projeto humanarte – valores humanos através da arte

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PROJETO HUMANARTE – VALORES HUMANOS ATRAVÉS DA ARTE
2011
O Renascimento Italiano
O movimento cultural renascentista (séculos XV-XVI) iniciou-se na Itália e se expandiu pela Europa
Ocidental entre os séculos XV e XVI. Tem como características básicas: a busca da
tridimensionalidade, a composição simétrica, a representação figurativa da natureza e a harmonia das
linhas, contornos e da expressão humana.
Todos estes elementos são
inspirados em modelos greco-romanos
transmitidos ao Ocidente por três vetores
históricos. O primeiro foi o mundo islâmico
medieval, principalmente a Universidade
de Córdoba, cujos 400.000 volumes
puderam nutrir o mundo ocidental após a
expulsão dos mouros da Espanha. O
segundo foi o mundo bizantino, que legou
à Itália uma diáspora de intelectuais, por
ocasião da tomada de sua capital,
Constantinopla, pelos turcos otomanos em
meados do século XV. Por fim, no próprio
lado ocidental da Europa grande
quantidade de escritos clássicos foi
preservada por monges copistas.
A Itália foi o berço do
renascimento, seja pela concentração de
riqueza dos seus mercadores e banqueiros
(patrocinadores dos principais artistas do
período), seja pela estrutura política
descentralizada, mais favorável ao
desenvolvimento das artes e do livre
pensamento, se comparada à estrutura
centralizadora e absolutista em formação
na França, Inglaterra e Espanha.
A Itália era um conjunto de
cidades-estados sob o controle de grandes
famílias burguesas. O Reino de Nápoles
controlava o sul, a República de Florença e
os Estados Papais controlavam o centro da
Itália, ao passo que a República de Gênova
disputava o norte com o Ducado de Milão.
Já a República de Veneza, principal porta
econômica e cultural entre Ocidente e
Oriente, mantinha a região leste da
península.
Neste contexto político a guerra foi
mais rara do que a diplomacia. O papel dos
diplomatas foi muito ativo, através de
acordos,
traições,
casamentos
de
conveniência, grandes festas e presentes.
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As principais encomendas aos
artistas do período têm, portanto, uma
motivação fortemente enraizada neste
ambiente de disputas políticas e de
projeção de uma imagem de poder. As
grandes famílias, as Cortes e o Papado
também disputam o talento dos grandes
mestres do período.
A riqueza material convive com a
preocupação espiritual, constituindo-se
assim um complexo contexto cultural em
que o desprendimento das amarras
coletivistas da sociedade rural e feudal dá
lugar à expressão de uma individualidade
criativa e humanista até mesmo na relação
com o sagrado.
O renascimento tratou até mesmo
os temas espirituais e religiosos de um
ponto de vista humanista. Assim, por
exemplo, o naturalismo das figuras de
Michelangelo, em corpos e músculos
anatomicamente retratados, expressa uma
profunda preocupação pela salvação e pela
revelação nos painéis da Capela Sistina. Na
arte medieval, o mesmo tema da criação
de Adão evitava realçar os traços do corpo
e da expressão humana.
Giotto, Angélico e Masaccio
O renascimento é a retomada do
naturalismo grego que foi se perdendo na
Alta Idade Média (séculos V – X), período
em que a arte afastou-se deliberadamente
da tradição da imitação da natureza, em
busca da alusão e da evocação.
No século XIII, sob o impacto da
difusão dos ideais franciscanos, a obra de
Ambrogio Di Bondone (1270-1337), ou
Giotto, considerado um precursor do
renascimento, representou uma reação à
estética medieval. De fato, Giotto é o
primeiro a retornar à tridimensionalidade.
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O beato Angélico (1400 – 1455),
frade do Mosteiro de São Marcos em
Florença (onde pintou uma cena da vida de
Cristo em cada cela) retoma a simplificação
formal de Giotto, mas concebe o espaço
antes das personagens. Assim, Fra Angélico
volta a Giotto para “corrigi-lo” com a
perspectiva.
