A penetração de campos em meios condutores I. INTRODUÇÃO Os fenômenos eletromagnéticos que variam no tempo são abordados na magnetodinâmica. A equação de maior interesse e que caracteriza o domínio da “quase-estática” é: r r ∂B ∇×E = − ∂t (1) De acordo com a equação (1), a variação temporal da indução magnética B cria um campo elétrico E. A equação acima contempla duas importantes leis: a lei de Faraday e a lei de Lenz. Sua forma mais conhecida é e(t ) = − dΦ , dt (2) conhecida como lei de Faraday. O sinal negativo do segundo membro da equação (1) é decorrente da lei de Lenz. Para se ter uma idéia da vasta gama de aplicações da equação (1), vale citar: • a lei de Faraday está relacionada com o princípio de conversão de energia para a forma elétrica; • a lei de Lenz está relacionada às correntes induzidas que circulam em meios condutores. Os problemas abordados pela magnetodinâmica são, praticamente, todos tridimensionais devido à ortogonalidade entre os campos vetoriais B e E. II. A PENETRAÇÃO CONDUTORES DE CAMPOS EM MEIOS A teoria da penetração de campos explica o comportamento no espaço e no tempo das grandezas eletromagnéticas em meios condutores, ferromagnéticos ou não. Partindo-se das equações de Maxwell, é possível obter equações diferenciais parciais de 2ª ordem que expressam as variações no espaço e no tempo dos campos vetoriais H, B, E e J. r r ∂P ∇ 2P = σµ ∂t (3) σ : a condutividade elétrica do meio onde se analisa o fenômeno da penetração; µ : a permeabilidade magnética. O campo vetorial genérico P assume o papel das variáveis H, B, E e J. A equação acima é conhecida como a equação da difusão para campos eletromagnéticos. Para facilitar a análise do conjunto de equações que descreve o fenômeno de penetração - ou atenuação - de campos em meios condutores, são feitas duas hipóteses simplificadoras: • O campo vetorial cuja atenuação está sendo analisada varia senoidalmente; • A região condutora onde ocorre a atenuação do campo é um bloco semi-infinito, limitado pelo plano xy, como mostra a ilustração da Fig. 1. • A redução do comprimento das setas à medida que aumenta a distância da superfície do bloco sugere a atenuação do campo P. A inversão na direção das setas sugere a primeira inversão de fase da onda senoidal que representa o campo genérico P. • O campo P se extingue logo após a primeira inversão de fase. Figura 1 – Atenuação e inversão de fase do campo P. III. A EQUAÇÃO DE DIFUSÃO PARA J Essa escolha baseia-se na importância para a ciência e engenharia que se atribui à análise da distribuição das correntes induzidas em meios condutores e seus efeitos que, na prática, se manifestam através de: • dissipação de energia sob a forma de calor no meio condutor; • alteração da distribuição do campo na região condutora e em seu entorno, devido à reação do campo magnético criado pelas correntes induzidas; • produção de forças e torques devido à interação entre os campos indutor e induzido. A equação da difusão quando formulada em termos de J assume a forma ∂J ∂t ∇ 2J = σµ (4) ou ∇ 2 J − σµ ∂J = 0. ∂t (5) A profundidade de penetração δ em um meio condutor é definida como δ= 2 σµω , (6) onde ω é a frequência da pulsação do campo indutor externo. A equação (5) reformulada em termos da profundidade de penetração assume a seguinte forma: ∇ 2J − j 2 δ 2 J = 0. (7) onde j é o operador que imprime uma rotação de + 90º. A solução da equação (7) é muito difícil e, para facilitar a análise do fenômeno de circulação de correntes, somente o fluxo de correntes induzidas em uma dimensão será considerado. IV. ANÁLISE INDUZIDAS UNIDIMENSIONAL DE CORRENTES Na ilustração, um campo elétrico externo e alternado E0 se distribui