A PAISAGEM NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIOESPACIAL: A praia e o

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A PAISAGEM NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
SOCIOESPACIAL: A praia e o mangue no cotidiano dos bairros do
noroeste da cidade de Vitória (ES)
FREIRE, ANA LUCY OLIVEIRA
Universidade Federal do Espírito Santo-UFES, Vitória-ES
Departamento de Geografia/DG/CCHN/Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGG
Av. Fernando Ferrari, 514 – Campus Universitário de Goiabeiras, Vitória – ES - CEP: 29.075-910
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RESUMO
Este trabalho objetiva expor uma análise sobre a produção coletiva de uma paisagem que domina a
região noroeste da baía de Vitória, ES, destacando o processo de criação de uma identidade espacial
concomitante às transformações que áreas ocupadas do manguezal sofreram nas últimas décadas.
Buscou-se, a partir das bases teóricas sobre a paisagem em Geografia, apresentar um recorte
empírico que dialoga com o pensamento geográfico, sobressaindo o olhar fenomenológico sobre
lugares e culturas que resistem na cidade contemporânea. Nesse caso, bairros da região Noroeste da
Baía de Vitória (Ilha das Caieiras, Goiabeiras, Resistência e Maria Ortiz), foram escolhidos como
objetos de estudo. Trata-se de identificar e analisar dinâmicas sociais, relativas ao lazer, por exemplo,
e econômicas em função de atividades que representam a renda de inúmeras famílias que exploram
o mangue, tiram suas rendas da pesca em enseadas e praias, e mais ainda: habitam, vivenciam
esses lugares no cotidiano. Em outras palavras, o viver e trabalhar nesses lugares possibilita
desenvolver e consolidar uma identidade cultural baseada nas relações entre o morador e o mangue
ou a praia. Estudos já existentes sobre o tema, revisão bibliográfica teórica, trabalhos de campo,
depoimentos figuras e mapas, compõem a metodologia utilizada nessa etapa da pesquisa, cujo texto
a seguir representa uma parte.
Palavras-chave: paisagem; identidade; manguezal; cultura; cotidiano
INTRODUÇÃO
Como um dado geográfico, a paisagem é reveladora de práticas (sociais, econômicas,
culturais e políticas) e traços culturais, de tradições, de símbolos, de elementos da história,
da expressão de sentimentos de moradores em relação a um lugar, que pode ser um bairro,
um “pedaço” da cidade, uma região, uma área delimitada e outras escalas espaciais.
Manifestam-se nela o movimento e a dinâmica cotidiana do lugar, envolvendo relações de
uso, relações de apropriação, de inúmeras atividades que compõem um cotidiano feito de
práticas da vivência diária.
Vive-se hoje no Brasil uma realidade urbana em grande medida metropolitana, ou seja,
cidades que se espraiam como uma grande mancha urbanizada por sobre diversos
municípios. Um quadro feito de paradoxos: de um lado, surgem paisagens fruto da
imposição de poderes públicos e privados, e de outro, cenários que manifestam
resistências, as quais aparecem na vivência cotidiana dos moradores e nas relações que os
mesmos mantêm com os espaços habitados e usados.
As paisagens das periferias de grandes cidades brasileiras quando vistas a partir de
grandes ângulos, de olhares à distância, de modo uniforme, apenas expressam cenários
construídos em respostas às necessidades mais prementes, como o morar. Assim, os
amontoados de casas auto-construídas, becos, vielas, pequenas ruas, escadarias,
pequenos comércios, ausência de espaços livres e verdes, etc., compõem essas paisagens.
No entanto, o olhar (e ver) de perto surpreende, posto que em meio ao que parece
desordenado, emergem sintonias culturais entre moradores e o lugar, identidades que
deixam marcas na paisagem, resultado de uma dinâmica cultural, social e econômica.
À luz do processo de construção das bases teóricas sobre a paisagem em Geografia, é
objetivo desse trabalho apresentar um recorte empírico que dialoga com o pensamento
geográfico, sobressaindo o olhar fenomenológico sobre lugares e culturas que resistem na
cidade contemporânea. Nesse caso, bairros da região Noroeste da Baía de Vitória (Ilha das
Caieiras, Goiabeiras e Maria Ortiz), foram escolhidos como objetos de estudo. Trata-se de
identificar e analisar dinâmicas sociais, relativas ao lazer, por exemplo, e econômicas em
função de atividades que representam a renda de inúmeras famílias que exploram o
mangue, tiram suas rendas da pesca em enseadas e praias, e mais ainda: habitam,
vivenciam esses lugares no cotidiano. Em outras palavras, o viver e trabalhar nesses
lugares possibilita desenvolver e consolidar uma identidade cultural baseada nas relações
entre o morador e o mangue ou a praia.
