1 Entrevista cedida para Marcio Furuno da revista Essential Mag

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Entrevista cedida para Marcio Furuno da revista Essential Mag
Novembro de 2007.
1. Conte há quanto tempo você já vem estudando e analisando o fenômeno das raves.
Qual é a sua experiência nesse sentido?
Desde minha graduação em ciências sociais venho refletindo sobre a prática das raves.
Naquela época, em meados dos anos 90, eu freqüentava as festas com meu grupo de
amigos e me fascinava. Iniciei, depois, meu mestrado em antropologia por causa de uma
decepção: embora a proposta das raves seja de uma confraternização que procura
romper com distinções sociais, na virada do século, eu observava diversas formas de
segregação nas festas brasileiras. Este trabalho ganhou o nome de “Raves: encontros e
disputas”. Iniciei meu doutorado em antropologia este ano e continuo a pesquisar no
contexto das raves, a questão agora é outra, procuro refletir sobre a experiência coletiva
criada pelo festejar rave e as disposições que estão em jogo nessa criação.
2. É possível traçar algum paralelo entre as raves e outros movimentos jovens do
passado como, por exemplo, o movimento hippie?
É possível traçar paralelos entre as raves e outros vários movimentos jovens do passado,
mas eu acho mais interessante atentar às peculiaridades das raves relacionando-as com
o contexto histórico no qual este festejar ganha forma. Estou mais interessada em
compreender a especificidade da prática das raves do que generalizá-la como uma
versão de algo comum a outras épocas ou culturas. Ainda assim, é muito importante
levar em consideração os espelhamentos que os próprios ravers criam: rituais tribais, a
psicodelia, a época da disco, por exemplo.
3. Na sua opinião, por que as raves atraem tanto os jovens? Qual é a magia e/ou apelo
que essas festas têm?
A balada que uma rave sugere é mais do que uma opção de lazer descomprometido
entre tantas que a metrópole pode oferecer, pois requer mobilizações de ordens diversas
e é quase sempre descrita como uma “experiência” marcante para seus participantes.
Realizadas em lugares afastados dos núcleos urbanos e de sua atividade cotidiana
(geralmente em sítios ou fazendas escolhidos, alugados e preparados para a ocasião), as
raves demarcam um espaço de brincadeiras e experimentações extraordinárias no qual
todos os presentes são participantes, criam e vivem interações diferentes das prescrições
e obrigações da vida ordinária na cidade.
A magia da rave é a sua “vibe”. “ Vibe”, definida muitas vezes como a “energia
compartilhada” ou uma “forte conexão” entre os participantes da festa, é a expressão
rave para comunhão, um compartilhar de sensações e emoções. Trata-se de uma
construção coletiva que se dá através da dança, possibilitada por uma liberdade de
experimentação do próprio corpo. Nas pistas de dança das raves, todos dançam com
todos, os limites das rodas de amigos são tênues ou desaparecem, há uma troca intensa
de sorrisos e olhares, essa é a conexão primeira que cria a “vibe” da raves.
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4. Você acredita que a solução para a questão do consumo de drogas dentro das raves
é a proibição? Quais saída e/ou alternativas você aponta?
O consumo de “drogas”, conceito construído historicamente por discursos médicojurídicos, não é específico do universo das raves, mas pode ser caracterizado como uma
questão social mais ampla, que perpassa muitos contextos e práticas sociais.
Vale considerarmos que a festa, em todas as sociedades humanas, é o espaço social
privilegiado para o consumo de substâncias psicoativas, perigosas e ilícitas, arena
propícia para o exagero, as experimentações, a violação de regras e tabus. Mas,
circunscrevendo espacial e temporalmente essa permissividade (lembrem-se do
Carnaval) ao evento da festa é como se as sociedades humanas revelassem uma forma
de controle sobre esses exageros e os comportamentos indesejados. Alguns sociólogos e
antropólogos consideram que tais eventos têm o efeito de uma válvula de escape para
tensões sociais mais gerais, e a prática localizada da violação acaba por restaurar a força
e a legitimidade das regras sociais. Porém, não é meu propósito, neste momento,
“naturalizar” a questão da violação, apenas lançar luz sobre outras facetas da questão.
