWORDS: Luiz Gonzaga, Northeast, Music.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I – O NORDESTE DE LUIZ GONZAGA ................................................ 17
1.1 Nem tudo é como parece: a força do discurso e a suas consequências na
construção da ideia de Nordeste .............................................................................. 17
1.2 Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz: A Trajetória
de Luiz Gonzaga ...................................................................................................... 20
CAPÍTULO II – LUIZ GONZAGA, UM ARTISTA DO SERTÃO QUE CANTA O
NORDESTE E ENCANTA A NAÇÃO. ...................................................................... 30
2.1 Parcerias de sucesso ......................................................................................... 30
CAPÍTULO III - QUAL IMAGEM DE NORDESTE PREVALECE NAS CANÇÕES DE
LUIZ GONZAGA? .................................................................................................... 45
3.1 Preguei sobre as rosas, mas não esqueci dos espinhos ................................... 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 63
ANEXOS .................................................................................................................. 66
11
INTRODUÇÃO
Talvez não tenha conseguido fazer o melhor,
mas lutei para que o melhor fosse feito.
Não sou o que deveria ser,
Mas, Graças a Deus,
não sou o que era antes.
Marthin Luther King
Procuramos neste trabalho de conclusão de curso mostrar algumas peculiaridades
das composições e interpretações feitas por Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, um
brasileiro que, como poucos, cantou e divulgou o seu lugar de forma tão intensa e
verdadeira. É um tema de grande relevância para a nossa região e Estado por
possibilitar-nos compreender melhor sobre a força e representatividade das suas
músicas na construção de uma identidade nordestina. Sendo assim, nos
debruçamos nas análises de suas músicas, para encontrar as respostas para os
nossos questionamentos. Afinal, qual Nordeste prevalece nas canções do rei do
baião?
Para nos ajudar a desenvolver este trabalho, buscamos associar e dialogar com
vários recursos teóricos e metodológicos, possibilitando-nos uma interpretação mais
objetiva e coerente com as fontes utilizadas. Recorremos a princípio à uma
metodologia de análise histórico-discursiva interpretativa de documentos, letras de
músicas, documentários, filmes e biografias. Quanto ao critério para seleção das
músicas à serem analisadas, utilizamos os seguintes procedimentos:
das mais
conhecidas composições e interpretações de Luiz Gonzaga selecionamos cinquenta,
logo em seguida, separamos aquelas em que o artista fala sobre a culinária,
religiosidade e seus amores; ao fim desta triagem, selecionamos quatorze
composições que de fato se aproximavam do tema proposto.
Depois concatenamos aos discursos de teóricos que abordam as questões de
construção de discurso, bem como a escritores que trabalham com a história
cultural, para assim fazer um trabalho que alcance os objetivos que foram propostos.
É sabido que:
12
Todo discurso é ideológico, por isso uma produção discursiva que parece
ingênua está carregada de sentidos que diferencia pessoas, separa os
grupos e produz hierarquias e classificações que servem aos interesses das
forças e das elites do poder. (KELLNER, 2001, p. 83)
A acessibilidade de informações à rede mundial de computadores, tem se
apresentado ao longo dos anos como um instrumento indispensável para os
historiadores. Marcos Napolitano reconhece a sua importância ao afirmar que: “A
rede mundial de computadores representa grande apoio a historiadores, sobretudo
àqueles que não têm acesso às grandes instituições de coleta e preservação dos
acervos audiovisuais” (NAPOLITANO, 2008, p. 264).
O Nordeste em sua completude, é majoritariamente representado por imagens
extremamente depreciativas, para isso, contara com diversos setores e discursos
que contribuíram nesta construção, desta maneira, analisamos, uma grande
variedade de músicas do admirador de Virgulino Ferreira da Silva 1, para melhor
perceber as dicotomias das músicas de Gonzaga, haja vista que, Luiz Gonzaga se
auto declarava como um legítimo representante da “Região Norte”. Segundo Gomes
e Santana (2013, p.139) essas imagens:
leva-o a se configurar como um lugar inferior devido às suas condições
naturais, sem considerar as ações de intervenção existentes. Por causa
disso, o Sertão é visto como um lugar subdesenvolvido, quando comparado
com outros lugares.
Em toda a sua carreira musical Luiz Gonzaga do Nascimento, gravou mais de
1.600 músicas, algumas compostas em parceria com outros profissionais da área,
outras de autoria própria e a grande maioria apenas interpretada por ele. Sua
história é especial por ser semelhante à história de centenas de brasileiros, um
homem que teve altos e baixos em sua vida, mas deixou um exemplo para todo o
povo brasileiro que, mesmo diante das circunstâncias adversas é possível se
levantar e dar a volta por cima, afinal, nada melhor do que um dia após o outro.
1
Popularmente conhecido como Lampião, foi um cangaceiro brasileiro, que atuou em todo o
Nordeste, exceto no Piauí e no Maranhão, ficando conhecido como Rei do Cangaço, por ser o mais
bem sucedido líder cangaceiro da história.
13
Conhecer um pouco mais sobre a vida de Luiz Gonzaga foi algo despertado em
mim desde a adolescência, porém não sabia por quais caminhos deveria trilhar para
chegar às respostas para as minhas inquietações. Como morador da cidade de
Caém, uma pequena cidade do Centro Norte Baiano, fomos cercados e contagiados
por uma das festas mais tradicionais da região Nordeste que são justamente as
festas juninas, em especial a comemoração do São Pedro. A cada comemoração
desta festa tão tradicional em Caém percebíamos como os sanfoneiros e demais
tocadores faziam questão de lembrar, reverenciar e homenagear o rei do baião.
Diante de tantas homenagens fomos provocados a conhecer um pouco mais sobre a
representatividade de Gonzaga para a Música Popular Brasileira.
Com esta pesquisa buscamos compreender se existe alguma imagem
predominante de Nordeste em suas músicas e interpretações, se nos apresentado
um Nordeste triste, atrasado, seco ou um Nordeste alegre, produtivo e festeiro,
diferente do que estamos acostumados presenciar, nos principais meios de
comunicação de massa. Enveredamos por este tipo de pesquisa de análise de
conteúdo por perceber que a música pode ser uma importante fonte documental,
capaz de revelar os diversos acontecimentos sociais, políticos e culturais de um
determinado lugar, pois concordamos com Bloch, (2002, p.79) quando nos diz que
“a diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita”.
Durante a pesquisa procuramos autores que nos ajudasse a dialogar com as
fontes, um desses fora Marc Bloch que abriu-nos um leque de possibilidades de
como analisar documentos ao dizer-nos que os textos “não falam, senão quando
sabemos interrogá-los”. Desta maneira, ficamos um pouco menos apreensivos e
cientes da responsabilidade que é falar ou pesquisar sobre um artista
conhecidíssimo em todo o território nacional. Este peso tirado das costas teve uma
grande contribuição de (MORAES, 2000, p. 210) ao nos afirmar que o pesquisador
que trilha pelos caminhos da música pode “[...] criar seus próprios critérios, balizas e
limites na manipulação da documentação”.
Para realização deste trabalho foram selecionadas 14 músicas, compostas
e/ou interpretadas por Luiz Gonzaga ao longo de sua carreira. Não seguimos uma
ordem cronológica, pois o objetivo independentemente de ano, foi identificar as
facetas do Nordeste presentes na obra. A grande maioria das músicas pesquisadas
14
foram encontradas na rede mundial de computadores, que muito contribuiu, para a
conclusão deste trabalho.
Após a seleção das músicas analisamos minuciosamente cada letra para evitar
julgamentos precipitados; também recorremos a leitura de alguns, artigos e
biografias, tendo por base principal a que fora escrita pela francesa Dominique
Dreyfus2, além de documentários, como por exemplo: O documentário da TV
Assembleia do Ceará intitulado: Luiz Gonzaga: vida, música e conquista3 e o filme:
Gonzaga, de pai para filho4. Esta busca por informações não ficou restrita apenas a
Luiz Gonzaga, mas também a pessoas que foram de extrema importância para o
seu sucesso, a exemplo de Humberto Teixeira, quando vimos o documentário: o
Homem que Engarrafava Nuvens5.
Uma das dificuldades encontradas nesta pesquisa foi justamente quanto ao
quesito de análises das músicas, haja vista que, aparentemente é um processo
simples, porém quando nos debruçamos para analisar a mensagem exposta,
percebemos que tal simplicidade está camuflada dos desafios que estão por vir. O
fato de escrevermos tendo como base à História Cultural, é justamente por enxergar
nas canções citadas, uma excelente fonte para tentarmos compreender o Nordeste,
e as facetas pelas quais o mesmo é representado.
As músicas cantadas por Luiz Gonzaga, nos faz indagar sobre as seguintes
inquietações: Afinal qual é esse Nordeste? O que se sobressai em suas músicas? A
alegria? A tristeza? A saudade? Ou a mescla de cada um desses sentimentos?
Como é possível um lugar tão seco ser tão desejado e amado? São questões como
essas que nos fizeram observar diversas canções cantadas por Gonzaga das quais
listaremos algumas dessas, que nos ajudou a obter respostas para tais indagações.
Eleonora Brito nos esclarece sobre este campo de pesquisa à ser explorado, que:
2
É autora de "Vida do Viajante - a Saga de Luiz Gonzaga", considerada a mais completa biografia do
Rei do Baião já publicada.
3
Produzido pelo Núcleo de Documentários da TV CEARÁ. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=4R5HG-d-uIk. Acesso em: 06/05/ 2015
4
BRENO, Silveira. Gonzaga de Pai para Filho, Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LeWjP5fzRL4. Acesso em: 06/05/ 2015
5
Ferreira, Lírio. O Homem que engarrafava nuvens. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=OLLcf8UTnPo&hd=1: Acesso em: 10/05/2015.
15
“[…] uma ainda incipiente produção historiográfica tem voltado sua atenção
para o campo da música, pensando essa expressão cultural como objeto a
ser explorado e importante fonte de acesso às tramas que buscam dar
sentido à realidade estudada, esteja ela localizada no passado recente ou
em tempos remotos.” (BRITO, 2007, p. 209)
Estudar o Nordeste e principalmente analisar as letras das músicas de Luiz
Gonzaga é entender, como o discurso, conceito trabalhado ou analisado por Michel
Foucault, concernentes às relações de poder estão bem presente em sua canções,
o que para Durval Muniz de Albuquerque Júnior6 a construção do Nordeste se deu
inicialmente através das primeiras formações discursivas acerca da região; e esses
discursos foram fortemente marcados por circunstâncias históricas que foram
cruciais na trajetória política e econômica do país.
Para se construir um processo de pesquisa são inúmeras as dificuldades,
dúvidas e inquietações. Tais inquietações começaram a dar lugar a alegria à partir
do momento em que percebemos que “a diversidade dos testemunhos históricos é
quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca
pode e deve informar sobre ele” (BLOCH, 2002 p.79), bem como, a partir do
momento em que iniciamos algumas leituras à citar: “O fetichismo da música e a
regressão da audição” de Theodor Adorno, juntamente com “História e Música” de
Marcos Napolitano (2002), autores que servirão como alicerce para a continuidade
desta pesquisa.
Por fim, este trabalho é constituído de três capítulos que dialogam
constantemente entre si, além da introdução e conclusão. O primeiro capítulo
intitulado O Nordeste de Luiz Gonzaga, trata de uma breve discussão e
apresentação sobre como iniciou essa divisão territorial conhecida até os dias
atuais. Bem como apresentaremos, de maneira bem simplificada, alguns
acontecimentos marcantes na vida de Gonzagão, posto que, diversas obras
biográficas já foram produzidas sobre este personagem inesquecível na cultura
popular brasileira.
No segundo capítulo, denominado de: Luiz Gonzaga, um artista do sertão que
canta o Nordeste e encanta a nação, apresentaremos ainda que de forma sucinta,
6
Para saber mais sobre as discussões em torno do Nordeste ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval
Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 5. ed.- São Paulo. Cortez, 2011.
16
alguns fatores que contribuíram para a propagação das músicas de Luiz Gonzaga,
bem como apresentar alguns de seus parceiros musicais que foram determinantes
para a ascensão de sua carreira musical no cenário nacional. Na oportunidade
destacaremos algumas músicas que ficaram marcadas por seu grande sucesso.
O terceiro e último capítulo formulado como um questionamento: Qual imagem
de Nordeste prevalece nas canções de Luiz Gonzaga? Tenta responder a pergunta
principal dessa pesquisa. Para isso, utilizamos algumas músicas que apresentam
características distintas sobre o Nordeste, procurando assim, trazer, apartir das
análises a resposta para tal interrogação. De maneira simplificada, podemos
adiantar que a ordem dos capítulos foi pensada de uma forma que pudesse provocar
no leitor o desejo de conhecer um pouco mais este lugar tão cantado por Gonzaga e
sua obra.
17
CAPÍTULO I - O NORDESTE DE LUIZ GONZAGA
O Nordeste mudou.
