UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS IV LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA GILBERTO FARIAS DOS SANTOS OS NORDESTES DE LUIZ GONZAGA: CONFIGURAÇÕES E CONSTRUÇÕES DE UM LUGAR JACOBINA – BA 2015 GILBERTO FARIAS DOS SANTOS OS NORDESTES DE LUIZ GONZAGA: CONFIGURAÇÕES E CONSTRUÇÕES DE UM LUGAR Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Colegiado de História do Campus IV da Universidade do Estado da Bahia, como requisito para obtenção do título de Graduação em Licenciatura em História. Orientadora Vasconcelos JACOBINA – BA 2015 - Profª Cláudia Pereira GILBERTO FARIAS DOS SANTOS OS NORDESTES DE LUIZ GONZAGA: CONFIGURAÇÕES E CONSTRUÇÕES DE UM LUGAR Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Colegiado de História do Campus IV da Universidade do Estado da Bahia, como requisito para obtenção do título de Graduação em Licenciatura em História. Apresentado em: ______________/_____________/_____________ BANCA EXAMINADORA . __________________________________________________________________ Profª. Mestra Cláudia Pereira Vasconcelos – UNEB Campus IV Orientadora ___________________________________________________________________ Profª Mestra Joelma Ferreira dos Santos – UNEB Campus IV ___________________________________________________________________ Profº Mestre Kleber José Fonseca Simões – UNEB Campus IV Dedico este trabalho a todos aqueles, que viram o meu sonho transformar-se em realidade. AGRADECIMENTOS Tenho consciência de que as minhas palavras serão insuficientes para externar a minha gratidão pelas pessoas que foram e tem sido de extrema importância para minha vida, mesmo assim deixo registrado o meu agradecimento a Deus, por ter me dado à oportunidade de cursar o Ensino Superior, numa instituição de renome no cenário nacional. Pois sendo filho de lavradora, tive a oportunidade de descer das Serras da Jaqueira, onde trabalhava como garimpeiro e ir em busca de outras preciosidades. Agradeço a minha mãe, uma guerreira que precisou lutar contra a morte por três vezes quando fora acometida por AVC (Acidente Vascular Cerebral) esta mulher que esteve sempre ao meu lado, dando-me força e mostrando por diversas vezes os seus olhos lacrimejados o orgulho que tinha em saber que o seu caçula, estaria dando um grande passo para sua vida pessoal e profissional. A você mainha quero dizer o quanto eu te amo. Ao meu padrasto Artur Eduardo (in memorian) por ter me ensinado a ser um homem e honrar diariamente a confiança depositada em mim, minha tristeza é saber que ele se foi sem que eu pudesse ter lhe dado a alegria de me ver completar mais um degrau da escada da vida. A minha esposa Selma, a mulher que escolhi e prometi fazê-la feliz enquanto eu vivesse, por ser uma grande incentivadora, por dividir diariamente comigo as minhas angústias, e acalmar-me durante os constantes stress, por me fazer feliz e ser uma das fontes de inspiração para que eu possa prosseguir em busca de meus objetivos. Agradeço a minha filha Gabrielle, esta benção que Deus me deu e que me traz mais vida e alegria. A vocês duas, obrigado por fazer de mim uma pessoa extremamente feliz, não poderia dizer a vocês o quanto as amo. Aos meus colegas de classe, por terem me dado a honra de conhecê-los. E se algum dia me perguntarem se sou da época de Sócrates, Aristóteles ou Platão, responderei que fui da época de Ramon, Fabrício, Andréa, Samuel e Rita de Cássia, se eu os conhecia? Direi que não. Direi apenas que tive tempo suficiente para comprovar que ainda existe amizade, e neste tempo eu aprendi que, o que realmente importa na vida é com o que se faz com o tempo que nos é dado, ao lembrar desses colegas e amigos sou obrigado a concordar com a celebre frase que nos diz: Tudo que é bom dura pouco, mas dura tempo suficiente para tornar inesquecível, obrigado a todos. Agradeço a todos os professores do Campus IV, por ensinar-me a garimpar outros tipos de riqueza, a vocês que muitas vezes pegaram e pegam algumas pedras brutas e conseguem transformar em verdadeiras pedras preciosas. Dentre todos os professores deixo em destaque a minha orientadora Cláudia Pereira Vasconcelos, esta mulher arretada, de sorriso fácil, carismática e comprometida, obrigado pelos puxões de orelha e pela disposição e paciência nos momentos de orientação. Minha gratidão por você não será apenas nas páginas de um papel, pois um dia ele envelhecerá e será rapidamente esquecido, você sempre estará do lado esquerdo do peito e assim desejo e peço a Deus para que Ele continue te abençoando imensamente. Agradeço aos meus familiares e a todos que de uma maneira especial, de uma forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste trabalho. Não é preciso que a gente fale em miséria, em morrer de fome. Eu sempre tive o cuidado de evitar essas coisas. É preciso que a gente fale do povo exaltando o seu espírito, contando como ele vive nas horas de lazer, nas festas, nas alegrias e nas tristezas. Quando faço um protesto, chamo a atenção das autoridades para os problemas, para o descaso do poder público, mas quando falo do povo nordestino não posso deixar de dizer que ele é alegre, espirituoso, brincalhão. Eu sempre procurei exaltar o matuto, o caboclo nordestino, pelo seu lado heroico. Nunca usei a miséria desvinculada da alegria. Luiz Gonzaga RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar algumas composições e interpretações de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, buscando identificar qual imagem de Nordeste predomina em suas canções, se o Nordeste triste, pobre e seco ou o Nordeste cheio de alegria, festas e cores. Ao longo do trabalho são trazidas algumas questões relacionadas à formação identitária do Nordeste, lembrando que tal conceito é relativamente novo, haja vista que, surgira apenas na primeira metade do século XX. Para falar da sua carreira artística foram apresentados alguns dos principais parceiros musicais de Luiz Gonzaga, bem como as composições que o ajudaram a tornar-se um dos maiores artistas da música popular brasileira. Também é apresentada uma significativa quantidade de músicas, que foram submetidas a uma análise minuciosa na tentativa de responder a pergunta norteadora deste trabalho: Qual imagem de Nordeste prevalece nas composições e interpretações de Luiz Gonzaga? Ao longo de todo o trabalho é mostrado como Gonzaga externa o seu amor por esta região tão cheia de vida, ajudando a desconstruir uma imagem predominantemente estereotipada do Nordeste que é associada basicamente à ideia de fome, miséria, atraso social e analfabetismo. A principal fonte utilizada para obtenção das possíveis respostas da pesquisa foi a obra de Luiz Gonzaga, músicas compostas e/ou interpretadas pelo rei do baião. Para isso, contamos com o auxílio da internet, um excelente instrumento que tem contribuído para a expansão de diversas informações e preciosidades no campo historiográfico. Buscamos dialogar com teóricos que nos ajudasse a fazer uma análise objetiva e coerente, destarte, utilizamos uma metodologia de análise histórico-discursiva interpretativa de letras de músicas, documentários, filmes e biografias, que relacionados aos discursos teóricos nos ajudaram a alcançar o objetivo proposto. É importante salientar que as composições apresentadas, não foram submetidas a uma ordem cronológica, pois, o principal objetivo do trabalho é: Identificar as imagens predominantes de Nordeste na obra de Luiz Gonzaga. E após uma análise minuciosa, arriscamos afirmar que o rei do baião cantou as alegrias e tristezas, os sorrisos e também as lágrimas do homem sertanejo, ou seja, consideramos que na sua obra não nos é apresentada uma ideia hegemônica de Nordeste. PALAVRAS-CHAVES: Luiz Gonzaga, Nordeste, Músicas. ABSTRACT: This work aims at analyzing some compositions and interpretations of Luiz Gonzaga the King of Baiao, trying to identify which Northeast image predominates in his songs, the sad, poor and dry Northeast or Northeast full of joy, celebrations and colors. Throughout the work are brought about some issues related to identity formation in the Northeast, noting that such a concept is relatively new, given that only appeared in the first half of the twentieth century. It is also presented some of the main musical partner Luiz Gonzaga and his compositions that helped make the son of Januário one of the greatest artists of Brazilian popular music. Besides its partners, a significant amount of songs that were subjected to a thorough analysis in an attempt to answer the central question of this work is presented: What Northeast prevails in the songs and interpretations of Luiz Gonzaga? Throughout the work it is shown as external Gonzaga his love for this region so full of life, helping to deconstruct a predominantly stereotypical image of the Northeast that is associated basically the idea of hunger, poverty, social backwardness and illiteracy. The main sources used to obtain the answers to our questions were songs composed and interpreted by baião the king. We rely on the help of the internet, an excellent tool that has contributed significantly to the expansion of various information and gems in the historiographical field. We seek dialogue with theorists to help us make an objective and coherent analysis Thus, we used a methodology of interpretive historical and discursive analysis, document, song lyrics, documentaries, movies and biographies, which related to the theoretical discourses that address the issues Speech construction helped us achieve the proposed objective. It is explicit that the combinations have not been subjected to a chronological order, since the main objective is to: Identify the predominant images of Northeast in the work of Luiz Gonzaga. And after a thorough analysis, it was detected that the ballad King sang the joys and sorrows smiles as well as tears of backcountry man, the final there is no hegemonic Northeast. KEYWORDS: Luiz Gonzaga, Northeast, Music. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 CAPÍTULO I – O NORDESTE DE LUIZ GONZAGA ................................................ 17 1.1 Nem tudo é como parece: a força do discurso e a suas consequências na construção da ideia de Nordeste .............................................................................. 17 1.2 Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz: A Trajetória de Luiz Gonzaga ...................................................................................................... 20 CAPÍTULO II – LUIZ GONZAGA, UM ARTISTA DO SERTÃO QUE CANTA O NORDESTE E ENCANTA A NAÇÃO. ...................................................................... 30 2.1 Parcerias de sucesso ......................................................................................... 30 CAPÍTULO III - QUAL IMAGEM DE NORDESTE PREVALECE NAS CANÇÕES DE LUIZ GONZAGA? .................................................................................................... 45 3.1 Preguei sobre as rosas, mas não esqueci dos espinhos ................................... 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 61 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 63 ANEXOS .................................................................................................................. 66 11 INTRODUÇÃO Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, Mas, Graças a Deus, não sou o que era antes. Marthin Luther King Procuramos neste trabalho de conclusão de curso mostrar algumas peculiaridades das composições e interpretações feitas por Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, um brasileiro que, como poucos, cantou e divulgou o seu lugar de forma tão intensa e verdadeira. É um tema de grande relevância para a nossa região e Estado por possibilitar-nos compreender melhor sobre a força e representatividade das suas músicas na construção de uma identidade nordestina. Sendo assim, nos debruçamos nas análises de suas músicas, para encontrar as respostas para os nossos questionamentos. Afinal, qual Nordeste prevalece nas canções do rei do baião? Para nos ajudar a desenvolver este trabalho, buscamos associar e dialogar com vários recursos teóricos e metodológicos, possibilitando-nos uma interpretação mais objetiva e coerente com as fontes utilizadas. Recorremos a princípio à uma metodologia de análise histórico-discursiva interpretativa de documentos, letras de músicas, documentários, filmes e biografias. Quanto ao critério para seleção das músicas à serem analisadas, utilizamos os seguintes procedimentos: das mais conhecidas composições e interpretações de Luiz Gonzaga selecionamos cinquenta, logo em seguida, separamos aquelas em que o artista fala sobre a culinária, religiosidade e seus amores; ao fim desta triagem, selecionamos quatorze composições que de fato se aproximavam do tema proposto. Depois concatenamos aos discursos de teóricos que abordam as questões de construção de discurso, bem como a escritores que trabalham com a história cultural, para assim fazer um trabalho que alcance os objetivos que foram propostos. É sabido que: 12 Todo discurso é ideológico, por isso uma produção discursiva que parece ingênua está carregada de sentidos que diferencia pessoas, separa os grupos e produz hierarquias e classificações que servem aos interesses das forças e das elites do poder. (KELLNER, 2001, p. 83) A acessibilidade de informações à rede mundial de computadores, tem se apresentado ao longo dos anos como um instrumento indispensável para os historiadores. Marcos Napolitano reconhece a sua importância ao afirmar que: “A rede mundial de computadores representa grande apoio a historiadores, sobretudo àqueles que não têm acesso às grandes instituições de coleta e preservação dos acervos audiovisuais” (NAPOLITANO, 2008, p. 264). O Nordeste em sua completude, é majoritariamente representado por imagens extremamente depreciativas, para isso, contara com diversos setores e discursos que contribuíram nesta construção, desta maneira, analisamos, uma grande variedade de músicas do admirador de Virgulino Ferreira da Silva 1, para melhor perceber as dicotomias das músicas de Gonzaga, haja vista que, Luiz Gonzaga se auto declarava como um legítimo representante da “Região Norte”. Segundo Gomes e Santana (2013, p.139) essas imagens: leva-o a se configurar como um lugar inferior devido às suas condições naturais, sem considerar as ações de intervenção existentes. Por causa disso, o Sertão é visto como um lugar subdesenvolvido, quando comparado com outros lugares. Em toda a sua carreira musical Luiz Gonzaga do Nascimento, gravou mais de 1.600 músicas, algumas compostas em parceria com outros profissionais da área, outras de autoria própria e a grande maioria apenas interpretada por ele. Sua história é especial por ser semelhante à história de centenas de brasileiros, um homem que teve altos e baixos em sua vida, mas deixou um exemplo para todo o povo brasileiro que, mesmo diante das circunstâncias adversas é possível se levantar e dar a volta por cima, afinal, nada melhor do que um dia após o outro. 1 Popularmente conhecido como Lampião, foi um cangaceiro brasileiro, que atuou em todo o Nordeste, exceto no Piauí e no Maranhão, ficando conhecido como Rei do Cangaço, por ser o mais bem sucedido líder cangaceiro da história. 