23 8 # O ED IÇ Ã OÁSIS EXPO DE MILÃO 2015 Festa para os olhos vai até o final de outubro MEDUSAS CÓSMICAS O mundo sem peso das águas vivas O INÍCIO DO UNIVERSO Telescópio pode mostrar como tudo começou O SUPERPREDADOR DO PLANETA BICHO HOMEM POR LUIS NÃO SOMOS TUBARÕES, NEM SEQUER LEÕES. SOMOS MUITO PIORES. O SUPERPREDADOR DO PLANETA É O HOMEM. NENHUM OUTRO PREDADOR PODE SER COMPARADO A NÓS”, DIZ O CIENTISTA CHRIS DARIMONT PELLEGRINI EDITOR N ossa matéria de capa aborda os resultados de pesquisa recém publicada feita pela Universidade de Victória (Canadá). Ela revela que nós, seres humanos, somos hoje os únicos superpredadores na superfície do planeta. Nossas atividades de caça e pesca são até 14 vezes superiores às de quaisquer outros seres vivos da terra e do mar. Ganhamos, assim, a triste taça de campeões imbatíveis da caça e da pesca. Analisando as informações contidas em um extenso banco de dados a respeito da exploração pelo homem de 2135 populações de animais selvagens, o cientista Chris Darimont e seus colegas descobriram que os humanos predam até 14 vezes mais biomassa do que os demais predadores. Nosso domínio trófico atinge suas proporções máximas nos oceanos, fora do nosso habitat. OÁSIS . EDITORIAL POR LUIS PELLEGRINI EDITOR A pesquisa da University of Victoria parte de um fato: o paradigma da exploração sustentável dos recursos naturais considera a dinâmica das populações de presas e os rendimentos que elas proporcionam para a humanidade, mas ignora o comportamento e a ação dos seres humanos como predadores. Os estudiosos compararam os padrões humanos de predação com os padrões de outros predadores que competem entre si pela divisão das presas (mamíferos terrestres e peixes dos rios e dos mares). E as conclusões são de estarrecer: os humanos matam presas adultas – o capital reprodutivo das populações – numa escala até 14 vezes superior à dos índices médios dos demais predadores. Esses números são particularmente elevados em termos da exploração de mamíferos, aves e peixes com finalidades de processamento industrial (atum e sardinha, por exemplo). Devido a esse domínio competitivo, e a outros comportamentos predatórios exclusivos dos humanos, os especialistas definem a função humana como sendo a de um “superpredador” insustentável, o qual, a não ser que ocorram profundas porém improváveis mudanças de comportamento, continuará a alterar globalmente os processos ecológicos e evolutivos. “Não somos tubarões, nem sequer leões. Somos muito piores. O superpredador do planeta é o homem. Nenhum outro predador pode ser comparado a nós”, comenta Darimont. Suas conclusões são claríssimas: “O homem provocou várias e difusas extinções de organismos vivos no planeta, reduziu enormemente a quantidade de peixes nos oceanos e interrompeu importantes cadeias alimentares”. OÁSIS . EDITORIAL OÁSIS . ECOLOGIA ECOLOGIA BICHO HOMEM O superpredador do planeta 4/34 Somos campeões imbatíveis da caça e da pesca. Recente pesquisa concluída por cientistas da University of Victoria, no Canadá, revela que nós, humanos, somos os únicos superpredadores na superfície do planeta. Nossas atividades de caça e pesca são até 14 vezes superiores às de quaisquer outros seres vivos da terra e do mar N POR: EQUIPE OÁSIS OÁSIS . ECOLOGIA espécies muito maiores do que nós mesmos. Poderíamos achar que nossas habilidades para a caça se apagaram ou enfraqueceram desde o advento da agricultura e a domesticação de animais, atividades iniciadas há 10 mil anos. Mas o cientista Chris T. Darimont e sua equipe multidisciplinar, da University of Victoria, Canadá, demonstra em artigo recém publicado na revista Science Magazine (http://www.sciencemag.org/content/349/6250/858.short) que no contexto de uma análise global nós humanos permanecemos o único verdadeiro superpredador em atividade na superfície do planeta. Analisando as informações contidas em um extenso banco de dados a respeito da exploração