RESUMO 19ªEXPANDIDO RAIB 156/387 169 INDUÇÃO EXPERIMENTAL DE RECOMBINAÇÃO GÊNICA ENTRE ESTIRPES DO VÍRUS DA BRONQUITE INFECCIOSA EM FRANGOS DE CORTE I.L. Santos, D.G. Conceição, A.G. Caetano, M.F.S. Montassier, H.J. Montassier Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Departamento de Patologia Veterinária, Laboratório de Virologia e Imunologia Veterinária, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/no, CEP 14884-900, Jaboticabal, SP, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO O presente projeto de pesquisa teve como propósito principal investigar o fenômeno da recombinação gênica entre estirpes isoladas de campo do vírus da bronquite infecciosa (VBI) e a amostra de referência M41 desse mesmo vírus. Para tanto, foram realizados protocolos de coinfecção combinando-se as estirpes de campo VBIPR06 e VBISP02 com a de referência do VBI (M41) em frangos de corte, oas 21 dias de idade que foram mantidos em isoladores com pressão positiva. Amostras de traquéia foram colhidas, 5 dias após a co-infecção para o re-isolamento de vírus e também para a extração do RNA genômico viral, seguindo-se a preparação do cDNA (RT) e a amplificação do gene de glicoproteína S1 do VBI. O produto amplificado foi posteriormente purificado e submetido à análise por RFLP com as enzimas de restrição Hae III, Bsty I e Xcm I. Duas das estirpes derivadas da co-infecção demonstraram perfis de RFLP distintos das estirpes parentais que foram combinadas para fazer a co-infecção, indicando que houve recombinação in vivo, após a realização do protocolo de co-infecção em frangos de corte de criações comerciais que foram inoculados com uma estirpe de referência do VBI (M41) juntamente com um dos isolados de campo deste mesmo vírus. PALAVRAS-CHAVE: Vírus da bronquite infecciosa, recombinação gênica, técnica RFLP. ABSTRACT EXPERIMENTAL INDUCTION OF GENETIC RECOMBINATION BETWEEN STRAINS OF THE INFECTIOUS BRONCHITIS VIRUS IN BROILERS. The objective of this study was to investigate the phenomenon of genetic recombination between IBV strains, analyzing the coinfection of a field isolate of infectious bronchitis virus (IBV) combined with the reference strain M41 of this virus. Protocols of co-infection combining the field isolates VBIPR06 and VBISP02 with the reference M41 strain were performed in chickens housed in isolators maintained under positive pressure and air filtration. Samples of trachea were collected, after 5 days of co-infection, for virus re-isolation and for extraction of viral RNA, which was processed by RT-PCR in order to amplify the entire gene of S1 glycoprotein of IBV. The amplicons were purified and submitted to RFLP analysis, using the enzymes Hae III, Bsty I and Xcm I. Two of the viral strains derived from the co-infection showed RFLP profiles different from those recorded for the IBV parental strains which were originally combined, indicating that the recombination occurred in vivo after the co-infection of commercial broilers with a reference IBV strain and a field isolate of this virus. KEY WORDS: Infectious bronchitis virus, protection test, field variants. INTRODUÇÃO O vírus da bronquite infecciosa das galinhas (VBIG) pertence à ordem Nidovirales, e à família Coronaviridae, estando classificado no gênero Coronavírus. Quanto à morfologia, o VBIG é pleomórfico, apesar da predominância de partículas esféricas, com aproximadamente 120 nm de diâmetro (CAVANAGH & NAQI, 1997). O genoma do VBI é forma- do por RNA fita simples cauda de poli-adenosina e não é segmentado com polaridade positiva e tem aproximadamente 27,6 Kb, codificando 3 proteínas estruturais mais importantes: a nucleoproteína (N), uma proteína fosforilada do nucleocapsídeo interno e externamente, pelas glicoproteínas da matriz (M) e da espícula (S), sendo essa última é clivada após ser traduzida em duas subunidades, S1 e S2. Salienta-se que o glicopolipeptídeo S1 é responsável pela Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.169-176, 2006 170 19ª RAIB infectividade viral e que possui determinantes antigênicos que induzem a formação de anticorpos neutralizantes. A variação na composição de aminoácidos de