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O AJUSTE NEOLIBERAL: IMPACTOS NA POLÍTICA DE
SAÚDE NO BRASIL
Cleide Ana Rodrigues Mendes 1
Patrícia Jobim Santos2
RESUMO
O presente artigo visa refletir acerca do Ajuste Neoliberal e seus impactos na política de
saúde, já que os mesmos atingem visivelmente esta área. A metodologia utilizada foi pesquisa
bibliográfica, sendo examinadas literaturas condizentes ao tema proposto. Diante da
constatação das dificuldades de uma saúde “doente”, faz-se necessário refletir a origem dessa
problemática e, a partir daí, analisar os impactos que recaem sobre ela. Entendemos que a
saúde foi fortemente influenciada pelo ajuste neoliberal implementado no Brasil,
principalmente a partir da década de 1990. Sendo assim objetiva-se adquirir embasamento
teórico-metodológico do processo histórico de constituição desta política social, bem como
apreender suas determinações no presente, para que possamos instrumentalizar os
profissionais, movimentos sociais, usuários e demais atores vinculados à saúde.
Palavras-chave: Ajuste Neoliberal; Capitalismo; Políticas de Saúde.
1
- Assistente Social - Pós Graduação em Instrumentalidade do Serviço Social com Ênfase em saúde,
Assistência, Previdência e Poder Judiciário (UNESAV) – CRESS – 18.505.
2
- Assistente Social – Mestre em Serviço Social (UFJF) – Analista Executivo de Defesa Social (SEDS)/MG.
2
1. INTRODUÇÃO
Este artigo busca apreender as premissas sob as quais o pensamento liberal reaparece
na contemporaneidade apresentando novas configurações a partir de 1970, e os impactos
desse processo para a política social de saúde, com um especial interesse na situação
brasileira. O neoliberalismo promove um novo reordenamento político, econômico e social
que irradiou pelo mundo, iniciando pela Europa e os Estados Unidos e influenciando todos os
países de forma geral.
Emerge como resposta à crise de superacumulação do capital, questionando o Estado
de Bem-Estar Social presente até então vigente. O último quartel do século XX foi marcado
em termos econômico-socias por altos índices de inflação, dificuldade de recuperação dos
superlucros, derrotas sindicais, aumento considerável do desemprego e a uma desigualdade
social crescente. Observa-se com clareza o elo entre o neoliberalismo e acumulação
capitalista, onde um justifica o outro.
São os países subdesenvolvidos que mais sentem os impactos provocados pelos ajustes
neoliberais e sofrem, por exemplo, com o desemprego, o aumento da desigualdade social, a
privatização e a dependência de capital estrangeiro, o que causa uma devastadora privação de
direitos e benefícios àquela população mais atingida e carente de um olhar mais apurado por
parte das autoridades políticas e do poder vigente.
Atualmente convivemos com as consequências de uma política que se sobrepõe ao
coletivo, ao social em função da variável econômica. O neoliberalismo promove impactos na
sociedade de maneira decisiva, já que prejudica as políticas públicas, como: a educação, a
previdência social e a saúde, que são áreas bases da vida do cidadão construtor da sociedade.
Neste sentido, o presente artigo visa demonstrar a importância do entendimento do
impacto da política neoliberal, principalmente na área da saúde no âmbito brasileiro, a qual é
vital tanto para a população como para o país e seu desenvolvimento econômico. Porque
entendemos que a saúde é o bem maior dos seres humanos e é do sistema político vigente a
responsabilidade pela promoção de uma devida e justa redistribuição dos bens socialmente
produzidos, sejam estes financeiros, tecnológicos ou humanos.
Para tanto, a metodologia utilizada no desenvolvimento deste estudo foi a pesquisa
bibliográfica, sendo examinados livros, periódicos e artigos científicos para criação de um
referencial téorico crítico, que nos possilibitou uma leitura da realidade para além de sua
3
pseudoconcreticidade. Dentre os autores que contribuíram para a elucidação da temática,
citamos Vargas (2008), Soares (2002), Pereira (2000), Silva (2007), Behring e Boschetti
(2007), Cohn (2001), dentre outros.
1. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL
Faz-se necessário descrevermos os fatos históricos ocorridos no decorrer da trajetória
das políticas públicas da saúde no Brasil a partir do século XX, por entendermos que esse
setor está intrinsecamente atrelado ao contexto político, social e econômico do país, sendo
esses setores e suas evoluções complexas e indissociáveis uns dos outros.
