GÊNERO, POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS

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Educação e Cidadania nº 16 (2014)
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GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÓTICA FEMINISTA E DOS DIREITOS
HUMANOS
GENDER AND PUBLIC POLICIES UNDER THE PERSPECTIVE OF FEMINISM
AND HUMAN RIGHTS
Jussara Reis Prá1
Cibele Cheron2
Resumo: O artigo aborda a relação gênero e políticas públicas sob o prisma feminista e dos direitos humanos.
Analisa pactos internacionais que contemplam a equidade de gênero e instam países deles signatários a proteger
e promover os direitos humanos das mulheres. O estudo referencia o Brasil contemporâneo e um diálogo
interdisciplinar, com aportes do Direito e da Ciência Política, realçando lacunas entre a positivação de direitos e
a construção de uma cultura pública democrática. O trabalho visa contribuir à reflexão sobre direitos humanos e
com subsídios à elaboração de políticas públicas de gênero. A conclusão destaca o valor dos pactos examinados
para orientar leis, cultura e práticas sociais e dotar a brasileiras e brasileiros a plena cidadania.
Palavras-chave: Gênero. Políticas públicas. Direitos humanos. Articulação feminista. Mulheres e cidadania
feminina.
Abstract: The article approaches the relationship between gender and public policies under the perspective of
feminism and human rights. It analyzes international agreements that address gender equality and urge signatory
countries to protect and promote the human rights of women. The study references contemporary Brazil and an
interdisciplinary dialogue, with contributions from Law and Political Science, calling attention to gaps between
positivation of rights and the construction of a democratic public culture. The paper aims at contributing to the
reflection on human rights and with subsidies for the development of public policies of gender. The conclusion
highlights the value of the agreements examined to guide laws, culture and social practices and provide the
Brazilian men and women with full citizenship.
Palavras-chave: gender, public policies, human rights, feminist articulation, women and female citizenship.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo examina a relação gênero e políticas públicas pela ótica feminista e dos
direitos humanos. O estudo focaliza instrumentos e tratados internacionais que contemplam a
equidade de gênero e recomendam aos países deles signatários a proteção e a promoção dos
Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP; Professora do Departamento de Ciência
Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS; Ex Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM (gestão 1999-2003);
Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero da UFRGS; Do Conselho Diretor do
Coletivo Feminino Plural de Porto Alegre. E-mail: [email protected]
2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Mestre
em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS; Doutora em Ciência
Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de
Estudos sobre Mulher e Gênero da UFRGS. Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter.
Mediadora Judicial pelo convênio UniRitter/CEJUSC/NUPEMEC-TJRS. Membro do Grupo de Pesquisa
Gênero, Feminismo, Cultura Política e Políticas Públicas - CNPq E-mail: [email protected]
1
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direitos humanos das mulheres. Isso requer políticas públicas capazes de romper com práticas
discriminatórias (culturais e institucionais) que impedem as mulheres do exercício pleno da
cidadania. Tal abordagem mostra-se oportuna para o caso do Brasil diante do descompasso
entre a vigência de um Estado Democrático de Direito e o fato dos direitos de muitos
brasileiros e brasileiras serem respeitados “apenas no campo jurídico-formal” (MONDAINI,
2009, p.15). Situação agravada pela investida de discursos fundamentalistas (econômicos,
religiosos,
científicos
e culturais),
que acionam princípios jurídicos e morais contra
mecanismos de proteção e reconhecimento dos direitos humanos.
Uma clara oposição a
conquistas obtidas em âmbitos nacionais e internacionais por grupos interessados em
conquistar novos direitos, garantir os já consolidados e, em enfrentar discriminações e
desigualdades sociais.
Países como o Brasil e outros da América Latina estão entre os mais desiguais do
mundo, mesmo não sendo os mais pobres. Estados nacionais formalmente democráticos, com
eleições regulares e governos legítimos, mas sem “garantir um mínimo de bem estar,
segurança, justiça social e igualdade para as suas populações” (BAREIRO, 2002, p.27).
Consoante à América Latina, a principal crítica ao processo de democratização do continente
refere-se aos seus limites normativos, ou seja:
À preocupação de desenvolver instituições democráticas em seu aspecto legal, como
o são os mecanismos eleitorais, tratando muito pouco sobre de que forma a
democracia afeta as pessoas em sua vida cotidiana, por exemplo, o baixo nível de
direitos sociais e de justiça. (BAREIRO, 2002, p.24).
