33º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS Título: “Sociólogos, Antropólogos e Publicidade: o papel das Ciências Sociais além do meio acadêmico.” GT 22 – Etnografando o fazer científico Título: “Sociólogos, Antropólogos e Publicidade: o papel das Ciências Sociais além do meio acadêmico.” Nome: Fernanda Cristina de Carvalho Mello Resumo: A proposta é refletir sobre os caminhos que as Ciências Sociais vêm traçando fora do meio acadêmico. Constata-se que os cientistas sociais – particularmente antropólogos e sociólogos – vêm sendo requisitados pela área de Propaganda e Publicidade para a análise do perfil de consumidores a partir de uma abordagem cultural, que detecta estilos de vida, identidades e costumes. Pretende-se investigar se existe um paradoxo entre a formação teórica dos cientistas sociais na universidade e a sua atuação profissional no mercado, no contexto da sociedade contemporânea. O projeto pretende discutir o tema da prática do cientista social à luz da fundamentação teórica sobre os “usos” das ciências sociais, propondo em um mesmo movimento um espaço de reflexão científica sobre a ciência. 1. INTRODUÇÃO a. Tema e objeto “Assim, ninguém está mais desarmado do que o científico para pensar a sua ciência. A questão ‘o que é a ciência?’ é a única que ainda não tem nenhuma resposta cientifica. É por isso que, mais do que nunca, se impõe a necessidade de um autoconhecimento do conhecimento cientifico. Este deve fazer parte de toda a política da ciência, como da disciplina mental do científico. O pensamento de Adorno e de Habermas recorda-nos incessantemente que a enorme massa do saber quantificável e tecnicamente utilizável não passa de veneno se for privado da força libertadora da reflexão”. (MORIN, 1989, p. 29) Edgar Morin coloca a ciência em questão: proposta audaz, já que nas palavras do autor a ciência se coloca como elucidativa, enriquecedora, conquistadora e triunfante. Certamente essas são características da ciência, mas Morin nos deixa em aberto a resposta à pergunta ‘o que é a ciência?’, e indica uma necessidade de auto-reflexão por parte do científico, ou seja, aquele que se encontra desarmado para realizar a tarefa de questionamento: quais caminhos que a ciência está seguindo? A sociedade - e por extensão a ciência - está fugindo ou seguindo o pensamento unidimensional colocado por Marcuse? (1970). Temos como proposta refletir sobre os caminhos que as Ciências Sociais vêm tomando, dado que esta área tem se expandido cada vez mais para além dos meandros acadêmicos. Sua relevância já é conhecida dentro da área das Ciências Humanas, ocupando um espaço de estudos na academia que busca compreender a diversidade das culturas, levantando os aspectos que as compõem como únicas e não perdendo de vista a prática da alteridade e respeito às diferenças – tal é o recorte dado à Antropologia - e, por outro lado, a Sociologia que estudo o comportamento social, os sistemas sociais e a 2 complexa relação indivíduo/sociedade. Por último, a Ciência Política que foca seus estudos no planejamento de políticas públicas, assessoria de governo, dentre outras atividades relevantes e centradas na política. Em seus primórdios, as Ciências Sociais - ainda não cunhada com tal termo - era uma extensão da Filosofia, que buscava compreender a vida em sociedade. O contexto histórico do surgimento das Ciências Sociais nos leva ao Iluminismo do século XIX, com a sistematização de um pensamento próprio, desvinculado da Filosofia e abarcado pelas novas descobertas científicas, desenvolvimento tecnológico e material com a Revolução Industrial que levaram a transformações significativas na vida social. É uma nova sociedade que se coloca, e os pensadores da época buscam novas formas de conhecer essa nova sociedade que está em processo de transformação contínua e proeminente. Dando um salto no tempo, e de forma muito resumida, passamos à formação da Sociologia como disciplina, com metodologia única e própria, baseada em princípio nas ciências positivas. É Émile Durkheim que