pelo homem de 2135 populações de animais selvagens, Darimont e seus colegas descobriram que os humanos predam até 14 vezes mais biomassa do que os demais predadores. Nosso domínio trófico atinge suas proporções máximas nos oceanos, fora do nosso habitat. Um predador insustentável ós, seres humanos modernos, evoluímos como caçadores-coletores cooperativos. O progresso cultural e tecnológico nos habilitou a matar presas pertencentes a muitos outros grupos de A pesquisa da University of Victoria parte de um fato: o paradigma da exploração sustentável dos recursos naturais considera a dinâmica das populações de presas e os rendimentos que elas proporcionam para a humanidade, mas ignora o comportamento e a ação dos seres humanos como predadores. 5/34 sendo a de um “superpredador” insustentável, o qual, a não ser que ocorram profundas porém improváveis mudanças de comportamento, continuará a alterar globalmente os processos ecológicos e evolutivos. “Não somos tubarões, nem sequer leões. Somos muito piores. O superpredador do planeta é o homem. Nenhum outro predador pode ser comparado a nós”, comenta Darimont. Suas conclusões são claríssimas: “O homem provocou várias e difusas extinções de organismos vivos no planeta, reduziu enormemente a quantidade de peixes nos oceanos e interrompeu importantes cadeias alimentares”. A caça aos tigres e leopardos era um dos esports preferidos pelos colonizadores britânicos instalados na Índia A pesca predatória de espécies como o atum está dizimando os cardumes. Na foto, mercado de atum no Japão Os estudiosos compararam os padrões humanos de predação com os padrões de outros predadores que competem entre si pela divisão das presas (mamíferos terrestres e peixes dos rios e dos mares). As mais recentes pesquisas globais revelam que os humanos matam presas adultas – o capital reprodutivo das populações – numa escala até 14 vezes superior à dos índices médios dos demais predadores. Esses números são particularmente elevados em termos da exploração de mamíferos, aves e peixes com finalidades de processamento industrial (atum e sardinha, por exemplo). Devido a esse domínio competitivo, e a outros comportamentos predatórios exclusivos dos humanos, os especialistas definem a função humana como OÁSIS . ECOLOGIA 6/34 neráveis para as presas, e isso faz com que raramente pensemos nas consequências, enquanto os predadores marinhos e sobretudo os terrestres com frequência arriscam suas vidas para capturar uma presa. Como consequência, todos os outros animais praticam a caça com cuidado e atenção, matando apenas para saciar a fome. Eles sabem que matar é perigoso. Nós, não. Um predador sem rival As análises demonstraram que o ser humano predou e continua a predar os peixes nos oceanos com uma taxa 14 vezes superior à dos demais predadores marinhos. Na As incríveis quantidades de peixes capturados pela moderna tecnologia das redes de arrasto Ativista ambiental protesta sobre uma baleia recém arpoada por navio baleeiro japonês “Esses são resultados que muito raramente na história do planeta os outros predadores chegaram a causar. Nossa tecnologia reduziu enormemente a quantidade de peixes nos oceanos e interrompeu importantes cadeias alimentares”, enfatiza Darimont. Para esse cientista, “nossa tecnologia possui métodos e sistemas para matar com perfídia e eficiência, além de sistemas econômicos globais e de gestão de recursos que priorizaram a obtenção de benefícios a curto prazo. Tudo isso fez de nós predadores superiores em relação a todos os outros seres vivos, com consequências dramáticas”. Nossas técnicas de caça e pesca nos tornam quase invulOÁSIS . ECOLOGIA 7/34 seguir os cânones abusivos impostos pela nossa sociedade, deveria seguir de perto e tomar como exemplo o comportamento dos predadores naturais. Enorme pilha de crânios de bisões. No século 19, a caça predatória a esse bovino levou a espécie à beira da extinção Caça aos gansos