O cômico no teatro de Joaquim Manuel de Macedo

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III Colóquio Filosofia e Literatura: do cômico - Anais do Evento
20 a 22 de março de 2013
O cômico no teatro de Joaquim Manuel de Macedo
Ana Paula Rocha Vital Pereira1
Pós-graduação/UFS
Resumo: De acordo com Schopenhauer o riso corresponde a uma função indispensável ao pen-
samento, na medida em que nos faz ver o mundo com outros olhos. O cômico revela o
lado enganador da aparente estabilidade do pensamento racional. Esse pensamento vem
instigando, há algum tempo, minha curiosidade sobre a função do cômico em algumas
obras da literatura brasileira. Que mundo essas obras nos querem revelar? Diante de tal
indagação, procurei analisar algumas peças cômicas de Joaquim Manuel de Macedo, a
saber: A torre em concurso e Luxo e vaidade. Para tanto, utilizei como subsídios teóricos
os estudos de Bergson (2007), Freud (1974) e Jolles (1976) sobre o cômico. Em minha
preliminar análise, verifiquei que as peças de Macedo, citadas acima, são marcadas pelo
elogio à brasilidade na medida em que coloca em questão o fascínio exagerado que a sociedade da época nutria pelos costumes europeus. Em tais obras teatrais, os estrangeiros
são transformados em clowns, sendo ridicularizados e inferiorizados, o que atribui a essas
peças um caráter moralizante, aspecto que talvez o autor pretendesse imprimir à sociedade da época, lançando mão de artifícios cômicos como a caricaturização e o rebaixamento
para divertir e moralizar ao mesmo tempo. Assim, a função do cômico nas duas peças
em questão parece se aproximar da definição de Bergson para a comicidade: corrigir os
desvios sociais, algo que procuraremos discutir nesse artigo.
De acordo com Schopenhauer o riso corresponde a uma função indispensável ao pensamento, na medida em que nos faz ver o mundo com outros olhos. O cômico revela o lado enganador da
aparente estabilidade do pensamento racional. Esse pensamento vem instigando, há algum tempo,
minha curiosidade sobre a função do cômico em algumas obras da literatura brasileira. Que mundo
essas obras nos querem revelar? Diante de tal indagação, procurei analisar algumas peças cômicas
de Joaquim Manuel de Macedo, a saber: A torre em concurso (1863) e Luxo e vaidade (1860).
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Mestranda em Literatura e Cultura pela Universidade Federal de Sergipe.
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O estudo do cômico no teatro de Joaquim Manuel de Macedo também faz parte da necessidade de se averiguar a importância que o gênero teatral adquire na primeira metade do século
dezenove com a vinda da família real para o Brasil, assumindo, juntamente com os demais gêneros
como a prosa e a poesia, a partir de 1822, com a Independência, papel relevante na afirmação da
nacionalidade brasileira. No século dezenove o teatro se afirma, de acordo com Bittencourt de Sá,
como forma de representação da identidade brasileira e estabelece com determinados segmentos sociais uma espécie de diálogo ‘civilizador’. O que significa que os
escritores da época apresentavam/possuíam, como característica, a promoção de
um ideário do que se desejava fosse o brasileiro, que registrasse e apresentasse os
caminhos para a edificação do perfil do brasileiro (2010, p. 20).
Para Antônio Cândido (1987), o teatro, inserido na literatura brasileira, também representou
um meio de colocar em prática o ideário de desenvolvimento da identidade nacional, mostrando-se
em diferentes cenas caracteres do povo brasileiro e das diferentes classes sociais. Assim, os temas
dos espetáculos teatrais, espetáculos que ganham impulso no período Romântico, estarão atrelados
ao movimento de construção da identidade da nação brasileira. A partir dessa perspectiva, é pertinente que se investigue as produções cômicas teatrais do período, como as de Macedo, traçando-se
um panorama mais completo da visão dos escritores a respeito da sociedade, da economia e da
política da época tendo em vista que, “o texto teatral representa um tipo especial de linguagem que
permite ver as coisas que estão obscurecidas em outros tipos de textos” (BRAIT, 1999, p. 22).
O estudo do teatro cômico brasileiro merece nossa atenção. Apesar do pouco espaço dado
no âmbito acadêmico a esse gênero, uma vez que o estudo da literatura comumente se restringe ao
estudo da prosa ficcional, alguns estudiosos como Vilma Arêas (1990) e Roberto Faria (2001) se
dedicaram e se dedicam à análise da comicidade no teatro, procurando destacar as peculiaridades
do trabalho de escritores brasileiros e os modos de desvelarem a realidade social pelo viés cômico.