algumas regiões da glicoproteína S é a principal estratégia do VBIG para escapar dos mecanismos de defesa do hospedeiro (CAVANAGH et al., 1992; C OOK et al., 1999; M URPHY et al., 1999). A glicoproteína S possui um papel biológico de elevada relevância para o patógeno viral por ser a principal indutora da resposta imune protetora contra a infecção pelo VBI, sendo por isto, de fundamental importância na imunoprofilaxia para a BIG e, em segundo lugar, ela é a base dos testes de diagnósticos que têm sido utilizados para identificar e caracterizar as diferentes amostras desse vírus (COOK et al., 1999; ROCHA, 2000; RESENDE, 2003). Várias amostras de VBIG isoladas em plantéis vacinados no Estado de São Paulo, durante 1987 a 1991, apresentaram pouca relação sorológica com o sorotipo Massachusetts, especialmente a estirpe M41 (ROCHA, 2000). RESENDE (2003), avaliando 15 isolados de VBIG oriundos de surtos de BIG que ocorreram em diferentes granjas do Estado de Minas Gerais, entre 1972 a 1989, através da técnica de RT-PCR/RFLP (polimorfismo do comprimento de fragmentos de restrição), tendo classificado os isolados em 3 grupos, sendo que nove desses isolados foram reunidos no genótipo Massachusetts e os outros 2 genótipos agruparam seis isolados considerados variantes por esse estudo. Nesse trabalho de genotipificação, nenhum dos 15 isolados foi classificado no genotipo/sorotipo Connecticut ou Arkansas. Como descrito anteriormente o uso da técnica RT-PCR no gene S1 (KWON et al., 1993) e da RT-PCR/ RFLP no gene S1 (LIN et al., 1991) são métodos comumente utilizados no diagnóstico laboratorial do VBI. Ainda dentro do contexto da variabilidade genética desenvolvida pelo VBIG, que possui um extenso genoma, sabe-se que ela ocorre principalmente através de mutação e recombinação gênica. Essa variabilidade confere a esse agente viral uma vantagem evolutiva considerável uma vez que esse vírus além de manter a sua estabilidade genética, é capaz de gerar uma progênie com grande diversidade antigênica superficial, que favorece esse patógeno a sobrepujar mais facilmente os mecanismos de imunidade do hospedeiro (MURPHY et al., 1999; RESENDE, 2003). A pressão seletiva induzida pelo “status imunitário” dos organismos hospedeiros pode contribuir significativamente para o surgimento de amostras variantes (MARTINS, 1992) e, pequenas variações nas regiões hipervariáveis podem resultar em diferenças detectáveis em teste de vírus-neutralização (VN). Algumas amostras que foram consideradas sorotipos diferentes nesses testes, mostraram diferença de apenas 2% a 3% na seqüência de aminoácidos da subunidade S1 (CAVANAGH et al., 1992).O vírus da bronquite infecciosa (VBI) é o agente etiológico da bronquite infecciosa (BI) e causa uma enfermidade aguda e altamente contagiosa em galinhas, afetando de forma mais acentuada o sistema respiratório e uro-genital das aves acometidas. A infecção pelo VBI está distribuída amplamente em várias regiões do mundo. Trata-se, também de um patógeno viral cujas conseqüências da infecção por ele produzidas, trazem sérios prejuízos econômicos à atividade avícola industrial (CAVANAGH & NAQI, 1997). Várias amostras japonesas, européias e americanas do VBI têm sido descritas como sendo recombinantes (CAVANAGH et al., 1992; JIA et al., 1995; WANG et al., 1993). Foi demonstrado que os isolados americanos apresentavam uma homologia de 95% com a seqüência da proteína S1 do sorotipo Massachussets 41, sendo que as recombinações sugeridas para o VBI ocorreram mais freqüentemente no gene da proteína S (CAVANAGH et al., 1992; JIA et al., 1995). Em vista desses fatos que evidenciam a importância do fenômeno de variabilidade genética entre estirpes do VBIG, foi realizado o presente estudo, em aves SPF, com o objetivo principal de se induzir experimentalmente e estudar a recombinação gênica entre uma estirpe de referência (M41) e outra isolada de campo desse mesmo vírus, como por exemplo as estirpes VBIPR06 e VBISP02, sendo para tanto utilizada as técnicas de RT-PCR e de RFLP (“Restriction Fragment Length Polymorphism”), seguido pela análise dos mapas de restrição do gene S das estirpes geradas por