Enfatiza Vargas (2008) que no início o século XX, nossa economia era
primordialmente agrícola, com dependência da exportação do café e do açúcar. Mesmo com o
crescimento econômico, este período foi de crise econômica, social e sanitária, devido às
epidemias que assolaram a população, como a febre amarela, que provocou temor e impediu a
estadia de navios estrangeiros que precisavam atracar nos portos brasileiros, o que prejudicou
a exportação cafeeira e também a imigração de mão de obra. As medidas do governo
focaram-se em estradas e portos, que eram os espaços que as mercadorias circulavam.
O autor ressalta que no ano de 1902, o Rio de Janeiro não possuía saneamento básico e
doenças como a varíola, a malária, a febre amarela e a peste espalhavam-se de forma
vertiginosa. Portanto, para solucionar essa questão, o médico sanitarista Oswaldo Cruz foi
nomeado para diretor do Departamento Federal de Saúde Pública. Com auxílio policial, o
sanitarista invadiu as casas e queimou roupas e colchões sem, contudo, promover ações
educativas. Também foi declarada a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Esses
acontecimentos fizeram com que a população se revoltasse, foi a chamada Revolta da Vacina
e culminou no afastamento de Oswaldo Cruz. Essa ação do sanitarista ficou conhecida como
campanhista.
Mesmo sob arbitrariedades e abusos, esse modelo sanitário concebeu vitórias no
combate às doenças epidêmicas, tornando-se uma proposta hegemônica na intervenção da
saúde coletiva durante muitos anos. Ressalta o autor que devido ao sucesso do controle das
epidemias urbanas, o modelo campanhista se enveredou na área rural.
4
Assim, com a crescente urbanização, a utilização de mão de obra imigrante europeia –
italianos e portugueses – o país apresentou desenvolvimento. Entretanto, os operários não
possuíam garantias trabalhistas, e dessa forma, os imigrantes iniciam um processo de
mobilização da classe operária no Brasil, ocorrendo duas greves gerais (1917 e 1919) na luta
por seus direitos. Esses movimentos deram margem para a conquista de direitos sociais
(VARGAS, 2008).
A partir do declínio da cultura cafeeira (VARGAS, 2008), mudou-se o modelo
econômico para um de enfoque industrial. Dessa maneira, a necessidade de saneamento passa
dos espaços de circulação de mercadorias para a manutenção do corpo do trabalhador.
Em 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas e a queda das oligarquias do poder,
ocorre uma extensa reforma, tanto administrativa como política, que embasa a Constituição de
1934 e, em 1937, a ditadura do Estado Novo. Essa fase marca uma participação estatal maior
nas políticas públicas, com vistas populistas. Também nesse período, ocorrem movimentos
trabalhistas que resultam em medidas no âmbito das políticas sociais. Assim, foi criado o
Ministério do Trabalho, para que, também, se estabelecesse medidas de regulação da
atividade sindical (VARGAS, 2008).
Ao final da década de 1950, começou-se novamente a discussão acerca da saúde
pública, no que tange às suas práticas e os limites financeiros do Estado perante os problemas
sanitários. “[...] delineando-se assim, pouco a pouco, um outro padrão de atendimento à
saúde, mais hospitalar e curativo [...]” (VASCONCELLOS, 1995 apud VARGAS, 2008, p.
16).
Em 1960, os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs – criados em 1930), se
unificaram regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), através do surgimento da
Lei Orgânica da Previdência Social (Lei Nº 3.807, de 26 e agosto de 1960). É a primeira vez
que se define uma contribuição efetiva do Erário Público, além da contribuição já ofertada
pelos trabalhadores e as empresas. Somente em 1967, essas medidas foram efetivadas pelos
militares que unificaram as IAPs e criaram o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Assim, o governo militar obrigou-se a incorporar outros benefícios como a assistência
médica, antes oferecida pelos IAPs (VARGAS, 2008).