Partindo dessa questão, o estudo da comicidade nas peças de Joaquim Manuel de Macedo contribuirá não só para a ampliação do conhecimento das funções e dos modos do cômico produzidos
na literatura nacional como também para ampliar a nossa visão sobre a cultura brasileira e sobre a
perspectiva social e política que subjaz praticamente toda a produção literária do período Romântico brasileiro.
Para a análise das peças cômicas de Macedo, utilizei como subsídios teóricos os estudos de
Bergson (2007), Freud (1974) e Jolles (1976) sobre o cômico. De forma sucinta, para Bergson, o
riso é um ato de significação social que cumpre o papel conservador de corrigir falhas de caráter
dos indivíduos, de corrigir comportamentos desviados por meio da sua ridicularização. Para Freud,
o riso é um ato de prazer e a função do cômico consistiria em suspender certas inibições, em fazer
aflorar certos impulsos internos que a consciência crítica do indivíduo não permitiria em outra
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situação qualquer. Já para Jolles, o cômico apresenta dupla função, uma que seria a de corrigir os
desvios sociais, outra que seria aliviar as tensões que afligem o espírito.
Na análise das peças em questão, verifiquei que elas apresentam procedimentos cômicos
elencados por Bergson, como a caricaturização, a manipulação de um indivíduo por outro como
um fantoche, a ridicularização e a comicidade de caráter, mecanismo este que corresponde a não
integração da personagem à sociedade, ao seu desvio comportamental, à sua inflexibilidade diante
da vida cabendo, pois, a comédia papel fundamental no reajuste social dos indivíduos. Todos esses
aspectos dão às obras aqui analisadas um caráter moralizante, na medida em que certos comportamentos sendo ridicularizados cobra-se o reajuste social do indivíduo mergulhado em vícios
que prejudicam a manutenção de uma sociedade que se pretende equilibrada.
No que diz respeito a Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), vale destacar que ele exerceu as funções de jornalista, Deputado, poeta, romancista, professor de história e geografia, dramaturgo, entre outras atividades, e insere-se no cânone literário brasileiro como um dos responsáveis
pela introdução do romance no Brasil, com a obra de ficção A Moreninha (1844).
Apesar de ser comumente remetido a seus romances ficcionais, Macedo revela-se como um
autor de produção artística bastante fecunda enveredando-se, por exemplo, pelo caminho da dramaturgia. Aspecto que, de acordo com Souza (2002), contribuiu para o alargamento da base social
do teatro até então produzido no país, uma vez que Macedo cultuou a diferenciação entre o teatro
feito em outros países e o teatro gerado no Brasil.
Macedo escreveu, em média, dezesseis peças de teatro estreando nesse gênero com o drama
Cobé (1849). Mas, segundo Arêas,
tendo passado por todos os gêneros teatrais disponíveis no momento, Macedo se
achava mais à vontade na comédia, que abarcava outros gêneros, fossem inspirados
no francês (O primo da Califórnia -1858), fossem as chamadas óperas (O fantasma
branco -1856), a comédia burlesca (A torre em concurso -1863), fossem as comédias realistas (Luxo e vaidade -1860 e Cincinato Quebra-Louça -1873) ou o vaudevaille (O macaco do vizinho -1885) (2006, p. 7).
Ao todo, Macedo produziu oito peças cômicas. Além das já citadas acima, escreveu: O novo
Otelo (1863) e Uma pupila rica (1880). Para a nossa investigação a respeito da comicidade presente nas peças de Macedo selecionamos duas obras teatrais, A torre em concurso e Luxo e vaidade,
ambas marcadas pelo elogio a brasilidade na medida em que coloca em questão o fascínio exagerado que a sociedade da época nutria pelos costumes europeus. Em A torre em concurso, comédia
burlesca em três atos, as principais cenas cômicas giram em torno dos diálogos entre Crispim e
Pascoal, brasileiros que fingem ser engenheiros ingleses para atenderem às exigências de um edital
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lançado para a construção da torre da igreja de uma aldeiazinha no interior do Rio de Janeiro. Em
tal edital exige-se que os engenheiros sejam exclusivamente ingleses, porque, de acordo com Manuel Gonçalves, personagem que representa a elite social da cidade, todos os engenheiros brasileiros juntos “não valem o dedo mindinho de um engenheiro inglês” (MACEDO, p. 70), pensamento
que indica a supervalorização do estrangeiro pela elite carioca.
