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A MORFOPEDOLOGIA E AS UNIDADES DE PAISAGEM NO MUNICÍPO DE
FRANCISCO ALVES –PR: POTENCIALIDADES E VULNERABILIDADES
Hélio Silveira
Universidade Estadual de Maringá-Paraná – Professor doutor do dep. de Geografia
[email protected]
Raniere Garcia Paiva
Universidade Estadual de Maringá-Paraná Mestrando em Geografia/Bolsista CAPES
[email protected]
Rafael Marques dos Santos
Universidade Estadual de Maringá-Paraná – Graduando em Geografia/Bolsista
Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/FA-UEM
[email protected]
Francisco de Assis Gonçalves Junior
Universidade Estadual de Maringá-Paraná - Mestrando em Geografia/Bolsista CAPES
[email protected]
Maria Teresa de Nóbrega
Universidade Estadual de Maringá-Paraná – Professora doutora do dep. de Geografia
[email protected]
Resumo
O município de Francisco Alves está situado na região Noroeste do Paraná, em zona de contato
arenito/basalto. O objetivo deste trabalho é identificar a influência das características
morfopedológicas na distinção de unidades de paisagem e na definição das suas vulnerabilidades e
potencialidades. O método adotado se baseia na identificação e delimitação de unidades de paisagem
realizadas a partir da análise integrada de dados levantados em cartas, imagens de satélite e em campo.
O levantamento e caracterização dos sistemas morfopedológicos foi realizado através de
topossequências em vertentes típicas para cada unidade de paisagem, de acordo com o método da
“análise estrutural da cobertura pedológica”. Através dos resultados levantados pode-se constatar que o
município apresenta duas unidades de paisagem: a Unidade do Xambrê, situada na porção nortenoroeste, com relevo mais dissecado, marcado por patamares, vertentes com declividades mais fortes,
vales encaixados e onde predominam as pastagens; a Unidade do Piquiri, no setor centro-sul, em zona
de transição para o basalto, onde o relevo apresenta amplos vales e colinas com vertentes mais longas e
de fracas declividades, ocupadas pelas lavouras mecanizadas e entremeadas por pastagens. Na Unidade
do Xambrê os solos são formados unicamente a partir da alteração do Arenito Caiuá, predominando ao
longo de todas as vertentes o Argissolo Vermelho-amarelo abrupto. A associação das características
morfológicas desse solo com a textura arenosa a média e as condições de relevo implicam em uma
maior vulnerabilidade aos processos erosivos. Na Unidade do Piquiri, o sistema pedológico dominante
é constituído por Latossolo Vermelho do topo à média vertente, e solos com Bt textural na baixa
vertente, em geral de textura argilo-arenosa devido à transição arenito/basalto. As características
morfopedológicas dessa unidade se traduzem por uma vulnerabilidade mais baixa e por maior
potencialidade para abrigar novas atividades, produtos e práticas agrícolas.
Palavras chave: solos, estrutura geoecológica, paisagem, topossequência.
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Abstract
The municipality of Francisco Alves is located in the northwest region of Paraná, in the contact zone
sandstone / basalt. The objective of this study is to identify the influence of the distinguishing
characteristics morphopedological units of landscape and the definition of their vulnerabilities and
potential. The method adopted is based on the identification and delineation of landscape units, made
from the integrated analysis of data collected on charts, satellite images and field. The survey and
characterization of the morphopedological systems was done through toposequences in typical
landforms for each landscape unit, according to the method of "structural analysis of the pedological
cover”. The results can be raised to note that the municipality has two landscape units: the XAMBRE
Unit, located in north-northwest area, with more dissected topography, characterized by steps, with
strands stronger declivities slope, valleys embedded and where the predominant pastures; the Piquiri,
Unit in central-southern sector, in the transition zone for the basalt, where the topography presents
wide valleys and hills with long slopes and low declivities, occupied by mechanized farming and
interspersed by grassland. The sois in the XAMBRE Unit are formed uniquely from alteration of the
Caiuá Sandstone,and abrupt Red-Yellow Argisol is predominant through all landforms. The
combination of morphological characteristics of this soil with a medium and sandy texture and the
relief conditions involve a greater vulnerability to erosion processes. In Piquiri Unit the pedological
system dominant is constituted by Red Latosol from the top to the mid-slope, and soils with textural Bt
in the lower-strand, in general, clay-sandy texture due to the sandstone / basalt transition. The
morphopedological characteristics of this unit are reflected by a lower vulnerability and greater
potential to house new activities, products, and agricultural practices.