selvagens, no Missouri, EUA terra firme, a predação humana é hoje 9 vezes superior à dos grandes carnívoros terrestres, como ursos, lobos, hienas e leões e outros felinos. “Pior de tudo – salienta Tom Reimchen, da University of Victoria e coautor da pesquisa – , o ser humano preda sobretudo organismos jovens ou de qualquer forma em idade ainda adequada para a reprodução, e isso limita o crescimento das populações dos animais”. Os autores da pesquisa concluem com um apelo urgente a que reconsideremos o conceito de “exploração sustentável” da fauna selvagem e a gestão da pesca que, em vez de OÁSIS . ECOLOGIA 8/34 OÁSIS . TENDÊNCIA TENDÊNCIA Pavilhão da China na Expo Milão 2015 EXPO DE MILÃO 2015 Festa para os olhos vai até o final de outubro 9/34 Milão, na Itália, permanece engalanada para a Exposição Universal 2015. Da Torre Eiffel ao Aquário de Gênova, do Atomium de Bruxelas à Praça Espanha de Sevilha. Aqui está uma seleção dos monumentos que a Expo deixou ao longo da história. A atual Expo, em Milão, na Itália, permanecerá aberta à visitação até o final de outubro A . TENDÊNCIA Desde a primeira edição de Londres, em 1851, à de Shangai, em 2010, todas as expos foram baseadas em três valores fundamentais, desenvolvidos segundo a sensibilidade e o tema escolhido pelo país organizador: confiança, solidariedade e progresso. Esses valores são promovidos pelo BIE (Bureau Internacional das Exposições), uma organização intergovernamental nascida em 1928 em Paris com o objetivo de regular a frequência, a qualidade e o desenrolar das exposições. POR: LUIS PELLEGRINI OÁSIS e desenvolve um tema universal, de interesse geral para toda a humanidade. Os participantes se dividem em oficiais, ou seja aqueles países e organizações que confirmaram oficialmente a própria adesão, e não-oficiais, ou seja as instituições, empresas e organizações da sociedade civil. Expo – ou, como seria mais correto dizer, a Exposição Universal -, é um dos eventos mundiais de maiores dimensões. Acontece a cada cinco anos, dura seis meses O BIE, durante a sua história quase centenária, mudou várias vezes as definições e a frequência das exposições universais, embora mantendo intactos os valores de referência e o desenvolvimento das exposições. A atração principal desses encontros são os pavilhões nacionais, projetados e geridos pelos países participantes. A esses se acrescentam os pavilhões temáticos produzidos pela própria organização. 10/34 Galeria: Alguns monumentos criados para as Expos que se tornaram símbolos para a posteridade 1 Torre Eiffel, Paris, 1889. Ela é hoje, com toda probabilidade, o monumento mais famoso do mundo. A Torre Eiffel é uma daquelas obras que depois da Expo (no caso, a de Paris, em 1899) deveriam ser desmanteladas. O destino dessa imensa torre de aço, no entanto, mudou por completo. A Expo de 1889, que celebrava o centenário da Tomada da Bastilha, recebeu 32 milhões de espectadores e presenteou a França e a Europa com um dos seus símbolos mais imponentes. Interior do Pavilhão do Brasil na Expo Milão 2015 Historicamente, cada exposição sempre foi caracterizada por estruturas particulares, que depois acabam se tornando símbolo daquela edição da Expo, e às vezes da própria cidade ou país organizador do evento, como é o caso da Torre Eiffel, hoje um símbolo de Paris e da França. OÁSIS . TENDÊNCIA 11/34 3 Plaza de España, Sevilha, 1929. A majestosa e imponente Plaza de España foi construída no Parque Maria Luísa, a partir de um projeto de Annibal Gonzales para a Exposição Iberoamericana de 1929. 