ao longo de toda a camada de ar adjacente à fronteira superior do bloco condutor; E0 possui somente uma componente, na direção x. Figura 2 – E e J na fronteira ar-condutor. Devido à continuidade da componente tangencial de E0 • E0 também está presente na parte interna da fronteira, como mostra a ilustração; • No ar, tem-se σ=0 e, portanto, J0=0. • Na parte interna do bloco a condutividade σ não é nula e flui uma corrente associada ao campo elétrico E0 é J 0 = σE 0 . (8) [Lei de Ohm] ------------------------------------------------------------------------------ • J0 possui somente uma componente, Jx, na direção x. • Jx não varia nas direções x e y, mas varia com a distância z da superfície do bloco condutor. Fig. 3 – Jx varia com a profundidade z. • Essa variação é descrita por uma forma particular da equação de difusão: ∂ 2J x (z) ∂z 2 −j 2 δ 2 J x ( z ) = 0. (9) A solução dessa equação é J x ( z, t ) = J0e −z δ cos(wt − z ). δ (10) • A equação (10) representa uma onda senoidal com amortecimento. • A amplitude da onda é J0e-z/t e sua fase é –z/δ. • À medida que E e J penetram no bloco, a amplitude da onda diminui, ocorrendo também uma mudança na fase, como ilustra a Fig. 4. Figura 4 - Atenuação e defasagem de J com a profundidade. Amplitude de Jx Quando z = δ, a amplitude é J 0e −δ δ = J0 ≅ 0,37J0 , e (11) • Na profundidade δ, Jx é somente 37% do valor da corrente na superfície do bloco. • Jx se torna desprezível para z=3δ, e sua magnitude é algo em torno de 5% do seu valor na superfície. • Esse fenômeno é conhecido como efeito pelicular. Fase de Jx Para entender melhor a questão do atraso de fase que ocorre à medida que se penetra no bloco condutor, vale observe novamente a equação (10): J x ( z, t ) = J0e −z δ cos(wt − z ). δ (10) • O argumento da função cosseno varia à medida que a profundidade z aumenta. • Essa variação do argumento (wt-z/δ) faz o cosseno variar entre -1 e +1. • Sejam z1 e z2 duas profundidades tais que • Para z=z1, cos(wt-z1/δ)=+1 • Para z=z2, cos(wt-z2/δ)=-1. A variação de J é: Fig. 5 – Correntes em diferentes profundidades. • A amplitude de J2 é menor devido à atenuação; • A defasagem entre J1 e J2 é de 180 graus. • Quando se considera o efeito combinado da atenuação exponencial e do atraso de fase, a imagem geométrica e temporal da equação (10) é a de um movimento harmônico amortecido, conforme ilustração da Fig. 6. Figura 6 – Analogia entre fenômenos. • Tal imagem é análoga à de uma corda com uma extremidade fixada a uma parede e a outra extremidade submetida a um movimento variável de sobe e desce. • Tem-se assim a propagação de uma onda que se atenua e cujo movimento se extingue no ponto de fixação. • A análise do fenômeno de penetração de campos apresentada acima é igualmente válida para os campos vetoriais H, B e E. • A profundidade de penetração δ é a mesma para esses outros três campos vetoriais; todos sofrem a mesma atenuação e se extinguem na mesma profundidade z. • Os campos H e B são perpendiculares a J e E. • Essa ortogonalidade é expressa matematicamente pelo operador rotacional que liga [ J com H ] e [ E com B ]. Figura 7 – Ortogonalidade entre campos vetoriais. V. UM SISTEMA DE LEVITAÇÃO MAGNÉTICA Uma vista tridimensional do acionador empregado em um sistema de levitação magnética é apresentada na Fig. 8. • O acionador é formado por um núcleo em forma de E, um enrolamento e uma armadura móvel. O material que constitui o núcleo é ferromagnético (µr=2500) e isolante. • A armadura móvel possui 1,0 cm de altura e a profundidade do dispositivo, na direção z, é de 6,0 cm. O comprimento do entreferro é 2,0 milímetros. • O acionador é excitado por uma corrente de 5,0 ampères