Keywords: soils, geoecological structure, landscape, toposequence.
Introdução
A região Noroeste do Paraná é caracterizada pela ocorrência do arenito da Formação Caiuá que
dá origem a uma cobertura pedológica constituída por solos de textura média e arenosa, vulneráveis
aos processos erosivos de origem hídrica. Trabalhos realizados por Maack (1953, 1961 e 1981) já
alertavam a respeito dos problemas ambientais, envolvendo a degradação dos solos e, em
consequência, também dos recursos hídricos, desencadeados pelas características e ritmo do processo e
modo de ocupação da região.
O processo de ocupação do Norte Paranaense apesar do seu início no final do século XIX, só se
realizou efetivamente ao longo do século XX, mais significativamente até a década de 1960. Estava
baseado no desenvolvimento das lavouras de café, que se constituíam na atividade econômica mais
importante nesse período. Essa forma de povoamento se estendeu inicialmente sobre áreas de
ocorrência do basalto com seus solos de textura argilosa e, depois gradualmente, passou a ocupar as
áreas sobre o Arenito Caiuá, mantendo os mesmos padrões fundiários, produto, uso e manejos.
A Companhia de Terras Norte do Paraná e a sua sucessora, Companhia Melhoramentos Norte
do Paraná, capitanearam a ocupação nas regiões denominadas de Norte Velho e Norte Novo,
predominantemente situadas sobre o basalto. Em paralelo, outras empresas menores passaram a atuar
em direção ao Noroeste do Estado, na área designada como Norte Novíssimo, sobretudo a partir de
1950, estimulados ainda pelo preço do café, avançando significativamente para a área de solos mistos
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(contato arenito/basalto) e de solos arenosos. Nessas áreas, entretanto, os solos naturalmente menos
férteis e que se tornavam depauperados em curto espaço de tempo, implicando em redução de
produtividade, além dos problemas erosivos que se instalavam após o desmatamento, logo
contribuíram para o desestímulo acentuado da cultura do café, cujo auge foi atingido com os efeitos
das fortes geadas que aí ocorreram além da queda de preço do produto no mercado (FONSECA, 2006).
As fortes geadas e a queda do preço no mercado internacional desestimularam a cultura do café
não apenas no Noroeste do Estado, mas em toda a região Norte. Assim, enquanto que nas áreas de
solos argilosos, naturalmente mais férteis e resistentes aos processos erosivos, o café deu lugar, na
década de 1970, à agricultura mecanizada de grãos (soja, trigo e milho), nas áreas sobre o arenito,
ocorreu uma diversificação de produtos inicialmente representados por feijão, milho, mandioca, arroz,
algodão, entre outros, e pastagens.
A pecuária passou a ser a atividade predominante na região Noroeste do Estado, registrando
uma ocupação por pastagens superior a 70% de sua área em 1996. Mais recentemente, a cultura de
cana-de-açúcar vem progressivamente se estendendo, ocupando e reduzindo as áreas de pastagem.
Até ao início da década de 1990, a região apresentava graves problemas de erosão,
representados principalmente pelas voçorocas instaladas tanto nas periferias urbanas quanto nas áreas
rurais. A ação integrada de programas governamentais visando a redução e o controle da erosão
através de manejo em microbacias, curvas de nível, adequação de estradas rurais, reduziram de forma
significativa esses fenômenos no campo. Mais recentemente, a adoção do plantio direto tem
contribuído para a redução da erosão hídrica por escoamento difuso.
Na área de contato arenito/basalto, a variação entre essas litologias se reflete de imediato nas
características da cobertura pedológica contrapondo solos de texturas muito diferenciadas – textura
média a arenosa para aqueles oriundos do Arenito Caiuá e textura argilosa a muito argilosa para
aqueles derivados das rochas vulcânicas (basaltos).