Tais contradições permeiam tentativas de implantar projetos e programas de defesa,
proteção e promoção de direitos nesses países. E isso em sociedades integradas por agentes e
movimentos sociais com alto potencial de articulação e participação política. Daí o
questionamento ao empenho exacerbado de instituições estatais em desenvolver mecanismos
normativos da democracia sem considerar que muitas vezes é mais fácil superar obstáculos
procedimentais (de jure) do que limites práticos (de facto). Quer dizer, limites impostos por
mentalidades, por aspectos culturais ou pela falta do controle social das políticas públicas.
Mas, como afiança Bareiro (2002), não se trata de contrapor democracia formal e substantiva,
pois as formas, assim como os conteúdos, são imprescindíveis à concretização da democracia.
Entrementes, a dificuldade de aprofundar canais de participação da cidadania expõe
vulnerabilidades de Estados e governos e a fragilidade de democracias restritas à idéia de
representação. A democracia, como adverte Bobbio (2000), concretiza-se como regime em
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que a representação formal da vontade popular ancora-se tanto nas instituições políticas como
em mecanismos de participação. Portanto, não é suficiente garantir livre expressão política,
cultural e igualdade formal perante a Lei sem a proteção efetiva dos direitos mediante
mecanismos jurídicos e meta-jurídicos eficazes.
Desse
prisma,
a
crítica ao
discurso
jurídico
normativo
pode suscitar dois
posicionamentos: um descritivo ou até mesmo indiferente; outro interessado em ir além do
mero diagnóstico e buscar alternativas a esse modelo. A presente análise referencia o último
posicionamento e remete-se ao caso brasileiro relacionando gênero e políticas públicas pela
ótica feminista e dos direitos humanos. O objetivo do estudo é empreender uma discussão
teórica de forma a qualificar a ação política feminina no enfrentamento a restrições impostas
ao processo de extensão desses direitos. Para tal, apontaremos a articulação global de
movimentos de mulheres e feministas no contexto de configuração de pactos internacionais e
agendas públicas. A posição aqui defendida é a de que esta atuação altera o modo de conceber
e reconhecer os direitos humanos das mulheres, na medida em que fomenta a cidadania
feminina e incide na elaboração de agendas públicas voltadas à equidade de gênero.
A categoria gênero é destacada nesta reflexão por sua capacidade de apreender
relações estabelecidas pela percepção social de diferenças biológicas entre os sexos (SCOTT,
1995). Nesse sentido, permite identificar padrões de classificação que opõem masculino e
feminino,
respectivamente,
dominante/dominado,
a
partir
de
superior/inferior.
conceitos
Um
como: forte/fraco,
esquema
grande/pequeno,
hierarquizado,
construído
arbitrariamente ao longo da história, no qual o masculino recebe valoração positiva e superior
(BOURDIEU, 1999). Tal esquematização
parece estar na ordem das cois as [...] presente, ao mesmo tempo, em estado
objetivado [...] em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos
hábitos dos agentes, funcionando com esquemas de percepção, de pensamento e de
ação. (Idem, 1999, p.17).
Sociedades estruturadas em bases patriarcais, ou seja, orientadas pela hierarquia de
gênero, refletem o domínio do masculino sobre o feminino tanto na esfera privada, (estrutura
familiar) quanto na esfera pública (lógica organizacional das instituições). A formação
cultural que condiciona a mulher à esfera doméstica é repassada de geração em geração,
perpetuando a desigualdade entre mulheres e homens (VAN DER SCHAAF, 2003). Ainda
que diferenças de raça/etnia, classe social, geração e nível de instrução formal atinjam homens
e mulheres, prevalecem condições de subordinação derivadas de estruturas que privilegiam o
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segmento masculino, restringindo o acesso das mulheres a recursos econômicos e sociais e ao
poder (LEÓN, 1997).
Diante dessa realidade, refletir sobre a questão dos direitos é uma maneira de repensar
problemas e tensões que afetam a ordem jurídica, política e social, e dificultam a tarefa de
construir uma cultura pública democrática em sociedades periféricas (PRÁ, 2006). Com este
olhar, buscamos compatibilizar aportes do Direito e da Ciência Política, trazendo ao debate
perspectivas pouco referendadas nestas disciplinas como as de gênero e as feministas. Estimase, assim, estabelecer um diálogo interdisciplinar que possa contribuir com as reflexões sobre
direitos humanos e sobre a elaboração de políticas públicas de gênero.
A fim de dar curso ao diálogo e estudo propostos, dividimos esta exposição em duas
partes. Inicialmente, analisaremos a conexão entre cultura pública e direitos humanos,
advogando, em relação aos últimos, sobre as mazelas de sua incorporação tardia à agenda
pública brasileira e enfocando os déficits na sua proteção. Na segunda parte, abordaremos
aspectos concernentes à expansão dos direitos das mulheres e a sua incidência na construção
da cidadania feminina. Para tanto, iremos referenciar documentos, acordos, tratados e
convenções internacionais que contemplam os direitos humanos das mulheres, entendendo-os
da perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos: como uma “unidade
interdependente, interrelacionada e indivisível” (PIOVESAN, 2001, p.32).