2 Aquário Cívico de Milão. Em 1906, a Expo aconteceu em Milão pela primeira vez, e teve mais de 5 milhões de visitantes. Seu tema central eram os transportes, e ela foi montada no Parque Sempione, onde hoje está instalada a Feira de Milão. Várias obras e monumentos foram erguidos, mas a única construção que não foi destruída depois de encerrada a mostra foi o Aquário Cívico. OÁSIS . TENDÊNCIA 12/34 5 Space needle, Seattle. Aquilo que se tornou o símbolo de Seattle foi construído em 1962 para a Expo que tinha como tema “O homem na era do espaço”. Essa Expo se converteu numa ocasião para mostrar ao mundo os progressos alcançados pelos norte-americanos na corrida ao espaço depois do golpe infligido pelos soviéticos com o lançamento do Sputnik (que entre outras coisas fora exposto em Bruxelas por ocasião da Expo 1958) e do astronauta russo Gagarin. 4 Atomium, Bruxelas, 1958. O Atomium foi construído para marcar a Exposição Universal de 1958, em Bruxelas. Foi a primeira Expo depois da Segunda Guerra Mundial, e não por acaso o seu nome era “Avaliação do Mundo para um mundo mais humano”. Como a Torre Eiffel, o Atomium, que foi projetado pelo arquiteto André Waterkeyn, deveria ter sido desmantelado seis meses após a Expo. Mas ele permanece em pé é uma das mais conhecidas atrações turísticas da capital belga. OÁSIS . TENDÊNCIA 13/34 7 Aquário de Gênova. O Aquário de Gênova está situado no porto antigo da cidade. O edifício foi projetado pelo arquiteto Renzo Piano para a Exposição Universal de 1992, dedicada a Cristóvão Colombo. O Aquário possui hoje mais de 70 piscinas que apresentam todos os tipos de ecossistemas marinhos, com milhares de exemplares vivos procedentes de todos os mares do mundo. 6 Biosfera de Montreal. Símbolo da Expo 67 (cujo tema era O homem e o seu mundo), a biosfera é uma cúpula geodésica projetada pelo arquiteto Buckminster Fuller. Desde 1995 é um museu que abriga exposições e projetos educativos sobre temas ambientais. OÁSIS . TENDÊNCIA 14/34 Vídeo: Comida para os olhos – Expo Milão 2015 O fotógrafo e cineasta italiano Cristiano Maifrè apresenta neste vídeo uma viagem poética à Expo 2015 em Milão. Para ele “nutrir o planeta é um imperativo, mas nutrir os olhos e a mente é uma necessidade”. “Estas são as imagens que capturaram minha atenção na Expomilão 2015”, diz ele. “Apesar do tema geral, acho que curti mais ainda os pequenos detalhes do evento, e com meu vídeo tentei criar uma história paralela. 8 Oceanário de Lisboa. Foi projetado para a Expo 98 (sob o tema: Oceanos: uma herança para o futuro), pelo arquiteto Peter Chermayeff. Trata-se de um dos maiores aquários do mundo e se encontra no Parque das Nações, no mesmo local onde estavam os pavilhões no período da exposição. O Oceanário recebe hoje cerca de 1 milhão de visitantes ao ano. 9 Eur, Roma. Poucos sabem que EUR é acrônimo de Exposição Universal de Roma. Esse bairro foi projetado por ordem do ditador Benito Mussolini para ser inaugurado durante a Expo 1942. A mostra, no entanto, não aconteceu por causa da Segunda Guerra Mundial. OÁSIS . TENDÊNCIA 15/34 OÁSIS . VÍDEO DESCOBERTA MEDUSAS CÓSMICAS O mundo sem peso das águas vivas 16/34 Se você quer uma prova de que não é preciso viajar ao espaço exterior para testemunhar um cenário inteiramente cósmico, aqui está ela: este vídeo produzido por Alex Soloviev. Com uma galeria de fotos de medusas, ou águas vivas, as estrelas desta pequena obraprima da arte do vídeo Q VÍDEO: ENDLESS GRAVITY, DE ALEX SOLOVIEV OÁSIS . VÍDEO pertence a um outro mundo”, disse o autor deste vídeo, Alex Soloviev. Ele está certo. Realmente conseguiu captar as formas, cores e movimentos de águas vivas, transformando-os num vídeo que hipnotiza e deslumbra. O clip, feito de tomadas em slow-motion de medusas dotadas de bioluminescência, parece ter sido feito nas águas escuras do oceano profundo. Mas na verdade Soloviev o realizou em um aquário europeu. uando eu as vi pela primeira vez, imediatamente tive vontade de filmá-las e fazer com elas um filme. Essas criaturas realmente parecem e se movem como algo que 17/34 horas, seguindo os movimentos suaves das medusas que evocam eternidade e meditação. A música é do grupo Astrópilót, e o poema narrado é do poeta italiano Dante Gabriel Rossetti, de 1869. “Tive de descobrir ângulos e a iluminação