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3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
O presente trabalho inicia com uma revisão do pensamento teórico sobre paisagem e
identidade cultural no âmbito da ciência geográfica, e em seguida, expõe uma análise fruto
de pesquisa empírica acerca de uma região da cidade de Vitória, ES. Para tanto, além do
levantamento sobre estudos locais e da revisão bibliográfica teórica, materiais sobre o
recorte estudado, observações, idas a campo, tomada de depoimentos, conversas informais
com pessoas-chave, acervo fotográfico e mapeamento, são parte da metodologia aplicada..
OS PRESSUPOSTOS QUE APOIAM A ANÁLISE E OS DEBATES:
PAISAGEM E IDENTIDADE SOCIOESPACIAL
A paisagem é um conceito-chave na Geografia. Trata-se de uma das categorias analíticas
dessa ciência com capacidade de possibilitar estudos de unidade e de identidade à
Geografia. Na história do pensamento geográfico tal conceito tem variado; evolui e vem
passando por transformações em função da complexidade, dos significados e das variadas
leituras possíveis de ser desenvolvidas.
Na contemporaneidade, muitos são os trabalhos que reconhecem como a paisagem ajuda a
caracterizar e a compor a identidade cultural de um grupo social, bairros e regiões inteiras,
posto que na sua dimensão social, ela é fruto de ações dos que ali vivem, isto é, as
atividades e as práticas sócio-culturais imprimem essa identificação do/com o lugar.
Segundo Claval (2004, p. 14), o aparecimento do termo paisagem deriva das artes, mas
precisamente das pinturas sobre a natureza. Para ele não tem mistério:
Surgiu no século XV, nos Países Baixos, sob a forma de landskip. Aplica-se aos
quadros que apresentam um pedaço da natureza, tal como a percebemos a partir
de um enquadramento – uma janela, por exemplo...a moldura que circunda o
quadro substitui, na representação, a janela através da qual se efetuava a
observação.
A abordagem pela Geografia sobre a interação entre paisagem e cultura se desenvolve, na
Europa, com os trabalhos de Vidal de La Blache acerca da noção de gênero de vida e, nos
Estados Unidos, a partir dos trabalhos de Carl Sauer sobre formas físicas e culturais
compondo uma paisagem (Holzer, 1997).
A Geografia inclui as descrições, as análises e os debates acerca da paisagem desde o
Século XVIII, quando parte dos trabalhos científicos dos grandes viajantes era observar,
desenhar, enumerar, descrever e analisar toda a fauna, a flora, o relevo, o clima, as
populações, etc., que faziam parte das inúmeras paisagens de regiões dos continentes por
onde os mesmos passavam. No entanto, tratava-se, ainda, de um olhar muito próximo
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daquele do pintor, a exemplo dos belos desenhos descrevendo relevos, aspectos da
botânica, etc., feitos por Humboldt nos seus documentos de viagens. (CLAVAL, 2004).
A partir do Século XIX, o olhar geográfico acerca da paisagem vai se sobrepondo àquele
das artes, à medida que se tem em conta a interface entre os homens e a natureza; as
relações complexas que se desenvolvem entre os homens e os ambientes onde eles vivem
resultando numa paisagem cultural.
Há tempos o interesse e os estudos da paisagem na ciência geográfica têm relação com a
ação da cultura, das dinâmicas humanas sobre o meio natural. Segundo Corrêa (1998, p. 9):
“a paisagem cultural ou geográfica resulta da ação, ao longo do tempo, da cultura sobre a
paisagem natural. A paisagem cultural é modelada a partir da paisagem natural por um
grupo cultural. A cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural é o
resultado”.
Desde os anos de 1970, muitas mudanças vêm ocorrendo no pensamento geográfico
acerca da noção de paisagem. Símbolos, marcas, signos, movimentos do cotidiano e
identidades passam a fazer parte de novas abordagens culturais, sobretudo quando se trata
de paisagens urbanas. Nas palavras de Cosgrove (1998, p. 99),
A paisagem está intimamente ligada a uma nova maneira de ver o mundo como
uma criação racionalmente ordenada, designada e harmoniosa, cuja estrutura e
mecanismo são acessíveis à mente humana, assim como ao olho, e agem como
guias para os seres humanos em suas ações de alterar e aperfeiçoar o meio
ambiente […] Este ponto é crucial, pois, como podemos ver, até com a mera
relação com a representação da paisagem na pintura, poesia ou teatro, os temas
mais poderosos são os que abordam os laços entre a vida humana, amor e
sentimento e os ritmos invariáveis do mundo natural: a passagem das estações, o
ciclo de nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento, morte,
deterioração e renascimento, e o reflexo imaginativo dos sentimentos e emoções
humanas. Assim a paisagem é um conceito unicamente valioso para a geografia
efetivamente humana.