De qualquer maneira, o Nordeste de O quinze
Principalmente, o Nordeste da Vidas Secas mudou.
Rachel de Queiroz
1.1 Nem tudo é como parece: a força do discurso e a suas consequências na
construção da ideia de Nordeste
No presente ano de 2015 tivemos a oportunidade de intensificar as leituras e
estudos sobre as representações da região Nordeste em diversas obras que iam de
novelas e filmes à músicas, livros etc. A cada momento de reflexão éramos
envolvidos de uma grande alegria por conhecer um pouco mais sobre esta região
que muito tem contribuído com as diversas manifestações culturais deste país.
Neste
capítulo
pretendemos
discutir
e
apresentar
essa
região,
que
aparentemente tem alguns séculos de existência, mas que, na verdade, é uma
construção bem recente, fruto de ações humanas, afinal, como nos diz Albuquerque
Jr.: “todo recorte regional, toda identidade espacial surgiu em um dado momento
histórico, emergiu a partir das ações humanas, sejam elas motivadas por interesses
econômicos, políticos, sociais, ideológicos”7. Desta maneira, conseguimos entender
um pouco mais sobre o processo de construção da ideia de Nordeste, que segundo
o autor citado:
O Nordeste é, em grande medida, filho das secas; produto imagéticodiscursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a respeito
deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877, veio colocá-la como o
problema mais importante desta área. Estes discursos, bem como todas as
práticas que este fenômeno suscita, paulatinamente instituem-no como um
recorte espacial específico, no país. (ALBUQUERQUE JR.,2011, p.81)
7
Entrevista de Durval Muniz Albuquerque Jr. concedida a Eduardo Campos, Membro do grupo de
pesquisas “Da invenção à reivenção do Nordeste” – Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema,
literatura
e
cultura.
Disponível
em:
http://www.passeiweb.com/estudos/sala_de_aula/atualidades/durval_muniz_
fala_sobre_o_
nordeste_ e_a_literatura. Acesso em: 17 de out de 2015.
18
Por isso quando nos deparamos com a essa nomenclatura Nordeste, somos
envolvidos por uma série de questionamentos sobre esta respectiva região. No
momento em que optamos por fazer esta discussão sobre a identidade e
representações nordestina através das canções de Luiz Gonzaga, trazemos
consigo, uma breve abordagem sobre este conceito que tem sido, ao longo dos
anos, um tema gerador de muitas discussões no meio acadêmico sendo assim,
dentre tantos trabalhos produzidos recorremos a um dos trabalhos mais conhecidos
nos últimos anos A Invenção do Nordeste do renomado historiador, Durval Muniz de
Albuquerque Júnior citado anteriormente. Na oportunidade Durval nos afirma que:
O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em
lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são
subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste.
Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que
se impõe de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas
regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que
são repetidas ad nauseum, seja pelos meios de comunicação, pelas artes,
seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região.
(ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 307)
O historiador nos esclarece que esta construção de Nordeste ocorrera na
primeira metade do século XX, com o desmembramento da parte Norte do país
propensa às grandes estiagens. Na oportunidade nos afirma que até meados da
década de 1910, o Nordeste não existia. Tal pensamento é compactuado com
Amaral Júnior (2002, p. 227) ao afirmar que:
A região Nordeste do Brasil é uma formação social que conta pouco mais
de um século de existência. No entanto, acostumamo-nos de tal modo a ela,
que muitas vezes pensamos tratar-se de uma região que sempre existiu no
cenário nacional.
Maria Regina Baracuhy tem a hipótese de que os processos de construção de
uma identidade nordestina são pautados em estereótipos e silenciamentos, daí a
importância de compreendermos sobre este processo, e como o Rei do Baião, esta
inserido neste discurso.
19
Estudar o processo de construção da identidade nordestina do ponto de
vista discursivo é algo motivador e desafiador. Motivador, porque estamos
tratando de algo que nos atinge particularmente, pelo fato de o nosso objeto
de estudo nos ajudar, inclusive, a compreender melhor o que significa ser
nordestino, ser sertanejo em oposição a ser sulista ou nortista. A nossa
identidade nos representa enquanto indivíduo social inserido em um dado
momento histórico, ela é, portanto, fruto das relações sociais e culturais
existentes na sociedade. (BARACUHY, 2010. p.171)
Em suas discussões sobre a preconcepção do Nordeste, Durval Muniz
concorda que os caminhos a serem seguidos para que os estereótipos sejam
combatidos, tendo em vista que, as imagens enunciados e clichês inventados sobre
o Nordeste, passa pela procura de relações de poder que acabaram favorecendo um
“desconhecimento” do nordestino.
Vasconcelos, por sua vez, quando discute sobre o sertão na rota do discurso
colonial tenta explicar como os estereótipos são historicamente construídos. A fim de
marcar diferenças culturais e definir quem está dentro e quem está fora, os
construtores dos discursos hegemônicos se utilizam do poder do lugar da fala e de
estratégias para hierarquizar culturas. Diante de tal inquietação, nos afirma que:
É a repetibilidade e a visibilidade em excesso de algum traço/marca de um
determinado povo ou sujeito colonial que dá validade à construção do
estereótipo e produz um efeito de verdade em uma ideia estabelecida sobre
o outro; desta forma, articula-se uma série de modos de diferenciação,
prioritariamente raciais e sexuais, para embasar as práticas discursivas da
hierarquização cultural. (VASCONCELOS. 2011, p. 32)
Sendo assim, conseguimos entender um pouco mais do porquê desta invenção
do Nordeste que é associada principalmente nos meios de comunicação, em
especial a televisão a imagens depreciativas, pois a construção ou a repetição
dessas imagens acabam por gerar nos inúmeros receptores uma ideia de verdade
absoluta.
Não queremos aqui negar a existência desses problemas, o que defendemos é
a ideia de que é necessário dar voz e visibilidade para outras facetas da citada
região, que é habitualmente silenciada, escondida da grande massa, talvez seja por
isso que Gonzaga defendesse a abstração de falar do povo exaltando o seu espírito,
20
afinal de contas ele deixava constantemente em evidência uma das principais
virtudes desse povo que é a alegria.
Quanto à discussão sobre o Nordeste seremos bem sucintos pois entendemos
que, embora seja sobre esta respectiva região que pretendemos fazer as análises
das músicas do rei do Baião, achamos por bem dar uma maior ênfase às
particularidades das canções. Assim sendo, recorremos mais uma vez Albuquerque
Jr (2011) os discursos de formação deste lugar ganhou bastante força no período de
declínio da oligarquia rural na região nordestina, que era uma grande produtora
açucareira e a ascensão de uma nova burguesia industrial, com destaque para a
elite paulista que herdara o ônus das fazendas de café.
Esta falência das antigas oligarquias tiveram uma inevitável consequência, que
foi o desejo e a necessidade de se impor ao crescimento político do Sudeste e
demonstrar ao mesmo tempo que de fato ainda eram os condutores da economia
nacional. Sendo assim a seca, que tem um conceito polissêmico, fora um dos
instrumentos utilizados para a criação deste território, uma vez que, este recorte
geográfico ficou conhecido nacionalmente como um lugar de extrema dificuldade
deste recurso hídrico.
Desta maneira fora criada a famosa indústria da seca combatida veemente por
alguns veículos de comunicação que exigiam uma maneira diferente do Governo
Federal de atuar nesses lugares, excluindo das pautas os privilégios para futuros
interesses políticos, considerando que, a seca “tornara-se um argumento político
quase irrefutável para conseguir recursos, obras e outras benesses que seriam
monopolizadas pelas elites dominantes locais”. (SILVA. 2003, p.362) Sendo assim
conseguimos entender a mensagem de Gonzaga “Uma esmola, para o homem que
é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
1.2 Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz: A
Trajetória de Luiz Gonzaga
21
É sabido que muito já se sabe sobre a vida do “rei do baião”, visto que,
diversas obras biográficas já foram produzidas, sobre este homem que tanto falou
sobre o Nordeste, não escondendo de ninguém o amor que ele tinha por esta região,
diante disso, optamos por trazer sinteticamente alguns acontecimentos da vida de
Luiz Gonzaga por acharmos de grande importância para a compreensão deste
trabalho.
Saber sobre as vivências de um indivíduo ao longo de sua caminhada, é
determinante para que possa ser compreendido os diversos acontecimentos que se
sucederam ao longo de sua história de vida, por isso, dentre as diversas biografias
já escritas sobre Luiz Gonzaga, usaremos como principal referencial, o livro escrito
por Dominique Dreyfus já citado neste trabalho, cujo título desperta no leitor
à
curiosidade em conhecer um pouco mais sobre a vida do Rei do Baião: Vida do
Viajante: A saga de Luiz Gonzaga.
Dominique Dreyfus, conseguiu através da sua escrita e das riquezas de
detalhes nos transportar e nos fazer vivenciar cada passo dado por Luiz Gonzaga.
Diante disso lhes convidamos à conhecer um pouco mais sobre este homem, que
ajudou a dar uma nova visibilidade e representatividade sobre o povo nordestino. O
objetivo neste tópico é mostrar alguns acontecimentos marcantes na vida de Luiz
Gonzaga.
Filho de Ana Batista de Jesus, (conhecida por Santana) e Januário José dos
Santos, nasceu na fazenda Caiçara, em Exu, sertão Pernambucano, no dia 13 de
dezembro de 1912, tendo seu nome registrado como Luiz Gonzaga do Nascimento,
por sugestão do padre José Fernandes de Medeiros, que utilizou como critério para
este nome a religiosidade: Luiz, por ter nascido no dia de Santa Luzia, Gonzaga;
por que era o nome completo de São Luiz era Luiz Gonzaga, e Nascimento pelo fato
de se tratar do mês do nascimento de Jesus.
A principal fonte de renda de sua família era a agricultura. A família dispunha
de um quinhão8 de terras para plantarem o seu roçado, haja vista que, neste período
os que desfrutavam dos melhores locais para plantação eram os grandes
8
Pequena quantidade de terra destinada ao plantio, cedida pelo proprietário às famílias que
trabalhavam em suas propriedades.
22
fazendeiros, dos quais recebiam o título de coronéis, uma vez que, era a estrutura
de poder vigente no Nordeste nesta época.
Durante um depoimento concedido á Dominique Dreyfus, Gonzaga se recorda
dos tempos de infância ao dizer que “era uma vida de menino pobre, sem escola,
sem gordura, mãe puxando a enxada. Se o inverno vinha bonzinho, a gente até
melhorava a panela” (2002, p.31). Tal depoimento faz-nos entender que a
perspectiva de uma melhor condição social estava bem distante. Mas nem por
Gonzaga se deixou abater e acreditar numa possibilidade de melhoria de vida, a
final de contas à vida é feita de desafios e precisamos assim como o Lua9 vencer um
obstáculo a cada dia.
Se olharmos a história da humanidade vamos perceber que ela é repleta de
exemplos de superação, de pessoas que acreditaram em seus potenciais e
aproveitaram as oportunidades da vida para dar a volta por cima.
Diante disso, conseguimos perceber alguns detalhes que foram fundamentais
na longa trajetória de Luiz Gonzaga. Seus pais foram um dos grandes referenciais
para a música, haja vista que, sua mãe era cantadeira de igreja e puxadora de reza,
enquanto seu pai Januário além de consertar sanfonas era um excelente tocador. A
música estava inserida no cotidiano familiar desde muito cedo e tal característica
fora crucial para o desenvolvimento e despertamento musical de Gonzaga.
Para Januário os finais de semana já tinham virado uma “rotina”, uma vez que,
saía com frequência para tocar o seu fole de oito baixos e alegrar as festas de sua
vizinhança, tendo na maioria das vezes sua esposa e filhos o acompanhando
nessas jornadas. A princípio de forma inconsciente, José Januário estava
apresentando à Luiz Gonzaga do Nascimento um “universo” do qual futuramente ele
estaria inserido e seria um grande representante da cultura regional.
Diante de tantas brincadeiras de crianças comuns para a região, o que
Gonzaga gostava mesmo era mexer nas sanfonas que ficavam em casa para o seu
pai consertar; nas peripécias de criança aproveitava juntamente com seus irmãos a
primeira oportunidade de ausência de seu Januário, para fazerem uma verdadeira
9
Por ter um rosto arredondado e um largo sorriso, Luiz Gonzaga ganhou em 1941 quando trabalhava
na Rádio Clube do Brasil o apelido de Lua – tal cognome foi amplamente divulgado.
23
“festa”; para isso ele levava jeito, diferentemente das atividades do campo, que não
tinha predisposição. Com muita resistência coube a senhora Santana aceitar a
vocação do filho, afinal de contas Luiz Gonzaga era um menino “diferente”.
Percebendo o talento musical do filho, Januário passou a chamá-lo para o conserto
de sanfonas, o que podemos classificá-la como uma etapa experiencial para o seu
percurso.