2 CULTURA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
A rubrica “direitos humanos” abriga o conjunto de direitos fundamentais de cidadãos e
cidadãs, de titularidade individual ou coletiva. São civis, políticos, sociais, econômicos,
culturais, ou ainda, difusos e das futuras gerações. Ademais, são inerentes a todos os povos e
indivíduos e, independente de cor, raça, sexo, religião ou nacionalidade, devendo ser
protegidos, respeitados e promovidos.
A agenda pública brasileira cedeu espaço aos temas de direitos humanos apenas
recentemente. Prá (2006) contextualiza essa incorporação extemporânea como:
Compreensível numa sociedade que aboliu tardiamente a escravatura (1888); tornou
o sufrágio universal quase um século depois da proclamação da república (1988);
concedeu o direito de voto às mulheres (1934), mas dificultou o seu pleno usufruto e
até hoje não lhes possibilitou acesso igualitário a esferas de poder. Ademais, até
meados do século passado os direitos civis e políticos, também nomeados direitos de
primeira geração, eram pouco mais que afirmações retóricas, sobretudo para
mulheres, afro-descendentes ou para segmentos mais pobres da população, entre
eles: trabalhadores e trabalhadoras brasileiros . (PRÁ, 2006, p. 277-278).
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A publicização desses direitos adquire relevância no Brasil com a resistência à
ditadura militar, instaurada em 1964. A partir da década de 1970 se intensificam:
reivindicações por cidadania, pela voz dos novos movimentos sociais, e denúncias de arbítrios
ditatoriais, capitaneadas por organizações como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de
Imprensa), o que permite associar um teor mais humanista à cultura política brasileira. No
mesmo período, disseminam-se redes informais, associações voluntárias e centros de ajuda,
proporcionando serviços sociais e constituindo foros privilegiados para a manifestação de
idéias e solidariedade (ROLIM, 2002). Ao lado disso, a “abertura democrática” dos anos de
1980 promove mudanças na postura do poder público frente aos direitos democráticos,
demarcando uma nova fase das demandas por direitos humanos no país (SOUZA, 2003). A
Constituição de 1988 inovou no campo dos direitos civis e,
impulsionada pela continuidade da resistência democrática e pelos novos
movimentos sociais, pôde oferecer à sociedade um arcabouço legal mínimo capaz de
sustentar a promoção dos direitos humanos no Brasil com propostas positivas e
ampliadas. (ALMEIDA; NETTO, 2001, p.44).
Entrementes, tanto o governo de transição (1985-89) como os seus sucessores tiveram
pouco êxito na definição de políticas sociais, o que contribuiu para maximizar os tradicionais
mecanismos paternalistas, patrimonialistas, corporativos e de clientela. Em síntese, práticas
que potencializam, pela ordem: o uso de medidas arbitrárias e autoritárias; o peso do poder
aquisitivo; o favorecimento de pessoas ou de determinados grupos e a troca de favores. Como
verbaliza Dulce Pandolfi (1999, p.45), se na Constituição de 1988 a cidadania é formalmente
assegurada a todos (brasileiras e brasileiros), na prática está reservada à elite dessa sociedade,
denotando os “déficits de direitos” aí existentes. Uma situação, diz ela, de desequilíbrio entre
“princípios de justiça e solidariedade”. Dái considerar compreensível que a implantação do
Estado de Direito no Brasil não tenha impedido a violação dos direitos humanos e a
precariedade do controle social das políticas públicas.
Ações por direitos humanos ampliam-se, sobremaneira, na década de 1990, embasadas
por uma série de conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela
assinatura de acordos e tratados, dos quais o Brasil é signatário. Ao mesmo tempo, em âmbito
nacional e internacional, multiplicaram-se
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fóruns públicos nos quais questões como direitos humanos, raça e gênero, cultura,
meio ambiente e qualidade de vida, moradia, saúde e proteção à infância e à
adolescência se apresentaram como questões a serem levadas em co nta na gestão
partilhada e negociada da coisa pública. (TELLES, 1999, p.157).