Essa idealização parece ser a principal crítica lançada por Macedo na peça A torre em concurso, na medida em que ele ridiculariza as personagens brasileiras que se deixam enganar por
dois farsantes que se passam por estrangeiros, ideia que é corroborada por esta fala da personagem
Pascoal ao ler o edital para o concurso que elegerá o engenheiro inglês: “Esta é de tirar o chapéu!...
Este Povo está pedindo de mãos postas que manguem com ele, e eu com a fome que sinto, se soubesse um dado de inglês... Mas para quê, se aqui ninguém o sabe?” (Macedo, p. 89). Percebemos
também nessa fala a caricaturização do malandro brasileiro, que pra tudo dá um jeitinho. De acordo
com Bergson, a caricatura, um tipo de comicidade das formas, consiste na acentuação de traços que
mais se destacam em uma pessoa ou coisa, geralmente com uma visão crítica e jocosa. Para Freud,
a caricatura, que é uma forma de enfatizar determinado traço eminente em certo objeto levando-o
à degradação, produz efeito cômico. Salientemos aqui que a caricatura, de acordo com Sodré, corresponde a um dos elementos do período Romântico e “representa um veículo para o entendimento
vulgar, para o acesso direto, para a compreensão visual” (1969, p. 222), sendo que o teatro cômico
de Macedo é fortemente marcado pela criação de tipos brasileiros retradados de forma caricatural.
Outro procedimento cômico destacado por Bergson e verificado em A torre em concurso é
o cômico de palavras, comicidade obtida tanto a partir da criação dos nomes ingleses fictícios de
Pascoal e Crispim, quanto pela língua inglesa imitada por estas personagens. Crispim adota o nome
de “Lord Gimbo” e Pascoal adota primeiramente o nome de “Protocrotrofroblington”, depois, atrapalhando-se com esse nome tão esquisito passa a chamar-se “Matracoat”. A fala inglesa estropiada
dessas personagens gerará as cenas mais cômicas da peça, como podemos verificar nestes trechos
das falas de Crispim e Pascoal: “Estring uors ui grande bai!”; “Oh! iess; mim star inglis!”; “Fates
misburi iesse, etc”; “Oh! Fiu plise, etc”. O cômico de palavras também representa o tipo de procedimento utilizado por Macedo que mais provoca graça em Luxo e vaidade. Tal procedimento cômico é construído não apenas a partir da língua portuguesa proferida com dificuldade pelo francês
Petit e pela preceptora inglesa Fany, empregados de uma família brasileira da sociedade carioca,
como também pelo fato de que dois estrangeiros, tão supervalorizados na sociedade do século
dezenove, assumem a função de serviçais dos brasileiros, algo que podemos verificar a partir do
seguinte diálogo:
Petit (Suspirando) – Miss Fanny!
Fanny (Estremecendo) – Ah!…monsieur Petit! Ficar muite sustade...este non
se use n’Ingliterre.
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Petit – Oh! non tem que assusta; eu venha aproveitar momento deliciose de
conversa sozinha com miss Fanny em uma tête-à-tête impreciável.
Fanny – Mim ficar muite envorganhade com este conversacion.
Petit – Oh! miss Fanny, non tem vergonha!vergonha non presta por nada:
gente que tem vergonha, non sabe arranja sua vida. (Olhando para dentro) Onde
está as senhoras?...
Fanny – Oh! mas este non se use n’Ingliterre; done deste case ganhe cinco e gaste
cincoenta; este família ser gente de imposture: contracta mim para ensina inglês
mademoiselle, e non paga minhas ordenados cinco meses! Mim há de faz queixa a
ministro inglês. (Cena I, Ato I)
A partir dessa citação, percebe-se que Macedo utiliza a linguagem como meio de caricaturizar o estrangeiro, sendo a demarcação da língua inglesa e francesa artifício de obtenção do cômico
na medida em que nos dá a impressão de que estamos diante de indivíduos desajeitados, que não
sabem falar direito. Apesar de sabermos que esses indivíduos são estrangeiros e sentem dificuldades em se expressarem em língua portuguesa, o vocabulário que utilizam não deixa de nos parecer
ridículo. Isso porque, a linguagem parece não estar em harmonia com o contexto social, as palavras
pronunciadas por Petit e Fany parecem denunciar uma “distração momentânea da linguagem e por
isso, aliás, parecem engraçadas” (BERGSON, 2007, p. 91). Esse traço particular dessas personagens, a linguagem, remete-os a uma imagem generalizada dos estrangeiros no Brasil, transformando-o em uma figura caricaturizada, caricaturização que leva
a cabo a degradação ao enfatizar, na impressão geral fornecida pelo objeto eminente, um único traço que é, em si mesmo, cômico, embora passe despercebido quando
considerado apenas no quadro geral. Isolando-o, entretanto, pode-se obter um efeito
cômico que, em nossa lembrança, estende-se a todo o objeto (FREUD, 1977, p.