Um dos costumes da época era de que a criança ao completar doze anos de
idade deveria dar dois dias de trabalho para os patrões, Gonzaga escapara a esta
prática ao ser contratado pelo coronel Manuel Aires de Alencar, para que fosse
cuidador de seu cavalo durante as inúmeras viagens que fazia pelos sertões, uma
vez que, dentre as suas diversas funções atuava como advogado ou rábula, já que
não era diplomado na área, para representar as pessoas nas questões de terras da
região.
Logo cedo aos dez anos começara a mostrar o seu talento ao substituir
sanfoneiros em festas tradicionais na fazenda Caiçara, aos catorze já era um
tocador mesmo sem a vontade da senhora Santana e aos já dezesseis era
conhecido em quase todo o Araripe
Aires de Alencar fora uma figura de grande relevância para o filho de Januário,
pois através de suas andanças pelos sertões, Luiz Gonzaga adquirira experiência e
tivera um despertamento quanto ao desejo de explorar e conhecer novos horizontes,
a verdadeira vida de viajante.
A relação com o senhor Alencar, crescera de tal forma que alcançou uma
posição de privilégio, para isso podemos observar quando é dito que “a esperteza, a
inteligência, a sensibilidade de Gonzaga, fizeram com que ele travasse relações
privilegiadas com a família Alencar” (DREYFUS. 2012, p.43). Apartir deste
estreitamento de relações, que o menino Gonzaga tivera a oportunidade de
aprender a ler, afinal de contas, para andar com o senhor Alencar era necessário ser
letrado.
Nesta vida de viajante conseguira comprar uma sanfona, aquela que seria o
instrumento de trabalho do futuro Rei do Baião, para isso obtivera uma “ajuda” do
coronel Aires de Alencar, um “empréstimo” que deveria ser descontado com dias de
24
trabalho a realizar-se, sendo assim, após o pagamento deste suprimento, Luiz
Gonzaga tomaria uma decisão que marcaria a sua vida. Deixar de trabalhar para o
coronel e dar início em 1926, com apenas catorze anos de idade a tão sonhada vida
artística.
Neste período começou a ter mais notoriedade do que o seu pai, sendo
chamado com muito mais frequência para tocar nas festas. Com o dinheiro que
recebia deixava boa parte com os pais para ajudar nas despesas de casa, esta
preocupação com a família e com os amigos era uma das peculiaridades de
Gonzaga, que por diversos momentos de sua vida demonstrou tal sentimento. A
outra parte do dinheiro seria destinada ao uso pessoal, posto que, era um menino
bem vaidoso, como podemos observar no depoimento de uma parente à Dominique
Dreyfus:
Quando começou a ganhar dinheiro, Gonzaga passou a mandar fazer as
roupas dele. Ele ia muito arrumadinho: calça e paletó branco, porque quem
não andava de branco não era boa gente, era terno de brim, sapato – ele
nunca gostou de andar de chinelo ou alpercata – e chapéu de massa
porque na época ele não usava chapéu de couro. (2012, p.47)
Diante do cuidado com a aparência, Gonzaga despertava o interesse de muitas
meninas e namorador como diziam que era, não perdia a oportunidade de se
engraçar com algumas, foi assim que conhecera em sua adolescência aquela que
lhe “roubaria” o coração, Nazarena filha de Raimundo Deolindo, um importante
morador da região que ao saber do relacionamento não admitiu de maneira alguma
que sua filha namorasse um sanfoneirozinho sem futuro.
Sanfoneirozinho é apenas um eufemismo para mostrar que por detrás deste
termo estava impregnado um sentimento que até os dias atuais continua bem
presente na sociedade brasileira e mundial que é lamentavelmente o preconceito.
Era inadmissível para aqueles dias, uma menina de família se envolver com um
negro, filho de um certo “Zé Ninguém”.
As palavras ditas por Raimundo Deolino, causou grande aborrecimento em
Gonzaga, que resolvera tirar satisfações com o pai de Nazarena. Péssima ideia, pois
ao saber deste acontecimento a sua mãe resolveu ir o mais rápido para casa que
25
distava aproximadamente doze quilômetros de Exu. Disciplinadora como dizem que
era, a senhora Santana não deixaria passar barato aquele episódio, prova disso é
que ao chegar em sua residência, Luiz Gonzaga do Nascimento, com seus 17 anos
de idade tomou uma grande surra.
Este incidente é considerado um fator importantíssimo na vida de Luiz
Gonzaga, que envergonhado com o acontecimento começou a arquitetar um plano
para fugir de casa, sendo concretizado tal ação no ano de 1930, ao fugir para a
cidade de Fortaleza levando consigo a sua inseparável sanfona que posteriormente
seria vendida, as lembranças e saudades do seu grande amor. Essas memórias
foram expressadas através da canção “No Meu Pé de Serra” música composta com
a parceria de Humberto Teixeira, este homem que apresentaremos melhor no
capítulo posterior, juntamente com outros parceiros de Luiz Gonzaga.
Lá no meu pé de serra / Deixei ficar meu coração / Ai que saudades sinto/
Quero voltar pro meu sertão (Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946) Este sertão
de
Gonzaga
em
diversas
canções
aparece
reconfigurado
das
imagens
tradicionalmente vistas sobre a respectiva região.
Além de deixar um amor proibido, deixou seu pai, mãe e irmãos. Deixou o
espaço, mas não as lembranças, de um sertão de novenas, promessas,
procissões, cangaceiros, farturas e flagelos, a alegria das cheias e a tristeza
da seca. Das lembranças do Araripe nascem suas músicas. Gonzaga não
era só um cantador, era um sanfoneiro criativo, poeta de rimas, de amor e
grandezas. (LEITE. 2012. P. 06)
Logo nos seus primeiros dias no novo Estado, conseguiu mesmo sem idade
suficiente alistar-se no exército brasileiro, sendo incorporado ao 23º Batalhão de
Caçadores. Podemos fazer uma conjecturação com esta nova etapa na vida de
Gonzaga ao dizer que foram abertas as cortinas para o admirável mundo novo.
(...) entrando então na vida militar com aparente satisfação, descobrindo
maravilhado um mundo cuja existência jamais suspeitara. Tudo era
diferente, as pessoas, a relação com as mulheres, as roupas, a comida, e
tudo parecia tão imenso: a sociedade, o movimento, as ruas, e o mar, que
viu pela primeira vez (DREYFUS. 2012, p.60)
26
Os anos iam passando, e Gonzaga ia achando os dias cada vez mais
monótonos,
principalmente
pelo
fato
de
não
executar
alguma
atividade
“interessante”. Este foi o principal motivo para o filho de Januário pedir transferência
para o 11º BC, em São João Del – Rei, onde passara no concurso de corneteiro,
adquirindo desta forma alguma noção de harmonia, dedicado como sempre foi, fora
promovido a tambor-corneteiro de 1ª classe em janeiro de 1933, ganhando de seus
colegas o apelido de bico de aço, detalhe, mesmo com tamanha desenvoltura Luiz
Gonzaga não sabia algumas notas musicais, o fato de está numa posição de
destaque não o animou, pois tocar corneta estava bem abaixo das expectativas e
ideias que Gonzaga tinha da música.
Fez amizade com o soldado da polícia Domingos Ambrósio que tocava sanfona
onde passou a estudar ou aprimorar o uso deste instrumento; o problema é que
desde que vendera a sua sanfona, durante a sua fuga de casa, não tinha mais
adquirido outra, desta forma, seria bem difícil estar treinando ou exercitando, mas
com um pouco de esforço conseguira comprar uma sanfona de 48 baixos usada,
onde passara a tocar nas festas de Juiz de Fora e posteriormente em Ouro Preto
para onde foi transferido no ano de 1937.
Após dez anos no Exército foi forçado a sair, haja vista que, existia uma lei que
não permitia ultrapassar este tempo, sendo assim, em março de 1939 Gonzaga
embarcou num trem rumo a cidade do Rio de Janeiro a esperar, num quartel no
Batalhão das Guardas o navio que o levaria para o Estado de Pernambuco, tempo
de espera que poderia durar dias.
Temos um pensamento que se encaixaria perfeitamente na trajetória de vida
de Luiz Gonzaga: Os sonhos não foram feitos para serem sonhados, mas sim para
serem realizados, “as cortinas dos palcos da vida” se abriria mais uma vez para
Gonzaga, destarte, conhecera um soldado que ao vê-lo com a sanfona, perguntou-o
se tocava, ao ouvir uma resposta positiva, indicou o Mangue, um bairro vizinho ao
quartel em que Luiz estava hospedado que por sinal era bem conhecido da atual
Cidade Nova, um bairro comumente frequentado por muitos artistas, onde teria a
oportunidade de granjear algum dinheiro até o dia de sua viajem. Dreyfus descreveo da seguinte maneira:
27
Por lá perambulavam os náufragos da noite: beberrões, soldados,
marinheiros, boêmios de sorte, malandros, que ainda não “chacoalhavam
nos trens da Central”, mendigos, ladrões de carteira, músicos aspirantes,
músicos confirmados, o pessoal do samba. O Mangue fervilha, com seus
bares lotados, seus inferninhos, à porta dos quais as mulheres praticamente
nuas esperavam os fregueses. Ao alarido das ruas, juntavam-se as vozes
das prostitutas gritando obscenidades, palavrões ou convites libidinosos, e a
cacofonia alegre dos inúmeros músicos que ali vinham animar a noite.
(DREYFUS. 2012, p.78)
Dominique Dreyfus, faz-nos uma descrição tão realista do Mangue, que faz-nos
lembrar de um clássico da literatura brasileira, O Cortiço de Aluísio de Azevedo,
onde o autor com minúcias de detalhes consegue retratar ou reproduzir os espaços,
personagens e o cotidiano das pessoas.
Fora neste bairro que o filho de Januário iniciara mais uma etapa de sua vida,
com a sua Horner branca de 80 baixos, se atirou na vida, procurara um lugar para
tocar e puxou o fole, cantando não as músicas de sua terra, mas as músicas que
eram cantadas no Sul, que aprendera com Domingos Ambrósio: valsas, foxtrotes,
tangos, choros. O público gostou, prova disto foi quando Gonzaga passou a latinha
para receber algumas moedinhas recebeu um valor significativo, ficou tão encantado
que acabara esquecendo do navio, do sertão e de ir embora.
Uma das habilidades de Gonzaga era para fazer amigos, e foi justamente com
este talento que conheceu o baiano Xavier Pinheiro que era casado com uma
portuguesa de nome Leopoldina, na ocasião o baiano convidou-o para jantar em sua
casa que localizava-se no bairro de São Carlos e posteriormente para morar; um
excelente convite para quem estava à procura de um lugar para ficar, já que, não
poderia ficar mais no quartel. Os dias foram passando e subsequentemente
Gonzaga mudando de casa; passou a morar na casa da sogra de Xavier e logo após
na casa da vizinha de seu novo amigo Xavier Pereira é um homem merecedor de
destaque na vida de Luiz Gonzaga, pois o ajudara grandemente, no acolhimento,
apresentação de lugares importantes e bem frequentados da cidade para que Luiz
pudesse tocar a sua sanfona.
Chega um determinado momento que Gonzaga diante de um “universo” tão
diferente da sua terra natal, chega de forma inconsciente negar as suas origens
28
numa tentativa de ser melhor aceito no meio em que vivia. É o que defende Laraia
(2001)10 quando demonstra como a cultura influencia o comportamento social e
diversifica.
Ninguém sabia que eu era nordestino. Eu já era um malandro, me atirava no
meio dos crioulos, vestindo igual a eles, até cantava samba nas gafieiras.
Eu tinha interesse em me adaptar ao sotaque carioca. Sotaque nordestino
havia muito tempo que eu já tinha perdido. Também já tinha saído do
Nordeste há mais de nove anos. Quando dei baixa no exército e saí de
Minas Gerais, já estava ficando mineiro. (GONZAGA apud DREYFUS, 2012,
p.81)
É envolvido nesta nuvem aculturada que Luiz Gonzaga, da continuidade a sua
carreira musical, tocando com sua inseparável Horner branca de 80 baixos, os
ritmos comumente tocados no Rio de Janeiro; ritmos que rapidamente seriam
substituídos graças ao desafio de estudantes cearenses, que o ouviram e
desafiaram-no à tocar alguma coisa de sua terra, ou seja, do Nordeste.
Para que determinados acontecimentos sejam concretizados na vida do
homem, é necessário que seja dado o primeiro passo, ou que, seja estimulado pelo
próximo. Fora este desafio que mudara completamente a sua vida, é como diz a
terceira lei do físico Isaac Newton, intitulada de: Princípio da ação e reação. Como
não levava “desaforo” para casa, Luiz Gonzaga aceitara o desafio, prometendo-o na
próxima oportunidade cantar e tocar algo de sua terra. Promessa feita, promessa
cumprida; quando tocou o seu “Pé de Serra”, desconhecido do público rotulado
posteriormente de “xamego” foi uma inesquecível surpresa.
Foi uma loucura. Respirei fundo, agradeci e joguei o “vira e mexe” (...) Ah!