Ocorre que direitos políticos e civis foram relegados historicamente no Brasil. Assim,
procede reconhecer que se considerados os direitos civis como base da cidadania, é lógico
ponderar que a sua precariedade “dificultaria a conquista e a preservação dos direitos políticos
e sociais, acarretando, consequentemente, dificuldades para a consolidação [construção] de
uma sociedade democrática” (PANDOLFI, 1999, p.48). Ademais, a inversão na ordem dos
direitos ou a sua divisibilidade incidem na priorização de uns em detrimento de outros. Ante
as discrepâncias entre o garantido legalmente e o observado no cotidiano da maioria da
população, é possível concluir que não basta proclamar direitos, necessário se faz criar
condições políticas e sociais para que cidadãos e cidadãs possam conhecê-los e usufruí-los
plenamente3 .
José Murilo de Carvalho (2001) enfoca esse ponto ao verbalizar que no caso brasileiro
o processo de obtenção de direitos seguiu uma ordem inversa a de outros países, acentuando
desigualdades sociais e comprometendo à eficácia da ordem democrática. O Quadro 1 expõe
alguns dos entraves políticos que se interpõem à construção de uma cultura pública que seja
capaz de garantir a promoção e a proteção dos direitos humanos no Brasil.
Quadro 1 - Cultura Pública x Direitos Humanos
Políticas de negociação direta com o governo sem intermédio da
representação. Poder conferido ao executivo reforça laços
patrimonialistas herdados da cultura portuguesa e caráter paternalista
do estado como provedor de empregos e favores.
Impaciência com a demora de respostas aos problemas sociais leva a
Identificação com a figura do
busca por líderes carismáticos ou messiânicos. Getúlio Vargas, Jânio
Salvador da Pátria ou Messias
Quadros e Fernando Collor de Mello encarnaram figuras desse tipo
Político
que chegaram ao poder com promessas de soluções rápidas.
Eleições legislativas atraem menor atenção que as majoritárias
Desvalorização do papel
(executivo); parlamentares e partidos desfrutam de pouco prestígio
legislativo
junto à população.
Benefícios sociais não se revertem à maioria, antes resultam da
Visão corporativa dos interesses
negociação entre governo e categorias profissionais e da cooptação
coletivos
dos segundos pelo primeiro.
Ausência de ampla organização autônoma da sociedade, que não raro
Desmobilização Social
faz prevalecer interesses e práticas clientelistas.
Fonte: Elaborado por Prá (2006, p.282) a partir de Carvalho (2001).
Valorização excessiva do poder
executivo
As dificuldades interpostas à construção de uma cultura pública de direitos humanos,
como as apontadas no Quadro 1, incidem também sobre as desigualdades de gênero. A cultura
3
Para uma análise mais aprofundada sobre os direitos enquanto bens escassos na sociedade brasileira , ver
Pandolfi (1999).
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patrimonialista e paternalista, em parte, sustenta a estrutura patriarcal da sociedade, alijando
as mulheres dos setores de participação e de poder. Tal alijamento se traduz na ausência
histórica de mulheres nas esferas políticas, enviesando a representação tanto no executivo
quanto no legislativo. Como fruto dessa ausência, os interesses das mulheres não são
considerados na formulação de políticas públicas, reforçando a produção e a reprodução das
desigualdades de gênero. As mulheres não acessam diretamente centros de poder e decisão,
em grande parte, devido à sua ausência das esferas do Estado e a forças políticas sexistas que
atuam sobre este (PATEMAN, 1993).
A linha de raciocínio do Quadro 1 pode ser complementada por avaliação de Hélio
Bicudo (2002, p. 24), quando enuncia que a questão dos direitos humanos apresenta
problemas são “de ontem, de hoje e de amanhã”. Esse amanhã se coaduna com o propósito
desta reflexão de considerar alternativas aos modelos normativos de cunho político e jurídico,
visando a construção de uma cultura pública democrática. É isso que se persegue ao
estabelecer as conexões entre gênero, políticas públicas e direitos humanos. Esse é o marco no
qual se inscreve a luta histórica dos movimentos de mulheres e feministas para reverter o
quadro de violação dos direitos humanos das mulheres. Orientadas por tal intenção, as
brasileiras, assim como mulheres das mais diversas partes do planeta, passam a se integrar
paulatinamente a um movimento internacional de mulheres na busca pelo reconhecimento de
direitos e pela expansão da cidadania feminina.
3 CIDADANIA FEMININA E DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
A adesão do Brasil a princípios internacionais de proteção aos direitos humanos é
recente, como já mencionamos. Data dos anos de 1980, coincidindo com o contexto de
abertura política do país, de mobilização de distintos movimentos sociais e com o processo de
elaboração da nova Carta Constitucional (1988). Nesse contexto, acordos e tratados
internacionais, formulados em consonância com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), recebem tardiamente o aval brasileiro. Situação a incluir, por exemplo, a
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa), em vigor desde
1978, mas ratificada pelo estado brasileiro apenas em 1992. Mais de uma década depois, essa
mesma Convenção respaldaria uma das denúncias de violação de direitos humanos de grande
repercussão no Brasil, dando origem a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que criou
mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ainda
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sobre esse ponto, resta observar que na esteira da afirmação de pactos como o de São José, o
país tornou-se signatário de convenções, protocolos, plataformas e planos de ação originados
em diferentes eventos internacionais.