que circula em um enrolamento de 600 espiras. Figura 7 – Acionador magnético O modelo bidimensional do acionador é mostrado na Fig. 8. • O objetivo da análise é examinar como a frequência de operação afeta o funcionamento do acionador. • A força que age no prato móvel é calculada para diferentes frequências de operação • Também é feita uma análise da distribuição das correntes induzidas que surgem no prato. • Um item muito importante para a análise é a profundidade de penetração - que é definida a partir dos valores da condutividade elétrica σ e permeabilidade magnética µ. • O meio material que forma o prato móvel é uma liga de níquel com σ=1,0x106 S/m µr=600 • A condutividade pode ser comparada à do cobre, que é 57,7x106 S/m. Também a permeabilidade magnética deve ser comparada às permeabilidades das ligas de ferro doce e ferro-silício que valem 5000 e 7000, respectivamente. • Ou seja, a região onde é feita a análise da formação de correntes induzidas possui condutividade e permeabilidade magnética relativamente baixas. Esperase, pois, que a profundidade de penetração seja relativamente grande. Figura 8 – Modelo bidimensional do acionador. VI. RESULTADOS NUMÉRICOS (a) Mapeamento da distribuição das correntes induzidas Na análise bidimensional, as correntes induzidas fluem na direção z, ou seja, entrando no plano do papel. Figura 9 – Efeito da frequência na distribuição de correntes induzidas. • Nesse mapeamento, observa-se um aumento considerável das correntes mais intensas nas proximidades da borda superior do prato, quando a frequência muda de 60 para 120 Hz. Por outro lado, as diferenças das distribuições associadas às frequências de 120 e 300 Hz são quase imperceptíveis. • Para operação em corrente alternada, a força líquida que age no prato móvel é o resultado da interação de dois campos magnéticos. O primeiro é criado pela corrente de 5,0 ampères que circula no enrolamento principal; o núcleo em E, altamente permeável, permite a circulação desse campo que cruza o entreferro e procura penetrar no prato móvel. O outro campo magnético é criado pelas correntes induzidas se opõe à penetração do fluxo magnético no prato móvel. Figura 10 – Efeito da frequência na força que age no prato móvel. Quando a frequência é nula, não existe reação à penetração do fluxo no prato móvel; no caso, a força que tende a elevar o prato é de 859,95 N. Já na operação em corrente alternada, mesmo para frequências bem baixas, o campo devido às correntes induzidas – o campo induzido começa a bloquear a penetração do fluxo e a força líquida que age sobre o prato cai bruscamente. A observação atenta do gráfico mostra que para uma frequência tão baixa quanto 3 Hz a força líquida cai para 429,74 N. Esse valor representa algo em torno de 50% da força para operação em corrente contínua. Embora o aumento da frequência de operação tenha uma influência pequena no valor da força líquida desse acionador, outras grandezas podem sofrer alteração considerável. É o que mostra o gráfico da Fig. 11, que representa o aumenta das perdas ôhmicas à proporção que a frequência de operação aumenta. Figura 11 – Perdas ôhmicas devido às correntes induzidas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] J.P.A. Bastos, Eletromagnetismo para engenharia: estática e quase-estática, Editora da UFSC, Florianópolis, 2004, 1ª ed, p. 227-256. [2] 2D Case Study (Static Problems – Translational Geometry), E-core actuator, Infolytica Co., Available: http://www.infolytica.com/en/markets/appspec/cstudies/Ecore%20actuator_2Dcs.pdf. [3] D. Meeker, FEMM 4.0 Magnetics and Electrostatics, Reference manual, (2006). Available: http://femm.fostermiller.net/wiki/HomePage.