A textura é uma das características dos solos responsável por uma série de propriedades físicas
e químicas. Assim, enquanto os solos de textura média apresentam baixa capacidade de retenção de
água e nutrientes, os solos argilosos apresentam capacidades maiores. Isto implica em comportamentos
diferenciados ao longo de uma mesma vertente, quando o contato entre as duas litologias ocorre, ou
mais genericamente, em unidades de paisagem dentro de uma mesma unidade territorial (município)
com capacidades produtivas diferenciadas. A diferença de textura também influencia o comportamento
em face da erosão: os solos de textura média são mais vulneráveis enquanto que os de textura argilosa
resistem naturalmente mais a esses processos.
Além das variações litológicas, deve-se ressaltar o papel do relevo na diferenciação da
cobertura pedológica. A morfologia das vertentes que condiciona e é, ao mesmo tempo, condicionada
pelos fluxos hídricos, reflete também as variações dos solos ao longo da sua extensão. Desse modo a
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abordagem morfopedológica permite associar a organização da cobertura pedológica com os tipos de
vertente e o seu funcionamento, e inferir a vulnerabilidade e/ou potencialidade ao longo das encostas.
O objetivo deste trabalho é identificar a influência das características morfopedológicas na
distinção de unidades de paisagem e na definição das suas vulnerabilidades e potencialidades no
município de Francisco Alves, situado na região Noroeste do Paraná, em zona de contato
arenito/basalto.
Material e Método
O município de Francisco Alves situa-se no Terceiro Planalto Paranaense (MAACK, 1981),
porção Noroeste do estado do Paraná, microrregião de Umuarama (Figura 1).
Figura 1. Localização da área de pesquisa
O Clima regional segundo o sistema de classificação de Köppen (1948)
é do tipo Cfa,
subtropical, úmido mesotérmico, apresentando verões quentes e geadas pouco freqüentes (IAPAR,
1978).
O município encontra-se, em termos geológicos, em uma zona de transição entre a Formação
Caiuá e as rochas eruptivas básicas da Formação Serra Geral (MINEROPAR, 2001). O arenito da
Formação Caiuá ocorre nas porções mais elevadas do relevo, recobrindo parcialmente os basaltos da
Formação Serra Geral que aí afloram apenas nas proximidades do rio Piquiri.
O relevo regional é constituído por colinas médias e amplas, modeladas pelo entalhe da
drenagem comandada pelo rio Piquiri e pelo rio Ivaí a partir de um plano suavemente inclinado para
oeste/noroeste, em direção à calha do rio Paraná, cujas altitudes variam localmente entre 300 e 400
metros. São encontrados na região, sobre o arenito, os Latossolos Vermelhos de textura média
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associados aos Argissolos Vermelho-amarelos textura média/arenosa ao longo das vertentes. Os
Neossolos Quartzarênicos, de ocorrência mais restrita, aparecem geralmente relacionados a setores de
baixa vertente e cabeceiras de drenagem, além dos Gleissolos nos fundos de vales. Quando o basalto
aflora, ocorrem o Latossolo Vermelho férrico (eutroférrico e/ou distroférrico) e o Nitossolo Vermelho
férrico (eutroférrico e/ou distroférrico), de acordo com a EMBRAPA (1971 e 1999).
Para o desenvolvimento do trabalho foi realizado, inicialmente, um levantamento exploratório
de dados sobre a estrutura geoecológica e socioeconômica do município com base em documentos
cartográficos existentes e censos agropecuários do IBGE (1996 e 2007). Foram elaboradas cartas
temáticas (hipsometria, declividade, solos, geologia) com o auxílio de imagens SRTM e levantamento
de dados em campo. Os arquivos das imagens SRTM (Shuttle Radar Topography Mission) foram
obtidos no site da NASA1 e o seu tratamento realizado através do programa Global Mapper 10. Como
resultado dessa etapa foram identificadas as principais unidades de paisagem com base na sua
estrututura geoecológica e seus sistemas morfopedológicos característicos. Em cada compartimento
foram selecionadas as vertentes representativas (típicas) para o levantamento detalhado da cobertura
pedológica em topossequências, segundo a metodologia proposta por Boulet (1981). Essa metodologia
prevê o levantamento da topografia da vertente com o uso do clinômetro e, posteriormente, a
investigação da composição da cobertura pedológica através de sondagens a trado (do tipo holandês),
no sentido de montante para jusante, buscando identificar as transições verticais e laterais do solo. As
sondagens foram realizadas até 2m de profundidade e de início em uma distância de no máximo 100m.