Foi mais loucura ainda. Parecia que o bar ia pegar fogo. O bar tinha lotado,
gente na porta, na rua, tentando ver o que estava acontecendo no bar. Aí
peguei o pires. Na terceira mesa já estava cheio. Aí eu Gritei: “Me da um
10
O autor procura convencer através de estudos empíricos e análises históricas de que a cultura
pode se desenvolver das mais variadas formas possíveis em qualquer lugar do mundo, sejam eles
próximos ou longínquos. Maiores informações ver: LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito
antropológico — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
29
prato”. Daqui a pouco o prato estava cheio. Aí pedi uma bandeja. E pensei:
agora a coisa vai. (GONZAGA apud DREYFUS. 2012. p.82-83)
Diante disso Gonzaga tomara consciência do valor de sua cultura musical e
animado com o sucesso que fizera no Mangue com a sua música pé de serra, tentou
mais uma vez apresentar-se no programa de Ary Barroso, uma vez que, já havia se
falhado com os “hits” da modernidade, tentaria desta vez o seu “Vira e Mexe” que foi
antecipadamente ironizada por Ary Barroso, mas para surpresa de todos, quando
soou o último acorde da música, Gonzaga debaixo de muitos aplausos receberia a
nota máxima,
No entanto, naquele bendito domingo, o maior êxito de Gonzaga foi a de ter
afirmado, com sucesso, sua personalidade própria, sua originalidade,
interpretando não aquilo que estava na moda, como fazia nos bares, nos
dancings, nas esquinas das ruas e nos programas de calouros, mas o que
ele próprio estava a fim de tocar. (DREYFUS. 2012, p.86)
Este concurso abrira as portas para o sucesso de Gonzaga que trabalhou em
algumas rádios como tocador, onde lançara vários discos, mas o seu desejo mesmo
era de além de tocar cantar, para poder falar sobre as coisas da sua região algo que
“não demorou muito”, mesmo com o preconceito de diversos artistas quanto à sua
voz por não corresponder a estética da época, conseguiu em 11 de abril de 1945
realizar o que tanto desejava: entrou no estúdio da Victor, gravou além do seu
vigésimo quinto disco de sua carreira o primeiro como cantor. Daí em diante,
contaria com colaboração de muitos parceiros para compor algumas canções que
seriam posteriormente eternizadas na música brasileira.
30
CAPÍTULO II - LUIZ GONZAGA, UM ARTISTA DO SERTÃO QUE CANTA O
NORDESTE E ENCANTA A NAÇÃO
Eu queria cantar o Nordeste. Eu tinha a música, tinha o tema.
O que eu não sabia era continuar.
Eu precisava de um poeta para escrever aquilo que eu tinha na cabeça,
de um homem culto para ensinar as coisas que eu não sabia.
Luiz Gonzaga
2.1 - Parcerias de sucesso
Quando observamos a história de algumas figuras ilustres da arte brasileira,
conseguimos identificar que, muitas vezes, o processo criativo de tal artista em
destaque contou com grandes parceiros nem sempre reconhecidos, mas de
fundamental importância para o sucesso e a carreira de músicos e artistas de
diversas áreas. Levando em consideração que parceria é a união de pessoas em
prol de um objetivo ou interesse comum, percebemos como a união ou a falta dela,
entre interprete e compositor, muitas vezes pode ser determinante para o sucesso
ou fracasso de uma carreira musical.
O que interessa neste tópico é analisar, ainda que de forma sucinta, alguns
fatores que contribuíram para a propagação das músicas de Luiz Gonzaga, bem
como apresentar alguns de seus parceiros musicais que foram determinantes para a
ascensão de sua carreira no cenário nacional. Na oportunidade destacaremos
algumas músicas que ficaram marcadas por seu grande sucesso.
Dentre os acontecimentos marcantes, há de se observar a Era de Ouro do
rádio brasileiro que teve o seu início a partir dos anos de 1930, e fora justamente
neste contexto que Gonzaga esteve inserido. O rádio trouxera para o país uma série
de benefícios culturais, visto que o mesmo:
Permite uma encenação de caráter simbólico e envolvente, estratagemas
de ilusão participativa e de criação de um imaginário homogêneo de
comunidade nacional. [...] Efeitos sonoros de massa podem atingir e
estimular a imaginação dos radio - receptores, permitindo a integração, em
variados tons emissor e ouvinte, para se atingir determinadas finalidades.
(LENHARO, 1986, p. 40-41)
31
É através das ondas sonoras, deste importante elo de comunicação entre o
“Norte e Sul” que Gonzaga consegue apresentar e difundir uma musicalidade “nova”,
diferente das ouvidas, até então, nas bandas do Sul/Sudeste. O rádio fora
fundamental para a propagação do seu sucesso, visto que, nas décadas de 1930 e
1940 é intensificado com o crescimento da indústria e, consequentemente, o
aumento da mão de obra atraindo, desta maneira, milhares de nordestinos bem
como de outras regiões que fugiam das condições adversas que se encontravam.
Dessa forma o rádio serviu de elo para essas pessoas que lembravam
constantemente das terras que foram, diante das circunstâncias, obrigados a deixar.
Uma vez que inicia a sua carreira como cantor profissional, seria necessário
alguém que o ajudasse a transliterar o que estava em sua memória, muitas eram as
ideias, porém, era necessário alguém com habilidade para ajudá-lo na escrita das
músicas. Ao longo de sua trajetória musical, Luiz Gonzaga contara com diversos
parceiros compositores, que escreveram juntamente com ele músicas cantadas por
diversas gerações e que ainda nos anos atuais continuam sendo lembradas por
suas letras e principalmente por suas interpretações que eram únicas. Através dos
seus lábios eram pronunciadas palavras tão fortes e profundas que eram capazes
de manifestar todo tipo de sentimento: da alegria à tristeza, do canto e sorriso ao
choro.
Dentre os compositores que ajudaram Luiz Gonzaga na sua trajetória musical,
citaremos três que foram de fundamental importância para sua carreira. O primeiro
deles Miguel Lima, foi o responsável por escrever a primeira música de trabalho de
Luiz Gonzaga como cantor, foi através de suas músicas que o Brasil teve a
oportunidade de conhecer a voz do Rei do Baião. Miguel Lima escreveu o “Dança
Mariquinha”, uma música que não fez tanto sucesso entre o público. No lançamento
do segundo disco Gonzaga gravou o xamego “Penerô Xerém” e “Cortando o Pano”,
letra inspirada pelo gosto do cantor em vestir-se de acordo à moda, sendo
considerado por alguns como um dos primeiros a usar paletó com fenda atrás.
Vale apena lembrar que antes mesmo de cantar sobre as peculiaridades do
Nordeste, o filho de Januário já tinha se aventurado em valsas, foxtrotes, polcas e
outros gêneros musicais, grande parte deles aprendidos em São João del Rei (MG)
32
com Domingos de Ambrósio, com quem aprendera também à tocar a sanfona de
120 baixos.
Escrever sobre os acontecimentos os quais tinha vivido foi uma marca peculiar
na carreira de Luiz Gonzaga, que transformava as suas vivências, experiências em
verdadeiras canções. “Cortando o Pano”, diferentemente de “Dança Mariquinha” foi
um grande sucesso, o que o ajudou diminuir a desconfiança que ainda existia em
relação a sua voz.
Miguel Lima é considerado pela crítica musical um dos compositores
injustiçados, devido ao seu pouco reconhecimento artístico, era um homem que não
tinha muita habilidade em escrever músicas de cunho regionalista, em contrapartida,
“provou que era bom de samba, baião, xamego, choro, maxixe, calango e
marchinhas de carnaval” NETO (2012). Apesar de sua habilidade em outros estilos
musicais, Gonzaga não estava satisfeito, pois ainda não era aquilo que ele queria.
Eu me lembrava do Nordeste, eu queria cantar o Nordeste. E pensava que
o dia em que encontrasse alguém capaz de escrever o que eu tinha na
cabeça, aí que eu me tornaria um verdadeiro cantor. O Miguel Lima foi o
primeiro parceiro que me apareceu. Mas o seu raio cultural não era o
nordestino. O “Dezessete e Setecentos” foi fácil de fazer, porque não tinha
compromisso regional (GONZAGA apud DRYFUS. 2012, p.105)
Era perceptível que até o momento citado havia uma ausência de
representatividade da música nordestina no cenário nacional, e esta percepção
incomodava Luiz Gonzaga que deseja encontrar alguém, um parceiro que assim
como ele entendesse o Nordeste. Foi assim nesta procura incessante que
conhecera em agosto de 1945 o advogado cearense, da cidade de Iguatu, Humberto
Cavalcanti Teixeira, que desde cedo deixara a sua terra natal para morar na cidade
do Rio de Janeiro. Esse homem, que formou-se em direito, mas tinha por paixão à
música, encontrou em Luiz Gonzaga a possibilidade de mergulho no universo
musical/poético. Desse modo, tal encontro o levara a compor diversas canções,
inúmeras delas consagradas nas interpretações de Luiz Gonzaga.
Humberto Teixeira, futuramente receberia o título de “Melhor compositor do
Brasil” e tornar-se-ia embaixador da Música Brasileira em diversos países, este
33
acontecimento possibilitou uma maior divulgação dos artistas brasileiros no exterior
e, consequentemente, incentivou-os em diversas turnês que ficaram famosas na
década de 1960. A partir desta parceria teve o “baião” a oportunidade de sair dos
bastidores para assumir uma posição de destaque no palco principal da música
popular brasileira.
Tal associação ajudou-o a colocar de vez a música nordestina no cenário
nacional. Recebendo desta forma o título de “Doutor do Baião”, uma vez que,
trouxera este “novo” ritmo para fazer parte da história da música popular brasileira,
considerada por MORAES (2010) “um “novo” gênero pelo viés da resistência
cultural”. É interessante perceber que antes de (re)inventar juntamente com
Gonzaga esse novo ritmo, Humberto Teixeira, já compunha e já era conhecido no
meio artístico. Era conhecido de Tom e Vinícius e de figuras importantes do universo
musical carioca.
Antes de se tornar o doutor do baião, exímio e lírico letrista responsável por
versos e letras que instauraram uma ponte poético musical de acesso ao
drama da seca e à cosmologia do mundo rural pastoril do sertão nordestino,
Humberto Teixeira, já era bastante conhecido e celebrado como compositor
de sambas e marchinhas de carnaval. (ALVES, 2012. p. 222)
A sociedade entre os dois, desde o primeiro encontro dera provas que seria
bem-sucedida, pois no primeiro encontro conseguiram escrever a letra da música
“Lá no meu pé de serra”, mas foi apresentado ao público esta nova parceria com o
“Baião” um ritmo musical pouco conhecido, tanto é que gravara após 3 anos de seu
lançamento, pois o medo pelo desconhecido o fez dar a música para um grupo mais
conhecido do público que foi o grupo Quatro Azes e um Coringa.
Humberto Teixeira é considerado por muitos como o Doutor do “Baião”, pois
ajudara a “popularizar” este ritmo tão desconhecido no cenário brasileiro, mas que
em pouco tempo chegou a dominar a maior parte das execuções musicais no país,
uma vez que:
[...] Dançando em bailes da cidade e do campo, o baião chegou a dominar
80% das execuções musicais em todo o território brasileiro. Em toda parte
34
só se ouvia o baião e compositores do Sul, como Hervê Cordovil e Waldir
Azevedo, logo aderiram. Foi uma revolução, a música popular brasileira,
que então oscilava entre o samba-canção e os ritmos importados, foi
surpreendida por algo completamente novo e gostoso: o baião. (OLIVEIRA,
apud SANTOS, 2004, p.48)
Utilizamos o termo “popularizar” pelo fato de compreender que não há uma
unanimidade quanto a pré-existência do Baião, haja vista que, Elder P. Maia Alves
em seu livro A Sociologia de um Gênero: O Baião11, defende a ideia de que este
ritmo foi, literalmente, inventado por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, com as
suas diversas batidas, e com um ritmo dançante diferente, dos modelos conhecidos
da época, possibilitava trazer para o contexto social diversos aspectos do cotidiano.
Já Albuquerque Júnior, (2011, p.155) diz que “o baião é calcado no hibridismo
porque surgiu na fusão com elementos do samba, do choro e de outros ritmos
urbanos” e que nascera para atender a uma necessidade de uma música nacional.
Segundo o autor:
Ele vem atender a necessidade de uma música nacional para dançar, que
substituísse todas aquelas de origem estrangeira. Daí sua enorme acolhida
num momento de nacionalismo intenso, fazendo-o frequentar os salões
mais sofisticados em curto espaço de tempo. O baião será a musica do
Nordeste por ser a primeira que fala e canta em nome desta região
(ALBUQUERQUE JR., 2011, p.155).
Para entender o projeto da música nacional é necessário relembrar a década
de 1920 a 1950, um momento em que o país, procurava através de vários
acontecimentos a exemplo da Semana de Arte moderna em 1922; “estabelecer”
uma identidade nacional, através da arte, cultura e música, numa tentativa de
renovação no ambiente cultural, que queria libertar-se dos modelos antigos e instalar
um novo conceito.