Durante as raves, os participantes da festa estão experimentando e criando outras formas
de interação, testando, por assim dizer, alguns limites sociais.
Pesquisas em diversas áreas das ciências humanas (psicologia, sociologia, antropologia,
e também políticas públicas e a criminologia) apontam que a melhor forma de lidarmos
com as conseqüências perigosas do comércio ilegal e do consumo de psicoativos é
através de políticas de redução de danos junto aos que fazem uso das substâncias. No
contexto familiar, os pais devem se informar sobre a natureza das substâncias, os modos
e os contextos sugestivos ao uso, a fim de conversarem com os filhos no sentido de
compartilhar conhecimentos, compreender motivações e fortalecer o desenvolvimento
da individualidade responsável. No âmbito social mais amplo, uma política de redução
de danos é uma responsabilidade pública, que deve ser assumida pelo Estado através da
articulação de diversas instituições (Justiça, Segurança, Saúde, Cultura, Pesquisa), e
mobilizar, também, outras organizações (como igrejas e ONGs) para se mostrar eficaz.
Tomemos como exemplo o enfrentamento da questão da AIDS desde os anos 80,
apenas como ilustração da pertinência de um programa público no sentido da redução
de danos. A idéia central é informar, conscientizar sobre riscos e perigos, sobre
conseqüências irreversíveis, mas também instrumentalizar práticas seguras, e sugerir
alternativas.
5. Você já foi a alguma rave ou festa de música eletrônica? O que você achou da
experiência?
Já fui a muitas raves, clubs e eventos de música eletrônica. Participar de uma rave
sempre foi uma experiência especial e saudável para mim. Gosto das rodas de conversa
que se espalham pela festa durante o dia, quando parece que todos (mesmo aqueles que
não se conheciam antes) consideram-se “amigos”, compartilham pequenas histórias,
pertences, elogios; mostram-se generosos e atenciosos.
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6. De que tipo de música você gosta? Você, pessoalmente, gosta de música eletrônica?
Gosto de música eletrônica e gosto de muitas outras músicas também, não levanto
nenhum gênero musical como bandeira, tudo depende da ocasião e do meu estado de
espírito. Acho que quando falamos de música eletrônica, falamos de uma possibilidade
tecnológica que gerou - e continuará a gerar - um amplo espectro de musicalidades
embora alguns gêneros tenham se instituído. Aprecio musicalidades diferentes, escolho
como que uma trilha sonora para cada ocasião particular: gosto de break beat e house
para dançar em clubs, de ambient para conversar com amigos, de dark psytrance numa
festa ao ar livre, gosto de acid jazz para ouvir no carro, entre outras... e gosto de um
bom rock n’roll, da música popular brasileira, adoro assistir a execuções de orquestras.
Não gosto de música fácil e óbvia, chamada, por vezes, de comercial.
7. Durante a conversa por telefone na sexta-feira, você me disse que está fazendo
doutorado abordando justamente a questão das raves. Explique qual é sua tese e o
enfoque dela.
O título do meu projeto de doutorado é “Experiência trance da rave: entre o espetáculo
e o ritual”. A pesquisa procura estabelecer um diálogo entre a proposta do festejar rave
como um ritual (geralmente nos termos de um “ritual psicodélico”) e as definições da
antropologia sobre o ritual.
Se por um lado, a performance do “ritual” das raves, especialmente nas festas de trance,
procura por uma experiência coletiva plena de significado, por outro, limita-se em não
ser mais do que a experiência de uma teatralização que ocorre na interface e interstício
das instituições centrais da sociedade, uma experiência individual ou de um grupo
específico. A questão que surge, então, relaciona-se propriamente a esse esforço e
desejo por uma experiência coletiva nas raves. Refere-se ao problema de recriar
universos plenos de significado em sociedades fragmentárias, à nostalgia da experiência
de communitas numa sociedade industrial.
Carolina de Camargo Abreu
[email protected]
Doutoranda em Antropologia Social pela USP
Bolsista FAPESP
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