Quando ocorriam diferenciações pedológicas entre dois pontos, eram realizadas sondagens
intermediárias, quantas fossem necessárias para identificar os pontos de transição.
As amostras de solos foram coletadas a cada 10cm de profundidade e utilizadas para a
realização das análises granulométricas, executadas de acordo com os critérios estabelecidos pela
EMBRAPA (1997).
Os levantamentos dos solos em topossequência, inicialmente desenhados em papel
milimetrado, posteriormente foram transformados em meio digital e tratados no programa Corel Draw
X3.
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http://www2.jpl.nasa.gov/srtm/cbanddataproducts.html
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Resultados e Discussões
O município de Francisco Alves tem apresentado modificações importantes na sua paisagem
rural ao longo da última década. De acordo com os dados dos Censos Agropecuários do IBGE (19951996 e 2006-2007), as pastagens que antes ocupavam 73,8% da área municipal, foram reduzidas em
2007 para 44,1%, dando lugar às culturas temporárias. Nesse período a área ocupada pelas culturas
temporárias, sobretudo com grãos (soja e milho), dobrou de tamanho, passando de 19,9% para 40,6%
do território municipal, se equiparando à extensão das pastagens. Essas mudanças se refletem,
consequentemente, na organização do sistema de produção agrário, base econômica do município.
Pelos dados apresentados verifica-se que Francisco Alves está perdendo as características dominantes
da microrregião de Umuarama, onde está inserido.
Apesar da microrregião de Umuarama ter também apresentado transformações na organização
da sua produção agrária, principalmente com a introdução da cana-de-açúcar, esta não atingiu os níveis
verificados em Francisco Alves. Na microrregião de Umuarama as pastagens passaram de 76,5% para
67,5% das áreas ocupadas, enquanto que as culturas temporárias aumentaram de 13,3% para 18,5%.
Na maior parte dos municípios da região Noroeste as pastagens estão cedendo espaço para a
cana-de-açúcar, em Francisco Alves verifica-se uma substituição mais expressiva pelas culturas de
grãos acompanhadas, também, pela implantação de granjas para a criação de aves. O modelo adotado
tem-se refletido nos dados econômicos do município que passou de um rendimento de cerca de
R$690,00 por hectare, em 1997, para R$1.500,00 em 2004, de acordo com os dados corrigidos e
equiparados apresentados pelo Valor Bruto (ANDRETTA, 2006). No mesmo período esses valores
correspondiam para a microrregião de Umuarama a R$673,28 e R$ 1.011,92 por hectare, para 1997 e
2004, respectivamente. Esses dados mostram o distanciamento que o município vem apresentando em
relação à sua microrregião.
Os dados econômicos indicam que as alterações no sistema de produção estão apresentando
resultados satisfatórios para o município. Entretanto, uma análise mais detalhada evidencia que esses
resultados não são partilhados por todo o território. As variações na estrutura geoecológica da
paisagem produzem respostas diferenciadas ao modelo no território municipal, tanto em termos de
potencialidade quanto de vulnerabilidade para a sua implantação. Nesse aspecto a compartimentação
da paisagem, enfatizando os aspectos morfopedológicos, oferece uma base para a compreensão do
funcionamento do novo arranjo do espaço rural de Francisco Alves.
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- As Unidades de Paisagem de Francisco Alves
A análise integrada dos elementos que compõem a estrutura geoecológica do território
municipal evidenciou a existência de duas grandes unidades de paisagem: o compartimento do Xambrê
e o compartimento Piquiri. Essas duas unidades se individualizam tanto pelos aspectos geológicos,
quanto pelos morfopedológicos (Figura 2).