13 Conhecer um pouco mais sobre a vida de Luiz Gonzaga foi algo despertado em mim desde a adolescência, porém não sabia por quais caminhos deveria trilhar para chegar às respostas para as minhas inquietações. Como morador da cidade de Caém, uma pequena cidade do Centro Norte Baiano, fomos cercados e contagiados por uma das festas mais tradicionais da região Nordeste que são justamente as festas juninas, em especial a comemoração do São Pedro. A cada comemoração desta festa tão tradicional em Caém percebíamos como os sanfoneiros e demais tocadores faziam questão de lembrar, reverenciar e homenagear o rei do baião. Diante de tantas homenagens fomos provocados a conhecer um pouco mais sobre a representatividade de Gonzaga para a Música Popular Brasileira. Com esta pesquisa buscamos compreender se existe alguma imagem predominante de Nordeste em suas músicas e interpretações, se nos apresentado um Nordeste triste, atrasado, seco ou um Nordeste alegre, produtivo e festeiro, diferente do que estamos acostumados presenciar, nos principais meios de comunicação de massa. Enveredamos por este tipo de pesquisa de análise de conteúdo por perceber que a música pode ser uma importante fonte documental, capaz de revelar os diversos acontecimentos sociais, políticos e culturais de um determinado lugar, pois concordamos com Bloch, (2002, p.79) quando nos diz que “a diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita”. Durante a pesquisa procuramos autores que nos ajudasse a dialogar com as fontes, um desses fora Marc Bloch que abriu-nos um leque de possibilidades de como analisar documentos ao dizer-nos que os textos “não falam, senão quando sabemos interrogá-los”. Desta maneira, ficamos um pouco menos apreensivos e cientes da responsabilidade que é falar ou pesquisar sobre um artista conhecidíssimo em todo o território nacional. Este peso tirado das costas teve uma grande contribuição de (MORAES, 2000, p. 210) ao nos afirmar que o pesquisador que trilha pelos caminhos da música pode “[...] criar seus próprios critérios, balizas e limites na manipulação da documentação”. Para realização deste trabalho foram selecionadas 14 músicas, compostas e/ou interpretadas por Luiz Gonzaga ao longo de sua carreira. Não seguimos uma ordem cronológica, pois o objetivo independentemente de ano, foi identificar as facetas do Nordeste presentes na obra. A grande maioria das músicas pesquisadas 14 foram encontradas na rede mundial de computadores, que muito contribuiu, para a conclusão deste trabalho. Após a seleção das músicas analisamos minuciosamente cada letra para evitar julgamentos precipitados; também recorremos a leitura de alguns, artigos e biografias, tendo por base principal a que fora escrita pela francesa Dominique Dreyfus2, além de documentários, como por exemplo: O documentário da TV Assembleia do Ceará intitulado: Luiz Gonzaga: vida, música e conquista3 e o filme: Gonzaga, de pai para filho4. Esta busca por informações não ficou restrita apenas a Luiz Gonzaga, mas também a pessoas que foram de extrema importância para o seu sucesso, a exemplo de Humberto Teixeira, quando vimos o documentário: o Homem que Engarrafava Nuvens5. Uma das dificuldades encontradas nesta pesquisa foi justamente quanto ao quesito de análises das músicas, haja vista que, aparentemente é um processo simples, porém quando nos debruçamos para analisar a mensagem exposta, percebemos que tal simplicidade está camuflada dos desafios que estão por vir. O fato de escrevermos tendo como base à História Cultural, é justamente por enxergar nas canções citadas, uma excelente fonte para tentarmos compreender o Nordeste, e as facetas pelas quais o mesmo é representado. As músicas cantadas por Luiz Gonzaga, nos faz indagar sobre as seguintes inquietações: Afinal qual é esse Nordeste? O que se sobressai em suas músicas? A alegria? A tristeza? A saudade? Ou a mescla de cada um desses sentimentos? Como é possível um lugar tão seco ser tão desejado e amado? São questões como essas que nos fizeram observar diversas canções cantadas por Gonzaga das quais listaremos algumas dessas, que nos ajudou a obter respostas para tais indagações. Eleonora Brito nos esclarece sobre este campo de pesquisa à ser explorado, que: 2 É autora de "Vida do Viajante - a Saga de Luiz Gonzaga", considerada a mais completa biografia do Rei do Baião já publicada. 3 Produzido pelo Núcleo de Documentários da TV CEARÁ. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4R5HG-d-uIk. Acesso em: 06/05/ 2015 4 BRENO, Silveira. Gonzaga de Pai para Filho, Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LeWjP5fzRL4. Acesso em: 06/05/ 2015 5 Ferreira, Lírio. O Homem que engarrafava nuvens. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OLLcf8UTnPo&hd=1: Acesso em: 10/05/2015. 15 “[…] uma ainda incipiente produção historiográfica tem voltado sua atenção para o campo da música, pensando essa expressão cultural como objeto a ser explorado e importante fonte de acesso às tramas que buscam dar sentido à realidade estudada, esteja ela localizada no passado recente ou em tempos remotos.” (BRITO, 2007, p. 209) Estudar o Nordeste e principalmente analisar as letras das músicas de Luiz Gonzaga é entender, como o discurso, conceito trabalhado ou analisado por Michel Foucault, concernentes às relações de poder estão bem presente em sua canções, o que para Durval Muniz de Albuquerque Júnior6 a construção do Nordeste se deu inicialmente através das primeiras formações discursivas acerca da região; e esses discursos foram fortemente marcados por circunstâncias históricas que foram cruciais na trajetória política e econômica do país. Para se construir um processo de pesquisa são inúmeras as dificuldades, dúvidas e inquietações. Tais inquietações começaram a dar lugar a alegria à partir do momento em que percebemos que “a diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele” (BLOCH, 2002 p.79), bem como, a partir do momento em que iniciamos algumas leituras à citar: “O fetichismo da música e a regressão da audição” de Theodor Adorno, juntamente com “História e Música” de Marcos Napolitano (2002), autores que servirão como alicerce para a continuidade desta pesquisa. Por fim, este trabalho é constituído de três capítulos que dialogam constantemente entre si, além da introdução e conclusão. O primeiro capítulo intitulado O Nordeste de Luiz Gonzaga, trata de uma breve discussão e apresentação sobre como iniciou essa divisão territorial conhecida até os dias atuais. Bem como apresentaremos, de maneira bem simplificada, alguns acontecimentos marcantes na vida de Gonzagão, posto que, diversas obras biográficas já foram produzidas sobre este personagem inesquecível na cultura popular brasileira. No segundo capítulo, denominado de: Luiz Gonzaga, um artista do sertão que canta o Nordeste e encanta a nação, apresentaremos ainda que de forma sucinta, 6 Para saber mais sobre as discussões em torno do Nordeste ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 5. ed.- São Paulo. Cortez, 2011. 16 alguns fatores que contribuíram para a propagação das músicas de Luiz Gonzaga, bem como apresentar alguns de seus parceiros musicais que foram determinantes para a ascensão de sua carreira musical no cenário nacional. Na oportunidade destacaremos algumas músicas que ficaram marcadas por seu grande sucesso. O terceiro e último capítulo formulado como um questionamento: Qual imagem de Nordeste prevalece nas canções de Luiz Gonzaga? Tenta responder a pergunta principal dessa pesquisa. Para isso, utilizamos algumas músicas que apresentam características distintas sobre o Nordeste, procurando assim, trazer, apartir das análises a resposta para tal interrogação. De maneira simplificada, podemos adiantar que a ordem dos capítulos foi pensada de uma forma que pudesse provocar no leitor o desejo de conhecer um pouco mais este lugar tão cantado por Gonzaga e sua obra. 17 CAPÍTULO I - O NORDESTE DE LUIZ GONZAGA O Nordeste mudou. De qualquer maneira, o Nordeste de O quinze Principalmente, o Nordeste da Vidas Secas mudou. Rachel de Queiroz 1.1 Nem tudo é como parece: a força do discurso e a suas consequências na construção da ideia de Nordeste No presente ano de 2015 tivemos a oportunidade de intensificar as leituras e estudos sobre as representações da região Nordeste em diversas obras que iam de novelas e filmes à músicas, livros etc. A cada momento de reflexão éramos envolvidos de uma grande alegria por conhecer um pouco mais sobre esta região que muito tem contribuído com as diversas manifestações culturais deste país. Neste capítulo pretendemos discutir e apresentar essa região, que aparentemente tem alguns séculos de existência, mas que, na verdade, é uma construção bem recente, fruto de ações humanas, afinal, como nos diz Albuquerque Jr.: “todo recorte regional, toda identidade espacial surgiu em um dado momento histórico, emergiu a partir das ações humanas, sejam elas motivadas por interesses econômicos, políticos, sociais, ideológicos”7. Desta maneira, conseguimos entender um pouco mais sobre o processo de construção da ideia de Nordeste, que segundo o autor citado: O Nordeste é, em grande medida, filho das secas; produto imagéticodiscursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a respeito deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877, veio colocá-la como o problema mais importante desta área. Estes discursos, bem como todas as práticas que este fenômeno suscita, paulatinamente instituem-no como um recorte espacial específico, no país. (ALBUQUERQUE JR.,2011, p.81) 7 Entrevista de Durval Muniz Albuquerque Jr. concedida a Eduardo Campos, Membro do grupo de pesquisas “Da invenção à reivenção do Nordeste” – Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura. Disponível em: http://www.passeiweb.com/estudos/sala_de_aula/atualidades/durval_muniz_ fala_sobre_o_ nordeste_ e_a_literatura. Acesso em: 17 de out de 2015. 18 Por isso quando nos deparamos com a essa nomenclatura Nordeste, somos envolvidos por uma série de questionamentos sobre esta respectiva região. No momento em que optamos por fazer esta discussão sobre a identidade e representações nordestina através das canções de Luiz Gonzaga, trazemos consigo, uma breve abordagem sobre este conceito que tem sido, ao longo dos anos, um tema gerador de muitas discussões no meio acadêmico sendo assim, dentre tantos trabalhos produzidos recorremos a um dos trabalhos mais conhecidos nos últimos anos A Invenção do Nordeste do renomado historiador, Durval Muniz de Albuquerque Júnior citado anteriormente. Na oportunidade Durval nos afirma que: O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste. Estereótipos que são operativos, positivos, que instituem uma verdade que se impõe de tal forma, que oblitera a multiplicidade das imagens e das falas regionais, em nome de um feixe limitado de imagens e falas-clichês, que são repetidas ad nauseum, seja pelos meios de comunicação, pelas artes, seja pelos próprios habitantes de outras áreas do país e da própria região. (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 307) O historiador nos esclarece que esta construção de Nordeste ocorrera na primeira metade do século XX, com o desmembramento da parte Norte do país propensa às grandes estiagens. Na oportunidade nos afirma que até meados da década de 1910, o Nordeste não existia. Tal pensamento é compactuado com Amaral Júnior (2002, p. 227) ao afirmar que: A região Nordeste do Brasil é uma formação social que conta pouco mais de um século de existência. No entanto, acostumamo-nos de tal modo a ela, que muitas vezes pensamos tratar-se de uma região que sempre existiu no cenário nacional. Maria Regina Baracuhy tem a hipótese de que os processos de construção de uma identidade nordestina são pautados em estereótipos e silenciamentos, daí a importância de compreendermos sobre este processo, e como o Rei do Baião, esta inserido neste discurso. 19 Estudar o processo de construção da identidade nordestina do ponto de vista discursivo é algo motivador e desafiador. Motivador, porque estamos tratando de algo que nos atinge particularmente, pelo fato de o nosso objeto de estudo nos ajudar, inclusive, a compreender melhor o que significa ser nordestino, ser sertanejo em oposição a ser sulista ou nortista. A nossa identidade nos representa enquanto indivíduo social inserido em um dado momento histórico, ela é, portanto, fruto das relações sociais e culturais existentes na sociedade. (BARACUHY, 2010. p.171) Em suas discussões sobre a preconcepção do Nordeste, Durval Muniz concorda que os caminhos a serem seguidos para que os estereótipos sejam combatidos, tendo em vista que, as imagens enunciados e clichês inventados sobre o Nordeste, passa pela procura de relações de poder que acabaram favorecendo um “desconhecimento” do nordestino. Vasconcelos, por sua vez, quando discute sobre o sertão na rota do discurso colonial tenta explicar como os estereótipos são historicamente construídos. A fim de marcar diferenças culturais e definir quem está dentro e quem está fora, os construtores dos discursos hegemônicos se utilizam do poder do lugar da fala e de estratégias para hierarquizar culturas. Diante de tal inquietação, nos afirma que: É a repetibilidade e a visibilidade em excesso de algum traço/marca de um determinado povo ou sujeito colonial que dá validade à construção do estereótipo e produz um efeito de verdade em uma ideia estabelecida sobre o outro; desta forma, articula-se uma série de modos de diferenciação, prioritariamente raciais e sexuais, para embasar as práticas discursivas da hierarquização cultural. (VASCONCELOS. 2011, p. 32) Sendo assim, conseguimos entender um pouco mais do porquê desta invenção do Nordeste que é associada principalmente nos meios de comunicação, em especial a televisão a imagens depreciativas, pois a construção ou a repetição dessas imagens acabam por gerar nos inúmeros receptores uma ideia de verdade absoluta. Não queremos aqui negar a existência desses problemas, o que defendemos é a ideia de que é necessário dar voz e visibilidade para outras facetas da citada região, que é habitualmente silenciada, escondida da grande massa, talvez seja por isso que Gonzaga defendesse a abstração de falar do povo exaltando o seu espírito, 20 afinal de contas ele deixava constantemente em evidência uma das principais virtudes desse povo que é a alegria. Quanto à discussão sobre o Nordeste seremos bem sucintos pois entendemos que, embora seja sobre esta respectiva região que pretendemos fazer as análises das músicas do rei do Baião, achamos por bem dar uma maior ênfase às particularidades das canções. Assim sendo, recorremos mais uma vez Albuquerque Jr (2011) os discursos de formação deste lugar ganhou bastante força no período de declínio da oligarquia rural na região nordestina, que era uma grande produtora açucareira e a ascensão de uma nova burguesia industrial, com destaque para a elite paulista que herdara o ônus das fazendas de café. Esta falência das antigas oligarquias tiveram uma inevitável consequência, que foi o desejo e a necessidade de se impor ao crescimento político do Sudeste e demonstrar ao mesmo tempo que de fato ainda eram os condutores da economia nacional. Sendo assim a seca, que tem um conceito polissêmico, fora um dos instrumentos utilizados para a criação deste território, uma vez que, este recorte geográfico ficou conhecido nacionalmente como um lugar de extrema dificuldade deste recurso hídrico. Desta maneira fora criada a famosa indústria da seca combatida veemente por alguns veículos de comunicação que exigiam uma maneira diferente do Governo Federal de atuar nesses lugares, excluindo das pautas os privilégios para futuros interesses políticos, considerando que, a seca “tornara-se um argumento político quase irrefutável para conseguir recursos, obras e outras benesses que seriam monopolizadas pelas elites dominantes locais”. (SILVA. 