A paisagem urbana, em especial aquela da grande cidade, revela comumente uma confusa
e complexa organização espacial da produção do espaço urbano (CARLOS, 1994). Ali se
misturam coisas, pessoas, ruas em movimento, obras em andamento, ruídos de toda ordem,
conflitos, trânsito caótico, etc. Do ponto de vista do que não é visível e percebido através da
paisagem e das imagens e do que está ao alcance dos olhos – a essência das relações –
estas representam outra dimensão do processo de produção do espaço urbano.
O que se transforma na paisagem urbana, e que se expressa através das formas,
corresponde a momentos do processo de produção do espaço urbano, segundo ritmos
impostos. Desse modo é possível compreender porque de tempos em tempos a cidade se
transforma; os lugares se modificam; os bairros e os “pedaços” parecem ser outros, quase
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irreconhecíveis àqueles acostumados com uma mesma paisagem, ritmo e cotidiano. Nas
palavras de Carlos (1994, p. 36):
Enquanto forma de manifestação do urbano, a paisagem urbana tende a revelar
uma dimensão necessária da produção espacial, o que implica ir além da
aparência […] A paisagem urbana aparece como um instantâneo, registro de um
momento determinado, datado no calendário. A dimensão de vários tempos está
impregnada na paisagem da cidade. Por outro lado, não podemos deixar de
pensar que existe todo um movimento próprio à paisagem, um vai e vem de carros
e pessoas (apressados ou não). É o ritmo da vida. O modo de expressão da vida
na cidade; ruídos, cheiros, cores diversos
Nesse sentido, a análise atenta da paisagem urbana possibilita, de um lado, olhar e ver o
que está sendo construído, edificado; as obras arquitetônicas e urbanísticas, através de uma
série de atividades e atos mais simples. De outro, perceber e entender a vida em
movimento, hoje a serviço do desenvolvimento, do progresso, do crescimento econômico
que desumaniza a vida e o espaço que se reproduz. Nas palavras de Carlos (1994, p. 63),
“a reprodução do espaço urbano traz em si a idéia de que a cidade cresce e o ser humano
desaparece, como ser que tem vontades, desejos, idéias, enfim, que sente e que se
encontra impotente diante da cidade que ele próprio produziu”.
A cidade apresenta-se através da paisagem urbana como um espaço desigual evidenciado
pelos diversos usos e possibilidades de usos conforme os interesses, as necessidades e as
demandas dos indivíduos. Nesse processo os conflitos são inexoráveis e as diferenças
resultam em contradições de classe, e mesmo entre segmentos de classe.
Assim, a paisagem urbana se revela em incessante transformação; aparentando uma
grande desordem porque tudo está por ficar pronto; o velho dando lugar ao novo segundo
os planos e projetos de urbanização/modernização da cidade, o que exige apagar as
referências, tornar tudo homogêneo eliminando o diferente. Em outras palavras, isso
significa impor outro modo de vida, novo ritmo, outras formas de uso do tempo traduzindo-se
em novas formas de uso do espaço conforme a lógica econômica.
Apontou-se anteriormente que ocorreram mudanças nas abordagens acerca da noção de
paisagem em geografia. Territorialidades e representações compõem as novas leituras e
interpretações deste conceito dado as diversidades e complexidades das culturas. “O
conceito agora, mesmo se mantendo ancorado naquilo que é visível, acolhe o campo das
representações e das identidades”, afirma Heidrich (2008, p. 295).
A identidade espacial ou territorial é construída ao longo de um modo de vida que se
constitui prenhe de atos cotidianos, de costumes, hábitos, experiências vividas, cujas
marcas se fixam no lugar, independente da escala geográfica (rua, bairro, região, zona,
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cidade, etc.). Dito de outro modo, a paisagem manifesta e é o próprio espaço vivido,
segundo estudos de Berque (1998, p. 86). Para este geógrafo, “a paisagem é uma marca,
pois expressa uma civilização, mas é também uma matriz porque participa dos esquemas
de percepção, de concepção e de ação – ou seja, da cultura – que canalizam, em um certo
sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a natureza…”.