O compartimento do Xambrê corresponde ao setor Norte-Noroeste do município, drenado pelo
rio Xambrê e os seus afluentes da margem esquerda, no baixo curso. O rio Xambrê, que funciona
como limite municipal Norte, é afluente da margem direita do rio Piquiri, com quem conflue a
Noroeste do município. O vale do rio Xambrê apresenta-se aí amplo e de fundo chato (Figura 3), cujo
canal relativamente estreito corta uma pequena várzea, onde dominam os solos hidromórficos
(Gleissolos), que se alarga em direção à confluência com o rio Piquiri. Os seus afluentes, entretanto,
modelam vales mais fechados, em forma de V. Esses tributários esculpem a partir do interflúvio
Xambrê/Piquiri, esporões curtos e relativamente estreitos, conectados ao divisor principal através de
segmentos retilíneos de maior declividade e com base côncava. Os esporões ocorrem rebaixados e
escalonados em relação ao divisor maior. Os topos são arredondados e as vertentes convexo-retilíneas
são curtas, com declividades em geral superiores a 6%, mas que se acentuam em direção ao sopé. Esse
compartimento se apresenta, portanto, constituído por um relevo de pequenas colinas embutido entre
os interflúvios mais altos (Figura 4). O substrato geológico é composto pelo arenito da Formação
Caiuá que aí dá origem a solos de textura média a areia-franca. Aqui dominam os Argissolos desde o
topo até a baixa vertente onde tendem a se transformar em Neossolos Quartzarênicos. Dominam nessa
unidade as pastagens destinadas a criação de gado de corte e leiteiro, aparecendo, contudo, algumas
áreas com de cultivos de grãos.
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Figura 2. Hipsometria e compartimentação em unidades de paisagem no município de Francisco Alves
Figura 3. Aspecto geral do fundo de vale do rio Xambrê onde ocorre uma pequena várzea
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Figura 4. Aspecto geral da morfologia no compartimento do Xambrê – colinas de vertentes curtas e convexoretilíneas onde dominam as pastagens
O setor centro-sul do município corresponde a outra unidade de paisagem, mais extensa do que
a primeira, designada aqui como compartimento do Piquiri. A partir do divisor de águas entre a bacia
do rio Xambrê e os tributários diretos da margem direita do rio Piquiri, que se apresenta com topo
estreito e muito dissecado na sua vertente norte, em direção ao sul, entretanto, partem esporões de
topos amplos, alargados, que vão perdendo altitude, gradualmente em direção ao rio Piquiri. São
verdadeiras rampas entalhadas pela drenagem que aí esculpe vales em V, com vertentes convexoretilíneas longas e que tem sua declividade mais acentuada no terço inferior (Figura 5). Nessa unidade
o basalto aflora em uma faixa marginal ao rio Piquiri, que se apresenta do ponto de vista morfológico,
rebaixada e relativamente mais entalhada (Figura 6). Ao longo das rampas o Latossolo Vermelho, cuja
textura é mais argilosa do que no compartimento do Xambrê, passa lateralmente para Argissolos
Vermelho-Amarelos abruptos, no terço inferior das vertentes.
Figura 5. Aspecto geral da morfologia do compartimento do Piquiri – colinas amplas com vertentes covexoretilíneas longas
10
Figura 6. Setor próximo ao rio Piquiri - colinas rebaixadas e mais entalhadas
Nesse grande compartimento de paisagem a substituição das pastagens por culturas temporárias
foi mais significativa, sobretudo no setor mais rebaixado da unidade, próximo ao rio Piquiri. Verificase aí, também, a introdução da criação de aves, em geral como uma outra atividade nas propriedades
que se dedicam ao cultivo de grãos, seguindo o modelo adotado na região Oeste do Estado
(microrregião de Toledo).
- As vertentes e a sua cobertura pedológica
A topossequência 1 (Figura 7) representa a vertente típica do compartimento do Xambrê,
modelada exclusivamente sobre o arenito da Formação Caiuá, e recoberta em toda a sua extensão pelo
Argissolo Vermelho-amarelo abrupto.
Essa cobertura, como mostra o levantamento realizado ao longo da topossequência 1, é
constituída principalmente por três (3) horizontes texturalmente distintos, que ocorrem paralelamente
ao longo da vertente: o volume superficial caracteriza-se como um horizonte arenoso; logo abaixo
aparece um horizonte areno-franco; e o terceiro, que é o mais espesso, possui texturas que variam de
franco-argilo-arenosa a franco-arenosa à medida que se desce na vertente.