Concernente às mulheres, a sua luta pelos direitos humanos integra um movimento de
âmbito global, estabelecido antes mesmo da realização de sua primeira conferência mundial
(1975), da instituição do Dia Internacional da Mulher (8 de março do mesmo ano) e da década
da mulher (1976-1985). Desde então, organizações feministas e de mulheres têm pleiteado a
formulação de políticas públicas que atendam às demandas femininas, englobando temas
como “a igualdade de condição para as mulheres, a remoção da discriminação sexual, a
introdução de regulamentos contra o assédio sexual e a introdução de cotas que garantam a
[sua] representatividade” na política (STROMQUIST, 1996, p. 28). Não obstante, é a partir
do decênio de 1990 que as perspectivas de mudança nas ordens social, econômica, política e
cultural para as mulheres assumem maior expressividade.
A incorporação da temática das mulheres em uma agenda internacional realça o
impacto de suas demandas e mobilizações. Grandes conferências mundiais realizadas no
decurso dos anos de 1990 conjugam esse empenho com o de outros segmentos sociais na
elaboração da chamada Agenda Social das Nações Unidas. Agenda voltada ao tratamento de
questões globais em foros multilaterais, cujo objetivo principal é adotar princípios e planos de
ação que orientem a solução de problemas (KOERNER, 2003).
Um desses marcos é referenciado na II Conferência Mundial de Direitos Humanos das
Nações Unidas (Viena, 1993). Nesse momento, os direitos humanos são considerados
onipresentes, impondo-se não apenas a Estados, mas a organismos internacionais, grupos e
particulares (CANÇADO TRINDADE, 1996). Feita a ressalva de que tal determinação não
equivale à uniformidade. Conforme esclarece o documento da Conferência de Viena, os
Estados devem estabelecer programas de educação em e para os direitos humanos, visando a
sua promoção e observância em benefício de todos e todas, sem discriminações. Destaque-se,
ainda, que Viena também operou como elemento de força e pressão para renovar o ímpeto da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres,
datada de 1979.
Outro evento mundial de grande repercussão para as mulheres é a Conferência
Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), que pauta o tratamento de
questões populacionais em relação ao desenvolvimento sustentável. Entre os quinze princípios
do Programa de Ação do Cairo, o de número quatro define como base dos programas de
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população e desenvolvimento a promoção da igualdade de gênero, a eqüidade entre os sexos,
a capacitação e o empoderamento das mulheres, a eliminação da violência contra elas e a
garantia de controlarem sua própria fecundidade. Já o oitavo princípio do Programa, além de
determinar como dever dos Estados a adoção de medidas para garantir o direito ao usufruto do
maior padrão possível de saúde física e mental, inclui na sua formulação aqueles relativos à
saúde reprodutiva, englobando o planejamento familiar e a saúde sexual.
Compondo o contexto do Ciclo Social da ONU, a IV Conferência Mundial sobre a
Mulher (Beijing, 1995), iria produzir uma ampla plataforma de ação voltada à emancipação
da mulher, reforçando o conteúdo dos documentos das três conferências sobre mulher que a
antecederam (México, 1975; Copenhague, 1980; Nairóbi, 1985). A Plataforma de Beijing
propôs estratégias para acelerar a promoção, a proteção e o fortalecimento dos direitos
humanos das mulheres e para eliminar as barreiras que impedem o exercício desses direitos
em âmbitos públicos e privados. Daí o empenho pela inclusão das mulheres em postos de
decisão, com base no princípio da repartição de poderes e responsabilidades entre homens e
mulheres em todos os campos (BOUTROS-GHALI, 1995).
A Declaração de Beijing incorpora tratados anteriores, como a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948) e a CEDAW (1979), formatada a partir do encontro do México
(1975), e enuncia princípios fundamentais para a ação política. Já sua Plataforma de Ação
reitera indicações do documento Estratégias para o Futuro (FLS), da III Conferência sobre
Mulher (1985) e identifica 12 áreas críticas4 de atuação para promover justiça social e
igualdade entre os sexos, imputando a tarefa a governos, organismos internacionais e à
sociedade civil.