Quanto ao projeto da música nacional pensado na Semana de Arte Moderna,
embora não houvesse um modelo pré-estabelecido, existia uma divisão de
pensamentos, de um lado
11
Trabalho contemplado com o Prêmio Funarte Centenário Luiz Gonzaga (2012). A obra busca
lançar indagações e reflexões acerca das contribuições dos compositores Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira para a consecução do novo gênero musical: O Baião.
35
Músicos e intelectuais como Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Luciano
Gallet, Andrade Muricy e Renato Almeida pretendiam mudar a situação da
música no Brasil. Na sua atuação cultural estas personalidades defendiam a
criação de uma linguagem artística nacional, indo contra o gosto dominante.
(CONTIER Arnaldo apud EGG, 1988. p.10)
E do outro lado uma “burguesia cosmopolita da 1ª República, que preferia
consumir e patrocinar música romântica italiana, francesa, germânica e russa” (EGG,
1988. p.10). O modelo popular, que abordava temas do cotidiano e das questões
dos diversos “brasis” encontrou muita resistência e demorara alguns anos para que
esse modelo fosse aceito. Diante disso, o crítico e musicólogo brasileiro Mario de
Andrade defendia que:
a criação musical longe de ser individual teria que ser, num primeiro
momento de formação do nacionalismo musical brasileiro, social. A música
nova que estava sendo criada no Brasil deveria ser objeto de
reconhecimento por parte da população brasileira. (SANTOS, 2009. p. 2-3)
Dentre as canções de Humberto Teixeira, juntamente com Luiz Gonzaga,
damos destaque à “Asa Branca”, uma das músicas mais conhecidas em todo o
cenário nacional considerado por muitos como o Hino do Nordeste que alavancou a
carreira de Gonzaga, transformando-o num dos maiores astros da música popular
brasileira. Observemos a letra desta canção:
Asa Branca
Quando olhei a terra ardendo
Com a fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por falta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
36
Bateu asas do sertão
Então eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Então eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim voltar pro meu sertão
Quando o verde dos teus óio
Se espaiar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
Asa Branca é uma música composta no ano de 1947, sendo considerada a
canção brasileira com maior número de gravações, dentre os diversos artistas que
regravaram esta música podemos citar, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina,
Raul Seixas que cantou tanto em inglês quanto em português, etc. Devido a sua
atualidade permanece presente no imaginário de diversas gerações; é uma
composição com uma melodia alegre, independentemente de retratar um problema
comum em diversas regiões brasileiras, que são as longas estiagens, neste caso em
específico o Nordeste. Temos consciência de que muitos trabalhos já foram
apresentados sobre a análise desta música, porém, entendemos que ainda se faz
necessário uma apreciação desta obra tão rica em detalhes.
A música retrata as tristes condições da vida do sertanejo que se depara com
uma situação desesperadora diante de tanta sequidão, chegando a comparar a terra
com a fogueira de São João diante de tanto calor; um fato que ia além da lógica da
compreensão humana e que somente Deus poderia dar uma resposta para um
questionamento tão verdadeiro de o porquê Deus permitir tal coisa “Eu perguntei a
Deus do céu, ai / Porque tamanha judiação” A religiosidade é um outro elemento
bem presente nas músicas de Luiz Gonzaga, porém tal discussão não é objeto de
análise neste trabalho.
37
Mesmo com uma melodia alegre, é possível perceber a tristeza do homem
sertanejo, que se vê com as mãos atadas, e com um sentimento de impotência pelo
fato de nada poder fazer diante de tal situação de perda total de seus bens. “Que
braseiro, que fornaia/ Nem um pé de prantação/ Por falta d'água perdi meu gado/
Morreu de sede meu alazão”. Esta passagem nos lembra o poema de Fernando
Pessoa intitulado de “de tudo ficaram três coisas”. Na oportunidade o poeta nos fala
que: estamos começando, que é preciso continuar e por fim que as vezes temos a
sensação de sermos interrompidos antes mesmo de terminarmos. O fato de
lembrarmos deste poeta é justamente por perceber na canção, um otimismo e uma
mensagem, ainda que de maneira implícita, de que apesar de tudo é possível
recomeçar.
Até a Asa Branca, bateu asa e voou levando consigo a esperança de dias
melhores, “Inté mesmo a asa branca/ Bateu asas do sertão/ Então eu disse, adeus
Rosinha/ Guarda contigo meu coração” restando apenas ao sertanejo sair de sua
terra natal e partir, rumo ao desconhecido numa migração geralmente feita pelos
homens explicitando assim a divisão de papel social do homem como provedor da
família, restando às mulheres o papel de cuidarem dos filhos. Para essas mulheres,
Andréa Miranda as nomeia de viúvas da seca12, um título gerador de muitas
discussões. Em contrapartida Cândido Portinari na pintura intitulada de Os
retirantes, retrata esta migração não apenas pelo homem, mas sim de toda uma
família que foge desesperadamente da seca.
Mesmo diante de uma migração indesejada, o sertanejo leva consigo a
esperança de dias melhores e a oportunidade de poder regressar para a sua terra
natal e recomeçar uma nova vida, pois as lembranças das belezas do sertão
continuavam intactas na mente dos sertanejos que se sentiam cada vez mais
solitários numa terra desconhecida “Hoje longe, muitas léguas/ Numa triste solidão/
Espero a chuva cair de novo/ Pra mim voltar pro meu sertão”. Este sentimento de
solidão nos ajudará compreender melhor a receptividade da música de Luiz
12
Termo utilizado por Andrea Miranda em seu trabalho: O Cotidiano, Memórias e Resistências das
“Viúvas da seca” de 1932, no Município de Miguel Calmon. Jacobina. 2015. Para descrever as
mulheres cujos maridos abandonavam as famílias e migravam principalmente para o Sudeste em
busca de trabalho.
38
Gonzaga, posto que, segundo Alves (2012, p. 228) “ao juntar-se com Luiz Gonzaga,
Teixeira reassumiu a sua condição de nordestino”.
Esta atitude de reassumir uma identidade nordestina pode ser caracterizada ou
percebida através de sua escrita nesta canção, tendo em vista que, era uma pessoa
com um riquíssimo vocabulário e não utilizava no seu cotidiano palavras das quais
foram citadas. Este mecanismo utilizado por Humberto Teixeira tem um objetivo:
apresentar ao povo brasileiro uma linguagem bem comum utilizado por alguns
sertanejos e ao mesmo tempo dar legitimidade à canção, fazendo o homem
nordestino relembrar alguns acontecimentos desta triste situação que ora
enfrentavam em determinados momentos.
Segundo Marcos Bagno não podemos considerar a linguagem tida como
popular como errada, tendo em vista que, são apenas variações linguísticas de um
determinado lugar, pois para ele o que existe mesmo são preconceitos linguísticos
que:
[...] se baseia na crença de que só existe [...] uma única língua portuguesa
digna desse nome e seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas
gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística
que escape desse triângulo escola - gramática-dicionário é considerada,
sob a ótica do preconceito linguístico, ‘errada, feia, estropiada, rudimentar,
deficiente’, e não é raro a gente ouvir que ‘isso não é português’. (BAGNO,
2007, p. 39)
Assim como Gonzaga, Humberto Teixeira ajudara a mostrar um Nordeste
pouco mostrado nas grandes mídias: um Nordeste com cores, alegria e
principalmente com “vida”. Como podemos observar na canção a seguir que é
considerada a “carta de apresentação” do Baião para o povo brasileiro chamada por
Albuquerque Júnior como a música do Nordeste.
Baião
Eu vou mostrar pra vocês
Como se dança o baião
E quem quiser aprender
É favor presta atenção
Morena chegue pra cá,
Bem junto ao meu coração
39
Agora é só me seguir
Pois eu vou dançar o baião
Eu já dancei, balancei,
Chamego, samba em Xerém
Mas o baião tem um quê,
Que as outras danças não têm
Quem quiser só dizer,
Pois eu com satisfação
Vou dançar cantando o baião
Eu já cantei no Pará
Toquei sanfona em Belém
Cantei lá no Ceará
E sei o que me convém
Por isso quero afirmar
Com toda convicção
Que sou doido pelo baião
Alves (2015) afirma que foi a partir de uma conversa entre os dois músicos,
durante um primeiro encontro, em agosto de 1945 que a ideia de lançamento do
gênero musical baião ganhou consistência e viabilidade tal ritmo musical foi tão bem
aceito pela população brasileira que chegou a cruzar os limites do país, como dito
anteriormente, tal ritmo ajudou a dar projeção a carreira musical de Gonzaga,
consolidando-o como um dos artistas mais populares de todo o Brasil.
Na terceira estrofe, Mas o baião tem um quê / que as outras danças não têm
conseguimos identificar alguns elementos que torna o baião um ritmo, novo, único e
acima de tudo alegre; um sentimento muito presente no cotidiano dos nordestinos
que, infelizmente não aparece quando retratado ou representado nos textos
identitários do povo dessa região e quando aparece tem a sua imagem
caracterizada por diversos mecanismos atrelados a signos estereotipados,
basicamente apresentado como lugar de tristeza, dor e sofrimento.
Além de Asa Branca e Baião, outras músicas como: Qui nem jiló, Lorota boa,
Mangaratiba, Assum preto, Juazeiro, Paraíba, Xanduzinha, Estrada de Canindé,
Respeita Januário e No meu pé de serra, foram músicas de bastante aceitação e
sucesso em todo o território nacional.
Outra parceria de grande sucesso de Luiz Gonzaga foi com José de Souza
Dantas Filho (Zé Dantas), um pernambucano de Carnaíba de Flores, nascido em
1921. Esse é outro compositor merecedor de destaque na carreira musical de Luiz
40
Gonzaga, um homem que para atender ao desejo do pai fez o curso de medicina,
contrapondo-se a sua grande vocação voltada para a música. Um homem que,
assim como Gonzaga, amava o Nordeste e vivenciava intensamente a cultura
daquela região; segundo Santos, (2004. p.48)
Pela contribuição do compositor pernambucano, as músicas do Rei do
baião adquiriram maior identidade regional. Eles manifestam em seus
versos a opulência cultural no Nordeste e sua diversa sociedade, são
recheadas de tradições e manifestações do cotidiano do sertanejo. Entre os
vários temas abordados por Zé Dantas em seu repertório sertanejo convém
citar: a sensualidade da mulher nordestina (Vem Morena); os forrós e
confusões (Forró de Mané Vito); o drama da seca (A Volta da Asa Branca);
festas juninas (Noites brasileiras) e o progresso nordestino (Paulo Afonso).
(SANTOS, 2004. p.48)
Zé Dantas tinha o hábito de compor e não perdeu a oportunidade de conhecer
na capital pernambucana no ano de 1947 quem tanto admirava, Luiz Gonzaga, na
ocasião apresentou a música “Vem Morena” citada anteriormente e que pode ser
apreciada logo abaixo; esta que seria uma espécie de cartão de visita para se
apresentar a Gonzagão, que se tornaria posteriormente um grande sucesso.
Vem Morena
Vem, morena, pros meus braços
Vem, morena, vem dançar
Quero ver tu requebrando
Quero ver tu requebrar
Quero ver tu remechendo
Resfulego da sanfona
Inté que o sol raiar
Esse teu fungado quente
Bem no pé do meu pescoço
Arrepia o corpo da gente
Faz o véio ficar moço
E o coração de repente
Bota o sangue em arvoroço
Vem, morena, pros meus braços
Vem, morena, vem dançar
Quero ver tu requebrando
Quero ver tu requebrar
Quero ver tu remechendo
Resfulego da sanfona
Inté que o sol raiar
Esse teu suor sargado
É gostoso e tem sabor
Pois o teu corpo suado
41
Com esse cheiro de fulô
Tem um gosto temperado
Dos tempero do amor
Vem, morena, pros meus braços
A partir desta parceria o povo brasileiro teve a oportunidade de conhecer o
grande compositor que seria Zé Dantas, um homem que além de entender o
Nordeste conhecia como poucos, as características e a realidade daquela região,
pois diferentemente de Humberto Teixeira, que saiu cedo do seu lugar de origem, Zé
Dantas permaneceu até a vida adulta em Pernambuco e por isso conhecia com mais
propriedade a realidade e singularidades do povo nordestino. Segundo Dreyfus
(2012)
Afastado do Nordeste desde menino, Humberto Teixeira era mais do asfalto
do que do sertão; ele mentalizava o mundo nordestino, mas não possuía o
conhecimento de Zé Dantas, que o vivera por dentro, que levava o Nordeste
em si, que era o próprio Nordeste(...) Com Humberto, Gonzaga realizara o
seu projeto de lançar a música do Nordeste no Sul. Com Zé Dantas ele iria
mais longe, transformar-se-ia num militante da alma do Nordeste. O
compromisso era mais forte, mais visível, mais sensível nas letras de Zé
Dantas, do que nas do autor de “Asa Branca”. (DREYFUS, 2012, p.149)
Zé Dantas, juntamente com Humberto Teixeira são considerados por muitos
como os principais parceiros musicais de Luiz Gonzaga, pois conseguiram através
de suas canções apresentar o Nordeste, numa perspectiva bem diferente da qual
era e ainda é visto com frequência, especialmente na grande mídia. Não omitiram
sobre as suas durezas e sofrimentos, mas valorizaram acima de tudo o sertão
nordestino, pois ambos tinham “uma vivência da cultura regional, uma memória
afetiva dos símbolos que faziam parte das dinâmicas e tradições ligadas ao
Nordeste” (GAMA 2012, p.41).