Observa-se que o volume superficial arenoso (inclui os horizontes A e parcialmente o E) é
constituído por areia fina e apresenta menos de 8% de argila. Possui no topo (sondagem 1) uma
espessura de 80 a 90cm de profundidade, aproximadamente, que vai se reduzindo para jusante,
chegando a 40cm no sopé (sondagem 8). O volume areno-franco, que corresponde ao horizonte E, com
teores médios de argila de 10%, aparece logo abaixo, e também se estende ao longo de toda a
topossequência, mantendo uma espessura mais homogênea. Na base desse volume foram observadas a
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presença de algumas bandas onduladas ou lamelas, a partir da média baixa vertente, entre as sondagens
3 e 8, mas que desaparecem um pouco antes de chegar ao sopé.
Figura 7. Topossequência característica do sistema de solos predominante no compartimento do Xambrê.
O volume franco-argilo-arenoso a franco-arenoso corresponde ao horizonte Bt. Está
representado na topossequência (Figura 7) com uma variação de cor de montante para jusante,
indicando o sentido da diferença textural observada ao longo da vertente. Essa variação textural é
gradual, tanto lateralmente como verticalmente a partir da média vertente. Do topo até a média
vertente os teores de argila variam entre 20% e 26%, aproximadamente, enquanto que da média para a
baixa vertente os teores passam a variar entre 15% e 19%, de forma interdigitada (alternância de
volumes mais argilosos -19% - com volumes mais arenosos – 15%). Essa redução dos teores de argila
é acompanhada, também, pelo surgimento das bandas ou lamelas no topo do Bt e base do E, nesse
setor.
Na base da cobertura ocorre, de jusante para montante, um volume areno-franco semelhante ao
observado acima do horizonte franco-argilo-arenoso, mas que desaparece da média para a alta encosta.
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Na média encosta, ocorre também na base da cobertura e avançando no volume franco-argilo-arenoso
concreções arredondadas e litorrelíqueas do arenito.
Os dados morfológicos e granulométricos indicam, desse modo, que está ocorrendo uma
transformação pedológica lateral, onde o B textural está perdendo fração argila, no segmento de sopé
até a média vertente, o que poderá, futuramente, levar à destruição do Argissolo em detrimento do
surgimento, provavel, de um volume mais arenoso, característico do Neossolo Quartzarênico.
Esse sistema pedológico com predominância de horizontes arenosos em superfície e de textura
média (franco-argilo-arenosa) em subsuperfície, encontrado ao longo das encostas, associado às
declividades mais acentuadas na baixa vertente, favorece a instalação de processos erosivos lineares,
que são intensificados pela trilhas de gado em áreas cobertas por pastagens. Por outro lado, a
substituição de pastagens por cultivos temporários tende a expor as camadas mais superficiais
arenosas, aumentando potencialmente os riscos para o desenvolvimento de processos erosivos e de
perda de solos, dada à fragilidade natural mais elevada essa cobertura pedológica.
A topossequência 2 (Figura 8) mostra a organização da cobertura pedológica ao longo de uma
vertente típica do setor centro/sul do município de Francisco Alves-PR – compartimento do Piquiri.
Essa vertente apresenta a forma convexa retilínea com fracas declividades.
Figura 8. Topossequência característica do sistema de solos dominante no compartimento do Piquiri
A cobertura pedológica predominante ao longo da topossequência é constituída pelo Latossolo
Vermelho, que se estende do topo até ao início do terço inferior da vertente (da sondagem 1 até a
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sondagem 4). Da baixa vertente até ao sopé ocorre o Argissolo Vermelho-Amarelo abrupto. Essas
vertentes ainda são modeladas sobre o arenito da Formação Caiuá, muito próximas ao contato com o
basalto da Formação Serra Geral.