Para tanto, sugere o estabelecimento, fortalecimento e divulgação de sistemas
de dados estatísticos e de análise da situação das mulheres; o planejamento e implementação
de programas e políticas públicas que considerem a situação de mulheres e homens em razão
da construção cultural e social das desigualdades; a atualização e elaboração de novas
legislações de combate a todas as formas de discriminação contra as mulheres; e a promoção
da igualdade, incluindo oportunidades de emprego e salário e ações afirmativas para acesso a
instâncias de poder e a mandatos eletivos. A Plataforma de Beijing também recomenda mais
rigor na implantação e no monitoramento de políticas públicas.
O andamento do proposto nos documentos da Conferência de Beijing é alvo de
avaliações realizadas a cada cinco anos (quinquenais), em reuniões da Comissão das Nações
4
A Plataforma prioriza doze áreas de atuação, a saber: saúde, educação, pobreza, violência, conflito armado,
economia, exercício de poder e decisão, mecanismos institucionais de defesa de direitos, direitos humanos,
mídia, meio ambiente e meninas. Esses conteúdos estão detalhados em Storoni (2004).
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Educação e Cidadania nº 16 (2014)
Unidas sobre a Condição da Mulher (CSW), com representantes dos Estados membros, de
Comissões Econômicas Regionais, de Organismos da ONU e de organizações Não
Governamentais (ONGs) do mundo inteiro. Três encontros destes já foram contemplados:
Beijing mais cinco (2000), mais dez (2005) e mais quinze (2010). Na reunião de 2000, o
balanço sobre o acordado em Beijing (1995) indicava mudanças significativas no período e
também a manutenção de expressivas distâncias de gênero (salários, legislações etc.),
restando muito ainda a fazer no combate à discriminação das mulheres e às desigualdades de
gênero. Em 2005, o encontro com a CSW (Beijing + 10) enfocou dois temas: o progresso na
implementação da Plataforma de Ação e dos documentos resultantes do interstício anterior; os
desafios atuais e estratégias futuras para o empoderamento de mulheres e meninas. Já em
2010 (Beijing + 15), as conclusões do encontro enumeraram avanços e retrocessos em relação
aos 12 temas priorizados em Beijing. Assim, enquanto era imputado a alguns países o êxito na
revogação de leis que discriminam as mulheres, questionava-se o aumento da violência
contras elas e o déficit do seu empoderamento político, pois, se em 1995 elas representavam
apenas 10,5% dos parlamentares do mundo, quinze anos depois elas ficavam somente com
20% dessas vagas. Ao mesmo tempo, foram detectados novos assuntos relacionados aos
direitos das mulheres e à igualdade de gênero, tais como: o aumento dos casos de HIV/aids e
de outras pandemias, a mudança climática, a insegurança alimentar e a crise financeira.
O contexto acima revela desafios e problemas que se acentuam ou se mantém par e
passo com tentativas de promover e proteger os direitos humanos das mulheres. Revela,
também, que os mecanismos normativos da democracia e de defesa dos direitos humanos,
muitas vezes são insuficientes para superar obstáculos impostos por práticas sociais ou por
fatores culturais. O caso brasileiro pode ser incluído no lado negativo do balanço de Beijing
mais quinze (2010) em aspectos específicos. Um deles diz respeito à baixa representação das
brasileiras na política. Realidade que situa o país entre os que ostentam os piores índices de
empoderamento das mulheres, tanto em plano mundial como na América Latina. A
observância às recomendações de Beijing, que levou à introdução de cotas políticas para
mulheres na legislação eleitoral brasileira de 1996, tende a se mostrar inócua se avaliamos o
cenário de elegibilidade de mulheres no decorrer de sucessivas eleições. Ainda com respeito
às cotas na política, importa considerar com Stromquist (1996) que políticas públicas de
gênero
muitas
vezes
combinam o
caráter
de
ação
afirmativa com características
redistributivas. Isso significa dizer que as cotas, “em última análise, buscam realocar recursos
entre homens e mulheres” e “implicam numa alteração profunda de valores e ideologias, não
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Educação e Cidadania nº 16 (2014)
apenas entre os receptores, mas também entre o pessoal do organismo provedor”
(STROMQUIST, 1996, p.44).
Outro aspecto a mencionar é o da violência de gênero, cuja ocorrência é qualificada,
desde Viena (1993), como uma das piores formas de violação dos direitos humanos. O Brasil
apresenta índices preocupantes de violência contra as mulheres, mas conta com uma das
políticas públicas mais avançadas para o enfrentamento da violência doméstica e familiar, a
Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), no entanto, o seu processo de implantação está
inconcluso e enfrenta até mesmo reveses que vão do desconhecimento do conteúdo da Lei até
as resistências à sua aplicação.