Um espaço construído, vivido, impregnado de marcas, de memórias e de simbolismos na
paisagem resulta em laços que se estabelecem entre os sujeitos e o espaço produzido pelos
mesmos. Ou seja, práticas culturais, sociais e econômicas indicativas de uma identidade
territorial, ligam os indivíduos com o lugar. Sobre este debate Haesbaert (1999, p. 171)
afirma que:
Sem laços territoriais ou prescindindo cada vez mais de uma base geográfica
concreta para nossas relações cotidianas, mergulharíamos num ciberespaço onde
dominariam as relações imateriais, como se tanto as relações socioeconômicas
quanto os processos de identificação fossem agora fluídos ao ponto de não
necessitarem mais do território e como se este fosse unicamente formado por uma
base concreta material.
UM
OLHAR SOBRE
A PAISAGEM
DA ORLA NA REGIÃO
NOROESTE DA BAÍA DE VITÓRIA, ES
As franjas de Vitória são marcadas por suas baías (Espírito Santo e Vitória), as quais separa
a cidade dos outros municípios da Grande Vitória (Cariacica, Serra, Vila Velha). Ao norte, e
a oeste, o estreito Canal da Passagem e da Ilha do Lameirão separam Vitória dos
municípios de Serra e Cariacica. Ao sul, onde o canal possui uma largura mais acentuada e
é mais profundo, o município faz divisa com Vila Velha e Cariacica.
À luz de Ferreira (1989), o suporte biofísico da baía noroeste é marcado, portanto, pela
presença de manguezais, em áreas de intensa sedimentação (partículas finas de silte, areia
e argila), formada pela ação das marés, correntes dos rios adjacentes, formando depósitos
lamacentos e propício ao surgimento da exuberante vegetação de manguezal. Nesse
espaço da ilha, existe a Reserva Biológica Municipal Ilha do Lameirão, criada pelo Decreto
3.316 de 11/09/86, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Vitória. A criação dessa
reserva visou reconhecer a importância de se proteger o ecossistema de manguezal que, no
período em que foi criada a lei, era alvo de grande supressão por parte dos ocupantes da
baía noroeste. Segundo Ferreira (1989), apesar da intensa ação antrópica que esse
ecossistema sofreu a baía de Vitória ainda detém a maior área de manguezais do Espírito
Santo.
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A cidade de Vitória, pólo central da Região Metropolitana é, também, o menor município
dessa região, além de ser toda limitada ao crescimento da mancha urbana. Trata-se de uma
ilha de 81 km2 que já não tem mais para onde crescer horizontalmente. Sua extensão
territorial já foi, inclusive, ampliada com os constantes aterros transformados em solo urbano
ao longo dos últimos 100 anos avançando, portanto, pelo mar, sobretudo ao longo da baía
de Vitória, um dos seus limites naturais, ao sul e leste. Um outro limite natural à expansão é
o que resta de significativo do manguezal que margeia a baía nas regiões oeste, noroeste e
norte da ilha.
Figura 1: Vista do manguezal de Vitória. Em destaque, manchas urbanas avançando sobre o mesmo.
Fonte: conexaomanguezal.blogspot.com, 2014
Grande parte do território da cidade é uma ilha contornada por uma baía, a baía de Vitória.
Parte da porção continental é contornada pela baía do Espírito Santo. A leste a baía de
Vitória se encontra com o mar, e a oeste e noroeste, no interior dessa baía, nos deparamos
com um grande manguezal formado no estuário do rio Santa Maria que desce das regiões
montanhosas do estado do Espírito Santo. Os sedimentos que descem das montanhas
formam um ecossistema muito rico, e por isso importante para a sobrevivência de muitos
que ainda vivem da pesca e da cata de carangueijo e mariscos retirados do mangue, a
maioria desses habitam os bairros margeados pelos mangues, pequenas enseadas e praias
(ZECCHINELLI, 2000).
Em termos morfológicos, a cidade-ilha encontra-se, hoje, dividida fisicamente por um maciço
central que se alonga de norte a sul da ilha, transformado em parque urbano/reserva
municipal. De um lado do maciço – o mais antigo - é onde concentra-se grande parte da
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cidade edificada, voltada para a baía e para o mar, a leste e ao sul onde as possibilidades
de crescimento já se esgotaram. Nestas porções geográficas estão localizados o centro
principal, as novas centralidades, os bairros que abrigam as classes de médio e alto poder
aquisitivo e alguns poucos bairros que abrigam as classes de baixo poder aquisitivo.
Também se esgotaram as possibilidades de criar solo urbano, isto é, os aterros que tinham
que ser feitos, já aconteceram. Restaram os morros e o outro lado do maciço, a outra parte
da baía e as áreas, a oeste, noroeste e norte, onde parte do manguezal (ainda) se impõe e
resiste às ocupações persistentes, onde o mangue resiste à incorporação ao solo urbano da
cidade (Figura 1).