Nessa topossequência, no setor dominado pelo Latossolo, ocorrem dois volumes distintos entre
si pela textura: um superficial, franco-argilo-arenoso, que chega até a 40cm de profundidade, e outro,
entre 40cm e 200cm de profundidade, com textura argilo-arenosa. O volume superficial, que
corresponde ao horizonte A, apresenta em média 31% de argila, enquanto que o volume inferior, o Bw,
contem cerca de 43% dessa fração. Os solos com essas características texturais, pertencentes às zonas
de contato arenito/basalto, são conhecidos pela população como “Terra Mista”.
No terço inferior da vertente onde as declividades são um pouco mais acentuadas, a partir da
sondagem 5(S5), ocorre o Argissolo Vermelho-amarelo abrupto. Nesse setor o volume superficial que
a montante é franco-argilo-arenoso se transforma em um horizonte de textura arenosa, tendo em média
8% de argila e cuja espessura chega a 70cm de profundidade. Abaixo ocorre o volume argilo-arenoso
observado a montante, mas que se apresenta nesse segmento com um pouco menos de argila, teores
variando entre 30% e 38%. No seu interior aparece um volume com textura argilosa, cujos valores de
argila variam entre 47% e 54%, e que a montante tem forma de uma cunha estreita que se alarga e se
aprofunda para jusante. Não exibe, portanto, o mesmo paralelismo observado nos demais volumes, a
não ser no sopé da vertente. Nessa posição, esse volume mais argiloso está diretamente sotoposto ao
arenito alterado.
A estrutura da cobertura pedológica na baixa vertente, onde horizontes de texturas muito
contrastadas se apresentam, associada ao aumento de declividade, gera condições de maior fragilidade
em face dos processos erosivos de origem hídrica. Os processos erosivos tornam-se ainda mais
intensos nesses locais formando sulcos, ravinas e até voçorocas em virtude das grandes variações dos
fluxos hídricos laterais e verticais. A água da chuva infiltra muito rapidamente no horizonte superficial
arenoso, mas a velocidade de infiltração é reduzida rapidamente nos horizontes com textura mais fina
que estão em profundidade, principalmente no argiloso, gerando e acelerando os fluxos hídricos
laterais sobre esse horizonte.
Nos setores das vertentes onde ocorrem os Latossolos o uso predominante é o de lavouras
temporárias como soja, milho e trigo, favorecido pelas boas condições topográficas para a
mecanização, além da elevada profundidade efetiva do solo e a não presença de impedimentos como
pedregosidade ou rochosidade. As condições de fertilidade podem ser mantidas e melhoradas com a
adoção de práticas e manejos adequados. Quanto ao funcionamento hídrico, observa-se um predomínio
de infiltração vertical das águas pluviais devido a alta porosidade do Latossolo e elevada
permeabilidade, o que leva, também, à redução de escoamento superficial. Essas condições
possibilitam nesse setor da vertente baixa susceptibilidade aos processos erosivos, contrastando,
portanto, com o setor de baixa vertente, caracteristicamente de alta susceptibilidade a erosão.
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Conclusões
O município de Francisco Alves, localizado na zona de contato arenito/basalto na região
Noroeste do Paraná, apresenta dois compartimentos de paisagem distintos pelas suas características
morfopedológicas e, também, pelas formas de uso e ocupação. Essas formas de uso do solo vêm se
distanciando, na última década, daquelas características da microrregião onde está inserido.
As modificações no espaço rural com a retirada significativa das pastagens, implicam em novas formas
de manejo, com exposição dos solos nus ou parcialmente descobertos durante alguns períodos do ano.
Essas condições, nas áreas recobertas por solos de textura arenosa e média, em especial no
compartimento do Xambrê, são particularmente favoráveis ao desenvolvimento de processos erosivos
de origem hídrica, tanto por escoamento difuso quanto concentrado. Por outro lado, no compartimento
do Piquiri, a cobertura pedológica, constituída na maior parte das vertentes por Latossolos de textura
argilo-arenosa, tendem a ser menos susceptível aos processos erosivos hídricos, suportando em
melhores condições a submissão aos ciclos de culturas sazonais. Entretanto, mesmo nesse
compartimento, os setores de baixa vertente exibem, em virtude da presença dos Argissolos Vermelhoamarelos abruptos, uma vulnerabilidade maior à erosão requerendo, portanto, usos e manejos
especiais, mais adequados a essa condição.
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