2003, p.362) Sendo assim conseguimos entender a mensagem de Gonzaga “Uma esmola, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. 1.2 Minha vida é andar por este país, pra ver se um dia descanso feliz: A Trajetória de Luiz Gonzaga 21 É sabido que muito já se sabe sobre a vida do “rei do baião”, visto que, diversas obras biográficas já foram produzidas, sobre este homem que tanto falou sobre o Nordeste, não escondendo de ninguém o amor que ele tinha por esta região, diante disso, optamos por trazer sinteticamente alguns acontecimentos da vida de Luiz Gonzaga por acharmos de grande importância para a compreensão deste trabalho. Saber sobre as vivências de um indivíduo ao longo de sua caminhada, é determinante para que possa ser compreendido os diversos acontecimentos que se sucederam ao longo de sua história de vida, por isso, dentre as diversas biografias já escritas sobre Luiz Gonzaga, usaremos como principal referencial, o livro escrito por Dominique Dreyfus já citado neste trabalho, cujo título desperta no leitor à curiosidade em conhecer um pouco mais sobre a vida do Rei do Baião: Vida do Viajante: A saga de Luiz Gonzaga. Dominique Dreyfus, conseguiu através da sua escrita e das riquezas de detalhes nos transportar e nos fazer vivenciar cada passo dado por Luiz Gonzaga. Diante disso lhes convidamos à conhecer um pouco mais sobre este homem, que ajudou a dar uma nova visibilidade e representatividade sobre o povo nordestino. O objetivo neste tópico é mostrar alguns acontecimentos marcantes na vida de Luiz Gonzaga. Filho de Ana Batista de Jesus, (conhecida por Santana) e Januário José dos Santos, nasceu na fazenda Caiçara, em Exu, sertão Pernambucano, no dia 13 de dezembro de 1912, tendo seu nome registrado como Luiz Gonzaga do Nascimento, por sugestão do padre José Fernandes de Medeiros, que utilizou como critério para este nome a religiosidade: Luiz, por ter nascido no dia de Santa Luzia, Gonzaga; por que era o nome completo de São Luiz era Luiz Gonzaga, e Nascimento pelo fato de se tratar do mês do nascimento de Jesus. A principal fonte de renda de sua família era a agricultura. A família dispunha de um quinhão8 de terras para plantarem o seu roçado, haja vista que, neste período os que desfrutavam dos melhores locais para plantação eram os grandes 8 Pequena quantidade de terra destinada ao plantio, cedida pelo proprietário às famílias que trabalhavam em suas propriedades. 22 fazendeiros, dos quais recebiam o título de coronéis, uma vez que, era a estrutura de poder vigente no Nordeste nesta época. Durante um depoimento concedido á Dominique Dreyfus, Gonzaga se recorda dos tempos de infância ao dizer que “era uma vida de menino pobre, sem escola, sem gordura, mãe puxando a enxada. Se o inverno vinha bonzinho, a gente até melhorava a panela” (2002, p.31). Tal depoimento faz-nos entender que a perspectiva de uma melhor condição social estava bem distante. Mas nem por Gonzaga se deixou abater e acreditar numa possibilidade de melhoria de vida, a final de contas à vida é feita de desafios e precisamos assim como o Lua9 vencer um obstáculo a cada dia. Se olharmos a história da humanidade vamos perceber que ela é repleta de exemplos de superação, de pessoas que acreditaram em seus potenciais e aproveitaram as oportunidades da vida para dar a volta por cima. Diante disso, conseguimos perceber alguns detalhes que foram fundamentais na longa trajetória de Luiz Gonzaga. Seus pais foram um dos grandes referenciais para a música, haja vista que, sua mãe era cantadeira de igreja e puxadora de reza, enquanto seu pai Januário além de consertar sanfonas era um excelente tocador. A música estava inserida no cotidiano familiar desde muito cedo e tal característica fora crucial para o desenvolvimento e despertamento musical de Gonzaga. Para Januário os finais de semana já tinham virado uma “rotina”, uma vez que, saía com frequência para tocar o seu fole de oito baixos e alegrar as festas de sua vizinhança, tendo na maioria das vezes sua esposa e filhos o acompanhando nessas jornadas. A princípio de forma inconsciente, José Januário estava apresentando à Luiz Gonzaga do Nascimento um “universo” do qual futuramente ele estaria inserido e seria um grande representante da cultura regional. Diante de tantas brincadeiras de crianças comuns para a região, o que Gonzaga gostava mesmo era mexer nas sanfonas que ficavam em casa para o seu pai consertar; nas peripécias de criança aproveitava juntamente com seus irmãos a primeira oportunidade de ausência de seu Januário, para fazerem uma verdadeira 9 Por ter um rosto arredondado e um largo sorriso, Luiz Gonzaga ganhou em 1941 quando trabalhava na Rádio Clube do Brasil o apelido de Lua – tal cognome foi amplamente divulgado. 23 “festa”; para isso ele levava jeito, diferentemente das atividades do campo, que não tinha predisposição. Com muita resistência coube a senhora Santana aceitar a vocação do filho, afinal de contas Luiz Gonzaga era um menino “diferente”. Percebendo o talento musical do filho, Januário passou a chamá-lo para o conserto de sanfonas, o que podemos classificá-la como uma etapa experiencial para o seu percurso. Um dos costumes da época era de que a criança ao completar doze anos de idade deveria dar dois dias de trabalho para os patrões, Gonzaga escapara a esta prática ao ser contratado pelo coronel Manuel Aires de Alencar, para que fosse cuidador de seu cavalo durante as inúmeras viagens que fazia pelos sertões, uma vez que, dentre as suas diversas funções atuava como advogado ou rábula, já que não era diplomado na área, para representar as pessoas nas questões de terras da região. Logo cedo aos dez anos começara a mostrar o seu talento ao substituir sanfoneiros em festas tradicionais na fazenda Caiçara, aos catorze já era um tocador mesmo sem a vontade da senhora Santana e aos já dezesseis era conhecido em quase todo o Araripe Aires de Alencar fora uma figura de grande relevância para o filho de Januário, pois através de suas andanças pelos sertões, Luiz Gonzaga adquirira experiência e tivera um despertamento quanto ao desejo de explorar e conhecer novos horizontes, a verdadeira vida de viajante. A relação com o senhor Alencar, crescera de tal forma que alcançou uma posição de privilégio, para isso podemos observar quando é dito que “a esperteza, a inteligência, a sensibilidade de Gonzaga, fizeram com que ele travasse relações privilegiadas com a família Alencar” (DREYFUS. 2012, p.43). Apartir deste estreitamento de relações, que o menino Gonzaga tivera a oportunidade de aprender a ler, afinal de contas, para andar com o senhor Alencar era necessário ser letrado. Nesta vida de viajante conseguira comprar uma sanfona, aquela que seria o instrumento de trabalho do futuro Rei do Baião, para isso obtivera uma “ajuda” do coronel Aires de Alencar, um “empréstimo” que deveria ser descontado com dias de 24 trabalho a realizar-se, sendo assim, após o pagamento deste suprimento, Luiz Gonzaga tomaria uma decisão que marcaria a sua vida. Deixar de trabalhar para o coronel e dar início em 1926, com apenas catorze anos de idade a tão sonhada vida artística. Neste período começou a ter mais notoriedade do que o seu pai, sendo chamado com muito mais frequência para tocar nas festas. Com o dinheiro que recebia deixava boa parte com os pais para ajudar nas despesas de casa, esta preocupação com a família e com os amigos era uma das peculiaridades de Gonzaga, que por diversos momentos de sua vida demonstrou tal sentimento. A outra parte do dinheiro seria destinada ao uso pessoal, posto que, era um menino bem vaidoso, como podemos observar no depoimento de uma parente à Dominique Dreyfus: Quando começou a ganhar dinheiro, Gonzaga passou a mandar fazer as roupas dele. Ele ia muito arrumadinho: calça e paletó branco, porque quem não andava de branco não era boa gente, era terno de brim, sapato – ele nunca gostou de andar de chinelo ou alpercata – e chapéu de massa porque na época ele não usava chapéu de couro. (2012, p.47) Diante do cuidado com a aparência, Gonzaga despertava o interesse de muitas meninas e namorador como diziam que era, não perdia a oportunidade de se engraçar com algumas, foi assim que conhecera em sua adolescência aquela que lhe “roubaria” o coração, Nazarena filha de Raimundo Deolindo, um importante morador da região que ao saber do relacionamento não admitiu de maneira alguma que sua filha namorasse um sanfoneirozinho sem futuro. Sanfoneirozinho é apenas um eufemismo para mostrar que por detrás deste termo estava impregnado um sentimento que até os dias atuais continua bem presente na sociedade brasileira e mundial que é lamentavelmente o preconceito. Era inadmissível para aqueles dias, uma menina de família se envolver com um negro, filho de um certo “Zé Ninguém”. As palavras ditas por Raimundo Deolino, causou grande aborrecimento em Gonzaga, que resolvera tirar satisfações com o pai de Nazarena. Péssima ideia, pois ao saber deste acontecimento a sua mãe resolveu ir o mais rápido para casa que 25 distava aproximadamente doze quilômetros de Exu. Disciplinadora como dizem que era, a senhora Santana não deixaria passar barato aquele episódio, prova disso é que ao chegar em sua residência, Luiz Gonzaga do Nascimento, com seus 17 anos de idade tomou uma grande surra. Este incidente é considerado um fator importantíssimo na vida de Luiz Gonzaga, que envergonhado com o acontecimento começou a arquitetar um plano para fugir de casa, sendo concretizado tal ação no ano de 1930, ao fugir para a cidade de Fortaleza levando consigo a sua inseparável sanfona que posteriormente seria vendida, as lembranças e saudades do seu grande amor. Essas memórias foram expressadas através da canção “No Meu Pé de Serra” música composta com a parceria de Humberto Teixeira, este homem que apresentaremos melhor no capítulo posterior, juntamente com outros parceiros de Luiz Gonzaga. Lá no meu pé de serra / Deixei ficar meu coração / Ai que saudades sinto/ Quero voltar pro meu sertão (Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira, 1946) Este sertão de Gonzaga em diversas canções aparece reconfigurado das imagens tradicionalmente vistas sobre a respectiva região. Além de deixar um amor proibido, deixou seu pai, mãe e irmãos. Deixou o espaço, mas não as lembranças, de um sertão de novenas, promessas, procissões, cangaceiros, farturas e flagelos, a alegria das cheias e a tristeza da seca. Das lembranças do Araripe nascem suas músicas. Gonzaga não era só um cantador, era um sanfoneiro criativo, poeta de rimas, de amor e grandezas. (LEITE. 2012. P. 06) Logo nos seus primeiros dias no novo Estado, conseguiu mesmo sem idade suficiente alistar-se no exército brasileiro, sendo incorporado ao 23º Batalhão de Caçadores. Podemos fazer uma conjecturação com esta nova etapa na vida de Gonzaga ao dizer que foram abertas as cortinas para o admirável mundo novo. (...) entrando então na vida militar com aparente satisfação, descobrindo maravilhado um mundo cuja existência jamais suspeitara. Tudo era diferente, as pessoas, a relação com as mulheres, as roupas, a comida, e tudo parecia tão imenso: a sociedade, o movimento, as ruas, e o mar, que viu pela primeira vez (DREYFUS. 2012, p.60) 26 Os anos iam passando, e Gonzaga ia achando os dias cada vez mais monótonos, principalmente pelo fato de não executar alguma atividade “interessante”. Este foi o principal motivo para o filho de Januário pedir transferência para o 11º BC, em São João Del – Rei, onde passara no concurso de corneteiro, adquirindo desta forma alguma noção de harmonia, dedicado como sempre foi, fora promovido a tambor-corneteiro de 1ª classe em janeiro de 1933, ganhando de seus colegas o apelido de bico de aço, detalhe, mesmo com tamanha desenvoltura Luiz Gonzaga não sabia algumas notas musicais, o fato de está numa posição de destaque não o animou, pois tocar corneta estava bem abaixo das expectativas e ideias que Gonzaga tinha da música. Fez amizade com o soldado da polícia Domingos Ambrósio que tocava sanfona onde passou a estudar ou aprimorar o uso deste instrumento; o problema é que desde que vendera a sua sanfona, durante a sua fuga de casa, não tinha mais adquirido outra, desta forma, seria bem difícil estar treinando ou exercitando, mas com um pouco de esforço conseguira comprar uma sanfona de 48 baixos usada, onde passara a tocar nas festas de Juiz de Fora e posteriormente em Ouro Preto para onde foi transferido no ano de 1937. Após dez anos no Exército foi forçado a sair, haja vista que, existia uma lei que não permitia ultrapassar este tempo, sendo assim, em março de 1939 Gonzaga embarcou num trem rumo a cidade do Rio de Janeiro a esperar, num quartel no Batalhão das Guardas o navio que o levaria para o Estado de Pernambuco, tempo de espera que poderia durar dias. Temos um pensamento que se encaixaria perfeitamente na trajetória de vida de Luiz Gonzaga: Os sonhos não foram feitos para serem sonhados, mas sim para serem realizados, “as cortinas dos palcos da vida” se abriria mais uma vez para Gonzaga, destarte, conhecera um soldado que ao vê-lo com a sanfona, perguntou-o se tocava, ao ouvir uma resposta positiva, indicou o Mangue, um bairro vizinho ao quartel em que Luiz estava hospedado que por sinal era bem conhecido da atual Cidade Nova, um bairro comumente frequentado por muitos artistas, onde teria a oportunidade de granjear algum dinheiro até o dia de sua viajem. Dreyfus descreveo da seguinte maneira: 27 Por lá perambulavam os náufragos da noite: beberrões, soldados, marinheiros, boêmios de sorte, malandros, que ainda não “chacoalhavam nos trens da Central”, mendigos, ladrões de carteira, músicos aspirantes, músicos confirmados, o pessoal do samba. O Mangue fervilha, com seus bares lotados, seus inferninhos, à porta dos quais as mulheres praticamente nuas esperavam os fregueses. Ao alarido das ruas, juntavam-se as vozes das prostitutas gritando obscenidades, palavrões ou convites libidinosos, e a cacofonia alegre dos inúmeros músicos que ali vinham animar a noite. (DREYFUS. 