Antes de existirem os 11 bairros que compõem hoje a região da Grande São Pedro (uma
das maiores regiões administrativas da Prefeitura Municipal de Vitória), até meados do
século XX a paisagem que ali predominava exibia um quadro ainda natural dominado por
um grande e exuberante manguezal sendo explorado de modo racional por algumas
comunidades de pescadores, de lavadeiras e de exploradores de cal a partir da moagem de
ostras (GURGEL & PESSALI, 2004). As transformações mais significativas começaram a
ocorrer a partir dos anos de 1970, período que coincide com a ocupação de áreas do
mangue por migrantes em busca de moradia, uma vez atraídos pelos empregos que a tardia
industrialização do estado oferecia.
A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE ESPACIAL MARCADA NA
PAISAGEM
O ponto de partida do trabalho é a própria paisagem atual da região noroeste de Vitória
contornada pela baía de mesmo nome, lugar que abriga muitos bairros, todos em constante
transformação que se expressa sobretudo pelas diversas obras de urbanização, em especial
vias para dar mais fluidez à cidade.
A análise da paisagem, objeto desse trabalho, foca os bairros Ilha das Caieiras, Resistência,
Goiabeiras e Maria Ortiz, fragmentos escolhidos para o estágio atual da pesquisa, escolha
esta motivada pela história de mais de duas décadas de lutas de dezenas de indivíduos
buscando sanar uma necessidade básica que é morar.
A escolha desses bairros não é aleatória. Se deve ao fato de que as regiões oeste, noroeste
e norte da baía de Vitória, constituíam-se nas últimas áreas possíveis ao crescimento
horizontal da cidade de Vitória, sobretudo pela transformação de mangues em solo urbano
criado e incorporado à cidade, processo que teve início nos anos de 1970. Os sujeitos desse
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processo eram dezenas de famílias destituídas de tudo; migrantes de estados vizinhos e do
interior do estado em busca de trabalho na região metropolitana em grande crescimento
industrial (ANDREATTA, 1987).
As ocupações da orla (da baía e do manguezal) se ampliaram nos anos de 1980, e na
década de 1990, tem início a incorporação “oficial” – pelo estado - de inúmeros novos
bairros ao território da cidade, assim como as políticas e projetos públicos de
urbanização/planejamento urbano, incluídos aí os processos de regularização fundiária,
fundamentais para as práticas do mercado imobiliário em momento posterior.
Em Vitória-ES, existem alguns exemplos de práticas socioespaciais enquanto parte de um
modo de vida; experiências que deixaram suas marcas na composição da paisagem. Tratase de uma identidade cultural que se constituiu concomitante às adaptações ao meio
natural. Seja em meio ou às margens do manguezal, seja nas enseadas e pequenas praias,
lugares foram construídos, espaços surgiram com as impressões de uma vida cheia de
experiências a cada dia. Trataremos destes exemplos a seguir.
Pescadores, peixeiros/atravessadores, catadores de siri e outras atividades que exploram o
mangue e a baía de Vitória, criaram uma paisagem no bairro Ilha das Caieiras; as
Paneleiras de Goiabeiras e todas as atividades que envolvem a fabricação da panela onde é
feita a moqueca capixaba, emolduram a paisagem do bairro Goiabeiras nas porções às
margens do manguezal; os moradores do bairro Resistência sobreviveram até a década de
1990 em palafitas sobre o mangue, com os aterros, passaram a viver em terra firme, e
depois, juntamente com os projetos de urbanização, contemplam uma área de mangue
degradado e, por isso, sensibiliza hoje a população local, engajados em prol da recuperação
desse ecossistema; em Maria Ortiz, a paisagem que sobressai é fruto de muitas lutas em
defesa de melhorias do bairro que margeia o manguezal.
O estado do Espírito Santo é litorâneo, e apenas dois dos sete municípios que compõem a
região metropolitana não estão localizados junto ao mar. Portanto, é uma região marcada
por relações socioespaciais, econômicas e culturais ligadas com o oceano, suas restingas,
lagoas e manguezais. As tradições culturais no litoral são heranças indígena e negra
principalmente, e também no que diz respeito à economia local desde os tempos coloniais,
tais como a pesca, o plantio de culturas, a produção de artefatos, as festas, etc. (NOVAES,
1970). As plantações nos engenhos e a pesca no mar, nos rios e manguezais eram a base
dessa economia já no século XVI. Nas áreas onde estão localizados hoje os municípios de
Vila Velha, Serra e Vitória, consta, na historiografia do estado relatos da fartura de
pescados. “Os peixes eram muitos, de todos os tamanhos e das mais variadas espécies,
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pescados de muitas maneiras. A variedade se via por todos os lados [...] proliferavam as
tainhas, que chegavam a dois palmos, conhecidas pelos índios como curimãs [...] além de
crustáceos como sururu, siri, camarão, búzios, lagosta, pitu, etc.” (GALVÊAS, 2005, p. 61).