Segundo Vargas (2008) o aumento expressivo dos contribuintes e beneficiários
provocou mudanças e o governo militar precisou alocar seus recursos para ampliar o sistema
e, dessa forma, optou por direcioná-los para a iniciativa privada. Também ocorreram
5
mudanças estruturais, que culminaram na criação do Instituto Nacional de Assistência Médica
da Previdência Social (INAMPS), no ano de 1978, com a finalidade de intermediar os
repasses para a iniciativa privada. Cabe ressaltar que no ano de 1974 foi criado o Fundo de
Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), promovendo a remodelação e ampliação de
hospitais privados através de empréstimos com juros subsidiados, o que ocasionou um boom
na rede privada. Afirma o autor que “[...] Este modelo criado pelo governo pautava-se no
pensamento da medicina curativa, com poucas medidas preventivas e sanitaristas”
(INDRIUNA, 2008 apud VARGAS, 2008, p. 17).
Para Vargas (2008), no início da década de 1980, esse sistema apresentou sinais de
esgotamento por conta dos recursos distribuídos em aposentadorias e pensões. A partir daí,
buscou-se reestruturar movimentos em defesa de uma política de saúde ampla e que
favorecesse a todos.
O I Simpósio Nacional de Política de Saúde, realizado pela comissão de saúde da
Câmara dos Deputados, em 1979, foi o primeiro marco da Reforma Sanitária brasileira. Foi o
início das discussões acerca do Sistema Único de Saúde, que visava a universalização do
direito à saúde, racionalização e integralidade das ações, democratização e participação
popular, e também experiências de atenção primária e de cobertura extensa a nível nacional.
O autor enfatiza que outro marco da questão saúde ocorreu em Brasília, no ano de
1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde, da qual contou com aproximadamente cinco mil
pessoas, entre as quais profissionais de saúde, usuários, políticos, lideranças populares e
sindicais, para discutirem uma nova proposta e estrutura de política de saúde. A Constituição
de 1988 incorporou uma grande parte das propostas da Conferência e incluiu em seu texto
sobre a Seguridade Social, a saúde como direito de todos e dever do Estado. No entanto, a
regulamentação do SUS só veio mais tarde, em 1990, através da Lei 8.080.
Fleury (2006) apud Behring e Almeida (2010, p. 195) considera que a Constituição de
1988 intentou gerar mecanismos mais solidários com nova redistribuição a fim de que não
ocorresse uma cobertura restrita no mercado formal de trabalho, bem como flexibilização de
contribuição e benefícios. Assim, a seguridade social passou a ocupar espaço relevante no
debate constitucional, sendo compreendida como “um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social” (Título VIII, Capítulo II, Seção I, art. 194 da CF)
(BEHRING e ALMEIDA, 2010, p. 195).
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Nos anos 1990, o ajuste e a reforma do Estado ganham destaque e são estimuladas
pelo ideário neoliberal internacional, que incluía privatização, reforma administrativa,
redução dos gastos públicos e saída do Estado da provisão de serviços. “[...] É, portanto, na
esteira do discurso reformista, de cunho marcadamente neoliberal, que se desenvolveram os
debates acerca da necessidade de reorganização do modelo de seguridade social brasileiro”
(BEHRING e ALMEIDA, 2010, p. 198).
Ao chegarmos ao período de 1991 a 1994, com a eleição de Collor e sua política
neoliberal-privatizante, o que se pretendeu foi reduzir ao mínimo as ações do Estado. “[...] Tal
discurso fundamentava-se na redução dos gastos públicos pela privatização das empresas
estatais, porém na prática, essa redução de gastos atingiu a todos os setores do governo,
inclusive o da saúde” (VARGAS, 2008, p. 22). Behring e Almeida (2010) afirmam que o
governo Collor foi bastante conservador e patrimonialista, o que foi um contraponto às
diretrizes das reformas sociais que tentavam se consolidar.
Vargas (2008) ressalta que em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso
manteve e intensificou a implementação do modelo neoliberal e fortaleceu a ideologia da
globalização. “[...] É importante mencionar que o imposto teria uma duração definida de
vigência que seria por um período de dois anos, e que os recursos arrecadados somente
poderiam ser aplicados na área de saúde” (VARGAS, 2008, p. 23). Cabe ressaltar, também,
que aconteceram muitas denúncias de desvio de verbas da CPMF por parte do governo.
Em 1996, editou-se a NOB-SUS 01/96 (Normas Operacionais Básicas de 1996), que
têm o objetivo de simplificar a forma de operacionalizar o sistema. Essa NOB-SUS foi um
avanço porque propôs aos municípios que se encaixassem nos modelos de Gestão Plena de
Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema Municipal.
Em crise, a saúde pública não cumpria suas propostas de atendimento universal e
equânime devido ao seu orçamento, que não era compatível com a demanda da população.