2012, p.78) Dominique Dreyfus, faz-nos uma descrição tão realista do Mangue, que faz-nos lembrar de um clássico da literatura brasileira, O Cortiço de Aluísio de Azevedo, onde o autor com minúcias de detalhes consegue retratar ou reproduzir os espaços, personagens e o cotidiano das pessoas. Fora neste bairro que o filho de Januário iniciara mais uma etapa de sua vida, com a sua Horner branca de 80 baixos, se atirou na vida, procurara um lugar para tocar e puxou o fole, cantando não as músicas de sua terra, mas as músicas que eram cantadas no Sul, que aprendera com Domingos Ambrósio: valsas, foxtrotes, tangos, choros. O público gostou, prova disto foi quando Gonzaga passou a latinha para receber algumas moedinhas recebeu um valor significativo, ficou tão encantado que acabara esquecendo do navio, do sertão e de ir embora. Uma das habilidades de Gonzaga era para fazer amigos, e foi justamente com este talento que conheceu o baiano Xavier Pinheiro que era casado com uma portuguesa de nome Leopoldina, na ocasião o baiano convidou-o para jantar em sua casa que localizava-se no bairro de São Carlos e posteriormente para morar; um excelente convite para quem estava à procura de um lugar para ficar, já que, não poderia ficar mais no quartel. Os dias foram passando e subsequentemente Gonzaga mudando de casa; passou a morar na casa da sogra de Xavier e logo após na casa da vizinha de seu novo amigo Xavier Pereira é um homem merecedor de destaque na vida de Luiz Gonzaga, pois o ajudara grandemente, no acolhimento, apresentação de lugares importantes e bem frequentados da cidade para que Luiz pudesse tocar a sua sanfona. Chega um determinado momento que Gonzaga diante de um “universo” tão diferente da sua terra natal, chega de forma inconsciente negar as suas origens 28 numa tentativa de ser melhor aceito no meio em que vivia. É o que defende Laraia (2001)10 quando demonstra como a cultura influencia o comportamento social e diversifica. Ninguém sabia que eu era nordestino. Eu já era um malandro, me atirava no meio dos crioulos, vestindo igual a eles, até cantava samba nas gafieiras. Eu tinha interesse em me adaptar ao sotaque carioca. Sotaque nordestino havia muito tempo que eu já tinha perdido. Também já tinha saído do Nordeste há mais de nove anos. Quando dei baixa no exército e saí de Minas Gerais, já estava ficando mineiro. (GONZAGA apud DREYFUS, 2012, p.81) É envolvido nesta nuvem aculturada que Luiz Gonzaga, da continuidade a sua carreira musical, tocando com sua inseparável Horner branca de 80 baixos, os ritmos comumente tocados no Rio de Janeiro; ritmos que rapidamente seriam substituídos graças ao desafio de estudantes cearenses, que o ouviram e desafiaram-no à tocar alguma coisa de sua terra, ou seja, do Nordeste. Para que determinados acontecimentos sejam concretizados na vida do homem, é necessário que seja dado o primeiro passo, ou que, seja estimulado pelo próximo. Fora este desafio que mudara completamente a sua vida, é como diz a terceira lei do físico Isaac Newton, intitulada de: Princípio da ação e reação. Como não levava “desaforo” para casa, Luiz Gonzaga aceitara o desafio, prometendo-o na próxima oportunidade cantar e tocar algo de sua terra. Promessa feita, promessa cumprida; quando tocou o seu “Pé de Serra”, desconhecido do público rotulado posteriormente de “xamego” foi uma inesquecível surpresa. Foi uma loucura. Respirei fundo, agradeci e joguei o “vira e mexe” (...) Ah! Foi mais loucura ainda. Parecia que o bar ia pegar fogo. O bar tinha lotado, gente na porta, na rua, tentando ver o que estava acontecendo no bar. Aí peguei o pires. Na terceira mesa já estava cheio. Aí eu Gritei: “Me da um 10 O autor procura convencer através de estudos empíricos e análises históricas de que a cultura pode se desenvolver das mais variadas formas possíveis em qualquer lugar do mundo, sejam eles próximos ou longínquos. Maiores informações ver: LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 29 prato”. Daqui a pouco o prato estava cheio. Aí pedi uma bandeja. E pensei: agora a coisa vai. (GONZAGA apud DREYFUS. 2012. p.82-83) Diante disso Gonzaga tomara consciência do valor de sua cultura musical e animado com o sucesso que fizera no Mangue com a sua música pé de serra, tentou mais uma vez apresentar-se no programa de Ary Barroso, uma vez que, já havia se falhado com os “hits” da modernidade, tentaria desta vez o seu “Vira e Mexe” que foi antecipadamente ironizada por Ary Barroso, mas para surpresa de todos, quando soou o último acorde da música, Gonzaga debaixo de muitos aplausos receberia a nota máxima, No entanto, naquele bendito domingo, o maior êxito de Gonzaga foi a de ter afirmado, com sucesso, sua personalidade própria, sua originalidade, interpretando não aquilo que estava na moda, como fazia nos bares, nos dancings, nas esquinas das ruas e nos programas de calouros, mas o que ele próprio estava a fim de tocar. (DREYFUS. 2012, p.86) Este concurso abrira as portas para o sucesso de Gonzaga que trabalhou em algumas rádios como tocador, onde lançara vários discos, mas o seu desejo mesmo era de além de tocar cantar, para poder falar sobre as coisas da sua região algo que “não demorou muito”, mesmo com o preconceito de diversos artistas quanto à sua voz por não corresponder a estética da época, conseguiu em 11 de abril de 1945 realizar o que tanto desejava: entrou no estúdio da Victor, gravou além do seu vigésimo quinto disco de sua carreira o primeiro como cantor. Daí em diante, contaria com colaboração de muitos parceiros para compor algumas canções que seriam posteriormente eternizadas na música brasileira. 30 CAPÍTULO II - LUIZ GONZAGA, UM ARTISTA DO SERTÃO QUE CANTA O NORDESTE E ENCANTA A NAÇÃO Eu queria cantar o Nordeste. Eu tinha a música, tinha o tema. O que eu não sabia era continuar. Eu precisava de um poeta para escrever aquilo que eu tinha na cabeça, de um homem culto para ensinar as coisas que eu não sabia. Luiz Gonzaga 2.1 - Parcerias de sucesso Quando observamos a história de algumas figuras ilustres da arte brasileira, conseguimos identificar que, muitas vezes, o processo criativo de tal artista em destaque contou com grandes parceiros nem sempre reconhecidos, mas de fundamental importância para o sucesso e a carreira de músicos e artistas de diversas áreas. Levando em consideração que parceria é a união de pessoas em prol de um objetivo ou interesse comum, percebemos como a união ou a falta dela, entre interprete e compositor, muitas vezes pode ser determinante para o sucesso ou fracasso de uma carreira musical. O que interessa neste tópico é analisar, ainda que de forma sucinta, alguns fatores que contribuíram para a propagação das músicas de Luiz Gonzaga, bem como apresentar alguns de seus parceiros musicais que foram determinantes para a ascensão de sua carreira no cenário nacional. Na oportunidade destacaremos algumas músicas que ficaram marcadas por seu grande sucesso. Dentre os acontecimentos marcantes, há de se observar a Era de Ouro do rádio brasileiro que teve o seu início a partir dos anos de 1930, e fora justamente neste contexto que Gonzaga esteve inserido. O rádio trouxera para o país uma série de benefícios culturais, visto que o mesmo: Permite uma encenação de caráter simbólico e envolvente, estratagemas de ilusão participativa e de criação de um imaginário homogêneo de comunidade nacional. [...] Efeitos sonoros de massa podem atingir e estimular a imaginação dos radio - receptores, permitindo a integração, em variados tons emissor e ouvinte, para se atingir determinadas finalidades. (LENHARO, 1986, p. 40-41) 31 É através das ondas sonoras, deste importante elo de comunicação entre o “Norte e Sul” que Gonzaga consegue apresentar e difundir uma musicalidade “nova”, diferente das ouvidas, até então, nas bandas do Sul/Sudeste. O rádio fora fundamental para a propagação do seu sucesso, visto que, nas décadas de 1930 e 1940 é intensificado com o crescimento da indústria e, consequentemente, o aumento da mão de obra atraindo, desta maneira, milhares de nordestinos bem como de outras regiões que fugiam das condições adversas que se encontravam. Dessa forma o rádio serviu de elo para essas pessoas que lembravam constantemente das terras que foram, diante das circunstâncias, obrigados a deixar. Uma vez que inicia a sua carreira como cantor profissional, seria necessário alguém que o ajudasse a transliterar o que estava em sua memória, muitas eram as ideias, porém, era necessário alguém com habilidade para ajudá-lo na escrita das músicas. Ao longo de sua trajetória musical, Luiz Gonzaga contara com diversos parceiros compositores, que escreveram juntamente com ele músicas cantadas por diversas gerações e que ainda nos anos atuais continuam sendo lembradas por suas letras e principalmente por suas interpretações que eram únicas. Através dos seus lábios eram pronunciadas palavras tão fortes e profundas que eram capazes de manifestar todo tipo de sentimento: da alegria à tristeza, do canto e sorriso ao choro. Dentre os compositores que ajudaram Luiz Gonzaga na sua trajetória musical, citaremos três que foram de fundamental importância para sua carreira. O primeiro deles Miguel Lima, foi o responsável por escrever a primeira música de trabalho de Luiz Gonzaga como cantor, foi através de suas músicas que o Brasil teve a oportunidade de conhecer a voz do Rei do Baião. Miguel Lima escreveu o “Dança Mariquinha”, uma música que não fez tanto sucesso entre o público. No lançamento do segundo disco Gonzaga gravou o xamego “Penerô Xerém” e “Cortando o Pano”, letra inspirada pelo gosto do cantor em vestir-se de acordo à moda, sendo considerado por alguns como um dos primeiros a usar paletó com fenda atrás. Vale apena lembrar que antes mesmo de cantar sobre as peculiaridades do Nordeste, o filho de Januário já tinha se aventurado em valsas, foxtrotes, polcas e outros gêneros musicais, grande parte deles aprendidos em São João del Rei (MG) 32 com Domingos de Ambrósio, com quem aprendera também à tocar a sanfona de 120 baixos. Escrever sobre os acontecimentos os quais tinha vivido foi uma marca peculiar na carreira de Luiz Gonzaga, que transformava as suas vivências, experiências em verdadeiras canções. “Cortando o Pano”, diferentemente de “Dança Mariquinha” foi um grande sucesso, o que o ajudou diminuir a desconfiança que ainda existia em relação a sua voz. Miguel Lima é considerado pela crítica musical um dos compositores injustiçados, devido ao seu pouco reconhecimento artístico, era um homem que não tinha muita habilidade em escrever músicas de cunho regionalista, em contrapartida, “provou que era bom de samba, baião, xamego, choro, maxixe, calango e marchinhas de carnaval” NETO (2012). Apesar de sua habilidade em outros estilos musicais, Gonzaga não estava satisfeito, pois ainda não era aquilo que ele queria. Eu me lembrava do Nordeste, eu queria cantar o Nordeste. E pensava que o dia em que encontrasse alguém capaz de escrever o que eu tinha na cabeça, aí que eu me tornaria um verdadeiro cantor. O Miguel Lima foi o primeiro parceiro que me apareceu. Mas o seu raio cultural não era o nordestino. O “Dezessete e Setecentos” foi fácil de fazer, porque não tinha compromisso regional (GONZAGA apud DRYFUS. 2012, p.105) Era perceptível que até o momento citado havia uma ausência de representatividade da música nordestina no cenário nacional, e esta percepção incomodava Luiz Gonzaga que deseja encontrar alguém, um parceiro que assim como ele entendesse o Nordeste. Foi assim nesta procura incessante que conhecera em agosto de 1945 o advogado cearense, da cidade de Iguatu, Humberto Cavalcanti Teixeira, que desde cedo deixara a sua terra natal para morar na cidade do Rio de Janeiro. Esse homem, que formou-se em direito, mas tinha por paixão à música, encontrou em Luiz Gonzaga a possibilidade de mergulho no universo musical/poético. Desse modo, tal encontro o levara a compor diversas canções, inúmeras delas consagradas nas interpretações de Luiz Gonzaga. Humberto Teixeira, futuramente receberia o título de “Melhor compositor do Brasil” e tornar-se-ia embaixador da Música Brasileira em diversos países, este 33 acontecimento possibilitou uma maior divulgação dos artistas brasileiros no exterior e, consequentemente, incentivou-os em diversas turnês que ficaram famosas na década de 1960. A partir desta parceria teve o “baião” a oportunidade de sair dos bastidores para assumir uma posição de destaque no palco principal da música popular brasileira. Tal associação ajudou-o a colocar de vez a música nordestina no cenário nacional. Recebendo desta forma o título de “Doutor do Baião”, uma vez que, trouxera este “novo” ritmo para fazer parte da história da música popular brasileira, considerada por MORAES (2010) “um “novo” gênero pelo viés da resistência cultural”. É interessante perceber que antes de (re)inventar juntamente com Gonzaga esse novo ritmo, Humberto Teixeira, já compunha e já era conhecido no meio artístico. Era conhecido de Tom e Vinícius e de figuras importantes do universo musical carioca. Antes de se tornar o doutor do baião, exímio e lírico letrista responsável por versos e letras que instauraram uma ponte poético musical de acesso ao drama da seca e à cosmologia do mundo rural pastoril do sertão nordestino, Humberto Teixeira, já era bastante conhecido e celebrado como compositor de sambas e marchinhas de carnaval. (ALVES, 2012. p. 222) A sociedade entre os dois, desde o primeiro encontro dera provas que seria bem-sucedida, pois no primeiro encontro conseguiram escrever a letra da música “Lá no meu pé de serra”, mas foi apresentado ao público esta nova parceria com o “Baião” um ritmo musical pouco conhecido, tanto é que gravara após 3 anos de seu lançamento, pois o medo pelo desconhecido o fez dar a música para um grupo mais conhecido do público que foi o grupo Quatro Azes e um Coringa. Humberto Teixeira é considerado por muitos como o Doutor do “Baião”, pois ajudara a “popularizar” este ritmo tão desconhecido no cenário brasileiro, mas que em pouco tempo chegou a dominar a maior parte das execuções musicais no país, uma vez que: [...] Dançando em bailes da cidade e do campo, o baião chegou a dominar 80% das execuções musicais em todo o território brasileiro. Em toda parte 34 só se ouvia o baião e compositores do Sul, como Hervê Cordovil e Waldir Azevedo, logo aderiram. Foi uma revolução, a música popular brasileira, que então oscilava entre o samba-canção e os ritmos importados, foi surpreendida por algo completamente novo e gostoso: o baião. (OLIVEIRA, apud SANTOS, 2004, p.48) Utilizamos o termo “popularizar” pelo fato de compreender que não há uma unanimidade quanto a pré-existência do Baião, haja vista que, Elder P. Maia Alves em seu livro A Sociologia de um Gênero: O Baião11, defende a ideia de que este ritmo foi, literalmente, inventado por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, com as suas diversas batidas, e com um ritmo dançante diferente, dos modelos conhecidos da época, possibilitava trazer para o contexto social diversos aspectos do cotidiano. Já Albuquerque Júnior, (2011, p.155) diz que “o baião é calcado no hibridismo porque surgiu na fusão com elementos do samba, do choro e de outros ritmos urbanos” e que nascera para atender a uma necessidade de uma música nacional. Segundo o autor: Ele vem atender a necessidade de uma música nacional para dançar, que substituísse todas aquelas de origem estrangeira. Daí sua enorme acolhida num momento de nacionalismo intenso, fazendo-o frequentar os salões mais sofisticados em curto espaço de tempo. O baião será a musica do Nordeste por ser a primeira que fala e canta em nome desta região (ALBUQUERQUE JR., 2011, p.155). Para entender o projeto da música nacional é necessário relembrar a década de 1920 a 1950, um momento em que o país, procurava através de vários acontecimentos a exemplo da Semana de Arte moderna em 1922; “estabelecer” uma identidade nacional, através da arte, cultura e música, numa tentativa de renovação no ambiente cultural, que queria libertar-se dos modelos antigos e instalar um novo conceito. Quanto ao projeto da música nacional pensado na Semana de Arte Moderna, embora não houvesse um modelo pré-estabelecido, existia uma divisão de pensamentos, de um lado 11 Trabalho contemplado com o Prêmio Funarte Centenário Luiz Gonzaga (2012). A obra busca lançar indagações e reflexões acerca das contribuições dos compositores Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira para a consecução do novo gênero musical: O Baião. 