Esse legado do período colonial resiste apenas em “pedaços” muito específicos de Vitória,
mas não abrange todos os bairros pesquisados. Por outro lado, novas heranças culturais
são repassadas de pais para filhos, enriquecidas com práticas históricas referentes às
relações homem-natureza.
Às margens da baía de Vitória, na porção noroeste, localizada na Ilha das Caieiras, se
encontra a Cooperativa das Desfiadeiras de Siri da Ilha das Caieiras, a qual foi fundada em
08/02/1999 por 49 mulheres que trabalhavam em condições precárias nas calçadas e
quintais de suas casas (SOUZA, 2008). Desde então, ocupando um galpão construído pela
Prefeitura Municipal de Vitória, a Cooperativa, que tem por base um restaurante, é uma das
atrações da Rota Manguezal, que objetiva o crescimento e desenvolvimento do turismo e do
lazer na região. À reboque de uma tradição inventada, outros pequenos restaurantes
especializados na culinária que tem origem no mangue, foram construídos por moradoras do
bairro e espalhados pela orla, compondo a paisagem cultural predominante do lugar.
Figura 2: Panorama da Ilha das Caieiras, destacando-se píer em madeira e pequenos bares.
Fonte: acervo da autora, 2013
A Ilha das Caieiras já foi uma ilha, de fato, mas devido aos constantes aterros do
manguezal, hoje é um bairro e uma parte do mesmo foi transformado em pólo gastronômico
popular, contando com diversos restaurantes, o que tornou essa área (re)conhecida pelo
setor turístico e de lazer da cidade. A tradicional atividade das mulheres desfiadeiras de siri
do manguezal é que deu a “fama” ao lugar. Hoje, são 28 mulheres associadas à
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Cooperativa, e oito destas trabalhando diretamente no restaurante, o qual funciona de terçafeira a domingo, das 10:00 horas às 17:00 horas.
Perguntadas sobre o fato do lugar ter se transformado em ponto de visita turística de Vitória,
as mesmas confirmam a frequência constante de moradores de outros bairros de Vitória,
inclusive clientes de alto poder aquisitivo, de turistas de outros estados do Brasil e de
estrangeiros que vêm provar os pratos típicos da cozinha capixaba, além de aproveitarem a
paisagem do mangue e da baia, a pequena enseada com ares bucólicos, a cultura e o
ambiente diferente de outros atrativos da cidade.
Localizado às margens do manguezal, na região noroeste da baía de Vitória, no bairro de
Goiabeiras, o galpão que abriga a Associação das Paneleiras conta, atualmente, com 40
mulheres e 3 homens trabalhando na produção das mais variadas peças de panelas. Com
exceção da madeira para queimá-las, toda a matéria prima (argila, cabaça para dar o
formato, pedra para polir/”lisar”, vassourinha para pintar/”açoitar” e tintura de tanino) usada
na confecção das mesmas é retirada do mangue. As Paneleiras de Goiabeiras vivem e
sustentam suas famílias graças a panela de barro, fabricada de forma artesanal graças à
herança cultural que é repassada de mãe para filha. O lugar e a atividade tradicional
mantém viva uma cultura que está relacionada à culinária local: a moqueca capixaba feita
nesse tipo de panela.
Figura 3: etapa de confecção da panela de barro às margens do manguezal de Goiabeiras
Foto: acervo de Sidney Rezende, 2012
A história do bairro Goiabeiras se confunde com a existência de áreas às margens do
manguezal onde a confecção artesanal de panelas de barro acontece há tempos. Parte da
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paisagem do bairro esteve muito marcada por essa tradição cultural, processo que vem se
transformando. Conservando a identidade, embora sofrendo inúmeras intervenções relativas
ao processo de urbanização, existe uma grande área composta por um galpão, pequenos
ancoradouros, terreiros para construir fogueiras e outras estruturas que possibilitam a
continuidade dessa atividade tradicional que marca culturalmente o lugar.