Nesse sentido, como alerta Mattar (2008), a positivação de direitos, considerando a
estruturação das ordens jurídicas nacional e internacional, afeta diretamente as políticas
públicas e, por conseguinte, a vida das pessoas. Entretanto, apesar de constituir um avanço, a
positivação não garante a eficácia plena e imediata dos direitos:
A relação entre positivação de direitos e sua implementação como políticas públicas
não é automática. Sabe-se que direitos positivados podem não ter nenhuma eficácia
social nem gerar, por parte do Es tado, a destinação de recursos para s ua efetivação.
(MATTAR, 2008, p.63).
Reiterando o argumento deste autor, cumpre notar que ao mesmo tempo em que se
reivindicam mudanças legislativas para diminuir a desigualdade de gênero, constata-se que
em países onde há avanços legislativos de proteção à mulher falta a implementação
institucional pelo aparelho de Estado, o que fragiliza a força normativa das leis reparadoras
das desigualdades. Desse prisma, observa-se que a desigualdade de direitos entre os gêneros
não é resolvida unicamente através de enunciados legais. No Brasil, por exemplo, a
Constituição, mais que declarar, estabelece uma igualdade não verificada na prática
(PEREIRA, 1999).
Retornando às Conferências de Viena, Cairo e Beijing, cabe notar que os
compromissos firmados nessas oportunidades constituem importantes pontos de apoio para
equacionar desigualdades de gênero e garantir os direitos humanos das mulheres. Contudo, no
Brasil elas não têm força de lei.
Prerrogativa com a qual contam declarações, tratados e
convenções, de que é exemplo a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher. A CEDAW fornece elementos para a construção da equidade
entre mulheres e homens, com igual acesso a oportunidades na vida pública e privada, em
educação, saúde e emprego. Ao ratificarem a Convenção, os estados participantes obrigam-se
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a adotar medidas para acelerar a igualdade de gênero e possibilitar às mulheres o pleno
exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Tais medidas incluem a elaboração
de legislação específica e ações especiais, de caráter temporário. A Cedaw, como esclarece
Stromquist (1996, p.38), serve para “definir mais claramente a natureza e a gama de
problemas que afetam as mulheres e propicia a elaboração de programas e políticas públicas
sensíveis a gênero”.
Além disso, o cumprimento das obrigações firmadas na Convenção é verificado por
um Comitê, por meio de relatórios governamentais (pelo menos um a cada quatro anos) e nãogovernamentais5 . Os grupos e organizações de mulheres responsáveis pela elaboração do
relatório não-governamental têm assento e voz nas Nações Unidas, para corroborar ou
confrontar o conteúdo dos relatórios governamentais. No Brasil, a elaboração do relatório
alternativo se deu pela participação expressiva de redes e articulações nacionais de mulheres,
o que legitima o documento e garante ser ele representativo da realidade das brasileiras.
A intervenção de movimentos feministas e de mulheres possibilita que demandas por
equidade de gênero se tornem objeto de leis, ações, programas e planos de Estados e
governos, respondendo como políticas públicas. Isso demanda a formulação de uma agenda
pública, a interlocução com atores sociais e políticos em âmbitos regional, nacional e
internacional, e a operacionalização de mecanismos técnicos e normativos. Processo
materializado no Brasil, sob a égide da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
(SPM), nos planos nacionais de políticas para as mulheres.
Entretanto, ainda é preciso
traduzir muitos pontos dessa agenda em “políticas públicas e seguir lutando pela justiça de
gênero” (HERRERA, 2005, p.2).
Em suma, a articulação dos movimentos de mulheres e feministas junto às Nações
Unidas, além de ratificar conquistas de momentos anteriores, definem as “estratégias
necessárias para a concretização da cidadania da mulher” (BARSTED e HERMAN, 1999,
p.143). Dessa perspectiva, o processo de realização de conferências internacionais e a
ratificação de seus documentos por instâncias governamentais pode ser tido como mecanismo
indispensável para o fomento de novas formas de enfrentamento das desigualdades de gênero.
Afinal, em seu escopo está a definição da natureza e da amplitude dos problemas que afetam
as mulheres em todas as sociedades.