35 Músicos e intelectuais como Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Luciano Gallet, Andrade Muricy e Renato Almeida pretendiam mudar a situação da música no Brasil. Na sua atuação cultural estas personalidades defendiam a criação de uma linguagem artística nacional, indo contra o gosto dominante. (CONTIER Arnaldo apud EGG, 1988. p.10) E do outro lado uma “burguesia cosmopolita da 1ª República, que preferia consumir e patrocinar música romântica italiana, francesa, germânica e russa” (EGG, 1988. p.10). O modelo popular, que abordava temas do cotidiano e das questões dos diversos “brasis” encontrou muita resistência e demorara alguns anos para que esse modelo fosse aceito. Diante disso, o crítico e musicólogo brasileiro Mario de Andrade defendia que: a criação musical longe de ser individual teria que ser, num primeiro momento de formação do nacionalismo musical brasileiro, social. A música nova que estava sendo criada no Brasil deveria ser objeto de reconhecimento por parte da população brasileira. (SANTOS, 2009. p. 2-3) Dentre as canções de Humberto Teixeira, juntamente com Luiz Gonzaga, damos destaque à “Asa Branca”, uma das músicas mais conhecidas em todo o cenário nacional considerado por muitos como o Hino do Nordeste que alavancou a carreira de Gonzaga, transformando-o num dos maiores astros da música popular brasileira. Observemos a letra desta canção: Asa Branca Quando olhei a terra ardendo Com a fogueira de São João Eu perguntei a Deus do céu, ai Por que tamanha judiação Eu perguntei a Deus do céu, ai Por que tamanha judiação Que braseiro, que fornaia Nem um pé de prantação Por falta d'água perdi meu gado Morreu de sede meu alazão Por farta d'água perdi meu gado Morreu de sede meu alazão Inté mesmo a asa branca 36 Bateu asas do sertão Então eu disse, adeus Rosinha Guarda contigo meu coração Então eu disse, adeus Rosinha Guarda contigo meu coração Hoje longe, muitas légua Numa triste solidão Espero a chuva cair de novo Pra mim voltar pro meu sertão Espero a chuva cair de novo Pra mim voltar pro meu sertão Quando o verde dos teus óio Se espaiar na prantação Eu te asseguro não chore não, viu Que eu voltarei, viu Meu coração Eu te asseguro não chore não, viu Que eu voltarei, viu Meu coração Asa Branca é uma música composta no ano de 1947, sendo considerada a canção brasileira com maior número de gravações, dentre os diversos artistas que regravaram esta música podemos citar, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Raul Seixas que cantou tanto em inglês quanto em português, etc. Devido a sua atualidade permanece presente no imaginário de diversas gerações; é uma composição com uma melodia alegre, independentemente de retratar um problema comum em diversas regiões brasileiras, que são as longas estiagens, neste caso em específico o Nordeste. Temos consciência de que muitos trabalhos já foram apresentados sobre a análise desta música, porém, entendemos que ainda se faz necessário uma apreciação desta obra tão rica em detalhes. A música retrata as tristes condições da vida do sertanejo que se depara com uma situação desesperadora diante de tanta sequidão, chegando a comparar a terra com a fogueira de São João diante de tanto calor; um fato que ia além da lógica da compreensão humana e que somente Deus poderia dar uma resposta para um questionamento tão verdadeiro de o porquê Deus permitir tal coisa “Eu perguntei a Deus do céu, ai / Porque tamanha judiação” A religiosidade é um outro elemento bem presente nas músicas de Luiz Gonzaga, porém tal discussão não é objeto de análise neste trabalho. 37 Mesmo com uma melodia alegre, é possível perceber a tristeza do homem sertanejo, que se vê com as mãos atadas, e com um sentimento de impotência pelo fato de nada poder fazer diante de tal situação de perda total de seus bens. “Que braseiro, que fornaia/ Nem um pé de prantação/ Por falta d'água perdi meu gado/ Morreu de sede meu alazão”. Esta passagem nos lembra o poema de Fernando Pessoa intitulado de “de tudo ficaram três coisas”. Na oportunidade o poeta nos fala que: estamos começando, que é preciso continuar e por fim que as vezes temos a sensação de sermos interrompidos antes mesmo de terminarmos. O fato de lembrarmos deste poeta é justamente por perceber na canção, um otimismo e uma mensagem, ainda que de maneira implícita, de que apesar de tudo é possível recomeçar. Até a Asa Branca, bateu asa e voou levando consigo a esperança de dias melhores, “Inté mesmo a asa branca/ Bateu asas do sertão/ Então eu disse, adeus Rosinha/ Guarda contigo meu coração” restando apenas ao sertanejo sair de sua terra natal e partir, rumo ao desconhecido numa migração geralmente feita pelos homens explicitando assim a divisão de papel social do homem como provedor da família, restando às mulheres o papel de cuidarem dos filhos. Para essas mulheres, Andréa Miranda as nomeia de viúvas da seca12, um título gerador de muitas discussões. Em contrapartida Cândido Portinari na pintura intitulada de Os retirantes, retrata esta migração não apenas pelo homem, mas sim de toda uma família que foge desesperadamente da seca. Mesmo diante de uma migração indesejada, o sertanejo leva consigo a esperança de dias melhores e a oportunidade de poder regressar para a sua terra natal e recomeçar uma nova vida, pois as lembranças das belezas do sertão continuavam intactas na mente dos sertanejos que se sentiam cada vez mais solitários numa terra desconhecida “Hoje longe, muitas léguas/ Numa triste solidão/ Espero a chuva cair de novo/ Pra mim voltar pro meu sertão”. Este sentimento de solidão nos ajudará compreender melhor a receptividade da música de Luiz 12 Termo utilizado por Andrea Miranda em seu trabalho: O Cotidiano, Memórias e Resistências das “Viúvas da seca” de 1932, no Município de Miguel Calmon. Jacobina. 2015. Para descrever as mulheres cujos maridos abandonavam as famílias e migravam principalmente para o Sudeste em busca de trabalho. 38 Gonzaga, posto que, segundo Alves (2012, p. 228) “ao juntar-se com Luiz Gonzaga, Teixeira reassumiu a sua condição de nordestino”. Esta atitude de reassumir uma identidade nordestina pode ser caracterizada ou percebida através de sua escrita nesta canção, tendo em vista que, era uma pessoa com um riquíssimo vocabulário e não utilizava no seu cotidiano palavras das quais foram citadas. Este mecanismo utilizado por Humberto Teixeira tem um objetivo: apresentar ao povo brasileiro uma linguagem bem comum utilizado por alguns sertanejos e ao mesmo tempo dar legitimidade à canção, fazendo o homem nordestino relembrar alguns acontecimentos desta triste situação que ora enfrentavam em determinados momentos. Segundo Marcos Bagno não podemos considerar a linguagem tida como popular como errada, tendo em vista que, são apenas variações linguísticas de um determinado lugar, pois para ele o que existe mesmo são preconceitos linguísticos que: [...] se baseia na crença de que só existe [...] uma única língua portuguesa digna desse nome e seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação linguística que escape desse triângulo escola - gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito linguístico, ‘errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente’, e não é raro a gente ouvir que ‘isso não é português’. (BAGNO, 2007, p. 39) Assim como Gonzaga, Humberto Teixeira ajudara a mostrar um Nordeste pouco mostrado nas grandes mídias: um Nordeste com cores, alegria e principalmente com “vida”. Como podemos observar na canção a seguir que é considerada a “carta de apresentação” do Baião para o povo brasileiro chamada por Albuquerque Júnior como a música do Nordeste. Baião Eu vou mostrar pra vocês Como se dança o baião E quem quiser aprender É favor presta atenção Morena chegue pra cá, Bem junto ao meu coração 39 Agora é só me seguir Pois eu vou dançar o baião Eu já dancei, balancei, Chamego, samba em Xerém Mas o baião tem um quê, Que as outras danças não têm Quem quiser só dizer, Pois eu com satisfação Vou dançar cantando o baião Eu já cantei no Pará Toquei sanfona em Belém Cantei lá no Ceará E sei o que me convém Por isso quero afirmar Com toda convicção Que sou doido pelo baião Alves (2015) afirma que foi a partir de uma conversa entre os dois músicos, durante um primeiro encontro, em agosto de 1945 que a ideia de lançamento do gênero musical baião ganhou consistência e viabilidade tal ritmo musical foi tão bem aceito pela população brasileira que chegou a cruzar os limites do país, como dito anteriormente, tal ritmo ajudou a dar projeção a carreira musical de Gonzaga, consolidando-o como um dos artistas mais populares de todo o Brasil. Na terceira estrofe, Mas o baião tem um quê / que as outras danças não têm conseguimos identificar alguns elementos que torna o baião um ritmo, novo, único e acima de tudo alegre; um sentimento muito presente no cotidiano dos nordestinos que, infelizmente não aparece quando retratado ou representado nos textos identitários do povo dessa região e quando aparece tem a sua imagem caracterizada por diversos mecanismos atrelados a signos estereotipados, basicamente apresentado como lugar de tristeza, dor e sofrimento. Além de Asa Branca e Baião, outras músicas como: Qui nem jiló, Lorota boa, Mangaratiba, Assum preto, Juazeiro, Paraíba, Xanduzinha, Estrada de Canindé, Respeita Januário e No meu pé de serra, foram músicas de bastante aceitação e sucesso em todo o território nacional. Outra parceria de grande sucesso de Luiz Gonzaga foi com José de Souza Dantas Filho (Zé Dantas), um pernambucano de Carnaíba de Flores, nascido em 1921. Esse é outro compositor merecedor de destaque na carreira musical de Luiz 40 Gonzaga, um homem que para atender ao desejo do pai fez o curso de medicina, contrapondo-se a sua grande vocação voltada para a música. Um homem que, assim como Gonzaga, amava o Nordeste e vivenciava intensamente a cultura daquela região; segundo Santos, (2004. p.48) Pela contribuição do compositor pernambucano, as músicas do Rei do baião adquiriram maior identidade regional. Eles manifestam em seus versos a opulência cultural no Nordeste e sua diversa sociedade, são recheadas de tradições e manifestações do cotidiano do sertanejo. Entre os vários temas abordados por Zé Dantas em seu repertório sertanejo convém citar: a sensualidade da mulher nordestina (Vem Morena); os forrós e confusões (Forró de Mané Vito); o drama da seca (A Volta da Asa Branca); festas juninas (Noites brasileiras) e o progresso nordestino (Paulo Afonso). (SANTOS, 2004. p.48) Zé Dantas tinha o hábito de compor e não perdeu a oportunidade de conhecer na capital pernambucana no ano de 1947 quem tanto admirava, Luiz Gonzaga, na ocasião apresentou a música “Vem Morena” citada anteriormente e que pode ser apreciada logo abaixo; esta que seria uma espécie de cartão de visita para se apresentar a Gonzagão, que se tornaria posteriormente um grande sucesso. Vem Morena Vem, morena, pros meus braços Vem, morena, vem dançar Quero ver tu requebrando Quero ver tu requebrar Quero ver tu remechendo Resfulego da sanfona Inté que o sol raiar Esse teu fungado quente Bem no pé do meu pescoço Arrepia o corpo da gente Faz o véio ficar moço E o coração de repente Bota o sangue em arvoroço Vem, morena, pros meus braços Vem, morena, vem dançar Quero ver tu requebrando Quero ver tu requebrar Quero ver tu remechendo Resfulego da sanfona Inté que o sol raiar Esse teu suor sargado É gostoso e tem sabor Pois o teu corpo suado 41 Com esse cheiro de fulô Tem um gosto temperado Dos tempero do amor Vem, morena, pros meus braços A partir desta parceria o povo brasileiro teve a oportunidade de conhecer o grande compositor que seria Zé Dantas, um homem que além de entender o Nordeste conhecia como poucos, as características e a realidade daquela região, pois diferentemente de Humberto Teixeira, que saiu cedo do seu lugar de origem, Zé Dantas permaneceu até a vida adulta em Pernambuco e por isso conhecia com mais propriedade a realidade e singularidades do povo nordestino. Segundo Dreyfus (2012) Afastado do Nordeste desde menino, Humberto Teixeira era mais do asfalto do que do sertão; ele mentalizava o mundo nordestino, mas não possuía o conhecimento de Zé Dantas, que o vivera por dentro, que levava o Nordeste em si, que era o próprio Nordeste(...) Com Humberto, Gonzaga realizara o seu projeto de lançar a música do Nordeste no Sul. Com Zé Dantas ele iria mais longe, transformar-se-ia num militante da alma do Nordeste. O compromisso era mais forte, mais visível, mais sensível nas letras de Zé Dantas, do que nas do autor de “Asa Branca”. (DREYFUS, 2012, p.149) Zé Dantas, juntamente com Humberto Teixeira são considerados por muitos como os principais parceiros musicais de Luiz Gonzaga, pois conseguiram através de suas canções apresentar o Nordeste, numa perspectiva bem diferente da qual era e ainda é visto com frequência, especialmente na grande mídia. Não omitiram sobre as suas durezas e sofrimentos, mas valorizaram acima de tudo o sertão nordestino, pois ambos tinham “uma vivência da cultura regional, uma memória afetiva dos símbolos que faziam parte das dinâmicas e tradições ligadas ao Nordeste” (GAMA 2012, p.41). Nesta mesma perspectiva VASCONCELOS (2011) trabalha a questão da identidade e valorização quanto ao pertencimento a uma região, quando procura explicar como os discursos identitários hegemônicos, proferidos ao longo dos tempos, contribuem para formar imagens estereotipadas de determinados lugares. No caso da nossa análise uma das imagens fixas sobre o Nordeste é a dos seus 42 moradores, que certamente procuraria outros lugares visando melhorar de vida, já que a sua terra não lhes proporciona condições favoráveis. Porém, ao observarmos a canção Riacho do Navio, composta em 1955, por Zé Dantas e Gonzaga, podemos perceber que, no caso do peixe citado na música, que representaria o nordestino, ele não visualiza a possibilidade de felicidade na cidade grande, pelo contrário ele quer voltar para o seu ranchinho, pra sua terra, para vivenciar as delícias e prazeres do interior do Brasil. Embora esta análise possa ser contestada, vamos a música: Riacho do Navio Riacho do Navio Corre pro Pajeú O rio