Outro bairro identificado a uma paisagem que resultou de lutas e adaptações dos moradores
ao meio natural é o bairro Maria Ortiz. Localizado na região noroeste da cidade, a história
desse lugar começou no inicio dos anos de 1970, quando era apenas uma faixa de terra
desocupada à beira do manguezal. Caracterizado como bairro de migrantes, teve sua
origem no lançamento de lixo promovido pela Prefeitura Municipal de Vitória-PMV, que
amontoava dejetos que foram avançando sucessivamente sobre áreas de mangue,
contribuindo no processo de aterramento de parte desse ecossistema. A área era conhecida
como "lixão do mangue", pois a população era composta, basicamente, de catadores de lixo
que retiravam sua subsistência da comercialização dele.
Nessa época, fazia parte da ação da PMV, a urbanização de lotes já consolidadas em áreas
de mangue, através de intensivos aterros. Atendendo acordos e apelos da sociedade no que
tange o fim dos lixões na cidade, o bairro foi quase totalmente urbanizado com obras de
drenagem e pavimentação, construção de equipamentos como praças, escolas e posto
médico. Contudo, ainda persistia o grave problema das famílias que viviam em palafitas, sob
os fios de alta tensão, nos limites do manguezal.
Ainda nos anos de 1980, foram construídas, em outra área aterrada do mangue, 294 casas
populares para as quais transferiram estas famílias. Atualmente, esta área é conhecida
como Residencial Maria Ortiz. O grande conjunto habitacional significou parte da
transformação da paisagem do bairro, somado a alguns loteamentos “ilegais” e as
denominadas invasões, resultaram em enorme adensamento populacional que salta aos
olhos quando percorremos ruas e vielas do bairro.
Após as obras de urbanização da orla, os moradores de Maria Ortiz contam com um grande
espaço de lazer comunitário. Em 18,9 mil metros quadrados, a Prefeitura construiu duas
quadras poliesportivas com alambrados, pergolados em madeira com mesas e bancos em
cimento, uma quadra de futebol society, parques infantis, jardins e calçadão com 976 metros
de extensão, rua asfaltada, além de ciclovia. Outro destaque do projeto são os três deques
nos principais pontos de pesca do local, os quais substituem as estruturas improvisadas
existentes, garantindo maior segurança aos pescadores.
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O último exemplo diz respeito à paisagem que vai se constituindo na orla do bairro
Resistência, fruto de pequenos atos dos moradores, de um lado em prol de um aspecto
melhor às margens do mangue muito próximo às suas casas, e de outro, sensibilizados com
os apelos a favor da preservação deste ecossistema, ajudam a limpá-lo, retirando o lixo
acumulado e criando pequenos espaços de lazer, iniciativas que contaminam muitos
moradores. O resultado: jardins construídos com o lixo retirado do mangue, playgrounds,
áreas para momentos de sociabilidade, etc.
Antes de acrescentar mais informações acerca da nova paisagem, é preciso retomar um
pouco da história desse bairro, posto que, dentre as áreas ocupando o manguezal com
centenas de palafitas por quase três décadas, a triste paisagem e uma das piores situações
em termos de condições de moradia aconteceu exatamente onde é hoje o bairro
Resistência.
Quando a região da Grande São Pedro (São Pedro I, II, III, IV, V, VI) começou a ser
ocupada pelos migrantes que vieram em busca de trabalho, por volta da década de 1970, a
igreja católica prestava auxílio às famílias e dividiu a região entre suas Comunidades de
Base. Como bairros, foram sendo denominadas com nomes religiosos, e depois outros
nomes relacionados às lutas pela moradia, a exemplo do Bairro Conquista, Nova Palestina,
Resistência, etc., os quais emergiram de aterros de lixo e barro, consolidando-se, depois,
como solo urbano definitivo.
A área transformou-se em grande depósito de lixo urbano a céu aberto e passou a atrair
ainda mais pessoas em busca de moradia. Esse processo de migração para a região
ocorreu de forma muito acelerada, uma vez que a atração não era tão somente por moradia,
mas por fonte de renda nas toneladas de lixo despejadas por dia nos lixões. Segundo
relatório da Prefeitura Municipal de Vitória já em 1983 houve uma saturação populacional
nos bairros e a paisagem se alterou profundamente, sendo o verde da vegetação de
manguezal substituído pelas cores dos barracos sobre as palafitas, o lixo e a lama.
Nesta época algumas ruas já estavam aterradas, mas é somente em 1986 que se inicia o
aterro (técnico) em uma porção significativa da região. Ao final da década de 1980
ocupações populares a noroeste da Ilha continuam invadindo o manguezal, atingindo uma
extensão de aproximadamente 5km² e configurando novas áreas para intervenções com
aterro. Assim, surge o bairro Resistência, o que contribui para um aumento das
transformações paisagísticas que a porção noroeste da cidade sofreu com as ocupações e
posteriores aterros, tornando inclusive a Ilha das Caieiras parte da nova porção continental.