Tommazzo Valdano (1401-1428),
apelidado Masaccio, isto é, “descuidado”,
pelo historiador Vasari, caminha por outra
trilha. Pouco se sabe da vida de Masaccio,
além de seu trabalho em Florença e Roma,
seguida de morte precoce aos 27 anos.
Teve grande impacto sobre a formação de
Angélico, Michelangelo e Rafael. Masaccio
busca a tridimensionalidade de um modo
novo, como se fosse um escultor, sem
“ornato”.
Enquanto
em
Masaccio
a
mensagem é dura, direta, em Angélico há
um conjunto de elementos agradáveis,
através da modulação das superfícies. Com
Massacio e Angélico formam-se dois
modelos para o renascimento.
Piero della Francesca (1416 – 1492)
reelabora a obra de Masaccio de tal forma
que o resultado exercerá influência tão
grande na geração de meados do século
como Giotto em seu tempo. Reúne a um só
tempo o detalhe da natureza e o gestual
das cerimônias oficiais, envolto em grande
luminosidade e perspectiva geométrica.
No século XVI, Rafael é o herdeiro
imediato de Piero e Masaccio. Rafael
expressa a relação pintura-arquitetura, isto
é, a capacidade de articular o espaço na
perspectiva. Na tradição florentina, a
linguagem do corpo e do gesto é o mais
importante. É a tradição de Leonardo e
Miguelangelo. Mas, enquanto Leonardo
vincula-se à visão científica da imagem,
Miguelangelo conecta-se ao drama do
corpo.
O norte da Itália (Veneza e
Mantua) desenvolve uma tendência
cultural diversa de Florença. Veneza não
existia no Império romano. É a cidade
criada pelo Império Bizantino como posto
militar avançado. Mesmo no seu auge
regional, no final do século XV, Veneza se
mantém ligada culturalmente ao Oriente.
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Mantegna, Bellini e Botticelli
São dois os principais destaques na
arte da Itália setentrional renascentista:
Andrea Mantegna (1430 – 1506) e
Giovanni Belinni (1430 – 1516), chamado
Giambellino. Mantegna atua na Corte dos
Gonzaga, em Mântua. Mantegna denota
interesse pela arqueologia e pela pintura
histórica, tendendo para uma linguagem
monumental.
Recupera a solenidade
estatuária das esculturas romanas como
certo dramatismo, inspirado em uma
linguagem monumental.
A cidade de Mântua era fronteira
entre regiões italianas do norte, o que foi
explorado pela habilidade da diplomacia
dos Gonzaga, que imita a Corte de Florença
e do norte da Europa. A pintura de
Mantegna foi um dos instrumentos que os
Gonzaga utiliza para a exaltação da própria
dinastia. O retrato ganha grande destaque
na articulação entre arte e política.
O rigor dos florentinos transmitido
por Mantegna passa por uma interessante
transformação no clima bizantino-gótico
de Veneza. A arte de Giotto não chega em
Veneza, pois a cidade permanece vinculada
à a pintura de ícones até o século XIV. No
ateliê nos irmãos Bellini observa-se a fusão
do estilo florentino com um forte colorido,
aliado a motivos decorativos, da arte
bizantina. Giovanni Bellini, cunhado de
Andréa Mantegna, encontra a harmonia
entre o espaço e jogo teatral, que resulta
numa celebração serena, pura e inédita do
mundo real. Enquanto o espaço florentino
é racional e arquitetônico, em Veneza o
espaço é luminoso, é vibração luminosa.
Como observa Chastel, a circulação
de artistas e modelos torna-se mais ativa
no final do século XV. Em Florença, após a
partida de Leonardo da Vinci para Milão, o
maior pintor do final do século foi Sandro
Botticelli (1455 – 1510). Botticelli procede
de Fillipo Lippi e se torna o pintor das
novas mitologias. Alegóricas, poetizadas,
muito diferentes dos cortejos romanos de
um Mantegna. São visões sagradas, sonhos
decorativos de um humanismo cândido,
como um jardim de tapeçaria (Ver O
Nascimento de Vênus).