correta para disfarçar o aspecto de aquário, e isso foi a parte mais difícil do trabalho. Levou um tempo enorme para que todas as cenas parecessem ter ocorrido no oceano real”, diz o autor, que é russo e atualmente vive e trabalha em Moscou. Águas vivas, ou medusas, são animais encontrados em todos os oceanos, desde a superfície até grandes profundidades. Algumas espécies vivem na água doce. Elas vivem na terra há mais de 500 milhões de anos, e estão entre os mais antigos animais dotados de vários órgãos. Podemos contemplar as imagens deste vídeo durante OÁSIS . VÍDEO 18/34 Galeria de medusas OÁSIS . VÍDEO 19/34 OÁSIS . VÍDEO 20/34 OÁSIS . VÍDEO 21/34 OÁSIS . VÍDEO 22/34 OÁSIS . VÍDEO 23/34 OÁSIS . VÍDEO 24/34 OÁSIS . VÍDEO 25/34 Vídeo: Endless Gravity, de Alex Soloviev OÁSIS . VÍDEO 26/34 ASTRO O Telescópio Gigante de Magalhães (Ilustração) O INÍCIO DO UNIVERSO Telescópio pode mostrar como tudo começou OÁSIS . ASTRO 27/34 Barry Schwartz Quando e de que forma o universo teve início? Um grupo de astrônomos de várias partes do mundo quer responder essa pergunta observando o mais distante que um novo telescópio possa nos permitir. Wendy Freedman chefiou a criação do Telescópio Gigante de Magalhães, em construção na América do Sul. No TEDGlobal, no Rio, ela compartilha uma visão corajosa das descobertas sobre o nosso universo que o TGM pode tornar possíveis A VÍDEO: TEDGLOBAL - RIO TRADUÇÃO: LEONARDO SILVA REVISÃO: MARICENE CRUS OÁSIS . ASTRO astrônoma Wendy Freedman dirigiu a construção do Telescópio Gigante de Magalhães (GMT), um enorme observatório astronômico situado no deserto do Atacama, norte do Chile. Freedman, à frente de uma enorme equipe de cientistas e de técnicos, trabalha na construção de vários telescópios de nova geração. OP Gigante de Magalhães, por exemplo, faz parte de um conjunto de três megatelescópios que estão sendo construídos no Atacama. Os outros dois são o Telescópio Alma e o Telescópio Europeu Extremamente Grande (E-ELT). O GMT terá um poder de resolução dez vezes maior do que o Telescópio Espacial Hubble. Quando estará pronto e em pleno funcionamento ele poder dar uma contribuição fundamental à pergunta que está hoje na mente de todos nós, astrônomos ou não: Haverá lá fora outros planetas como a Terra, capazes de abrigar a vida? Graças a seu enorme tamanho e capacidades, o GMT poderá obter imagens de objetos extremamente distantes, muito mais distantes de tudo que já vimos até agora. Seremos capazes de observar os primeiros objetos formados no universo. As primeiras estrelas e galáxias. O começo de tudo. 28/34 Vídeo da palestra de Wendy Freedman OÁSIS . ASTRO 29/34 Tradução integral da palestra de Wendy Freedman Aos 14 anos, eu tinha interesse por ciência, era fascinada por ela e empolgada em aprendê-la. Eu tinha um professor de ciências, no ensino médio, que dizia à turma: “As meninas não precisam ouvir isso”. Que encorajador. Eu escolhia não ouvir, mas só aquela frase. Vou levá-los aos Andes, no Chile, a 300 milhas, 500 km, ao nordeste de Santiago. É uma lugar bem remoto, bem seco e bem bonito. Não há muita coisa lá. Há condores, tarântulas e, à noite, ao escurecer, é possível vermos um dos céus mais escuros vistos na Terra. É um lugar meio mágico, as montanhas. É uma maravilhosa combinação de topo de montanha bem remoto e tecnologia extremamente sofisticada. A astrônoma do Observatório Carnegie, Wendy Freedman Nossos ancestrais, desde de que se tem registro, observavam o céu noturno e refletiam sobre a natureza da nossa existência. E a nossa geração não é diferente. A única dificuldade é que, hoje, o céu noturno é ofuscado pelo brilho das luzes das cidades. Por isso, os astrônomos vão a topos de montanhas isoladas para visualizar e estudar o cosmos. Os telescópios são nossa janela para o cosmos. Não é exagero dizer que o Hemisfério Sul será o futuro da astronomia no século 21. Já existe uma rede de telescópios, nas montanhas