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Como medidas para a melhoria da qualidade de vida dos moradores destacam-se a
conclusão, em 1990, da Usina de Lixo e a organização dos catadores em sindicatos de
classe dos bairros Nova Palestina e Resistência. Em Nova Palestina houve a
complementação com argila onde já havia lixo ou inteiramente com argila nas áreas de
mangue e em Resistência utilizaram-se resíduos da Usina de Lixo e entulhos,
alternadamente, conforme informações obtidas no referido relatório da Prefeitura Municipal
de Vitória de 1996.
Nesse processo de urbanização vale ressaltar que alguns limites estabelecidos para a
preservação da área natural não foram mantidos, com a justificativa de que em alguns casos
tornava-se inviável a remoção das famílias. Os reassentamentos que aconteceram visavam,
além da preservação do manguezal, a reordenação espacial das residências, em virtude do
planejamento estratégico adotado para a área (Diagonal Urbana, Projeto Terra, SEDEC /
DIT / GEO).
Há quase duas décadas que os moradores do bairro Resistência sanaram o problema da
falta de moradia com melhores condições de habitabilidade. Hoje, a principal luta dos
mesmos diz respeito à melhoria da infraestrutura urbana, sobretudo a ausência de áreas de
lazer. Não há praças, parquinhos para crianças, áreas livres, campos de futebol, etc. O que
mais se aproxima com tais estruturas são as quadras esportivas dentro das escolas.
Enquanto o pedido dos moradores não é atendido pela prefeitura, a própria comunidade vai
criando na orla do mangue pequenos espaços livres destinados ao lazer, transformando
uma paisagem dominada pelo lixo jogado diretamente no mangue. Destacam-se na nova
paisagem tentativas de tornar o lugar mais agradável através da construção de jardins,
pequenos espaços com bancos, parquinho com equipamentos infantis, etc.
Figura 4: Pneus usados na construção de jardins às margens do mangue no bairro Resistência
Fonte: www.vitoria.es.gov.br
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As simples iniciativas, além de mobilizar os moradores a favor da preservação do
manguezal, proporciona mudanças no cotidiano local, posto que criam espaços onde as
pessoas podem ter maior contato, ampliam as relações de sociabilidade, além de melhorar a
auto-estima dos que habitam em lugares sem a devida assistência dos poderes públicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vitória, por se tratar de uma Ilha, tem poucas possibilidades de expansão do seu território.
Nas décadas de 1970 e 1980, houve um rápido crescimento de moradias destinadas à
classe média, e em boa parte aos empregados das indústrias que estavam em fase de
implantação, ao passo que não houve qualquer preocupação referente à adoção de políticas
habitacionais destinadas aos trabalhadores de baixa renda, que em grande medida eram os
migrantes vindos do interior e dos estados vizinhos (MG e BA). A alternativa encontrada
pelos mesmos frente a essa problemática foi à ocupação das áreas periféricas, morros e
mangues, como foi o caso das inúmeras famílias dos bairros aqui postos como exemplos de
paisagens dotadas de identidades culturais.
No caso de Vitória-ES, existem vários exemplos de práticas socioespaciais, culturais e
econômicas tradicionais, as quais contribuem, com suas marcas, a criar paisagens com
uma identidade relacionada ao processo de adaptação ao viver relações constantes com o
manguezal da cidade, com enseadas e praias da baía. As paneleiras de Goiabeiras, os
pescadores e as desfiadeiras de siri da Ilha das Caieiras, os moradores de Resistência e de
Maria Ortiz oferecem ricas histórias de sobrevivência nesse sentido.
Essa riqueza cultural se expressa nos atos, nos tipos de trabalho, nas festas, nas atividades
cotidianas, etc. São saberes e fazeres tradicionais herdados dos antepassados aplicados
em uma nova realidade transformando-se em heranças que passarão para gerações futuras
em meio à intensa urbanização, embora essas resistências já sejam mediadas pelo
mercado, posto que tais bens materiais e imateriais, muita vezes, só resistem transformados
em mercadoria.
Por ocasião da ocupação do manguezal, não existia qualquer preocupação por parte dos
novos moradores, nem pelos políticos e governantes com os recursos naturais. Daí o
caráter desordenado do avanço sobre áreas de mangue. E importante salientar tais fatos,
pois a região da Grande São Pedro composta por 11 (onze) bairros, foi palco de um dos
mais significativos movimentos populares já ocorridos no Espírito Santo, referente à luta
pela moradia em tempos de ditadura militar. Novas lutas emergem e estas deixam novas
marcas em paisagens sempre cambiantes.
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