5
O Brasil apresentou o primeiro Relatório Nacional Brasileiro à CEDAW no dia 22 de outubro de 2002, depois
de quase vinte anos desde a ratificação da Convenção. Conforme o artigo 18 da CEDAW, o país deveria ter
apresentado um primeiro relatório logo após a ratificação, em 1984, e relatórios periódicos a cada quatro anos. O
Relatório de 2002 “cobre” os pendentes de 1984, 1989, 1993, 1997 e 2001.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio de estratégias dialógicas e decisões negociadas, surge a oportunidade, em
muito creditada ao empenho e à mobilização dos movimentos de mulheres e feministas, de
intervir no desenho, gestão e avaliação de políticas públicas. Conjugando o respaldo de
instrumentos de proteção e expansão dos direitos das mulheres à ação organizada e na
abertura de espaços para a participação, surge uma nova concepção de cidadania, alicerçada
pela ideia de reconhecimento e ampliação dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e
reprodutivos da população feminina. Trata-se, enfim, do reconhecimento e ampliação dos
direitos humanos das mulheres.
Entendemos que a produção e reprodução de desigualdades sociais e de gênero no
Brasil são, ao mesmo tempo, causa e consequência da não efetivação dos direitos humanos,
em especial os das mulheres. Destarte, a elaboração, implementação e avaliação de políticas
públicas que visem reduzir desigualdades devem considerar simultaneamente que toda
política pública deve ser lastreada pelos direitos humanos e que estes requerem políticas
públicas específicas (KLICH, 2001, apud SOUZA, 2003, p. 53). Em suma, isso equivale a
dizer que os direitos humanos devem ser e estar em toda política pública. Além disso, essa
mesma lógica deve estar presente tanto na cultura política de uma sociedade, como em suas
práticas econômicas, jurídicas, sociais e políticas.
No contexto brasileiro, as políticas públicas de direitos humanos têm sua gênese em
projetos sociais voltados à redução de desigualdades e da exclusão social (SOUZA, 2003).
Entretanto, a positivação de direitos não se revelou capaz de promover automaticamente a
igualdade e a inclusão. Koerner (2003) aponta êxitos já alcançados na efetivação dos direitos
humanos no Brasil, para além da estruturação jurídico-formal:
 Nova concepção dos direitos humanos, englobando as demandas de setores
sociais com características particulares, temas políticos e ambientais ;
 Abordagem processual de promoção desses direitos, com atuação de agentes de
vários níveis e procedimentos diversificados;
 Permeabilidade entre as ordens jurídicas externa e interna do Estado,
reconhecendo a preocupação internacional com os direitos humanos e
reforçando mecanismos e organismos multilaterais voltados à sua proteção e
monitoramento.
68
Educação e Cidadania nº 16 (2014)
 Maior atuação da sociedade civil na proteção dos direitos humanos e no
monitoramento de políticas públicas de redução às desigualdades.
Cabe ainda pontuar que o sucesso do empenho social e político consolidado em
convenções, conferências e tratados internacionais, voltados à efetivação dos direitos
humanos das mulheres e à promoção da cidadania feminina, depende do estabelecimento e da
sustentação da participação de agentes domésticos e transnacionais. Para tanto, é mister
contrapor uma cultura pública democrática à vigência histórica de um estado de orientação
corporativa, paternalista, clientelista e patrimonialista.
Sendo
governamentais,
assim,
o
desafio
parlamentares,
enfrentado
por
organismos
organizações não-governamentais,
internacionais,
agentes
movimentos sociais e
“entidades de direitos humanos é o de trabalhar na construção de uma cultura de direitos”.
Imprescinde, pois, “desconstruir a concepção de estado privatizado e afirmar a participação
popular como elemento de constituição da cidadania e de políticas públicas que efetivem os
direitos humanos” (SOUZA, 2003, p.59), com olhar especialmente voltado aos direitos
humanos das mulheres.
Assim,
potencializa-se a conformação
de concepções mais
abrangentes, formal e materialmente, de cidadania e dignidade das mulheres.
Construir uma cultura pública democrática implica no desenvolvimento de debates
extensos e consistentes, na construção de alianças, na articulação da sociedade, na
interlocução entre agentes sociais e políticos, na afirmação da agenda pública dos direitos
humanos, mas, principalmente, na ruptura com os limites impostos pelo patriarcado, pela
hierarquização social que prioriza o homem em detrimento da mulher, pelas práticas
clientelistas e pelo alijamento das mulheres das instâncias de poder.
Políticas públicas formuladas segundo as bases que sustentam uma agenda pública
democrática irão, sob essa ótica, promover um processo de alteração das estruturas de poder,
desconstruindo a desigualdade no plano material e não apenas no âmbito formal. Novos
estudos devem se debruçar sobre o alcance de programas, ações e políticas públicas
direcionadas à superação da desigualdade de gênero, à promoção dos direitos humanos das
mulheres e à construção da cidadania feminina, buscando compreender, neste escopo, a
atuação de organismos estatais, da sociedade como um todo e dos movimentos de mulheres e
feministas.
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