Pajeú vai despejar No São Francisco O rio São Francisco Vai bater no "mei" do mar O rio São Francisco Vai bater no "mei" do mar (Bis) Ah! se eu fosse um peixe Ao contrário do rio Nadava contra as águas E nesse desafio Saía lá do mar pro Riacho do Navio Eu ia direitinho pro Riacho do Navio Pra ver o meu brejinho Fazer umas caçada Ver as "pegá" de boi Andar nas vaquejada Dormir ao som do chocalho E acordar com a passarada Sem rádio e nem notícia Das terra civilizada Sem rádio e nem notícia Das Terra civilizada Na segunda estrofe, conseguimos perceber com mais clareza esta ideia, o desejo de remar contra a maré, uma vez que, nem só de tristezas e sofrimento é feito o Nordeste. Temos consciência que nas décadas de 1950 e 1960, bem como nas décadas posteriores, houve um grande fluxo de migração para a região que compreende hoje o Sudeste, embora esse êxodo nordestino tenha sido intensificado a partir da década de 1930. Ah! se eu fosse um peixe/ Ao contrário do rio/ Nadava 43 contra as águas, mas o que pretendemos observar nesta canção é justamente o desejo e identificação do homem com o seu lugar de pertencimento, longe das turbulências dos grandes centros urbanos. Um desejo compactuado por muitos nos dias atuais, ou seja, o regresso para a sua terra natal. O nadar contra as águas é na verdade um grito de protesto de um povo que ao longo dos anos tem sofrido com os estereótipos atribuídos à esta região, visto como um lugar de inúmeros adjetivos negativistas, como: um território de sofrimento, seca, dor, analfabetismo e falta de esperança. Embora percebamos que as representações sobre a respectiva região têm mudado ao longo dos tempos, ainda é possível detectar nos dias atuais uma imagem predominantemente ligado à imagens depreciativas algo lamentável, a final de contas o Nordeste como as demais regiões do país tem seus problemas, tanto no âmbito social, quanto físico (geográfico e climático), porém isso não pode ser impeditivo para que outros aspectos dessa região sejam lembrados e destacados. Diante de tal afirmação nos perguntamos: Qual o papel de Gonzaga nesta conjuntura? Risério, (1990) afirma ser simples a resposta para essa pergunta: Penso que é possível afirmar, sem risco de erro, que Luiz Gonzaga desempenhou aí o papel nada insignificante de uma força antidesagregadora. Atuando na dimensão dos signos – e em plano de massas – Gonzaga trouxe um universo familiar aos nordestinos, com suas representações conhecidas e seus referenciais nítidos. Pois sendo o Nordeste o eixo temático principal de suas canções, que não foram poucas, podemos afirmar que Gonzaga se construiu como o principal ícone dessa tão marcante região no Brasil. Vejamos abaixo o número de canções e gravações feitas pelo Rei do Baião num apanhado feito por Silva: Luiz Gonzaga gravou 625 músicas sem regravações e 992 regravações, somando um total de 1.617 músicas gravadas, distribuídas em 125 discos de 78 rpm, 41 compactos de 33/45 rpm-simples e duplos, 6 LP’s de 33 rpm/10 polegadas, 79 LP’s de 33 rpm/12 polegadas – originais e 15 LP’s de 33 rpm/12 polegadas- compilações, somando um total de 266 discos gravados. O Rei do Baião compôs 53 canções sozinho, 243 com parcerias e 329 foram apenas interpretadas por ele. Uma vida inteira dedicada à música. Suas canções mantinham um certo padrão temático. (1997, p. 2324) 44 Temos consciência de que as imagens representadas nas canções e composições de Luiz, “são passiveis de inúmeras interpretações, não tendo uma mesma representatividade ou sentido para todos os que ouvem”, (GAMA, 2012, p.46). Talvez este seja um dos motivos a levar diversas pessoas a pesquisar e escrever sobre este artista brasileiro que cantou e encantou com o seu jeito peculiar. Ficando no ar a seguinte pergunta: Este Nordeste cantado por Luiz Gonzaga é predominantemente triste, sofrido, com imagens que nos faz lembrar apenas das desgraças que assolam esta região? Ou é um Nordeste alegre, festeiro, que propicia a população desta região a oportunidade de mostrar as belezas e riquezas do seu lugar? Afinal! Qual faceta do Nordeste está mais presente nas canções de Luiz Gonzaga? É a essa pergunta que tentaremos responder no capítulo seguinte! 45 CAPÍTULO III - QUAL IMAGEM DE NORDESTE PREVALECE NAS CANÇÕES DE LUIZ GONZAGA? Todos precisam de suas lembranças, elas evitam a miséria da insignificância Lowenthal 3.1 Preguei sobre as rosas, mas não esqueci dos espinhos Segundo Olavo Bilac, “não há alma que possa viver sem saudades”, diante de tal constatação pretendemos, neste capítulo, analisar algumas músicas e tentar diagnosticar sobre qual imagem/representação de Nordeste prevalece nas músicas compostas e interpretadas por Luiz Gonzaga. Se um Nordeste seco, pobre e triste, povoado por pessoas marcadas por um destino sofrido e sem esperança ou se um Nordeste festivo e cheio de fartura, povoado por pessoas que tem orgulho e gostam de viver na sua terra. Em diversas canções o filho de Januário recorre à memória e as lembranças do seu passado para fundamentar e afirmar a sua própria identidade, para Todorov: A recordação do passado é necessária para afirmar a própria identidade, tanto individual como de grupo. Um e outro também se definem, evidentemente, por sua vontade no presente e seus projetos de futuro; mas não podem prescindir dessa primeira lembrança. ( 2002, p. 199) Na grande maioria de suas canções e interpretações Luiz Gonzaga, menciona as particularidades do Nordeste: seu povo, seus costumes, alegrias, tristezas, religião, culinária, etc. Para tratar disso fica evidente como Gonzaga recorre, muitas vezes, às suas lembranças para explicar e apresentar o Nordeste. Como mencionado no primeiro capítulo, ainda na sua mocidade deixou a casa de seus pais, rumo ao desconhecido levando consigo na memória as imagens de um lugar único, repleto de ambiguidades. 46 Em seu livro “Memória e Sociedade: Lembranças dos velhos”, Ecléa Bosi (1987, p. 43) procurou apresentar o cotidiano, vivências e experiências dos velhos a partir de suas memórias, na oportunidade a escritora nos diz que: “O narrador tira o que narra da própria experiência e a transforma em experiência de quem a escuta”. É este mecanismo utilizado por Gonzaga, que toma como ponto de partida suas experiências, apresentando uma faceta menos conhecida do Nordeste para grande parte do povo brasileiro e ao mesmo tempo traz para os migrantes nordestinos a lembrança de pertencimento a um lugar. A partir desta recordação o indivíduo constrói elementos que o ajuda a selecionar, ainda que de maneira implícita, alguns signos de seu lugar de pertencimento. Utilizamos o termo selecionar por concordar com Ulpiano Meneses (1992. p.12) quando nos fala que a memória é seletiva pelo fato dela “não dar conta do passado nas suas múltiplas dimensões e desdobramentos”. Foram essas memórias um dos combustíveis, utilizados por Teixeira durante a composição de suas músicas sobre o Nordeste, tendo em vista que, como mencionado no capítulo anterior, Teixeira saíra bem cedo do Nordeste e quando encontrara com Gonzaga já havia se passado 16 anos residindo na cidade do Rio do Janeiro. Desta maneira, coube ao futuro Doutor do Baião, relembrar de um Nordeste do qual ele já, há muito tempo não vivenciara Segundo Alves (2012, p.128) esse distanciamento temporal requer “uma reflexão mais demorada e cuidadosa sobre a formação da memória social e individual”. É por pensamentos como esses que somos impulsionados a questionar: O Nordeste de Luiz Gonzaga existe apenas em suas canções? Qual a predominância dos signos desta região em suas composições e interpretações? Antes de responder a tal questionamento gostaríamos de refletir um pouco mais sobre o conceito de memória apresentado por Von Simson em seu trabalho: Memória, Cultura e Poder na sociedade do esquecimento. É afirmado que: Memória é a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações através de diferentes suportes empíricos (voz, música, imagem, textos etc.). Existe uma memória individual que é aquela guardada por um indivíduo e se refere às suas próprias 47 vivências e experiências, mas que contém também aspectos da memória do grupo social onde ele se formou, isto é, no qual esse indivíduo foi socializado. (VON SIMSON, 2013, p. 14) Esta retransmissão apontada pelo autor foi apresentada na maioria das músicas de Gonzaga para o seu público, ora como forma de protesto, ora como lamento, ora como forma de apresentar com orgulho o seu lugar de origem, para isso, tanto Humberto Teixeira quanto Luiz Gonzaga recorrem às suas memórias subterrâneas, para proporcionar uma construção coletiva da memória. Nesse sentido, afirma mais uma vez Von Simson (2013, p. 15): É verdade que nós não nos lembramos de tudo o que aconteceu ou que nos foi ensinado ao longo de nossa vida. Descartamos a maioria das experiências vivenciadas e só retemos aquelas que possuem significado, isto é, são funcionais para nossa existência futura. Baseados nessa seleção da memória, do que tem significado para os compositores citados e buscando responder a pergunta central da presente pesquisa: Qual imagem de Nordeste prevalece nas canções de Luiz Gonzaga?, convidamos o leitor para, a partir desse momento, acompanhar conosco a análise de uma série de músicas compostas ou interpretadas por Luiz Gonzaga que, a nosso ver, responde a questão em evidência. Selecionamos para isso um total de 10 músicas e optamos por trazê-las na seguinte ordem: primeiro, 02 músicas que nos remetem a uma imagem dicotômica ou relativista do Nordeste. Nessas canções tal região é retratada tanto como um lugar sofrido de um povo que luta incansavelmente sem muita perspectiva, mas, ao mesmo tempo e, apesar disso, é o melhor lugar para se viver. Em seguida faremos uma mostra de 4 músicas que falam de um Nordeste positivado, de festas, alegrias, prosperidade e por fim 4 canções que retratam o Nordeste ou o nordestino como um ser sofrido e desprovido de condições básicas para uma vida mais digna. Iniciaremos com a análise da música Algodão de Zé Dantas e Luiz Gonzaga (1953) quando nos é apresentado os dois lados deste Nordeste, de um lado a imagem de que é necessário ser forte e valente para conviver nesta região, para 48 vencer a lida do dia-dia e do outro lado a alegria e a comprovação de que é possível plantar, colher e ao final de tudo fazer uma grande festa. Explicitando categoricamente como a região Nordeste continua contribuindo para o desenvolvimento e enriquecimento do país. Vamos a música: Algodão Bate a enxada no chão Limpa o pé de algodão Pois pra vencer a batalha, É preciso ser forte, robusto, valente ou nascer no sertão Tem que suar muito pra ganhar o pão E a coisa lá "né" brinquedo não Mas quando chega o tempo rico da colheita Trabalhador vendo a fortuna se deleita Chama a família e sai, pelo roçado vai Cantando alegre ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, (2X) Sertanejo do norte Vamos plantar algodão Ouro branco que faz nosso povo feliz Que tanto enriquece o país Um produto do nosso sertão. Podemos verificar que apesar de tanta luta para entabular a terra, vale a pena passar por toda esta dificuldade, uma vez que, é mais do que prazeroso convidar amigos e familiares para alegrarem consigo e poderem presenciar a recompensa de todo um trabalho, na oportunidade a canção faz questão de mostrar sobre a importância desta região e como ela tem contribuído para o desenvolvimento do país. A outra música é Vozes da seca, gravada no ano de 1953 em parceria com Zé Dantas, é uma das canções mais conhecidas desta parceria, a música é um protesto do sertanejo pelo descaso dos governantes para com a situação climática bem comum na Região Nordeste, que passa em determinados momentos por dificuldades devido à má distribuição de chuvas. É considerada por muitos como a primeira canção de protesto da música popular brasileira, haja vista que, escolheu como destinatário de tal crítica o Governo Federal, por não tomar medidas ou instituir algum programa de socorro aos atingidos pelas secas. 49 Vozes da Seca Seu doutô os nordestino têm muita gratidão Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão Mas doutô uma esmola a um homem qui é são Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão É por isso que pidimo proteção a vosmicê Home pur nóis escuído para as rédias do pudê Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cume Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação! Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos Como “representante do povo sertanejo” Gonzaga eleva a voz em protesto criticando um assistencialismo que em nada mudaria a situação do homem sertanejo, cobrando dos governantes, mas acima de tudo dignificando o nordestino desprezando o estereótipo de coitadinho. Esta canção é singular por ajudar-nos à desvendar uma possível resposta ao questionamento deste tópico, pois conseguimos visualizar a simultaneidade de sentimentos nesta música. Ao mesmo tempo em que ouvimos um pedido de socorro diante de uma situação tão desoladora, percebemos também uma declaração ou um protesto de que a terra é prospera e fértil, e que a seca não deve ser vista como uma particularidade da região Nordeste, pois nesta região assim como nas demais regiões do país é possível plantar e colher, o problema não é a geografia do lugar, mas sim a falta de atitude para tentar mudar a situação e provar que é possível viver nesta terra sem a necessidade de migrar para outras regiões. Dentre as canções selecionadas que falam de um Nordeste positivado comecemos pela música Onde o Nordeste Garoa, (do compositor Onildo Almeida, gravada por Luiz Gonzaga em 1978 no disco “Dengo maior”) por considerar que a mesma traz uma imagem diferente do que costumeiramente ouvimos falar sobre o Nordeste, pois compara uma das cidades pernambucanas (Garanhuns) a um país 50 europeu (Suíça). Imagem certamente impensável para os anunciadores do Nordeste de chão rachado. Onde o Nordeste garoa Conheço uma cidade bem pernambucana Que todo mundo chama de Suíça brasileira Água pura, clima frio na realidade Garanhuns é uma cidade linda e tão brejeira Garanhuns, cidade serrana Garanhuns, cidade jardim Garanhuns, cidade das flores de amores sem fim Garanhuns, terra de Simôa Garanhuns, que terrinha boa Garanhuns, onde o Nordeste garoa Conseguimos observar uma crítica sutil do Rei do Baião, para aqueles que tem sedimentado em suas lembranças a construção de uma imagem de que o belo ou o bonito só é possível de ser encontrado e apreciado em terras longínquas, na tão famosa Europa, ou no caso do Brasil, nas terras do Sul (maravilha). Ao mesmo tempo em que Gonzaga apresenta a cidade de Garanhuns, ele faz um convite à conhecê-la. A propaganda é tão bem feita que nos faz lembrar dos poemas de William Shakespeare e dos lugares dos contos de fadas que inspiram verdadeiramente os grandes romances, Garanhuns, cidade serrana/ Garanhuns, cidade jardim/ Garanhuns, cidade das flores de amores sem fim... Mas o verdadeiro pano de fundo desta canção é justamente mostrar a diversidade e ao mesmo tempo o quão agradável é viver em algumas cidades nordestinas, quebrando de vez com as generalizações e estereótipos referentes ao Nordeste. Na canção