andinas, no Chile, que, em breve, receberá uma série sensacional de novas capacidades. Haverá dois grupos internacionais que vão construir telescópios gigantes, sensíveis à radiação óptica, assim como nossos olhos. Haverá um telescópio de pesquisa que vai varrer esporadicamente o céu noturno. Haverá telescópios de radiofrequência, sensíveis à radiação de radiofrequência de ondas longas. Haverá também telescópios no espaço. Haverá um sucessor do Telescópio Espacial Hubble, chamado Telescópio James Webb, que será lançado em 2018. Haverá um satélite chamado TESS, que descobrirá planetas existentes fora do nosso sistema solar. Durante a última década, venho liderando um grupo, um consórcio, um grupo internacional, para construir o que será, quando terminado, o maior telescópio óptico do mundo. Ele se chama Telescópio Gigante de Magalhães, ou TGM. Esse telescópio terá espelhos com 27 pés de diâmetro, cada um. São quase 8,4 metros. Ele é maior que este palco, chegando talvez à quarta fileira da plateia. Cada um dos sete espelhos nesse telescópio terá quase 8,4 metros de diâmetro. Juntos, os sete espelhos desse telescópio terão 24,4 metros de diâmetro, basicamente o tamanho deste auditório. O telescópio OÁSIS . ASTRO 30/34 Tradução integral da palestra de Wendy Freedman inteiro terá cerca de 43 metros de altura e, novamente, estando no Rio, alguns de vocês foram visitar a estátua gigante de Cristo. Eles se comparam em altura. Na verdade, o Cristo é menor do que o telescópio será.O telescópio é comparável, em tamanho, à Estátua da Liberdade. Ele ficará dentro de um gabinete de 22 andares, 60 metros de altura, mas é uma construção incomum para proteger esse telescópio. Terá janelas abertas para o céu, poderá apontar para o céu e observá-lo, e girará numa base; 2 mil toneladas de construção giratória. O Telescópio Gigante de Magalhães terá uma resolução dez vezes maior do que a do Telescópio Espacial Hubble. Será 20 milhões de vezes mais sensível que o olho humano e, talvez, pela primeira vez, possa encontrar vida em planetas existentes fora de nosso sistema solar. Ele nos permitirá observar o passado, a primeira luz do universo; literalmente o amanhecer do cosmos. O amanhecer cósmico. É um telescópio que nos permitirá enxergar o passado, vermos galáxias como eram no momento em que estavam se formando, os primeiros buracos negros do universo, as primeiras galáxias. Bem, durante milhares de anos, temos estudado o cosmos, temos nos questionado sobre nosso lugar no universo. Os antigos gregos nos contaram que a Terra era o centro do universo. Quinhentos anos atrás, Copérnico destronou a Terra e pôs o Sol no centro do cosmos. E como aprendemos ao longo dos séculos, desde que Galileu Galilei, cientista italiano, apontou para o céu, pela primeira vez, um telescópio de duas polegadas, sempre que construímos telescópios maiores, aprendemos algo sobre o universo,fizemos descobertas, sem exceção. No século 20, aprendemos que o universo está se expandindo e que o nosso sistema solar não está no centro dessa expansão. Hoje, sabemos que o universo contém cerca de 100 bilhões de galáxias que podemos ver, e que, em cada uma dessas galáxias, há 100 bilhões de estrelas. OÁSIS . ASTRO Estamos observando agora a imagem mais profunda do cosmos que já foi obtida. Ela foi obtida com a ajuda do Telescópio Espacial Hubble, apontando-o para o que antes era uma região vazia do céu, antes de seu lançamento. Se puderem imaginar esta minúscula área, ela é 50 vezes menor que o tamanho da lua cheia; imaginem uma lua cheia. E hoje existem 10 mil galáxias visíveis dentro dessa imagem. E a distorção dessas imagens e o tamanho minúsculo significam que essas galáxias estão muito distantes, a distâncias gigantescas. Cada uma dessas galáxias pode conter bilhões ou até centenas de bilhões de estrelas. Os telescópios são como máquinas do tempo. Quanto mais distante olhamos no espaço, mas distante voltamos no