co-infecção em comparação com as estirpes de referência do VBI, interpretando os resultados da RFLP e do processo de indução de estirpes recombinantes do VBI, possibilitando que o fenômeno da recombinação entre diferentes estirpes do VBI seja evidenciado. MATERIAL E MÉTODOS Na tentativa de induzir recombinação gênica no VBI, foram realizados diversos protocolos de co-infecção combinando-se estirpes de campo do VBI (VBIPR06 e VBISP02) com uma de referência desse mesmo vírus (M41) em frangos de corte com 21 dias de idade mantidos em isoladores com pressão positiva e fornecimento de ar purificado por filtração absoluta. O processo de co-infecção nessas aves foi feito através da inoculação das estirpes de referência M41 e do isolado de campo VBIPR06 por via óculo-nasal em 8 aves de corte com 21 dias de idade, que foram alojadas em um isolador com pressão positiva e fornecimento de ar purificado por filtração absoluta. Como o título da estirpe M41 era igual a 109,74 DIE50/ Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.169-176, 2006 171 19ª RAIB mL, este vírus foi ressuspendida na razão 1:550.000, de forma que fossem inoculadas de 104 DIE50/mL. Já, da estirpe VBIPR02 cujo título infectante era igual a 107,86 DIE50 /mL, foram preparadas duas diluições (I e II), sendo que a diluição I correspondeu a razão 1:72 enquanto que a diluição II correspondeu a razão 1:7200. No isolador 1 foram co-infectadas 4 aves contendo a suspensão com a diluição final da estirpe M41 juntamente com a diluição I da estirpe VBIPR06 e as outras 4 aves foram co-infectadas com a mesma estirpe de referência (M41), porém este vírus foi reunido a diluição II da estirpe VBISP02. Em ambas combinações foram inoculados 100 mL dessa mistura por ave. Procedimentos similares foram realizados para se fazer a co-infecção da estirpe de referência M41 com duas outras isoladas de campo, como a VBIPR06 e VBISP02 e, foi ainda realizada uma tentativa de coinfecção de contato, colocando-se 2 aves dentro do isolador onde havia aves infectadas separadamente com uma dessas três estirpes. Em todos os grupos experimentais de co-infecção descritos acima foi sacrificada metade das aves no terceiro dia pós-infecção (dpi) e a outra metade foi sacrificada no quinto dia pós-infecção por deslocamento cervical, uma vez que os tecidos que servem para análise da patogenicidade viral (traquéia , pulmão e rim) não podem sofrer qualquer modificação durante a eutanasia. Amostras teciduais foram colhidas para serem processadas nas técnicas de biologia molecular (extração de RNA, RTPCR) e tentativa de re-isolamento, por meio da inoculação em ovos embrionados SPF. As extrações de RNA total foram realizadas a partir de amostras teciduais e de LCA através da utilização de um kit de extração (Trizol) conforme as especificações do fabricante. Cada pool de órgãos obtidos das aves infectadas experimentalmente foi processado como uma amostra. O RNA total extraído foi submetido à reação de transcrição reversa (RT) com kit Superscript e Random Primers, em seguida à reação de RT-PCR com a utilização do kit Platinum PCR e um par de primers KWON+ e KWON - obtidos através do trabalho realizado por KWON et al. (1993) - que estão localizados nas extremidades 5’ e 3’ do gene S1 do VBI, sendo a reação conduzida em um termociclador. Os produtos amplificados foram detectados após eletroforese em gel de agarose a 1%, que foi corado com brometo de etídeo e depois observado em transiluminador UV e foto-documentado. Os produtos amplificados foram quantificados e depois de purificados para depois serem analisados pela técnica de RFLP, consoante recomendam KWON et al. (1993), tendo sido, em resumo, submetidos à digestão separadamente com as enzimas HaeIII, XcmI ou BstyI e seguindo-se as instruções dos fornecedores de tais enzimas. Os fragmentos finais da digestão com essas enzimas de restrição foram separados por eletroforese em gel de agarose e processados como foi descrito acima. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram observados nas aves vivas e principalmente com 5 dpi, a presença de sinais clínicos evidentes de bronquite infecciosa, como dificuldade respiratória, tosse, espirro e estertores e, após o sacrifício, foram observadas ainda lesões macroscópicas na traquéia e, principalmente, a aerossaculite. A extração de RNA genômico viral e a técnica de RT e a de PCR demonstraram-se eficazes conforme nosso propósito, sobretudo com relação aos primers escolhidos que permitiram a amplificação do gene S1 que se constitui numa região de grande variabilidade antigênica do VBI, que resultou na amplificação de um fragmento com cerca de 1720 pb em todas as amostras testadas neste experimento. As bandas dos produtos das amostras de PCR ficaram muito fortes, em comparação com o padrão Low Mass, possibiltando uma diluição posterior adequada para realização da restrição enzimática desse material (Fig. 1). De algumas das amostras de traquéia provenientes das aves submetidas à co-infecção foram detectados produtos amplificados do gene da glicoproteína S1 do VBI, que, na técnica de RFLP, revelaram diferenças marcantes nos perfis dos fragmentos gerados pela clivagem com as enzimas de restrição nesse caso usadas. Assim, verifica-se que no protocolo de co-infecção múltiplo com a combinação das estirpes M41, VBIPR06 e VBISP02, obteve-se uma estirpe viral com perfil, à clivagem com a enzima HaeIII bem distinto daqueles que são apresentados pelas estirpes parentais. Nesse caso, foi detectadas a presença de produtos de clivagem com a enzima HaeIII diferentes daqueles que são normalmente gerados pela ação dessa mesma enzima sobre o gene S1 de cada uma dessas estirpes parentais (M41 x Isolados de campo do VBI). Houve, assim a presença, de algumas bandas cortadas em locais diferentes, daqueles esperados para as estirpes parentais usadas no processo de co-infecçção, como no caso da ave que não foi inoculada e funcionou como contato desse processo de co-infecção com as estirpes virais M41, VBIPR06 e VBISP02, o que representa um forte indício de que o fenômeno da recombinação gênica possa ter ocorrido (Figura 2). Ficou evidenciado nesse estudo que o gene codificador da glicoproteína S1 é o principal alvo da ocorrência de recombinação tal como havia sido observado em investigações anteriores (CAVANAGH et al., 1992; JIA et al., 1995) e foi destacado que este fenômeno pode ocorrer em condições de campo, já que um dos protocolos de co-infecção, simulou a via natural de contágio, que se dá por contato com aves infectadas com o VBI. Biológico, São Paulo, v.68, Suplemento, p.169-176, 2006 172 19ª RAIB Fig. 1 - Gel de agarose 1,5%, da reação do produto de PCR, realizada com os primers sense Kwon + e Kwon Legenda: (M) Marcador 1Kb plus, (1)Estirpe M41; (2) Isolado VBIPR06; (3) Isolado VBIPR02; (4)Produto Amplificado do protocolo I da co-infecção em ovos embrionados (M41 + VBISP02); (5)Produto Amplificado do protocolo II da co-infecção em ovos embrionados (M41 + VBISP02); (6) Produto Amplificado do protocolo I da co-infecção em ovos embrionados (M41 + VBIPR06; (7) Produto Amplificado do protocolo II da co-infecção em ovos embrionados (M41 + VBIPR06); (8) Produto Amplificado do protocolo I da co-infecção em ovos embrionados (M41 + VBIPR02. 9) Low Mass e (10) Controle de LCA. CONCLUSÃO Ficou, neste estudo, comprovado que, com a utilização das diluições descritas anteriormente para combinar diferentes estireps do VBI para realizar o protocolo de co-infecção, o fenômeno da recombinação tenha ocorrido, podendo-se concluir as estirpes virais tiveram facilidade de interação e de fazer trocas de seqüências gênicas (recombinação), uma vez que a digestão com pelo menos uma das três enzimas testadas produziram clivagens no gene S1 em diferentes regiões daquelas que são clivadas nas estirpes parentais, embora deva-se salientar que para confirmar a ocorrência do fenômeno da recombinação gênica deve-se fazer o seqüenciamento genético das estirpes parentais e das estirpes recombinantes, avaliando-se de forma comparativa as seqüências obtidas, principalmente do gene S1, nos pontos que estão mais sujeitos à ocorrência de recombinação. AGRADECIMENTOS À FAPESP, ao CNPq e à MERIAL. REFERÊNCIAS CAVANAGH, D.D.; AVIS, P.J.; COOK, J.K.A. 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