Caboclo Nordestino, uma composição de 1963 de autoria de José Marcolino Alves, um homem extremamente ligado às tradições nordestinas e que admirava o trabalho de Luiz Gonzaga. Marcolino compôs diversas músicas que foram sucesso em todo o país; um homem assim como tantos outros sertanejos que se identificava profundamente com as músicas do filho de Januário e assim conseguiu externar com muita propriedade uma outra faceta do homem nordestino. Caboclo Nordestino Caboclo humilde, roceiro Disposto, trabalhador\ 51 No remexer da sanfona Escuta este cantador Que no baião fala ao mundo Teu grandioso valor E do caboclo que vive Com a enxada na mão Trabalhando o dia inteiro Com a maior diversão Sem invejar a ninguém Satisfeito a trabalhar Cada vez mais animado Esse teu suor pingado Grandeza e honra te dar Na tua humilde palhoça Só se ver felicidade E quando chegas da roça Te sentas mesmo a vontade Pra comer teu prato feito Na mesa ou mesmo no chão A filharada em rebanho O teu prazer é tamanho De quem possui um milhão Aqui nesta vida humana Ninguém é melhor que tu Escuta esta homenagem De um cabra do Pajeú E outro do Rio Brígida Dos carrascais do Exu Gonzaga assim como José Marcolino por entender sobre os costumes e a luta do homem nordestino procura exalta-lo, deixando sábios conselhos para todos aqueles que um dia tiverem a oportunidade de ouvir tal canção o de que não é necessário ter muito para ser feliz, porque a felicidade está nas coisas simples da vida, como por exemplo, sentar ao lado de sua família e poder apreciar uma refeição. Consideramos que há um certo exagero na tentativa de positivar a vida do nordestino, pois sabemos o quão difícil e pesado é o trabalho da roça. Até parece que ao compor esta canção fora feito a leitura de um livro da Bíblia cujo autor é o sábio Salomão, na oportunidade ele nos diz que: É melhor uma mão cheia com descanso, do que ambas as mãos cheias e aflição de espírito13. São lições e conselhos como esses que tem contribuído para que o filho de Januário 13 BÍBLIA, Eclesiastes, 4: 6 52 continue sendo uma lembrança bem presente nos corações e mentes do povo brasileiro. Na canção a seguir Aquilo sim que era vida, música de (Luiz Gonzaga e J. Portela-gravada no LP12: Sanfona do povo-volume I em 1964) Gonzaga reforça a imagem de um lugar festivo e alegre, ao enfatizar as vivências de tal região. Aquilo sim que era vida Aquilo sim que era vida Aquilo sim, que vidão Aquilo sim que era vida, seu moço A vida lá do sertão Plantava milho, arroz e feijão Pescava de linha, lá no ribeirão Domingo saía no meu alazão Dançava uma valsa lá no matão lálálálálálálá, aquilo sim, que vidão Aquilo sim que era vida, seu moço A vida lá do sertão De noite eu me sentava bem juntinho ao fogão Rosa trazia o cachimbo, Creuza trazia o tição Com a viola no peito, tirava uma canção De hora em hora tomava um golinho de quentão O sertão é apresentado como um lugar desejado e sonhado pelo fato das principais lembranças serem extremamente positivas, Aquilo sim que era vida, Aquilo sim, que vidão. O que nos chama a atenção também é o fato da insistência e do apelo popular de Luiz Gonzaga nesta acirrada tentativa de mostrar o sertão como um “oásis” no deserto e o melhor lugar do mundo, como se não existisse outro lugar possível de ser feliz; embora não apareça de forma explícita podemos fazer uma conjecturação com os acontecimentos de sua infância, uma vez que, as recordações desta etapa da vida do menino Gonzaga é de dias bons, pois, mesmo diante das “obrigações” de um menino da zona rural para com os seus pais, e para os modelos pré-estabelecidos da época o que prevalece são as lembranças de brincadeiras típicas para os meninos daquela região, a liberdade e o contato com a natureza. 53 As relações familiares também são valorizadas, visto que, a imagem de união é notória De noite eu me sentava bem juntinho ao fogão, Rosa trazia o cachimbo e o tição; talvez se tal canção fosse interpretada na voz de outro cantor provavelmente não conseguiríamos perceber toda uma representatividade que “só” Gonzaga era capaz de demonstrar. Dentre tantas canções é merecedora também de destaque a música “Luar do Sertão” de autoria de Catulo da Paixão, embora haja controvérsias quanto a sua autoria, pois alguns atribuem à João Pernambuco; tal canção ganhou de vez reconhecimento nacional na interpretação de Luiz Gonzaga. Na oportunidade é enaltecido de forma exagerada a beleza noturna do sertão, dando a impressão de que não há em nenhum outro lugar da terra um luar tão bonito quanto o do sertão, tal subterfúgio, utilizado em diversas canções, é uma forma pela qual procura-se criar um vínculo de pertencimento e reconhecimento de um lugar, criando assim uma ligação entre cantor e ouvinte. Desta forma, Gonzaga, consegue aproximar e apresentar um Nordeste pouco valorizado e conhecido. Luar do Sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Oh! que saudade do luar da minha terra Lá na serra branquejando folhas secas pelo chão Este luar cá da cidade tão escuro Não tem aquela saudade do luar lá do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Se a lua nasce por detrás da verde mata Mais parece um sol de prata prateando a solidão E a gente pega na viola que ponteia E a canção é a Lua Cheia a nos nascer do coração Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão Mas como é lindo ver depois pro entre o mato Deslizar calmo regato transparente como um véu No leito azul das suas águas murmurando E por sua vez roubando as estrelas lá do céu Não há, ó gente, ó não 54 Luar como esse do sertão Não há, ó gente, ó não Luar como esse do sertão. Esta forma saudosista de lembrar o passado e a sua beleza noturna é justificado pelo fato de não poder ser tão perceptível esta formosura nos grandes centros urbanos, visto que, devido à luminosidade das cidades, acaba “prejudicando” tal visibilidade; o pôr do sol também é celebrado por inspirar e proporcionar uma visão privilegiada. Se analisarmos apenas estas canções que ora abordamos neste terceiro capítulo poderíamos concluir que o Nordeste é o que os europeus intitularam de o “novo mundo” chamando-o de paraíso na terra, porém, não foi por acaso que intitulamos este tópico de: Preguei sobre as rosas, mas não esqueci dos espinhos. Justamente para mostrar que Luiz Gonzaga apesar de ser um apaixonado pelo Nordeste e de mostrar uma faceta positiva desta região também mostrou o lado que muitos conhecem: da pobreza, da seca, do sofrimento e outros adjetivos negativos. Não foi por acaso que trouxemos esta canção para liderar essas análises; composta por Patativa do Assaré, consideramos a música A triste partida como um marco de um Nordeste sofrido; é importante registrar que, algumas alterações foram feitas por Luiz Gonzaga, quanto à versão original, sendo isso, motivo para algumas hipóteses. Uma hipótese é de que o sanfoneiro tenha suavizado o sotaque nordestino e apelado para formas mais próximas da língua geral do país, como uma maneira de romper com um regionalismo mais acentuado de Patativa. Outra é de que, para ajustar ao compasso do ritmo musical e ao seu estilo, tivesse Luiz Gonzaga que modificar alguns versos. Encontram-se, de fato, no texto, elementos que fundamentam uma e outra hipótese (GUERRA, 2002, p. 2). Consideramos esta canção14 uma das mais significativas para análise de um Nordeste sofrido. Observemos: A triste partida Meu Deus, meu Deus Setembro passou Outubro e Novembro 14 Pelo fato desta canção ser muito grande, em comparação as demais que foram apresentadas neste trabalho, optamos por trazer apenas duas estrofes, sua versão em sua completude poderá ser observada nos anexos. 55 Já estamos em Dezembro Meu Deus, que é de nós, Meu Deus, meu Deus Assim fala o pobre Do seco Nordeste Com medo da peste Da fome feroz [...] [...] Meu Deus, meu Deus A seca terrível Que tudo devora Ai,lhe bota pra fora Da terra natal Ai, ai, ai, ai [...] Esta canção é considerada por alguns como uma verdadeira oração, por mostrar a súplica e o desespero do homem nordestino diante de uma situação tão desesperadora; os meses vão passando e com eles a esperança de dias melhores vai se esvaindo. Muitas são as perguntas e poucas são as respostas, afinal! O nordestino que tem passado por esta situação mais uma vez procura encontrar as respostas na religiosidade, pois a única explicação possível para tamanha desgraça é o castigo de Deus; algo totalmente incompreensível para o sertanejo que não ver outra saída a não ser a perda da fé. Numa tentativa de amenizar o sofrimento o nordestino vê-se obrigado à abandonar a sua terra natal e vender o pouco que tem para granjear algum recurso e partir rumo ao desconhecido, uma decisão difícil a ser tomada, visto que, seria uma ruptura de locais e costumes totalmente diferente ao vivenciado até então, e no momento da partida é possível imaginar o filme que passa na cabeça desses homens, que partem levando consigo a esperança de um dia poder retornar para a sua querida terra. É possível perceber o sofrimento dos pais diante de tantas perguntas e não poder dar as respostas, ao cantar esta canção Luiz Gonzaga traz mais uma vez à memória dos emigrantes nordestinos e ao mesmo tempo toca em uma ferida parcialmente cicatrizada do quão sofrido foram as suas partidas. A esperança de dias melhores logo logo vai dando lugar a uma mescla de sentimentos: tristeza, decepção, medo, desesperança, humilhação; o nordestino se depara com uma situação que até então não era vivenciada: o preconceito. 56 Nas linhas finais é feita uma denúncia sobre as condições lamentáveis em que os nordestinos se encontram, trabalham e mesmo assim “não são” reconhecidos por seus empregadores e os diversos “ais” utilizado na canção é justamente para reforçar a profunda tristeza do homem nordestino, por fugir do lugar que ele mais ama. Em Súplica Cearense, uma canção composta em 1960 pelos músicos nordestinos Manoel Ávila Peixoto (Netinho) e Waldeck Artur de Macedo, conhecido popularmente por (Gordurinha) é mais uma vez apresentado a tão indesejada seca, esta música só veio de fato ter um grande sucesso quando interpretado por Luiz Gonzaga, haja vista que, poucos artistas conseguiam cantar com tanto envolvimento sobre o Nordeste, por isso concordamos com Rocha (2004, p.65) quando diz que “A música tem o poder de expressar os sentimentos, revelar a memória, conhecer as representações sociais, o contexto político e o imaginário popular, além da capacidade de dialogar com o conhecimento histórico”. Analisemos a música, para melhor compreender esse sentimento: Súplica Cearense Oh! Deus, perdoe este pobre coitado Que de joelhos rezou um bocado Pedindo pra chuva cair sem parar Oh! Deus, será que o senhor se zangou E só por isso o sol arretirou Fazendo cair toda a chuva que há Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho Pedir pra chover, mas chover de mansinho Pra ver se nascia uma planta no chão Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe, Eu acho que a culpa foi Desse pobre que nem sabe fazer oração Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água E ter-lhe pedido cheinho de mágoa Pro sol inclemente se arretirar Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno Desculpe eu pedir para acabar com o inferno Que sempre queimou o meu Ceará 57 Nesta canção podemos perceber o desespero de um homem, diante de uma situação profundamente lamentável. Diante disso, observamos a súplica do sertanejo para o sagrado, esta religiosidade que é uma característica das canções e interpretações de Gonzaga, haja vista que, na sua infância viveu rodeado de manifestações religiosas. Para esta temática Gama (2012) apresenta e discute com muita propriedade sobre as representações do sagrado nas canções de Luiz Gonzaga deixando claro que a religiosidade exposta por Luiz, versam sobre sujeitos que vivem um cotidiano “simples” – geralmente trabalhadores rurais que dependem dos ciclos climáticos – e que, por um lado, têm na fé uma forma de abrandar as dificuldades. (GAMA. 2012, p.63) Inconformado com tal situação resta agora, recorrer ao sagrado/divino para tentar compreender ou saber o porquê de tanta sequidão. Diante disso só nos resta continuar a fazer o seguinte questionamento: Como é possível um lugar tão pobre, seco e sem vida, ser tão desejado e amado? Um lugar tão sofrido que chega ao ponto de Gonzaga dizer na música Aquarela Nordestina de Rosil Cavalcanti, composta no ano 1958 “Ai, ai, meu Deus, tenha pena do Nordeste”. Na canção Cabra da Peste é possível perceber também a dificuldade enfrentada pelo homem nordestino: Cabra da peste Eita! Sertão do Nordeste Terra de cabra da peste Só sertanejo arrizéste Ano de seca e verão Toda dureza do chão Faz também duro O homem que vive no sertão Tem cangaceiro Mas tem romeiro Gente ruim, gente boa Cabra bom, cabra à toa Valentão, sem controle Só não dá cabra mole Tem cangaceiro Mas tem romeiro Lá o caboclo mais fraco, é vaqueiro Eita! Sertão! Eita! Nordeste! 58 Eita Sertão! Ei, rê, rê, rê, rê, tá! Cabra da peste Uma canção de Zé Dantas juntamente com Luiz Gonzaga que demonstra a dureza da grande maioria do povo nordestino, embora o termo cabra da peste soe como uma espécie de elogio para as pessoas desta respectiva região, um povo que se vê em determinados momentos sem força para encarar a realidade constante de seca, que transforma o nordestino que ora é visto como uma pessoa alegre em uma pessoa dura e triste diante das circunstâncias. Na canção documento do matuto, um Baião de autoria de Paulo Patrício, lançado na RCA Victor por Luiz Gonzaga em 1964, no LP “Sanfona do povo” é possível perceber a narrativa de uma cena bem comum de se ver no Nordeste nas décadas de 1960. Diante das situações desesperadoras, devido a falta de chuva e a consequente falta de alimentos, muitas famílias se viram obrigadas à deixar seu cantinho, sua terra natal em busca de uma oportunidade melhor de se viver, uma decisão difícil, pois, não é apenas de cidade ou estado que estava se mudando, mas o sertanejo via nesta atitude uma ruptura com as suas origens. Diante disso, concordamos com Marcos Paulo (2011, p. 35), quando nos diz que: A decisão de partir para São Paulo é um divisor de águas: o nordestino torna-se um estrangeiro e, embora permaneça profundamente ligado às suas raízes, são a distância e a saudade – a ausência, portanto – que o identificam com sua terra. Além das perdas materiais e espirituais, o viandante nordestino também perde o próprio Nordeste: desterritorializa-se, desloca-se e fica sem um lugar no espaço, no tempo, na história e na cultura; será sempre um transplante, um enxerto no lugar alheio em que sobrevive, mas eternamente identificado com a figura romântica do torrão materno. Deixar a sua terra é deixar para trás tudo o que possui, uma decisão um tanto difícil, porém o nordestino via como necessário para poder manter a sua família; ao interpretar tal canção Luiz Gonzaga traz à memória de muitos migrantes brasileiros 59 um filme em suas mentes sobre as circunstâncias que os levou à saírem de suas terras para outros lugares do Brasil. Observe: Documento de matuto Sol escaldante A terra seca E a sede de lascá Sem ter jeito prá vivê Com dez fío prá criá Foi por isso seu moço Que eu saí em busca De outro lugar E com lágrimas nos óio Eu deixei meu torrão nata } bis Eu vim procurar trabalho Não foi riqueza que eu vim buscar Peço a Deus vida e saúde Prá família pudê sustentá Seu moço o documento Que eu tenho pra mostrá São essas mão calejada E a vontade de trabaiá Como dito anteriormente afirmamos que, embora demonstrasse o seu amor e até uma certa exaltação pelo seu torrão natal, Gonzaga não se omitiu em mostrar o lado triste e sofrido do Nordeste, afinal de contas suas músicas trazem tanto as rosas quanto os espinhos. Diante do exposto, afirmamos que nas músicas compostas e interpretadas por Luiz Gonzaga estão presentes duas ou mais facetas do Nordeste. Muitas foram as suas canções, porém, seria muito difícil abordar e apresentar todas neste trabalho. Gonzaga apresentou ao povo brasileiro um Nordeste que poucos conheciam, uma região visível bem diferente da região que ora era percebida somente pelo dizível, diante disso concordamos quando nos é dito que: Gonzaga, mais e melhor que ninguém, cantou as alegrias e as angústias de seu povo. Nesse sentido, pode-se constatar, todos os aspectos da vida do homem nordestino, praticamente, veem-se representados em suas composições. Não que só tenha cantado o sofrimento ou mesmo enfatizado esse aspecto da experiência humana, no seu fazer artístico. Em sua obra, frise-se, encontra-se traduzida a vida do sertanejo em suas tristezas e alegrias. O cenário que revela ao público é, simultaneamente, belo e triste (o mais belo e o mais triste): a caatinga nordestina, retratada na paisagem musical – ora verdejante e florida; ora seca, num mimetismo todo feito de 60 saudade... ainda que já afastada, distante, muitas léguas – para a tristeza do migrante, seu ouvinte fiel. (CORRÊA; FILHO; FEITOSA. 