tempo. Eles são como baldes de luz, lite O Telescópio Gigante de Magalhães, no deserto de Atacama, Chile (Ilustração de artista) 31/34 Tradução integral da palestra de Wendy Freedman ralmente coletando luz. Quanto maior o balde, quanto maior o espelho que temos, mais luz podemos ver e mais distante no passado podemos ver. No último século, aprendemos que existem objetos exóticos no universo, buracos negros. Aprendemos até que existem matéria escura e energia escura, que não podemos enxergar. Agora vocês estão vendo uma imagem real da matéria escura. Vocês entenderam. Nem todas as plateias entendem. Nós inferimos a presença de matéria escura, pois não podemos vê-la, mas há uma prova contundente, devido à gravidade. Hoje, olhamos lá para fora e vemos um mar de galáxias em um universo que está em expansão. Telescópio Magalhães fica bo alto de uma colina no Deserto de Atacama, Chile OÁSIS . ASTRO O que eu faço é mensurar a expansão do universo e um dos projetos que conduzi na década de 90 usou o Hubble para medir a velocidade de expansão do universo. Hoje, podemos enxergar 14 bilhões de anos no passado. Aprendemos, com o tempo, que as estrelas têm histórias próprias, ou seja, elas nascem, chegam à meia-idade e algumas têm até mortes dramáticas. As brasas dessas estrelas, na verdade, formam as novas estrelas que vemos, e a maioria destas tem planetas orbitando-as. Um dos resultados realmente surpreendentes nos últimos 20 anos foi a descoberta de outros planetas orbitando outras estrelas. São os chamados planetas extrassolares. Até 1995, sequer sabíamos da existência de qualquer outra planeta, além dos que orbitam o nosso Sol. Mas há quase 2 mil outros planetas, orbitando outras estrelas, que hoje podemos detectar, cuja massa podemos medir. Há 500 desses que estão em sistemas de múltiplos planetas. Há 4 mil outros candidatos, e este número está crescendo, a planetas que orbitam outras estrelas. São planetas bem variados, de tipos diversos. Há planetas parecidos com Júpiter que são quentes. Há outros planetas que são congelados, há mundos aquáticos e há planetas rochosos como a Terra, chamados de “Superterras”, e há até planetas que especula-se serem mundos de diamante. 8:52Sabemos que há pelos menos um planeta, nossa própria Terra, no qual há vida. Já até descobrimos planetas que orbitam duas estrelas. Isso não é mais algo de ficção científica. Em nosso próprio planeta, sabemos que há vida, desenvolvemos vida complexa, podemos questionar nossas próprias origens. Considerando tudo que descobrimos, os números esmagadores sugerem que talvez haja milhões, quem sabe até centenas de milhões, de outras estrelas próximas o bastante, à distância ideal dos planetas que as orbitam, a ponto de es 32/34 Tradução integral da palestra de Wendy Freedman tes conterem água líquida e talvez poderem abrigar vida. Hoje nos maravilhamos com essas probabilidades tremendas, e o incrível é que, na próxima década, o TGM talvez consiga captar o espectro das atmosferas desses planetas e determinar se eles têm potencial para abrigar vida. Então, o que é o projeto TGM? É um projeto internacional. Ele inclui Austrália, Coreia do Sul e fico feliz por dizer, estando aqui no Rio, que nosso mais novo parceiro em nosso telescópio é o Brasil. Também participam algumas instituições dos Estados Unidos, inclusive a universidade Harvard, as instituições Smithsonian e Carnegie e as universidades do Arizona, de Chicago, Texas-Austin e Texas A&M. O Chile também participa. A fabricação dos espelhos desse telescópio também é fascinante por si só. Pegue pedaços de vidro, derreta-os numa fornalha giratória. Tudo acontece embaixo do estádio de futebol da universidade do Arizona, escondido sob 52 mil assentos. Ninguém percebe. É basicamente um caldeirão giratório. Os espelhos são moldados e resfriados bem devagar, sendo depois polidos com requinte de precisão. Para se ter uma ideia da precisão desses espelhos, as