procura a definição dos fatos sociais aliado a um método próprio de investigação: o positivismo. A partir de então, os intelectuais, já podendo ser denominados de sociólogos, podem se debruçar nos estudos a respeito da variedade de instituições, grupos sociais, relações sociais que ocorrem nas diferentes sociedades, cada um com uma abordagem própria: marxistas, weberianos, durkheimnianos, modernos, pós-modernos, enfim, todos assegurando que os mesmos fenômenos sociais podem ser investigados por diferentes perspectivas.1 Já o surgimento da Antropologia está vinculado a uma literatura etnográfica dos séculos XVI ao XIX - viajantes, missionários, exploradores, os colonizadores – que relatavam em cartas suas viagens a longíquas localizações e seus contatos com os povos ‘recém-descobertos’. A intenção por parte dos colonizadores de se estabelecer contato com habitantes desconhecidos provocou dois tipos de comportamento estereotipados que reverberam em estudos: a recusa do estranho (figura do mau selvagem e bom civilizado) e a fascinação pelo estranho (figura do bom selvagem e mau civilizado), discussão que foi à tona com o debate travado entre Sepúlveda e Las Casas. Esta fase inicial da 1 Aqui a intenção não é pormenorizar o surgimento das Ciências Sociais (particularmente Sociologia e Antropologia), por isso a forma reducionista pela qual tratamos o longo processo de constituição das duas ciências. Foi somente um resumo coeso para situar a discussão. 3 Antropologia ficou conhecida como Pré-História da Antropologia (Laplantine, 1991; Mercier, s/d). Condensando aqui o tempo e o conhecimento antropológico pela história, a Antropologia, deitada em berço europeu e americano passa a focar seus estudos nas culturas primevas, buscando interpretar e conhecer aspectos culturais que as diferenciam das sociedades ocidentais, para que em última instância possa melhor interpretar a própria sociedade ocidental. Como é que, eu, portador inconsciente dos valores da minha cultura, posso julgar uma cultura dita primitiva ou arcaica? Que valem os nossos critérios de racionalidade? A partir daí, começa a necessária auto-relativização do observador, que pergunta ‘quem sou eu’, ‘onde estou eu’?(MORIN,1982). O estudo fica concentrado nas populações que não pertencem à civilização ocidental, e nomes como Malinowski, Radcliff Brown, Ruth Benedict, Marcel Mauss e Lévi Strauss são referências de pesquisas e posteriormente de obras que se tornaram clássicas, em que a etnografia foi utilizada como método de estudo dessas populações, buscando levantar as formas elementares de vida dessas sociedades que acabaram por se tornar um objeto empírico. Dada a dimensão tão ampla da Antropologia, o conhecimento antropológico foi organizado em áreas dentro da Academia para ressaltar e fundamentar os estudos de determinados aspectos da vida humana. De acordo com Françoise Laplantine (1987) e Mercier (s/d), podemos classificar a Antropologia de acordo com temas, conceitos, principais representantes e obras de referência de cada escola do pensamento antropológico, seguindo uma ordem cronológica: Evolucionismo Social no século XIX (L. Morgan, Maine, Herbert Spencer, E. Tylor, James Frazer); Escola Sociológica Francesa (Émile Durkheim, Marcel Mauss e Henri Hubert); a partir do século XX, o Funcionalismo (Bronislaw Malinowski, Radcliffe Brown, Evans-Pritchard, Raymond Firth, Max Glukman, Victor Turner e Edmund Leach); o Culturalismo Norte-Americano (Franz Boas, Margaret Mead e Ruth Benedict); Estruturalismo, com seu principal expoente, Claude Lévi-Strauss; a Antropologia Interpretativa (Clifford Geertz) e a Antropologia Pós-Moderna ou Crítica a partir dos anos 80 (James Clifford, Georges Marcus, Richard Price, Michel Fischer).2 2 A título de observação e metodologia, quando a palavra ‘Antropologia’ for utilizada neste projeto, diz respeito à Antropologia Social e Cultural, que é uma das cinco áreas magnas da Antropologia, juntamente 4 É claro que a Sociologia e a Antropologia não se reduzem somente a nomes de referência e