2012, p.17) Desta forma, foi possível diagnosticar dentre as músicas que foram ouvidas e selecionadas para a realização deste trabalho que Luiz Gonzaga foi um homem que mostrou as dificuldades do homem nordestino com muita propriedade, haja vista que, fora uma testemunha ocular de todo sofrimento encarado com muita coragem pelo homem sertanejo, mas além de mostrar com muita precisão de detalhes este lado triste, foi possível também perceber que na grande maioria de suas músicas e interpretações que analisamos; que o Nordeste que se destaca, também é um lugar de pessoas simples, festeiras e alegres, é a região em que as pessoas que não conhecem se sentem provocadas e desafiadas à conhecer um lugar tão fascinante e tão cheios de ambiguidades. Quando iniciamos este trabalho tínhamos como hipótese que o Nordeste apresentado por Luiz Gonzaga focava sua representação numa imagem mais negativa do mesmo. Imagens de fome, seca, sofrimento e atraso social eram maciçamente predominantes em suas músicas, porém é com alegria que concluímos que as imagens e representações do Nordeste na obra de Luiz Gonzaga se mostra diversa e por vezes ambíguas. Somos obrigados à concordar com o filósofo Sócrates afirma que “só podemos começar a aprender quando tomamos consciência que somos ignorantes e que precisamos estar abertos ao novo”. 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS Trilhar por este caminho de análise de músicas nos fez entender o porquê da história positivista ser tão contestada quanto a observação de documentos. Pois ao nos debruçarmos na leitura das canções, percebemos a preciosidade documental que existem por trás das músicas e de outros tipos de documentos similares. Tais documentos nos dão a possibilidade de compreendermos determinados acontecimento históricos, sociais e políticos. Muitas foram às músicas analisadas para a realização desta pesquisa, porém, num propósito de deixar o trabalho esteticamente melhor organizado e não tão cansativo para os leitores, optamos por selecionar apenas 14 (catorze) canções. Independentemente da quantidade de músicas destacadas neste trabalho, arriscamos afirmar que este episódio não prejudicou nem tão pouco foi tendencioso ou determinante para chegarmos à uma possível resposta do tema gerador desta pesquisa, que é: qual imagem de Nordeste mais aparece nas composições e interpretações de Luiz Gonzaga. É preciso lembrar que esta pesquisa não se finda com este trabalho, pois pretendemos conhecer um pouco mais sobre outras características nas composições e interpretações do Rei do Baião. Procuramos com esta pesquisa, mostrar a diversidade cultural existente na Região Nordeste, pois nos sentimos incomodados e provocados a mostrar uma outra singularidade desta Região. Problemas de todas as esferas existem em todos os lugares do mundo, mas faz-se necessário dar visibilidade por características historicamente silenciadas. Confessamos que inicialmente a nossa concepção quanto as representações do Nordeste nas músicas de Gonzaga eram uma, contudo, no decorrer da pesquisa fomos obrigados à mudar o nosso ponto de vista e reconhecermos que estávamos equivocados quanto a nossa ideia inicial. Afinal de contas Luiz Gonzaga do Nascimento cantou as alegrias e tristezas os sorrisos e também as lágrimas do homem sertanejo, e assim chegamos a conclusão de que não existe uma imagem hegemônica/predominante nas canções do rei do Baião, pois o Nordeste que ele canta aparece como um lugar ambíguo e multifacetado. 62 Ratificamos a informação de que muitas pesquisas já foram realizadas quanto a obra de Luiz Gonzaga, mas temos a consciência de que nos esforçamos para que o melhor fosse feito. Desta maneira, esperamos com esta pesquisa ter contribuído de forma significativa para que outras pessoas tenham o desejo de conhecer um pouco mais sobre este artista que cantou o Nordeste com muita propriedade. Um homem que quebrou protocolos e levou a música nordestina a todas os cantos do Brasil, um nordestino que morreu fisicamente, mas, que continua vivo e bem presente na cultura popular brasileira. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 5. ed.- São Paulo. Cortez, 2011. ALVES, Elder Patrick Maia. A sociologia de um gênero: o baião. Maceió: EDUFBAL, 2012. AMARAL JÚNIOR, Aécio. Sensualismo e consciência regional: o nordeste freyriano. Raízes, Campina Grande, vol. 21, nº 02, p. 227–232, jul./dez. 2002. Disponível em: http://www.ufcg.edu.br/~raizes/artigos/Artigo_71.pdf. Acesso em: 20/09/2015. BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 48 ed. São Paulo: Edições Loyla, 2007. BARACUHY, Maria Regina. Análise do Discurso e Mídia: nas trilhas da identidade nordestina. Veredas on line – análise do discurso – 2/2010, p. 167-177 – ppg linguística/ufjf – juiz de fora. Disponível em: http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2010/04/artigo-131.pdf. Acesso em 20 set 2015 BÍBLIA, Livro de Eclesiastes. Bíblia Sagrada: Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Corrigida no Brasil. Ed.1995. São Paulo; Sociedade bíblica do Brasil, 1995. BLOCH. Marc. Apologia da História ou O ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças dos velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BRENO, Silveira. Gonzaga de Pai para Filho, Disponível https://www.youtube.com/watch?v=LeWjP5fzRL4. Acesso em: 06/05/ 2015 em: BRITO, Eleonora Zicari Costa de. História e música: Tecendo memórias, compondo identidades. Textos de História, vol. 15, nº 1/2, 2007. Disponível em: <http://seer.bce.unb.br/index.php/textos/article/viewFile/968/635>. Acesso em: 03/09/ 2015. CORDEIRO, Betânia Silva. As canções de Luiz Gonzaga sob o olhar da análise crítica do discurso.Disponível em: http://www.unicap.br/tede/tde_arquivos/2/TDE2009-11-19T123640Z-178/Publico/dissertacao_betania_silva.pdf. Acesso em 04 de junho de 2015. 64 CORRÊA, FILHO e FEITOSA. LUIZ GONZAGA: Ainda lembrando o centenário do Rei do Baião. Revista Garrafa. 2012. Disponível em: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/garrafa/garrafa28/dinacymendonca_luizgonzaga.pdf Acesso em 01/09/2015 DREYFUS, Dominique. Vida de Viajante: A saga de Luiz Gonzaga.São Paulo: Editora 34, 2012. EGG, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra Peixe. Dissertação de mestrado. SCHLA-UFPR, 2004. FERREIRA, Lírio. O Homem que engarrafava nuvens. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OLLcf8UTnPo&hd=1: Acesso em: 10/05/2015 GAMA, Valeska Barreto. Louvado seja: Representações do sagrado nas canções de Luiz Gonzaga. Brasília, 2012. GOMES, Antenor Rita e SANTANA, Jerriana Santos. Retratos do sertão: as representações do sertão nas telenovelas e suas implicações educacionais In: Revista Temas em Educação, João Pessoa, v. 22, n. 1, p. 130-145, jan.-jun. 2013. GUERRA, Gutemberg Armando Diniz. O êxodo rural no cancioneiro popular. Triste partida, de Patativa do Assaré. Trilhas, Belém, v. 3, n. 1, p. 23-34, 2002. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, SP: EDUSC, 2001. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico — Rio de Janeiro: Jorge"Zahar Ed., 2001. LEITE, Karine Cristina Novaes. Imaginário Nordestino: Luiz Gonzaga como construtor de uma identidade regional. Jacobina, 2012. LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas, Papirus, 1986. MATOS, Marcos Paulo Santa Rosa. As representações do Nordeste em “A triste partida” de Luiz Gonzaga. Disponível em: https://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero47/tristepar.html. Acesso em 20 de setembro de 2015. MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A História , Cativa da Memória? Para um mapeamento da memória no campo das Ciências Sociais Rev. Inst.Est. Bras., SP, 34:9-24, 1992. MORAES, Jonas Rodrigues de. “TRUCE UM TRIÂNGULO NO MATULÃO [...] XOTE, MARACATU E BAIÃO”: A musicalidade de Luiz Gonzaga na construção da “identidade nordestina” Disponível em: 65 http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/CD%20XIX/PDF/Autores%20e%20Artigos/ Jonas%20Rodrigues%20de%20Moraes.pdf. Acesso em: 23/05/2015. NAPOLITANO, Marcos. “A História depois do papel”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.).Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008. NAPOLITANO, Marcos. História & música – história cultural da música popular Belo Horizonte: Autêntica, 2002. NETO, Abílio. Luiz Gonzaga é cem: homenagem a Miguel Lima. Disponível em: http://www.overmundo.com.br/banco/luiz-gonzaga-e-cem-homenagem-a-miguelLima. Acesso em: 15/05/2015 ROCHA Ariza Maria. Luiz Gonzaga canta as práticas alimentares do nordeste do Brasil. Revista Contextos da Alimentação Vol. 3 no 1 - dezembro de 2014. Disponível em: http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistacontextos/wpcontent/uploads/2014/12/32_Revista-Contextos_ed-vol-3-n-1.pdf. Acesso em 02 de setembro de 2015. SANTOS, José Farias dos. A música como expressão do Nordeste. São Paulo: IBRASA, 2004. SANTOS, Rodrigo Oliveira dos. O nacionalismo musical: a luta pela definição de um campo de produção simbólica. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre dois paradigmas: combate à seca e convivência com o semi-árido. Sociedade e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p. 361385, jan./dez. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v18n12/v18n1a16.pdf. Acesso dia 03 de junho de 2015.. SILVA, Uéliton Mendes da. Luis Gonzaga: discografia do rei do baião. Salvador BDA, 1997. TODOROV, Tezvetan. Memoria Del mal, tentación Del bien –Iindagación sobre El siglo XX. Barcelona: Ediciones Península, 2002. VASCONCELOS, Cláudia Pereira. Ser-Tão Baiano: O lugar da sertanidade na configuração da identidade baiana- Salvador: EDUFBA, 2011. VON SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes. Memória, Cultura e Poder na sociedade do esquecimento. Augusto Guzzo Revista Acadêmica nº 6 (2003) Disponível em: http://www.fics.edu.br/index.php/augusto_guzzo/search/search. Acesso em 08/09/2015. 66 ANEXOS: A TRISTE PARTIDA Meu Deus, meu Deus Setembro passou Outubro e Novembro Já estamos em Dezembro Meu Deus, que é de nós, Meu Deus, meu Deus Assim fala o pobre Do seco Nordeste Com medo da peste Da fome feroz Ai, ai, ai, ai A treze do mês Ele fez experiência Perdeu sua crença Nas pedras de sal, Meu Deus, meu Deus Mas noutra esperança Com gosto se agarra Pensando na barra Do alegre Natal Ai, ai, ai, ai Rompeu-se o Natal Porém barra não veio O sol bem vermelho Nasceu muito além Meu Deus, meu Deus Na copa da mata Buzina a cigarra Ninguém vê a barra Pois barra não tem Ai, ai, ai, ai Sem chuva na terra Descamba Janeiro, Depois fevereiro E o mesmo verão Meu Deus, meu Deus Então o nortista 67 Pensando consigo Diz: "isso é castigo não chove mais não" Ai, ai, ai, ai Apela pra Março Que é o mês preferido Do santo querido Senhor São José Meu Deus, meu Deus Mas nada de chuva Tá tudo sem jeito Lhe foge do peito O resto da fé Ai, ai, ai, ai Agora pensando Ele segue outra trilha Chamando a família Começa a dizer Meu Deus, meu Deus Eu vendo meu burro Meu jegue e o cavalo Nós vamos a São Paulo Viver ou morrer Ai, ai, ai, ai Nós vamos a São Paulo Que a coisa está feia Por terras alheias Nós vamos vagar Meu Deus, meu Deus Se o nosso destino Não for tão mesquinho Pro mesmo cantinho Nós torna a voltar Ai, ai, ai, ai E vende seu burro Jumento e o cavalo Até mesmo o galo Venderam também Meu Deus, meu Deus Pois logo aparece Feliz fazendeiro Por pouco dinheiro Lhe compra o que tem Ai, ai, ai, ai 68 Em um caminhão Ele joga a família Chegou o triste dia Já vai viajar Meu Deus, meu Deus A seca terrível Que tudo devora Ai,lhe bota pra fora Da terra natal Ai, ai, ai, ai O carro já corre No topo da serra Olhando pra terra Seu berço, seu lar Meu Deus, meu Deus Aquele nortista Partido de pena De longe acena Adeus meu lugar Ai, ai, ai, ai No dia seguinte Já tudo enfadado E o carro embalado Veloz a correr Meu Deus, meu Deus Tão triste, coitado Falando saudoso Com seu filho choroso Exclama a dizer Ai, ai, ai, ai De pena e saudade Papai sei que morro Meu pobre cachorro Quem dá de comer? Meu Deus, meu Deus Já outro pergunta Mãezinha, e meu gato? Com fome, sem trato Mimi vai morrer Ai, ai, ai, ai E a linda pequena Tremendo de medo "Mamãe, meus brinquedo Meu pé de flor?" 69 Meu Deus, meu Deus Meu pé de roseira Coitado, ele seca E minha boneca Também lá ficou Ai, ai, ai, ai E assim vão deixando Com choro e gemido Do berço querido Céu lindo e azul Meu Deus, meu Deus O pai, pesaroso Nos filhos pensando E o carro rodando Na estrada do Sul Ai, ai, ai, ai Chegaram em São Paulo Sem cobre quebrado E o pobre acanhado Procura um patrão Meu Deus, meu Deus Só ver cara estranha De estranha gente Tudo é diferente Do caro torrão Ai, ai, ai, ai Trabalha dois ano, Três ano e mais ano E sempre nos planos De um dia voltar Meu Deus, meu Deus Mas nunca ele pode Só vive devendo E assim vai sofrendo É sofrer sem parar Ai, ai, ai, ai Se alguma notícia Das banda do norte Tem ele por sorte O gosto de ouvir Meu Deus, meu Deus Lhe bate no peito Saudade de mói E as água nos olhos 70 Começa a cair Ai, ai, ai, ai Do mundo afastado Ali vive preso Sofrendo desprezo Devendo ao patrão Meu Deus, meu Deus O tempo rolando Vai dia e vem dia E aquela família Não volta mais não Ai, ai, ai, ai Distante da terra Tão seca mas boa Exposto à garoa A lama e o baú Meu Deus, meu Deus Faz pena o nortista Tão forte, tão bravo Viver como escravo No Norte e no Sul Ai, ai, ai, ai