228).
Ainda no que se refere à linguagem, a personagem Fany utiliza em grande parte da peça a
expressão “mas este non se use n’Ingliterre”, um bordão que além de causar certa comicidade revela a visão negativa da inglesa sobre o Brasil e apesar de estar hierarquicamente inferior aos patrões
brasileiros, Fany mostra certa superioridade ao questionar as condutas de seus patrões. Apesar de
tal opinião, Fany e Petit não deixam de ser transformados em clowns, seja pela linguagem ou pelo
papel que representam na sociedade brasileira.
Nas duas peças de teatro aqui analisadas os estrangeiros são colocados em destaque. Em A
torre em concurso, tem-se a supervalorização do povo inglês e em Luxo e vaidade o rebaixamento
de estrangeiros que atuam como serviçais no Brasil. É o revanchismo de Macedo contra o complexo de inferioridade nacional. Em ambas as peças os estrangeiros são transformados em clowns,
sendo ridicularizados e inferiorizados. As duas peças são marcadas por um forte moralismo, aspecto que talvez o autor pretendesse imprimir à sociedade da época, lançando mão de artifícios
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cômicos como a caricaturização e o rebaixamento para divertir e moralizar ao mesmo tempo. Assim, a função do cômico nas duas peças em questão se aproxima da definição de Bergson para a
comicidade: corrigir os desvios sociais.
Na peça Luxo e vaidade, na qual a ação é ambientada no Rio de Janeiro, critica-se também
a família de Leonina, seus pais Maurício e Hortência, que ostentam mais do que podem e discriminam Felisberto, irmão de Maurício, pelo fato de ser ele um simples marceneiro. O comportamento
da família de Leonina será a todo o momento rechaçado pela personagem Anastácio, outro irmão
de Maurício e rico fazendeiro. Anastácio representa na peça a voz da moral e dos bons costumes,
criticando a conduta de seu irmão Maurício por manter uma vida de luxo, sendo ele um empregado
público e que, portanto, não teria condições de viver como um rico burguês. De acordo com Anastácio, “um empregado público que não é rico, que ganha pouco, e vive no seio da opulência e do
fausto, ou rouba ao Estado ou aos particulares; porque é malversador, ou contrai dívidas que sabe
que não poderá pagar” (MACEDO, 2003, p. 25). Anastácio também se imporá contra a conduta de
Hortência, esposa de Maurício, concluindo que “a mulher casada que impele seu marido a fazer
despesas loucas e superiores aos seus recursos; que para trajar brilhantes vestidos e adornar-se
com joias custosas, o expõe ao opróbrio, ao infortúnio, à infâmia, não ama a seu marido, desconhece os seus deveres de esposa, não é somente louca, é ainda altamente criminosa” (MACEDO,
2003, p. 25). Por meio da ironia, recurso cômico que se destaca na peça Luxo e Vaidade, Anastácio
lança severas críticas aos comportamentos de seus familiares. Vale destacar que o riso, que aparentemente é um prazer desinteressado, tem a intenção, segundo Bergson, de humilhar, de corrigir
comportamentos desviados. O que o riso exige é que as pessoas estejam em constante vigilância
para com as suas condutas, que estejam em constante adaptação e submetidas às forças de tensão
e elasticidade, moldando-se a cada situação. O que o riso exige é que as pessoas estejam em constante transformação, e essa transformação é o que está sendo cobrada pela personagem Anastácio.