Nesta mesma perspectiva VASCONCELOS (2011) trabalha a questão da
identidade e valorização quanto ao pertencimento a uma região, quando procura
explicar como os discursos identitários hegemônicos, proferidos ao longo dos
tempos, contribuem para formar imagens estereotipadas de determinados lugares.
No caso da nossa análise uma das imagens fixas sobre o Nordeste é a dos seus
42
moradores, que certamente procuraria outros lugares visando melhorar de vida, já
que a sua terra não lhes proporciona condições favoráveis. Porém, ao observarmos
a canção Riacho do Navio, composta em 1955, por Zé Dantas e Gonzaga, podemos
perceber que, no caso do peixe citado na música, que representaria o nordestino,
ele não visualiza a possibilidade de felicidade na cidade grande, pelo contrário ele
quer voltar para o seu ranchinho, pra sua terra, para vivenciar as delícias e prazeres
do interior do Brasil. Embora esta análise possa ser contestada, vamos a música:
Riacho do Navio
Riacho do Navio
Corre pro Pajeú
O rio Pajeú vai despejar
No São Francisco
O rio São Francisco
Vai bater no "mei" do mar
O rio São Francisco
Vai bater no "mei" do mar (Bis)
Ah! se eu fosse um peixe
Ao contrário do rio
Nadava contra as águas
E nesse desafio
Saía lá do mar pro
Riacho do Navio
Eu ia direitinho pro
Riacho do Navio
Pra ver o meu brejinho
Fazer umas caçada
Ver as "pegá" de boi
Andar nas vaquejada
Dormir ao som do chocalho
E acordar com a passarada
Sem rádio e nem notícia
Das terra civilizada
Sem rádio e nem notícia
Das Terra civilizada
Na segunda estrofe, conseguimos perceber com mais clareza esta ideia, o
desejo de remar contra a maré, uma vez que, nem só de tristezas e sofrimento é
feito o Nordeste. Temos consciência que nas décadas de 1950 e 1960, bem como
nas décadas posteriores, houve um grande fluxo de migração para a região que
compreende hoje o Sudeste, embora esse êxodo nordestino tenha sido intensificado
a partir da década de 1930. Ah! se eu fosse um peixe/ Ao contrário do rio/ Nadava
43
contra as águas, mas o que pretendemos observar nesta canção é justamente o
desejo e identificação do homem com o seu lugar de pertencimento, longe das
turbulências dos grandes centros urbanos. Um desejo compactuado por muitos nos
dias atuais, ou seja, o regresso para a sua terra natal.
O nadar contra as águas é na verdade um grito de protesto de um povo que ao
longo dos anos tem sofrido com os estereótipos atribuídos à esta região, visto como
um lugar de inúmeros adjetivos negativistas, como: um território de sofrimento, seca,
dor, analfabetismo e falta de esperança.
Embora percebamos que as representações sobre a respectiva região têm
mudado ao longo dos tempos, ainda é possível detectar nos dias atuais uma
imagem predominantemente ligado à imagens depreciativas algo lamentável, a final
de contas o Nordeste como as demais regiões do país tem seus problemas, tanto no
âmbito social, quanto físico (geográfico e climático), porém isso não pode ser
impeditivo para que outros aspectos dessa região sejam lembrados e destacados.
Diante de tal afirmação nos perguntamos: Qual o papel de Gonzaga nesta
conjuntura? Risério, (1990) afirma ser simples a resposta para essa pergunta:
Penso que é possível afirmar, sem risco de erro, que Luiz Gonzaga
desempenhou aí o papel nada insignificante de uma força
antidesagregadora. Atuando na dimensão dos signos – e em plano de
massas – Gonzaga trouxe um universo familiar aos nordestinos, com suas
representações conhecidas e seus referenciais nítidos.
Pois sendo o Nordeste o eixo temático principal de suas canções, que não
foram poucas, podemos afirmar que Gonzaga se construiu como o principal ícone
dessa tão marcante região no Brasil. Vejamos abaixo o número de canções e
gravações feitas pelo Rei do Baião num apanhado feito por Silva:
Luiz Gonzaga gravou 625 músicas sem regravações e 992 regravações,
somando um total de 1.617 músicas gravadas, distribuídas em 125 discos
de 78 rpm, 41 compactos de 33/45 rpm-simples e duplos, 6 LP’s de 33
rpm/10 polegadas, 79 LP’s de 33 rpm/12 polegadas – originais e 15 LP’s de
33 rpm/12 polegadas- compilações, somando um total de 266 discos
gravados. O Rei do Baião compôs 53 canções sozinho, 243 com parcerias e
329 foram apenas interpretadas por ele. Uma vida inteira dedicada à
música. Suas canções mantinham um certo padrão temático. (1997, p. 2324)
44
Temos consciência de que as imagens representadas nas canções e
composições de Luiz, “são passiveis de inúmeras interpretações, não tendo uma
mesma representatividade ou sentido para todos os que ouvem”, (GAMA, 2012,
p.46). Talvez este seja um dos motivos a levar diversas pessoas a pesquisar e
escrever sobre este artista brasileiro que cantou e encantou com o seu jeito peculiar.
Ficando no ar a seguinte pergunta: Este Nordeste cantado por Luiz Gonzaga é
predominantemente triste, sofrido, com imagens que nos faz lembrar apenas das
desgraças que assolam esta região? Ou é um Nordeste alegre, festeiro, que propicia
a população desta região a oportunidade de mostrar as belezas e riquezas do seu
lugar? Afinal! Qual faceta do Nordeste está mais presente nas canções de Luiz
Gonzaga? É a essa pergunta que tentaremos responder no capítulo seguinte!
45
CAPÍTULO III - QUAL IMAGEM DE NORDESTE PREVALECE NAS CANÇÕES DE
LUIZ GONZAGA?
Todos precisam de suas lembranças,
elas evitam a miséria da insignificância
Lowenthal
3.1 Preguei sobre as rosas, mas não esqueci dos espinhos
Segundo Olavo Bilac, “não há alma que possa viver sem saudades”, diante de
tal constatação pretendemos, neste capítulo, analisar algumas músicas e tentar
diagnosticar sobre qual imagem/representação de Nordeste prevalece nas músicas
compostas e interpretadas por Luiz Gonzaga. Se um Nordeste seco, pobre e triste,
povoado por pessoas marcadas por um destino sofrido e sem esperança ou se um
Nordeste festivo e cheio de fartura, povoado por pessoas que tem orgulho e gostam
de viver na sua terra.
Em diversas canções o filho de Januário recorre à memória e as lembranças do
seu passado para fundamentar e afirmar a sua própria identidade, para Todorov:
A recordação do passado é necessária para afirmar a própria identidade,
tanto individual como de grupo. Um e outro também se definem,
evidentemente, por sua vontade no presente e seus projetos de futuro; mas
não podem prescindir dessa primeira lembrança. ( 2002, p. 199)
Na grande maioria de suas canções e interpretações Luiz Gonzaga, menciona
as particularidades do Nordeste: seu povo, seus costumes, alegrias, tristezas,
religião, culinária, etc. Para tratar disso fica evidente como Gonzaga recorre, muitas
vezes, às suas lembranças para explicar e apresentar o Nordeste. Como
mencionado no primeiro capítulo, ainda na sua mocidade deixou a casa de seus
pais, rumo ao desconhecido levando consigo na memória as imagens de um lugar
único, repleto de ambiguidades.
46
Em seu livro “Memória e Sociedade: Lembranças dos velhos”, Ecléa Bosi
(1987, p. 43) procurou apresentar o cotidiano, vivências e experiências dos velhos a
partir de suas memórias, na oportunidade a escritora nos diz que: “O narrador tira o
que narra da própria experiência e a transforma em experiência de quem a escuta”.
É este mecanismo utilizado por Gonzaga, que toma como ponto de partida suas
experiências, apresentando uma faceta menos conhecida do Nordeste para grande
parte do povo brasileiro e ao mesmo tempo traz para os migrantes nordestinos a
lembrança de pertencimento a um lugar. A partir desta recordação o indivíduo
constrói elementos que o ajuda a selecionar, ainda que de maneira implícita, alguns
signos de seu lugar de pertencimento. Utilizamos o termo selecionar por concordar
com Ulpiano Meneses (1992. p.12) quando nos fala que a memória é seletiva pelo
fato dela “não dar conta do passado nas suas múltiplas dimensões e
desdobramentos”.
Foram essas memórias um dos combustíveis, utilizados por Teixeira durante a
composição de suas músicas sobre o Nordeste, tendo em vista que, como
mencionado no capítulo anterior, Teixeira saíra bem cedo do Nordeste e quando
encontrara com Gonzaga já havia se passado 16 anos residindo na cidade do Rio do
Janeiro. Desta maneira, coube ao futuro Doutor do Baião, relembrar de um Nordeste
do qual ele já, há muito tempo não vivenciara
Segundo Alves (2012, p.128) esse distanciamento temporal requer “uma
reflexão mais demorada e cuidadosa sobre a formação da memória social e
individual”. É por pensamentos como esses que somos impulsionados a questionar:
O Nordeste de Luiz Gonzaga existe apenas em suas canções? Qual a
predominância dos signos desta região em suas composições e interpretações?
Antes de responder a tal questionamento gostaríamos de refletir um pouco
mais sobre o conceito de memória apresentado por Von Simson em seu trabalho:
Memória, Cultura e Poder na sociedade do esquecimento. É afirmado que:
Memória é a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado
e retransmiti-los às novas gerações através de diferentes suportes
empíricos (voz, música, imagem, textos etc.). Existe uma memória individual
que é aquela guardada por um indivíduo e se refere às suas próprias
47
vivências e experiências, mas que contém também aspectos da memória do
grupo social onde ele se formou, isto é, no qual esse indivíduo foi
socializado. (VON SIMSON, 2013, p. 14)
Esta retransmissão apontada pelo autor foi apresentada na maioria das
músicas de Gonzaga para o seu público, ora como forma de protesto, ora como
lamento, ora como forma de apresentar com orgulho o seu lugar de origem, para
isso, tanto Humberto Teixeira quanto Luiz Gonzaga recorrem às suas memórias
subterrâneas, para proporcionar uma construção coletiva da memória. Nesse
sentido, afirma mais uma vez Von Simson (2013, p. 15):
É verdade que nós não nos lembramos de tudo o que aconteceu ou que nos
foi ensinado ao longo de nossa vida. Descartamos a maioria das
experiências vivenciadas e só retemos aquelas que possuem significado,
isto é, são funcionais para nossa existência futura.
Baseados nessa seleção da memória, do que tem significado para os
compositores citados e buscando responder a pergunta central da presente
pesquisa: Qual imagem de Nordeste prevalece nas canções de Luiz Gonzaga?,
convidamos o leitor para, a partir desse momento, acompanhar conosco a análise de
uma série de músicas compostas ou interpretadas por Luiz Gonzaga que, a nosso
ver, responde a questão em evidência.
Selecionamos para isso um total de 10 músicas e optamos por trazê-las na
seguinte ordem: primeiro, 02 músicas que nos remetem a uma imagem dicotômica
ou relativista do Nordeste. Nessas canções tal região é retratada tanto como um
lugar sofrido de um povo que luta incansavelmente sem muita perspectiva, mas, ao
mesmo tempo e, apesar disso, é o melhor lugar para se viver. Em seguida faremos
uma mostra de 4 músicas que falam de um Nordeste positivado, de festas, alegrias,
prosperidade e por fim 4 canções que retratam o Nordeste ou o nordestino como um
ser sofrido e desprovido de condições básicas para uma vida mais digna.
Iniciaremos com a análise da música Algodão de Zé Dantas e Luiz Gonzaga
(1953) quando nos é apresentado os dois lados deste Nordeste, de um lado a
imagem de que é necessário ser forte e valente para conviver nesta região, para
48
vencer a lida do dia-dia e do outro lado a alegria e a comprovação de que é possível
plantar, colher e ao final de tudo fazer uma grande festa. Explicitando
categoricamente
como
a
região
Nordeste
continua
contribuindo
para
o
desenvolvimento e enriquecimento do país. Vamos a música:
Algodão
Bate a enxada no chão
Limpa o pé de algodão
Pois pra vencer a batalha,
É preciso ser forte, robusto, valente ou nascer no sertão
Tem que suar muito pra ganhar o pão
E a coisa lá "né" brinquedo não
Mas quando chega o tempo rico da colheita
Trabalhador vendo a fortuna se deleita
Chama a família e sai, pelo roçado vai
Cantando alegre ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, (2X)
Sertanejo do norte
Vamos plantar algodão
Ouro branco que faz nosso povo feliz
Que tanto enriquece o país
Um produto do nosso sertão.