Por isso, a EC 29 foi um relevante avanço com o intuito de amenizar a instabilidade no
financiamento do setor, sendo uma conquista da sociedade (VARGAS, 2008).
Para o autor, o novo governo seguiu os moldes do anterior. A CPMF (extinta em
2008) foi utilizada, enquanto estava em vigor, para outros fins, como cobrir parte das
despesas financeiras anuais do governo. No entanto, mesmo com a continuidade da política
neoliberal, ocorreram conquistas de suma importância para a saúde pública. Foi aprovado o
Projeto de Lei complementar 01/2003, que regulamentou a EC 29.
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Segundo Vargas (2008, p. 26) “A aprovação desse projeto aponta para o
fortalecimento do controle social e ampliação do acesso à saúde à medida que impede que os
recursos migrem para outras áreas ou projetos.” Também se destaca, nesse período, a
instituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), prevendo a unificação do sistema
e partilhando responsabilidades entre os entes federados e as instâncias do sistema
descentralizado e participativo, bem como recomendando uma lógica orçamentária.
Cabe ressaltar que o SUS representou um avanço, pois suas diretrizes –
descentralização, integralidade da atenção e participação social – têm remontado o aspecto da
atenção à saúde, proporcionando alterações de organização significativas, mas em contexto de
confrontos e conflitos de interesses. A consolidação do SUS, entretanto, acotovelou-se com
medidas de ajuste estrutural da economia e foi acompanhada por uma expansão do mercado
de seguros e planos de saúde destinados à parcela da sociedade que possuía condições de
adquirir este tipo de produto e podendo deduzir no imposto de renda (BEHRING e
ALMEIDA, 2010).
Como fica evidente neste texto apresentado sobre a saúde no Brasil, este é um setor
permeado por decisões e ações de interesse governamental e nem sempre pautadas no
coletivo, no cidadão enquanto provedor dos recursos públicos.
Segundo Bravo (1996), à saúde na Constituição, é pensada sob influência do
movimento da reforma sanitária (1970), como movimento social e batalha institucional, o que
culmina na VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, que propõe o Sistema Único e
Descentralizado de Saúde (SUDS) e o conceito de saúde integral.
Os ajustes que recaíram sobre as políticas sociais no Brasil incitaram reformas
administrativas nas áreas do setor público e ficaram conhecidas como “Modernização do
Setor Público” ou de “Reforma do Estado”. No entanto, essas reformas se limitavam a cortes
quantitativos do funcionalismo público e mudanças de gestão, o que segundo Soares (2008)
vem provocando modificações importantes no caráter público dos serviços sociais.
Segundo Soares (2008) a concepção neoliberal de política social preconiza que o bem
estar social é do âmbito privado. No caso do Brasil, jamais construímos efetivamente um
Estado de Bem Estar Social, um conceito de política social constitutiva do direito de
cidadania, ao invés disso a concepção vigente é emergencial, focalista, parcial, tornando a
população pobre como única responsável pela resolução de seus problemas. Cohn (2001, p.
42) esclarece que,
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[...] não cabe setorializar a política de saúde em programas estanques, mas formulála articuladamente às demais, para formarem um todo integrado. Não se trata de
diminuir o peso do setor de saúde no conjunto das políticas públicas, mas sim de se
ter consciência de que, tomadas de per si, as políticas de saúde têm claros limites
impostos pela realidade de nossa sociedade.
No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Menicucci (2011) o tema da saúde
não foi essencialmente valorizado e difundido na primeira campanha de Lula à presidência
(2003-2007). No entanto, a autora avalia positivamente o primeiro mandato do presidente, a
despeito de todas as limitações ocorridas e das críticas contrárias.
[...] no plano de governo havia referência a propostas que seriam implantadas
posteriormente e que seriam as principais inovações setoriais do primeiro mandato.
Tratam-se das propostas relativas a uma política de saúde bucal, à questão das
urgências/emergências, ao acesso a medicamentos com a proposta de criação da
farmácia popular. O Plano incluía ainda outras propostas com caráter de
continuidade, mas nem de longe menos importantes dado tratar-se de questões não
equacionadas, como a ampliação do Programa de Saúde da Família (PSF), o reforço
da atenção básica, o aprimoramento das relações intergovernamentais, a ampliação
do acesso e a garantia da integralidade da assistência - esses dois últimos, embora
integrem os princípios do SUS expressos na CF-1988, continuam sendo os grandes
desafios da política de assistência à saúde no longo e difícil processo de sua
construção (MENICUCCI, 2011).