Outra personagem bastante criticada na peça Luxo e vaidade é a jovem Leonina que despreza o amor de um jovem rapaz por ele ser pintor e filho de marceneiro. No transcorrer da peça,
Leonina descobrirá que tal rapaz é na verdade seu primo e, seguindo os conselhos de seu tio Anastácio, mudará de conduta, transformando-se em uma jovem doce e humilde cedendo, assim, aos galanteios de Henrique, seu primo pintor. A relação entre Leonina e Henrique na verdade representa
o eixo temático da peça em questão. As desventuras desse romance, o fato de Leonina ser obrigada
a casar-se com o comendador Pereira para salvar sua família da miséria funciona como pano de
fundo para o desenrolar da trama da peça. Vale notar como a temática do casamento arranjado,
por interesse, foi uma constante nas peças teatrais românticas, o próprio Martins Pena, criador das
comédias de costumes no Brasil, abordou tal comportamento social em peças como O noviço e O
Judas em sábado de aleluia. De acordo com Yunes, Macedo, em grande parte de suas peças, “intui
como o casamento, no Brasil, representa o principal instrumento de transmissão de propriedade e
de ascensão social” (1979, p. 18), aspecto verificado nesta fala da personagem Hortênsia que justiISBN: 978-85-7822-365-6
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fica todos os gastos que levam o marido à miséria como um investimento para obter o melhor casamento para a filha: “[...] dentro em breve ajustaremos o casamento de Leonina com o comendador
Pereira: a riqueza do genro esconderá a pobreza do sogro” (Cena IV, Ato I). O tema do casamento
arranjado também se faz presente em A torre em concurso. Desse modo, Macedo explana um lado
lamentável da sociedade carioca do século dezenove. Vale destacar que Macedo era ferrenho defensor das instituições tradicionais como a Igreja e a família; e o casamento, para ele, visto como
algo sagrado. O que Macedo critica em suas peças é o corrompimento da sociedade em nome do
dinheiro, algo que é destacado nesta fala de Anastácio, de Luxo e Vaidade:
[...] é esta sociedade envenenada e corrupta que estraga todos os corações! É esta
sociedade que deixando-se escravizar pela paixão do luxo, sacrifica todos os sentimentos e todas as considerações ao ouro; devorada por esta paixão funesta, prefere
o ouro à sabedoria, o ouro à honra, o ouro à virtude! É ela que despreza o vestidinho
branco da senhora pobre, mas honesta, pelas sedas e pelos veludos das grandes
libertinas! É ela que ensina a abafar o pudor, e a menosprezar a própria reputação
para satisfazer a paixão do luxo...sim! é uma sociedade depravada, que zomba e ri
da consciência, da lealdade, da justiça, da pátria, de Deus, e que violenta se arroja
pela estrada da desmoralização, tendo na mente uma única idéia – ouro! ouro! ouro!
(Cena IV, Ato III).
A partir da citação acima, percebemos como Macedo procura desvelar certos vícios da sociedade da época, colocando-os, ali, diante do público que pode optar em permanecer em determinado vício, caso se identifique com algum, e ser alvo de ridicularização ou comportar-se de forma
inversa, seguindo os princípios morais que devem fazer parte da “boa” sociedade. À medida que
Macedo aponta os vícios, também lança um contraponto positivo, outro caráter, o caráter moralmente admissível e esse caráter na peça Luxo e vaidade, é representado pela personagem Anastácio.
Nas peças aqui analisadas, enfim, verificamos o cômico em prol da reestruturação social,
atuando como meio de correção dos desvios de conduta, algo que corresponde à teoria de Bergson
de que através do riso pode-se anular um enrijecimento comportamental, anular um hábito rigidamente contraído e que prejudica a coesão social. Na peça Luxo e vaidade e A torre em concurso
cobra-se a ética, a moral de uma sociedade desvirtuada, cobra-se a moral de certos indivíduos que
não zelam pela família, dos pais que tratam o casamento como uma transação comercial, da sociedade envenenada pela ganância e, principalmente, de uma sociedade que enaltece demasiadamente
a cultura estrangeira. Todos esses aspectos atribuem às peças de teatro de Macedo aqui analisadas
um caráter moralizante, na medida em que ridiculariza as condutas consideradas negativas e ressalta os comportamentos positivos castigando os “maus” e premiando os “bons”. De ante do que foi
dito, verifica-se que o cômico em Luxo e vaidade e A torre em concurso impõe lições modulares,
aspecto que se encaixa na ideia do filósofo francês Bergson de que o propósito do cômico é desvelar comportamentos viciosos reprimindo-os por meio da sua ridicularização.
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