ondulações no espelho, ao longo de todos os quase 8,4 metros, chegam a menos de 1 milionésimo de polegada. Para se ter uma ideia... Ai! Cinco mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo meu, em toda essa área de 8,4 metros. Um feito espetacular. É isso que nos dará a precisão que teremos. Mas o que ganhamos com essa precisão? O TGM, para se ter uma ideia... se eu segurar uma moeda, que por acaso tenho aqui, e olhar para ela, posso ver daqui o que está escrito nela, posso ver o rosto gravado nela. Aposto que vocês que estão na primeira fila não conseguem ver. Mas se virássemos o Telescópio Gigante de Magalhães, todos os 24,4 m de diâmetro que temos neste auditório, e o apontássemos a 322 km de distância, se eu estivesse em São Paulo, po- OÁSIS . ASTRO deríamos enxergar o que há nesta moeda. Esses são o poder e a resolução extraordinários desse telescópio. Se eu... Se um astronauta estivesse na Lua, a quase 400 mil km de distância, e acendesse uma vela, uma única vela, conseguiríamos detectá-la, usando o TGM. Extraordinário. Esta é uma imagem simulada de um aglomerado em uma galáxia próxima; “próxima” em termos astronômicos; relativamente próxima. Está a dezenas de milhões de anos-luz de distância. É assim que veríamos esse aglomerado. Vejam só aqueles quatro objetos brilhantes e vamos compará-la à imagem da câmera do Telescópio Espacial Hubble. Podemos ver detalhes distorcidos que começam a ficar visíveis. E, finalmente, vejam só que incrível: é isso que o TGM verá. Continuem olhando as imagens brilhantes. É isso que vemos em um dos mais poderosos telescópios existentes na Terra. Isso, A astrônoma Wendy Freedman 33/34 Tradução integral da palestra de Wendy Freedman mais uma vez, é o que veremos com o TGM. Precisão extraordinária. Então, a que pé estamos? Já nivelamos o topo da montanha, no Chile. Retiramos o cume. Testamos e polimos o primeiro espelho. Já moldamos o segundo e o terceiro espelho. Estamos prestes a moldar o quarto espelho. Tivemos uma série de avaliações neste ano, jurados internacionais que vieram e nos avaliaram, e disseram: “Estão prontos para começar a construir”. Planejamos construir esse telescópio com os primeiros quatro espelhos. Queremos pô-lo em uso logo e coletar dados científicos, aquilo que nós, astrônomos, chamamos de “primeira luz”, em 2021. O telescópio estará totalmente pronto em meados da próxima década, com todos os sete espelhos. Agora estamos prontos para ver o passado do universo, a grandes distâncias, o amanhecer cósmico. Poderemos estudar outros planetas com requinte de detalhes. Os telescópios que estão no espaço e aqui na Terra, com diferentes capacidades de comprimento de onda, telescópios até similares, mas com diferentes instrumentos, todos eles vão analisar partes distintas das perguntas que temos. Quando descobrirmos outros planetas, poderemos testar essas observações, poderemos mensurar as atmosferas, poderemos observar o espaço com resolução bem alta. São bem complementares. Tem razão, competimos quanto ao financiamento, mas, cientificamente, a coisa é bem complementar. BG: Wendy, muito obrigado por ter vindo ao TEDGlobal. WF: Obrigada Mas, para mim, umas das coisas mais empolgantes na construção do TGM é a oportunidade de descobrir algo que desconheçamos, que sequer possamos imaginar, algo totalmente novo. Espero, com a construção dessa e de outras instalações, que muitos jovens, rapazes e moças, sejam inspirados a alcançar as estrelas. Muito obrigada. Bruno Giussani: Obrigado, Wendy. Fique comigo. Tenho uma pergunta para você. Você mencionou diferentes instalações. O Telescópio de Magalhães vai funcionar, mas também o ALMA e outros, no Chile e em outros lugares, inclusive no Havaí. Trata-se de cooperação e complementariedade, ou de competição? Sei que há concorrência em termos de financiamento, mas e a ciência? Wendy Freedman: Quanto à ciência, a coisa é bem complementar. OÁSIS . ASTRO 34/34