Para Cohn (2005, p. 394-395) a focalização na saúde brasileira não é restrita aos
pobres “[...] refere-se a focos específicos a serem atingidos para a solução de um determinado
problema e envolve grupos sociais a partir de determinadas características particulares. Nessa
perspectiva, a focalização na saúde emerge no interior de uma concepção universalista, como
estratégia de implantação da universalização como um direito.
Em seu segundo mandato, Lula não inovou e pouco fez pela saúde, somente deu
continuidade aos programas do primeiro mandato. Também alguns projetos sofreram derrotas
parlamentares e foram abandonados (MENICUCCI, 2011). Segundo Tristão (2011) a inflexão
do Partido dos Trabalhadores (PT) para o neoliberalismo foi paulatinamente construída no
decorrer dos anos.
Para a autora, a justificativa, num primeiro momento do mandato de Lula para
determinadas posições foi a necessidade de conquistar a confiança do mercado, assim, não
houve qualquer regulação do mesmo. Essa foi, segundo a autora, uma clara demonstração do
neoliberalismo nas decisões desse governo.
Andrioli (2006) considera que a alta de juros com a intenção de proteger o país da
retirada de capitais, estrangulou o mercado interno. Em 2003, ainda havia poucos e baixos
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investimentos, uma taxa de desemprego alta e perdas reais de renda para grande parte da
população. Em 2004 foi possível retirar o país da recessão em que se encontrava devido a
decorrência do volumoso aumento nas exportações, sendo viável um crescimento econômico
significativo.
Borlini (2010) ressalta que a partir de 2003, no governo Lula, havia muita ansiedade
por medidas que dessem por fim o projeto privatizante e mercadológico das políticas
econômicas e sociais, principalmente devido à trajetória progressista de Lula e seu partido.
No entanto, outros autores confirmam que:
o governo Lula manteve e deu continuidade às medidas neoliberais, imperantes no
governo anterior, pois [...] no lugar de implementar uma transição para um novo
modelo, defendida durante a campanha eleitoral, não só havia mantido a política
macroeconômica do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso – FHC, como
havia aprofundado, o que fica evidente com a manutenção do compromisso de
promover o superávit fiscal primário [...] (MENDES e MARQUES, 2005, p. 259
apud BORLINI, 2010, p. 328).
Visando os interesses do capital, algumas ações desse governo que se relacionam ao
financiamento da saúde se destacam, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU), a
Emenda Constitucional 29 (EC-29) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Todas essas
medidas seguem a lógica de desvio de recursos da saúde para outros fins econômicos
(MENDES e MARQUES, 2005; 2007; 2009 apud BORLINI, 2010, p. 329).
A autora ressalta a neutralidade do crescimento econômico no que tange à distribuição
orçamentária, que aumenta ou diminui as desigualdades, de acordo com os interesses oficiais
advindos de uma economia global. Por isso, para compreendermos a saúde no Brasil,
precisamos conhecer qual o projeto político do país, como os recursos são distribuídos, quais
decisões convergem para esse projeto e esses recursos.
tal manipulação vem não somente prejudicar os valores a serem transferidos para os
fundos de saúde, mas também dar suporte ao discurso de que a saúde pública não
mais atende às demandas a ela repassadas e, que a única, ou quem sabe a mais
plausível saída seria a entrega desse campo ao mercado. Nasce a ideia de que a “mão
invisível” do mercado se torna mais eficiente na gestão do legado estatal (BORLINI,
2010, p. 331).
Borlini (2010) aponta ainda que
é mantido, nesse contexto, um discurso de crise na saúde, onde a ausência de
recursos humanos, financiamento, gestão e estrutura física representam alvos das
investidas neoliberais em demonstrar os obstáculos para a efetivação de um sistema
de saúde público e universal. Entretanto, fica escamoteado o fato de que a crise na
saúde não ocorre em função do modelo de sistema, mas ao contrário, é fruto dos
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fatores “extrasaúde”, relacionados às políticas
MARQUES, 2005 apud BORLINI, 2010, p. 331).
macroeconômicas
(UGÁ;
Para Alves (2013) a herança neoliberal herdada pelos governos Lula e Dilma
permanece entranhada em programas e projetos. A presidenta e seu governo adotam políticas
de privatização do patrimônio público visando operar a lógica da governabilidade do Estado
capitalista, políticas estas que vem sendo contestadas por muitos.