paradigmas determinados. Essa classificação visa facilitar a compreensão de tão enorme campo de possibilidades de estudos, organizando dessa forma o raciocínio de quem se propõe a compreender o homem como ser biológico, social e cultural. Mas até então nos detivemos na questão acadêmica das Ciências Sociais. Fora do campo eminentemente antropo-sociológico, ela tem sido requisitada para estabelecer relações interdisciplinares, seja com a Psicologia, Sociologia, Economia, História, Lingüística e Psicanálise, Teologia, Arqueologia, Medicina e Publicidade e Propaganda, além de também adentrar o mundo do mercado de trabalho fora da Academia, já que cada vez mais os antropólogos, por exemplo, são procurados por jornalistas para fazerem suas análises sobre determinados assuntos, expôr suas opiniões e estudos em revistas não só científicas, mas também de assuntos gerais, dando argumentos que buscam analisar mais profundamente os aspectos da vida social. É neste recorte que se pretende focar a discussão: as Ciências Sociais vem trilhando novos caminhos além da área acadêmica, como já citado anteriormente, e dentro desses parâmetros interdisciplinares a Publicidade se coloca como uma área que procura cada vez mais antropólogos e sociólogos para trabalharem junto ao segmento da Comunicação Social. A inserção de profissionais das Ciências Sociais - particularmente antropólogos e sociólogos - nos institutos de pesquisa e agências de publicidade é um campo de trabalho relativamente novo3, que vai além da possibilidade de seguir carreira acadêmica (professor e/ou pesquisador) ou trabalhar junto aos setores governamentais, por exemplo. É uma alternativa que se coloca aos recém-formados e aos cientistas sociais já titulados a fim de exercerem sua profissão. A inserção desses profissionais das ciências sociais no universo publicitário e do marketing se dá no bojo do processo de formulação de políticas de venda e de constituição do desejo. Posto que agora o mercado começa a debater, a refletir e a produzir produtos voltados para o público negro, branco e oriental, ou seja, um mercado cada vez mais segmentado. São produtos que projetam na diversidade físico-corpórea o novo padrão de beleza atrelada às identidades sexual, etária, mas também étnico-racial de com Antropologia Biológica, Antropologia Pré-histórica, Antropologia Lingüística e Antropologia Psicológica, ainda segundo Laplantine. 3 Data do século XX, particularmente pós 2º Guerra Mundial, atrelado à expansão do consumo. 5 seus consumidores, além do recorte cultural com ênfase nos perfis de estilos de vida. (SANT’ANNA, 1995; BUENO & CASTRO, 2005). Nesse novo cenário do século XXI, a sociedade industrial caracteriza-se por uma especialização crescente, tanto no mundo do trabalho - com uma divisão social cada vez mais pormenorizada; quanto no mundo da produção, com indústrias que oferecem produtos com maior número de detalhes e usos. Tal diversificação é facilmente visível ao entrar em uma banca de revistas: a quantidade de títulos dirigidos a diferentes áreas e temas é enorme. E a quantidade de revistas segmentadas de acordo com o tipo de público também, e é neste ponto que podemos utilizar a noção de ‘habitus’ junto à publicidade. Bourdieu realizou uma construção teórica extensa e dentre seus conceitos, o ‘habitus’ e o ‘espaço dos estilos de vida’ podem ser articulados com a área de comunicação social, mais especificamente a publicidade. Por habitus, Bourdieu define o “conjunto de práticas de um agente ou de vários agentes que são sistemáticas, semelhantes entre um estilo de vida e distintas das práticas constitutivas de um outro estilo de vida” (1983;84). As práticas que os indivíduos realizam definem um estilo de vida específico, e na origem do estilo de vida está o gosto, a propensão e aptidão para a apropriação material e/ou simbólica. E é neste ponto que a publicidade trabalha. Os publicitários definem públicos-alvo para os produtos, ou seja, cada produto produzido é destinado a um comprador específico. Para tanto, utilizam-se