PALESTRA 21ª RAIB ARBOVÍRUS NO BRASIL Ana Cecília Ribeiro Cruz & Pedro Fernando da Costa Vasconcelos Instituto Evandro Chagas, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Av. Almirante Barroso, 492, Belém, PA. E-mail: [email protected] Introdução Os arbovírus são vírus mantidos em natureza, mediante transmissão biológica entre hospedeiros vertebrados suscetíveis e artrópodes hematófagos ou, de hospedeiro artrópode a hospedeiro artrópode, através da via transovariana e, possivelmente, da via venérea; multiplicam-se e produzem viremia nos vertebrados, assim como nos tecidos dos artrópodes e são repassados a novos vertebrados suscetíveis através da picada do inseto, após um período de incubação extrínseca (WHO, 1985). As arboviroses em quase sua totalidade são zoonoses mantidas em ambiente silvestre. Conseqüentemente, as pessoas que mantém contacto com os focos enzoóticos dos arbovírus são as que correm maiores risco de adquirir a infecção. No entanto, certas arboviroses têm surgido periodicamente em áreas urbanas, sob forma epidêmica, tais como, o Dengue, Oropouche, Mayaro e Rocio (TRAVASSOS DA ROSA et al., 1997). Etiologia O termo “arbovírus” origina-se das duas primeiras letras das palavras que compõem a expressão inglesa arthopod-borne, acrescida da palavra vírus. Eles constituem o maior grupo conhecido de vírus com 537 membros registrados no Catalogo Internacional dos Arbovirus e outros vírus de vertebrados do mundo, distribuídos em 63 grupos antigênicos. Possuem um genoma constituído por ácido ribonucléico (RNA), que pode ser segmentado ou não e apresentar-se com uma ou duas fitas. Faz exceção o vírus da febre suína africana, que possui o genoma com DNA, porém é comprovadamente um arbovírus (MONATH, 1988). Os arbovírus são classificados em grupos antigênicos, de acordo com o critério sorológico estabelecido por Casals (CASALS, 1957). Cada grupo é constituído de dois ou mais vírus que demonstram relações antigênicas com cada outro, conforme mostrado por um ou mais testes sorológicos. Os arbovírus encontrados na Amazônia são distribuídos em 22 grupos sorológicos, contendo 154 sorotipos diferentes. Os demais 32 vírus não são grupados. Mais de dois terços desses tipos foram isolados inicialmente na Amazônia, antes que o fossem em qualquer outra parte do mundo; muitos tipos jamais foram encontrados fora dessa região (VASCONCELOS et al., 2001). Com base em suas propriedades físico-químicas a maioria dos arbovírus se distribui por cinco famílias quais sejam: Bunyaviridae, Flaviviridae, Reoviridae, Rhabdoviridae e Togaviridae. Ressalte-se, no entanto, que nem todos os membros das citadas famílias são necessariamente arbovírus. Reconhece-se ainda a existência de vírus integrantes das famílias Arenaviridae, Poxviridae, Herpesviridae, Coronaviridae, etc. Muitos outros não têm taxonomia definida, porquanto suas características físico-químicas ainda não são suficientemente conhecidas (TRAVASSOS DA ROSA et al., 1989). Eco-epidemiologia No Brasil, os arbovírus apresentam uma ampla distribuição geográfica, com predomínio nas regiões tropicais, por oferecerem condições ecológicas favoráveis. Trinta e quatro dos 200 tipos diferentes de arbovírus e outros vírus de vertebrados, identificados na Amazônia brasileira, são comprovadamente patogênicos para o homem. A infecção humana por 30 desses, já foi demonstrada através do isolamento do agente a partir do sangue de doentes, sendo 27 a partir de casos de infecções naturais e, três unicamente de infecções de laboratório. Quatro outros tipos, quais sejam, os vírus das encefalites eqüinas leste e oeste, Nepuyo e Bussuquara, ainda não foram isolados de humanos na região (TRAVASSOS DA ROSA et al., 1989). A maioria dos arbovírus assinalados na Amazônia é de patogenicidade desconhecida para o homem. Inquéritos sorológicos realizados em habitantes dessa região revelaram a presença de imunidade para 13 dos 28 tipos pesquisados 59, com valores da seguinte ordem: Maguari (5,2%), Cocal (3,8%), Itaporanga (3,3%), Una (3%), Kairi (2,7%), Bujaru (2,3%), Pixuna (2%) e Moju (1,7%); para os vírus Aurá, Capim, Utinga, Belém e Araguari, os percentuais foram inferiores a 1% (TRAVASSOS DA ROSA et al., 1997). Alguns arbovírus constituem sério problema, global ou regional, de saúde pública devido a expressiva morbidade e/ou mortalidade que ocasionam. Dentre eles, ocorrem nas Américas o vírus da febre amarela, o vírus dengue, Oropouche, Mayaro e diversos agentes responsáveis por encefalite. As mudanças ambientais desencadeiam modifi Biológico, São Paulo, v.70, n.2, p.45-46, jul./dez., 2008 45 46 21ª RAIB cações climáticas naturais cíclicas ou por implantação de projetos para extrativismo dos recursos naturais, tais como: desflorestamento, construção de barragens e rodovias, além da exploração do minério. Na Amazônia brasileira estudos comparativos realizados entre os anos 70 e 80 nas cidades de Altamira e Tucurui, antes, durante e após a construção da hidrelétrica em Tucuruí, no estado do Pará (P INHEIRO et al ., 1977; D É G A L L I E R et al., 1992), gerenciamento ambiental inadequado pode quebrar o equilíbrio natural da floresta, levando a uma série de fenômenos incluindo o aumento da incidência de vírus conhecidos ou a emergência de novos. O uso da terra para mineração facilita o contato direto entre humanos, vetores e os arbovirus. Alguns estudos em Carajás e várias outras áreas (Jarí, Porto Trombetas, Cachoeira Porteira e Santana) com projetos envolvendo mineração levaram ao isolamento de 24 novos vírus, entre eles quatro são membros do grupo Phlebotomus, 11 do grupo Changuinola, seis de outras famílias (R habdoviridae, Arenaviridae, Bunyaviridae, Flaviviridae e Paramyxoviridae) e quatro não classificados (TRAVASSOS DA ROSA et al., 1992; TRAVASSOS DA ROSA et al., 1998). Referências C ASALS, J. The arthropod-borne group of animal viruses. Transactions of the New York Academy of Sciences, v19, p.219-235, 1957. DÉGALLIER, N.; T RAVASSOS DA ROSA, A.P.A.; V ASCONCELOS, P.F.C.; HERVE, J.P.; SÁ FILHO, G.C.; TRAVASSOS DA ROSA, J.F.S.; TRAVASSOS DA ROSA, E.S.; R ODRIGUES, S.G. Modifications of arbovirus transmission in relation to construction of dams in Brazilian Amazonia. Journal of the Brazilian Association for the advancement of Science, v.44, p.124135, 1992. MONATH, T.P. Yellow fever. 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