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Aparentemente, haveria uma
contradição na busca de um sentido cristão
em um modelo pagão. No entanto, a
concepção medieval já dizia que a
antiguidade não era contrária ao
cristianismo; tinha alegorias para explicar
valores morais; faltava-lhe apenas a
revelação de Cristo. A Vênus de Botticelli
representa a Natureza. A cultura
neoplatônica do final do século XV
possibilita este caráter alegórico
No final do século XV a arte italiana
vive um confronto singular: enquanto
alguns artistas se apegam ao contorno
linear a à perspectiva matemática, outros
fazem a opção pela composição colorista e
pela perspectiva aérea.
Estes dois
itinerários podem ser conferidos na obras
de Signorelli e Perugino. Luca Signorelli
(1450 – 1523), aluno de Piero della
Francesca chega a estruturas fortemente
simétricas, com contrastes de cor e de
fisionomia estereotipados. Já Perugino
(1445 – 1523) sacrifica tudo à doçura dos
tipos, à calma risonha dos traços e suas
composições simétricas são harmoniosas e
lânguidas.
Os três mestres de Florença
Leonardo e Michelangelo resumem
e resolvem problemas enfrentados na
tradição do século XV e, ao mesmo tempo,
abrem caminho novo para a arte figurativa,
abrem nova tradição que não comporta
comparação nem com arte clássica. Com
Leonardo, figuras perdem rigidez, ganham
capacidade
de
movimentação.
Michelangelo já não tem mais a ver com a
arte dos antigos, pois na imitação do real
foi além da antiguidade.
Leonardo a Vinci (1452 – 1519)
inventa o sfumato, fusão do contorno ao
corpo das figuras, criando assim uma
realidade
nova,
com
fisionomias
extremamente expressivas em uma
composição
ordenada
em
que,
freqüentemente o grupo central se arranja
em uma estrutura piramidal. O sfumatto é
luz que aos poucos passa de um corpo a
outro. Portanto, trabalha com contrastes
de luz e sombra, não com linhas.
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“Não vemos linhas, a linha é uma
abstração”, diz uma anotação sua.
Leonardo estuda a fisionomia da
escultura de Donatello e considera que o
pintor deve ser “dono das expressões do
rosto humano”. Para tanto recorre a um
recurso engenhoso, através da relação
entre figura e paisagem: a paisagem
acompanha com a textura o caráter da
personagem.
Na Nossa Senhora do
Rochedo tudo se passa como se a natureza
confirmasse com sua textura a santidade
de Maria. Rochedo simboliza o útero, de
ambos surgem a vida, o que revela o
caráter místico de Leonardo. O mundo
inanimado é representado com uma certa
fisionomia viva. O mundo é um grande
animal. A paisagem, sua textura, suas
cores, são um COMENTÁRIO das
características da figura humana, da
Virgem, neste caso.
Michelangelo Buonaroti (1475 –
1564) foi escultor, arquiteto e pintor, mas
é
como
escultor
que
melhor
compreendemos seu processo de criação
artística. Michelangelo resolve se imagina
como o libertador do personagem que
habita dentro do bloco de pedra bruta
(como o Davi e Moisés) Ele fez renascer a
estatura colossal da antiguidade. Como
arquiteto destaca-se por ter projetado a
Cúpula da Catedral de São Pedro.
Como pintor suas realizações
foram quase divinas. No Teto da Capela
Sistina, em Roma, deixou dezenas de
personagens
bíblicos
em
posturas
dificílimas de serem desenhadas. Dá
especial destaque à musculatura humana
de extremo vigor físico. Assim concebidos
anatomicamente, seus corpos geralmente
descrevem um movimento de rotação
sobre si mesmos. Foi ainda exímio criador
de escorços.
No fundo ambos são místicos: para
Leonardo a Natureza, um grande animal;
para Miguelangelo o processo da escultura
é “místico”. Portanto, como sugere o
historiador da arte Luciano Migliaccio,
“deveríamos ver Michelangelo e Leonardo
não como auge de uma civilização, mas
crise dela”.