Podemos verificar que apesar de tanta luta para entabular a terra, vale a pena
passar por toda esta dificuldade, uma vez que, é mais do que prazeroso convidar
amigos e familiares para alegrarem consigo e poderem presenciar a recompensa de
todo um trabalho, na oportunidade a canção faz questão de mostrar sobre a
importância desta região e como ela tem contribuído para o desenvolvimento do
país.
A outra música é Vozes da seca, gravada no ano de 1953 em parceria com Zé
Dantas, é uma das canções mais conhecidas desta parceria, a música é um protesto
do sertanejo pelo descaso dos governantes para com a situação climática bem
comum na Região Nordeste, que passa em determinados momentos por
dificuldades devido à má distribuição de chuvas. É considerada por muitos como a
primeira canção de protesto da música popular brasileira, haja vista que, escolheu
como destinatário de tal crítica o Governo Federal, por não tomar medidas ou
instituir algum programa de socorro aos atingidos pelas secas.
49
Vozes da Seca
Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cume
Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage
Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage
Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage
Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage
Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos
Como “representante do povo sertanejo” Gonzaga eleva a voz em protesto
criticando um assistencialismo que em nada mudaria a situação do homem
sertanejo, cobrando dos governantes, mas acima de tudo dignificando o nordestino
desprezando o estereótipo de coitadinho. Esta canção é singular por ajudar-nos à
desvendar
uma
possível
resposta
ao
questionamento
deste
tópico,
pois
conseguimos visualizar a simultaneidade de sentimentos nesta música.
Ao mesmo tempo em que ouvimos um pedido de socorro diante de uma
situação tão desoladora, percebemos também uma declaração ou um protesto de
que a terra é prospera e fértil, e que a seca não deve ser vista como uma
particularidade da região Nordeste, pois nesta região assim como nas demais
regiões do país é possível plantar e colher, o problema não é a geografia do lugar,
mas sim a falta de atitude para tentar mudar a situação e provar que é possível viver
nesta terra sem a necessidade de migrar para outras regiões.
Dentre as canções selecionadas que falam de um Nordeste positivado
comecemos pela música Onde o Nordeste Garoa, (do compositor Onildo Almeida,
gravada por Luiz Gonzaga em 1978 no disco “Dengo maior”) por considerar que a
mesma traz uma imagem diferente do que costumeiramente ouvimos falar sobre o
Nordeste, pois compara uma das cidades pernambucanas (Garanhuns) a um país
50
europeu (Suíça). Imagem certamente impensável para os anunciadores do Nordeste
de chão rachado.
Onde o Nordeste garoa
Conheço uma cidade bem pernambucana
Que todo mundo chama de Suíça brasileira
Água pura, clima frio na realidade
Garanhuns é uma cidade linda e tão brejeira
Garanhuns, cidade serrana
Garanhuns, cidade jardim
Garanhuns, cidade das flores de amores sem fim
Garanhuns, terra de Simôa
Garanhuns, que terrinha boa
Garanhuns, onde o Nordeste garoa
Conseguimos observar uma crítica sutil do Rei do Baião, para aqueles que tem
sedimentado em suas lembranças a construção de uma imagem de que o belo ou o
bonito só é possível de ser encontrado e apreciado em terras longínquas, na tão
famosa Europa, ou no caso do Brasil, nas terras do Sul (maravilha). Ao mesmo
tempo em que Gonzaga apresenta a cidade de Garanhuns, ele faz um convite à
conhecê-la. A propaganda é tão bem feita que nos faz lembrar dos poemas de
William Shakespeare e dos lugares dos contos de fadas que inspiram
verdadeiramente os grandes romances, Garanhuns, cidade serrana/ Garanhuns,
cidade jardim/ Garanhuns, cidade das flores de amores sem fim... Mas o verdadeiro
pano de fundo desta canção é justamente mostrar a diversidade e ao mesmo tempo
o quão agradável é viver em algumas cidades nordestinas, quebrando de vez com
as generalizações e estereótipos referentes ao Nordeste.
Na canção Caboclo Nordestino, uma composição de 1963 de autoria de José
Marcolino Alves, um homem extremamente ligado às tradições nordestinas e que
admirava o trabalho de Luiz Gonzaga. Marcolino compôs diversas músicas que
foram sucesso em todo o país; um homem assim como tantos outros sertanejos que
se identificava profundamente com as músicas do filho de Januário e assim
conseguiu externar com muita propriedade uma outra faceta do homem nordestino.
Caboclo Nordestino
Caboclo humilde, roceiro
Disposto, trabalhador\
51
No remexer da sanfona
Escuta este cantador
Que no baião fala ao mundo
Teu grandioso valor
E do caboclo que vive
Com a enxada na mão
Trabalhando o dia inteiro
Com a maior diversão
Sem invejar a ninguém
Satisfeito a trabalhar
Cada vez mais animado
Esse teu suor pingado
Grandeza e honra te dar
Na tua humilde palhoça
Só se ver felicidade
E quando chegas da roça
Te sentas mesmo a vontade
Pra comer teu prato feito
Na mesa ou mesmo no chão
A filharada em rebanho
O teu prazer é tamanho
De quem possui um milhão
Aqui nesta vida humana
Ninguém é melhor que tu
Escuta esta homenagem
De um cabra do Pajeú
E outro do Rio Brígida
Dos carrascais do Exu
Gonzaga assim como José Marcolino por entender sobre os costumes e a luta
do homem nordestino procura exalta-lo, deixando sábios conselhos para todos
aqueles que um dia tiverem a oportunidade de ouvir tal canção o de que não é
necessário ter muito para ser feliz, porque a felicidade está nas coisas simples da
vida, como por exemplo, sentar ao lado de sua família e poder apreciar uma
refeição. Consideramos que há um certo exagero na tentativa de positivar a vida do
nordestino, pois sabemos o quão difícil e pesado é o trabalho da roça.
Até parece que ao compor esta canção fora feito a leitura de um livro da Bíblia
cujo autor é o sábio Salomão, na oportunidade ele nos diz que: É melhor uma mão
cheia com descanso, do que ambas as mãos cheias e aflição de espírito13. São
lições e conselhos como esses que tem contribuído para que o filho de Januário
13
BÍBLIA, Eclesiastes, 4: 6
52
continue sendo uma lembrança bem presente nos corações e mentes do povo
brasileiro.
Na canção a seguir Aquilo sim que era vida, música de (Luiz Gonzaga e J.
Portela-gravada no LP12: Sanfona do povo-volume I em 1964) Gonzaga reforça a
imagem de um lugar festivo e alegre, ao enfatizar as vivências de tal região.
Aquilo sim que era vida
Aquilo sim que era vida
Aquilo sim, que vidão
Aquilo sim que era vida, seu moço
A vida lá do sertão
Plantava milho, arroz e feijão
Pescava de linha, lá no ribeirão
Domingo saía no meu alazão
Dançava uma valsa lá no matão
lálálálálálálá, aquilo sim, que vidão
Aquilo sim que era vida, seu moço
A vida lá do sertão
De noite eu me sentava bem juntinho ao fogão
Rosa trazia o cachimbo, Creuza trazia o tição
Com a viola no peito, tirava uma canção
De hora em hora tomava um golinho de quentão
O sertão é apresentado como um lugar desejado e sonhado pelo fato das
principais lembranças serem extremamente positivas, Aquilo sim que era vida,
Aquilo sim, que vidão. O que nos chama a atenção também é o fato da insistência e
do apelo popular de Luiz Gonzaga nesta acirrada tentativa de mostrar o sertão como
um “oásis” no deserto e o melhor lugar do mundo, como se não existisse outro lugar
possível de ser feliz; embora não apareça de forma explícita podemos fazer uma
conjecturação com os acontecimentos de sua infância, uma vez que, as recordações
desta etapa da vida do menino Gonzaga é de dias bons, pois, mesmo diante das
“obrigações” de um menino da zona rural para com os seus pais, e para os modelos
pré-estabelecidos da época o que prevalece são as lembranças de brincadeiras
típicas para os meninos daquela região, a liberdade e o contato com a natureza.
53
As relações familiares também são valorizadas, visto que, a imagem de união é
notória De noite eu me sentava bem juntinho ao fogão, Rosa trazia o cachimbo e o
tição; talvez se tal canção fosse interpretada na voz de outro cantor provavelmente
não conseguiríamos perceber toda uma representatividade que “só” Gonzaga era
capaz de demonstrar.
Dentre tantas canções é merecedora também de destaque a música “Luar do
Sertão” de autoria de Catulo da Paixão, embora haja controvérsias quanto a sua
autoria, pois alguns atribuem à João Pernambuco; tal canção ganhou de vez
reconhecimento nacional na interpretação de Luiz Gonzaga. Na oportunidade é
enaltecido de forma exagerada a beleza noturna do sertão, dando a impressão de
que não há em nenhum outro lugar da terra um luar tão bonito quanto o do sertão,
tal subterfúgio, utilizado em diversas canções, é uma forma pela qual procura-se
criar um vínculo de pertencimento e reconhecimento de um lugar, criando assim
uma ligação entre cantor e ouvinte. Desta forma, Gonzaga, consegue aproximar e
apresentar um Nordeste pouco valorizado e conhecido.
Luar do Sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Oh! que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade do luar lá do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a Lua Cheia a nos nascer do coração
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão
Mas como é lindo ver depois pro entre o mato
Deslizar calmo regato transparente como um véu
No leito azul das suas águas murmurando
E por sua vez roubando as estrelas lá do céu
Não há, ó gente, ó não
54
Luar como esse do sertão
Não há, ó gente, ó não
Luar como esse do sertão.
Esta forma saudosista de lembrar o passado e a sua beleza noturna é
justificado pelo fato de não poder ser tão perceptível esta formosura nos grandes
centros
urbanos,
visto
que,
devido
à
luminosidade
das
cidades,
acaba
“prejudicando” tal visibilidade; o pôr do sol também é celebrado por inspirar e
proporcionar uma visão privilegiada.
Se analisarmos apenas estas canções que ora abordamos neste terceiro
capítulo poderíamos concluir que o Nordeste é o que os europeus intitularam de o
“novo mundo” chamando-o de paraíso na terra, porém, não foi por acaso que
intitulamos este tópico de: Preguei sobre as rosas, mas não esqueci dos espinhos.
Justamente para mostrar que Luiz Gonzaga apesar de ser um apaixonado pelo
Nordeste e de mostrar uma faceta positiva desta região também mostrou o lado que
muitos conhecem: da pobreza, da seca, do sofrimento e outros adjetivos negativos.
Não foi por acaso que trouxemos esta canção para liderar essas análises;
composta por Patativa do Assaré, consideramos a música A triste partida como um
marco de um Nordeste sofrido; é importante registrar que, algumas alterações foram
feitas por Luiz Gonzaga, quanto à versão original, sendo isso, motivo para algumas
hipóteses.
Uma hipótese é de que o sanfoneiro tenha suavizado o sotaque nordestino
e apelado para formas mais próximas da língua geral do país, como uma
maneira de romper com um regionalismo mais acentuado de Patativa. Outra
é de que, para ajustar ao compasso do ritmo musical e ao seu estilo, tivesse
Luiz Gonzaga que modificar alguns versos. Encontram-se, de fato, no texto,
elementos que fundamentam uma e outra hipótese (GUERRA, 2002, p. 2).
Consideramos esta canção14 uma das mais significativas para análise de um
Nordeste sofrido. Observemos:
A triste partida
Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e Novembro
14
Pelo fato desta canção ser muito grande, em comparação as demais que foram apresentadas neste
trabalho, optamos por trazer apenas duas estrofes, sua versão em sua completude poderá ser
observada nos anexos.
55
Já estamos em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz [...]
[...] Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Ai,lhe bota pra fora
Da terra natal
Ai, ai, ai, ai [...]
Esta canção é considerada por alguns como uma verdadeira oração, por
mostrar a súplica e o desespero do homem nordestino diante de uma situação tão
desesperadora; os meses vão passando e com eles a esperança de dias melhores
vai se esvaindo. Muitas são as perguntas e poucas são as respostas, afinal! O
nordestino que tem passado por esta situação mais uma vez procura encontrar as
respostas na religiosidade, pois a única explicação possível para tamanha desgraça
é o castigo de Deus; algo totalmente incompreensível para o sertanejo que não ver
outra saída a não ser a perda da fé.
Numa tentativa de amenizar o sofrimento o nordestino vê-se obrigado à
abandonar a sua terra natal e vender o pouco que tem para granjear algum recurso
e partir rumo ao desconhecido, uma decisão difícil a ser tomada, visto que, seria
uma ruptura de locais e costumes totalmente diferente ao vivenciado até então, e no
momento da partida é possível imaginar o filme que passa na cabeça desses
homens, que partem levando consigo a esperança de um dia poder retornar para a
sua querida terra.