[...] observamos, ao mesmo tempo, que os governos pós-neoliberais de Lula e Dilma
não alteraram essencialmente o metabolismo político do Estado neoliberal
instaurado na década de 1990 no Brasil, seja em sua dimensão restrita, como
sociedade política e estrutura burocrática; seja em sua dimensão ampliada: a
sociedade civil e seu sociometabolismo. Enfim, os governos pós-neoliberais,
imbuídos do espírito do lulismo e em nome da governabilidade, optaram
pragmaticamente por reproduzir o Estado neoliberal herdado da década de 1990; e
pior, preservar essencialmente o Estado brasileiro de feição oligárquico-burguesa
oriundo da ditadura militar.
Soares (2002, p. 106) mostra-se otimista ao considerar que não se pode negar a
“existência daquilo que poderíamos chamar de espaços de resistência ao neoliberalismo, não
apenas no plano intelectual, mas também no plano da ação política e, sobretudo, da luta
social”. E continua:
assim, torna-se imperativo registrar, também como espaço de esperança, a
enorme riqueza da realidade brasileira, suficientemente ampla e variada
em termos de elaboração e implementação de políticas sociais públicas
alternativas e opostas ao modelo dominante, na busca de uma maior
justiça social. Nesse sentido, tem sido decisiva a eleição de governos
democráticos populares, liderados por partidos de esquerda, tanto em
prefeituras como em estados brasileiros, contradizendo, na prática, aqueles
que afirmam que a esquerda não tem mais “alternativas” (SOARES, 2002,
p. 106).
Conclui a autora que se não há como fugir dos ajustes neoliberais, das suas
consequências inevitáveis, também não há como fugir à luta social por um mundo mais justo,
com menor disparidade social no que se refere à saúde no Brasil.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A consolidação do neoliberalismo mundial se concretizou com o desmonte das
políticas sociais dos Estados e suas economias. Ao liberar o mercado para que o mesmo fixe
suas próprias regras, o capitalismo sempre foi, aos olhos das grandes potências econômicas, a
única alternativa global de desenvolvimento. Alguns estudiosos afirmam que não existe um só
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lugar no mundo que não tenha à frente de sua economia o neoliberalismo, seja ele extremo ou
moderado ou ainda, velado.
Outro fator determinante em relação à essa concepção política é que ela necessita do
Estado para que o mesmo coloque em prática sua ideologia de mercado e ação não
intervencionista .do mesmo. Esse fator é antagônico, ao mesmo tempo que visa retirar o
Estado de certos setores da economia, essa concepção precisa dele para se fixar como
alternativa econômica, política e social.
A grande questão é, em nosso entendimento, que essa concepção política recai
implacavelmente sobre as políticas sociais, reduzindo recursos e investimentos nas áreas da
educação, saúde e previdência social, o que promove prejuízos enormes, permanentes e
imensuráveis na vida dos cidadãos.
Na área da saúde a situação é ainda mais alarmante e insustentável. Consideramos uma
contradição que o desenvolvimento de um país aconteça a partir da perda ou diminuição de
um direito básico e imprescindível – tanto que está contido em nossa Carta Magna – que é o
da saúde. Não pode haver desenvolvimento justo sem saúde, “saúde” do Estado e suas
políticas, do mercado e sua produção e do trabalhador e sua produtividade.
É dever do Estado garantir a saúde e o bem estar do cidadão, e o neoliberalismo, nos
parece, vem na contramão dessa conquista constitucional que foi adquirida a custa de muita
luta e sacrifício.
Entendemos que outras concepções políticas que já existiram e persistiram no cenário
mundial, não foram ideais e não alcançaram o objetivo da justiça e da igualdade, no entanto,
tampouco o capitalismo consegue chegar a esse patamar de ensejo coletivo. Portanto,
concluímos que seria necessário um outro sistema, uma outra convicção, uma outra
concepção de política, que recolha de tudo que já foi implantado e vivido o lado positivo e
que se refaça numa nova sociedade.
Vivemos uma era de barbárie, entretanto, podemos perceber, em toda parte do planeta,
que a insatisfação, o conhecimento histórico e a discussão aumentam, dando alento e
esperança para que reflitamos sobre novas formas de vivermos numa sociedade mais justa e
em um mundo melhor para todos.
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12
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14
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