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A alta renascença, começo do
século XVI, é também profundamente
marcada pela obra de Rafael Sanzio (14831520). Rafael trabalhou no ateliê de
Perugino e aos dezessete anos já era
considerado um grande mestre. De
Perugino herdou as tonalidades douradas,
a paisagem espaçosa e a calma da
composição. Fez da sua carreira um
aprendizado permanente, assimilando o
estilo de todos os seus antecessores de dos
mestres contemporâneos. Após 1504
adota o sfumato de Leonardo. Em 1511
aprende a musculatura das figuras de
Michelangelo. Teve sucesso fulminante. No
Vaticano pintou as “quatro histórias”, das
quais a mais famosa é a Escola de Atenas.
Rafael foi o intérprete do humanismo que
buscava a fusão do antigo e do moderno.
O contexto em que trabalhavam os
grandes mestres de Florença era de fato
decadente,
econômica,
política
e
moralmente. A família Medici domina
Florença de 1401 a 1492, quando morre
Lourenço, o Magnífico. Mas, após morte de
Lourenço, Piero de Medici, que o sucede,
faz aliança com França e permite entrada
de exército francês em Florença, sem luta.
Logo as famílias florentinas expulsam os
Medici em 1494. Neste ano, Michelângelo
foge para Bolonha, Veneza e Roma.
Leonardo para Veneza e depois Paris, na
Corte de Francisco I. Há, portanto, uma
diáspora de artistas florentinos.
O impacto internacional dos dois
grandes mestres provoca disseminação do
gosto italiano. No entanto, o tempo da arte
italiana estava chegando ao fim. Em 1526,
Francisco I perde guerra para Carlos V
(SIRG) em Pavia. Carlos invade Roma, em
1527 e a saqueia. Ocorre uma diáspora de
artistas italianos. É o fim do Renascimento
na Itália.
Veneza ainda prossegue por mais
algumas décadas na construção de sua
hegemonia cultural, embora já sentisse os
sintomas da decadência econômica. Como
observa Chastel, “o declínio fatal do
poderio veneziano fora mascarado no
século XVI pelo papel de primeiro plano
que a cidade desempenhava na política e
na cultura européias”.
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Veneza prolongou sua influência
econômica e cultural através de um
eficiente trabalho de diplomacia junto aos
conflitos entre os impérios europeus.
Neste ambiente se desenvolveu a
mentalidade de uma cidade rica,
cosmopolita e sensível ao exotismo. Nos
palácios do Grande Canal, difundiu-se uma
pintura de caráter eminentemente
decorativo.
Os três mestres de Veneza
Veneza também teve sua trindade
de grandes mestres: Bellini (1430-1516),
Ticiano (1490-1576) e Giorgione (14781510). Todas as experiências do passado se
plasmariam na revolução luminosa destes
três expoentes do norte italiano.
A obra de Giorgione (1477 – 1510)
atinge sua maturidade na tela Tempestade,
na qual se percebe o encanto da
descoloração dos objetos sob o efeito
fugaz de um relâmpago. Ao invés de
projetar as coisas sobre um plano definido,
Giorgione mergulha as figuras na natureza
submetida à atmosfera.
Na Vênus Deitada (1509), o pintor
atinge a grandeza pela ênfase no nu, em
tom de âmbar, pela luz difusa e pela
amplidão da paisagem. Vasari chega a
afirmar que Giorgione pintava diretamente
com as cores, sem desenho prévio,
experiência que somente seria assumida
no século XIX com os impressionistas.
O mais destacado aluno de
Giorgione foi Ticiano, que ganha fama e
autoridade internacional. Trabalhou para a
família D`este em Ferrara e Gonzaga em
Mântua. Também serviu a corte de
Francisco I na França e Carlos V na
Alemanha, além de trabalhar para o Papa
Paulo III. Seu ateliê ganhou uma clientela
internacional. No início de sua carreira
adere ao estilo de Bellini e seu mestre
Giorgione, mas ao amadurecer sua própria
paleta revela um caráter único, marcado
pelas formas compostas por massas
cromáticas equilibradas, definindo o
espaço de maneira particular.
João Pedro Ricaldes dos Santos
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