É possível perceber o sofrimento dos pais diante de tantas perguntas e não
poder dar as respostas, ao cantar esta canção Luiz Gonzaga traz mais uma vez à
memória dos emigrantes nordestinos e ao mesmo tempo toca em uma ferida
parcialmente cicatrizada do quão sofrido foram as suas partidas. A esperança de
dias melhores logo logo vai dando lugar a uma mescla de sentimentos: tristeza,
decepção, medo, desesperança, humilhação; o nordestino se depara com uma
situação que até então não era vivenciada: o preconceito.
56
Nas linhas finais é feita uma denúncia sobre as condições lamentáveis em que
os nordestinos se encontram, trabalham e mesmo assim “não são” reconhecidos por
seus empregadores e os diversos “ais” utilizado na canção é justamente para
reforçar a profunda tristeza do homem nordestino, por fugir do lugar que ele mais
ama.
Em Súplica Cearense, uma canção composta em 1960 pelos músicos
nordestinos Manoel Ávila Peixoto (Netinho) e Waldeck Artur de Macedo, conhecido
popularmente por (Gordurinha) é mais uma vez apresentado a tão indesejada seca,
esta música só veio de fato ter um grande sucesso quando interpretado por Luiz
Gonzaga, haja vista que, poucos artistas conseguiam cantar com tanto envolvimento
sobre o Nordeste, por isso concordamos com Rocha (2004, p.65) quando diz que “A
música tem o poder de expressar os sentimentos, revelar a memória, conhecer as
representações sociais, o contexto político e o imaginário popular, além da
capacidade de dialogar com o conhecimento histórico”. Analisemos a música, para
melhor compreender esse sentimento:
Súplica Cearense
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
57
Nesta canção podemos perceber o desespero de um homem, diante de uma
situação profundamente lamentável. Diante disso, observamos a súplica do
sertanejo para o sagrado, esta religiosidade que é uma característica das canções e
interpretações de Gonzaga, haja vista que, na sua infância viveu rodeado de
manifestações religiosas. Para esta temática Gama (2012) apresenta e discute com
muita propriedade sobre as representações do sagrado nas canções de Luiz
Gonzaga deixando claro que a religiosidade exposta por Luiz,
versam sobre sujeitos que vivem um cotidiano “simples” – geralmente
trabalhadores rurais que dependem dos ciclos climáticos – e que, por um
lado, têm na fé uma forma de abrandar as dificuldades. (GAMA. 2012, p.63)
Inconformado com tal situação resta agora, recorrer ao sagrado/divino para
tentar compreender ou saber o porquê de tanta sequidão. Diante disso só nos resta
continuar a fazer o seguinte questionamento: Como é possível um lugar tão pobre,
seco e sem vida, ser tão desejado e amado? Um lugar tão sofrido que chega ao
ponto de Gonzaga dizer na música Aquarela Nordestina de Rosil Cavalcanti,
composta no ano 1958 “Ai, ai, meu Deus, tenha pena do Nordeste”.
Na canção Cabra da Peste é possível perceber também a dificuldade
enfrentada pelo homem nordestino:
Cabra da peste
Eita! Sertão do Nordeste
Terra de cabra da peste
Só sertanejo arrizéste
Ano de seca e verão
Toda dureza do chão
Faz também duro
O homem que vive no sertão
Tem cangaceiro
Mas tem romeiro
Gente ruim, gente boa
Cabra bom, cabra à toa
Valentão, sem controle
Só não dá cabra mole
Tem cangaceiro
Mas tem romeiro
Lá o caboclo mais fraco, é vaqueiro
Eita! Sertão! Eita! Nordeste!
58
Eita Sertão!
Ei, rê, rê, rê, rê, tá!
Cabra da peste
Uma canção de Zé Dantas juntamente com Luiz Gonzaga que demonstra a
dureza da grande maioria do povo nordestino, embora o termo cabra da peste soe
como uma espécie de elogio para as pessoas desta respectiva região, um povo que
se vê em determinados momentos sem força para encarar a realidade constante de
seca, que transforma o nordestino que ora é visto como uma pessoa alegre em uma
pessoa dura e triste diante das circunstâncias. Na canção documento do matuto, um
Baião de autoria de Paulo Patrício, lançado na RCA Victor por Luiz Gonzaga em
1964, no LP “Sanfona do povo” é possível perceber a narrativa de uma cena bem
comum de se ver no Nordeste nas décadas de 1960.
Diante das situações desesperadoras, devido a falta de chuva e a consequente
falta de alimentos, muitas famílias se viram obrigadas à deixar seu cantinho, sua
terra natal em busca de uma oportunidade melhor de se viver, uma decisão difícil,
pois, não é apenas de cidade ou estado que estava se mudando, mas o sertanejo
via nesta atitude uma ruptura com as suas origens. Diante disso, concordamos com
Marcos Paulo (2011, p. 35), quando nos diz que:
A decisão de partir para São Paulo é um divisor de águas: o nordestino
torna-se um estrangeiro e, embora permaneça profundamente ligado às
suas raízes, são a distância e a saudade – a ausência, portanto – que o
identificam com sua terra. Além das perdas materiais e espirituais, o
viandante nordestino também perde o próprio Nordeste: desterritorializa-se,
desloca-se e fica sem um lugar no espaço, no tempo, na história e na
cultura; será sempre um transplante, um enxerto no lugar alheio em que
sobrevive, mas eternamente identificado com a figura romântica do torrão
materno.
Deixar a sua terra é deixar para trás tudo o que possui, uma decisão um tanto
difícil, porém o nordestino via como necessário para poder manter a sua família; ao
interpretar tal canção Luiz Gonzaga traz à memória de muitos migrantes brasileiros
59
um filme em suas mentes sobre as circunstâncias que os levou à saírem de suas
terras para outros lugares do Brasil. Observe:
Documento de matuto
Sol escaldante
A terra seca
E a sede de lascá
Sem ter jeito prá vivê
Com dez fío prá criá
Foi por isso seu moço
Que eu saí em busca
De outro lugar
E com lágrimas nos óio
Eu deixei meu torrão nata } bis
Eu vim procurar trabalho
Não foi riqueza que eu vim buscar
Peço a Deus vida e saúde
Prá família pudê sustentá
Seu moço o documento
Que eu tenho pra mostrá
São essas mão calejada
E a vontade de trabaiá
Como dito anteriormente afirmamos que, embora demonstrasse o seu amor e
até uma certa exaltação pelo seu torrão natal, Gonzaga não se omitiu em mostrar o
lado triste e sofrido do Nordeste, afinal de contas suas músicas trazem tanto as
rosas quanto os espinhos.
Diante do exposto, afirmamos que nas músicas compostas e interpretadas por
Luiz Gonzaga estão presentes duas ou mais facetas do Nordeste. Muitas foram as
suas canções, porém, seria muito difícil abordar e apresentar todas neste trabalho.
Gonzaga apresentou ao povo brasileiro um Nordeste que poucos conheciam, uma
região visível bem diferente da região que ora era percebida somente pelo dizível,
diante disso concordamos quando nos é dito que:
Gonzaga, mais e melhor que ninguém, cantou as alegrias e as angústias de
seu povo. Nesse sentido, pode-se constatar, todos os aspectos da vida do
homem nordestino, praticamente, veem-se representados em suas
composições. Não que só tenha cantado o sofrimento ou mesmo enfatizado
esse aspecto da experiência humana, no seu fazer artístico. Em sua obra,
frise-se, encontra-se traduzida a vida do sertanejo em suas tristezas e
alegrias. O cenário que revela ao público é, simultaneamente, belo e triste
(o mais belo e o mais triste): a caatinga nordestina, retratada na paisagem
musical – ora verdejante e florida; ora seca, num mimetismo todo feito de
60
saudade... ainda que já afastada, distante, muitas léguas – para a tristeza
do migrante, seu ouvinte fiel. (CORRÊA; FILHO; FEITOSA. 2012, p.17)
Desta forma, foi possível diagnosticar dentre as músicas que foram ouvidas e
selecionadas para a realização deste trabalho que Luiz Gonzaga foi um homem que
mostrou as dificuldades do homem nordestino com muita propriedade, haja vista
que, fora uma testemunha ocular de todo sofrimento encarado com muita coragem
pelo homem sertanejo, mas além de mostrar com muita precisão de detalhes este
lado triste, foi possível também perceber que na grande maioria de suas músicas e
interpretações que analisamos; que o Nordeste que se destaca, também é um lugar
de pessoas simples, festeiras e alegres, é a região em que as pessoas que não
conhecem se sentem provocadas e desafiadas à conhecer um lugar tão fascinante e
tão cheios de ambiguidades.
Quando iniciamos este trabalho tínhamos como hipótese que o Nordeste
apresentado por Luiz Gonzaga focava sua representação numa imagem mais
negativa do mesmo. Imagens de fome, seca, sofrimento e atraso social eram
maciçamente predominantes em suas músicas, porém é com alegria que concluímos
que as imagens e representações do Nordeste na obra de Luiz Gonzaga se mostra
diversa e por vezes ambíguas. Somos obrigados à concordar com o filósofo
Sócrates afirma que “só podemos começar a aprender quando tomamos consciência
que somos ignorantes e que precisamos estar abertos ao novo”.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trilhar por este caminho de análise de músicas nos fez entender o porquê da
história positivista ser tão contestada quanto a observação de documentos. Pois ao
nos debruçarmos na leitura das canções, percebemos a preciosidade documental
que existem por trás das músicas e de outros tipos de documentos similares. Tais
documentos
nos
dão
a
possibilidade
de
compreendermos
determinados
acontecimento históricos, sociais e políticos.
Muitas foram às músicas analisadas para a realização desta pesquisa, porém,
num propósito de deixar o trabalho esteticamente melhor organizado e não tão
cansativo para os leitores, optamos por selecionar apenas 14 (catorze) canções.
Independentemente da quantidade de músicas destacadas neste trabalho,
arriscamos afirmar que este episódio não prejudicou nem tão pouco foi tendencioso
ou determinante para chegarmos à uma possível resposta do tema gerador desta
pesquisa, que é: qual imagem de Nordeste mais aparece nas composições e
interpretações de Luiz Gonzaga.
É preciso lembrar que esta pesquisa não se finda com este trabalho, pois
pretendemos
conhecer
um
pouco
mais
sobre
outras
características
nas
composições e interpretações do Rei do Baião. Procuramos com esta pesquisa,
mostrar a diversidade cultural existente na Região Nordeste, pois nos sentimos
incomodados e provocados a mostrar uma outra singularidade desta Região.
Problemas de todas as esferas existem em todos os lugares do mundo, mas faz-se
necessário dar visibilidade por características historicamente silenciadas.
Confessamos que inicialmente a nossa concepção quanto as representações
do Nordeste nas músicas de Gonzaga eram uma, contudo, no decorrer da pesquisa
fomos obrigados à mudar o nosso ponto de vista e reconhecermos que estávamos
equivocados quanto a nossa ideia inicial. Afinal de contas Luiz Gonzaga do
Nascimento cantou as alegrias e tristezas os sorrisos e também as lágrimas do
homem sertanejo, e assim chegamos a conclusão de que não existe uma imagem
hegemônica/predominante nas canções do rei do Baião, pois o Nordeste que ele
canta aparece como um lugar ambíguo e multifacetado.
62
Ratificamos a informação de que muitas pesquisas já foram realizadas quanto
a obra de Luiz Gonzaga, mas temos a consciência de que nos esforçamos para que
o melhor fosse feito. Desta maneira, esperamos com esta pesquisa ter contribuído
de forma significativa para que outras pessoas tenham o desejo de conhecer um
pouco mais sobre este artista que cantou o Nordeste com muita propriedade. Um
homem que quebrou protocolos e levou a música nordestina a todas os cantos do
Brasil, um nordestino que morreu fisicamente, mas, que continua vivo e bem
presente na cultura popular brasileira.
63
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66
ANEXOS:
A TRISTE PARTIDA
Meu Deus, meu Deus
Setembro passou
Outubro e Novembro
Já estamos em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai
A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermelho
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
Ai, ai, ai, ai
Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Então o nortista
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Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai
Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai
Agora pensando
Ele segue outra trilha
Chamando a família
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai
Nós vamos a São Paulo
Que a coisa está feia
Por terras alheias
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Até mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai
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Em um caminhão
Ele joga a família
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Ai,lhe bota pra fora
Da terra natal
Ai, ai, ai, ai
O carro já corre
No topo da serra
Olhando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Com seu filho choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai
E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de flor?"
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Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filhos pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só ver cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai
Trabalha dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos planos
De um dia voltar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai
Se alguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade de mói
E as água nos olhos
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Começa a cair
Ai, ai, ai, ai
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela família
Não volta mais não
Ai, ai, ai, ai
Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
A lama e o baú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai
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