de uma metodologia própria para classificar a população em grupos de consumidores segundo sexo, idade, renda e classe social, hábitos de consumo e estilos de vida, estes últimos ligados a uma abordagem cultural (tal segmentação não se restringe somente aos parâmetros citados, foram somente alguns exemplos). Nesse contexto, o trabalho dos cientistas sociais se faz necessário dentro do espaço das empresas do marketing e da publicidade a fim de dialogarem, planejarem ações e levantamentos de opiniões que venham a atender aos anseios do consumidor atento a seus valores culturais e à sua identidade cultural. Esse dado, mais uma vez nos leva à Bourdieu (1983; 84), que coloca “as diferenças na ordem do estilo de vida e, mais ainda, da estilização da vida, reside nas variações da distância com o mundo – suas pressões materiais e suas urgências temporais”. Dessa forma, se acompanharmos o pensamento do sociólogo francês, a emergência de novos grupos sociais possibilita então o aparecimento de novos consumos, 6 distintos e específicos; e é neste ponto que este projeto se propõe a atentar sua análise, já que é neste contexto que os cientistas sociais são chamados/contratados a trabalhar nas agências de publicidade com o intuito de traçarem o perfil desse público segmentado: seu comportamento, seu poder de consumo e o seu estilo de vida. Buscam conhecer as peculiaridades do público e perceber as mudanças culturais e sociais presentes nesses segmentos da população: operação que, está visto, ajusta-se ao processo de construção das identidades sociais, seguindo de perto os modelos culturais que definem os “tipos” ideais de cada segmento e grupo, classe ou bairro, no jogo complexo das heterogeneidades coletivas de onde sacamos por assim dizer a nossa ‘personalidade’. (ROCHA, 1995, p. 13) Já que não é mais suficiente uma classificação somente de acordo com recortes sócio-econômicos para compreender comportamentos de compra, uma abordagem ‘cultural’, que detecta estilos de vida, identidades, costumes e maneiras se coloca como necessária dentro da lógica do mercado (CASTRO, 2003). Mas uma outra questão se coloca: uma abordagem mais reflexiva e porque não a possibilidade de um exame crítico sobre o papel do cientista social: de quais formas estes profissionais estão trabalhando com publicidade, como articulam sua formação teórica e a ação na vida profissional? Esses profissionais, em grande parte - mas não exclusivamente - tiveram uma formação com viés crítico à sociedade capitalista, ao consumismo, ao fetichismo, temas que estão ligados à ‘sociedade do consumo’ de Baudrillard (1981) marcada pela teoria crítica do marxismo, sobretudo pelo arcabouço teórico da sociologia. Deste ponto de vista, há um aparente paradoxo entre a formação na universidade e a prática do profissional diante do mercado capitalista que lhe exige discernimento, mas também compromisso crítico com a realidade social a ser transformada? Ou, em um segundo momento como coloca Carlos Rodrigues Brandão (1981) sobre a metodologia do conhecimento científico através da ação, essa nova área das Ciências Sociais seria ‘uma resposta às exigências históricas? Dessa forma, o objetivo geral é colocar em debate as novas áreas de trabalho que estão sendo colocadas às Ciências Sociais e de que maneiras ela está sendo exercida, levantando a possibilidade de um espaço de questionamento auto-reflexivo por parte dos antropólogos, e sociólogos. Desta forma, pretende-se contribuir juntamente com outras pesquisas da área de Ciências Sociais, particularmente da Sociologia e Antropologia e 7 também da área de Comunicação, propondo um instrumento de investigação do trabalho das Ciências Sociais fora da área acadêmica e um diálogo interdisciplinar. Os objetivos específicos são: 1. Analisar à luz das teorias, instrumentos e técnicas teóricas e metodológicas da sociologia e da antropologia, como os cientistas sociais vêem as novas áreas de trabalho que estão se abrindo fora da academia – particularmente junto à área de Propaganda, Publicidade e Marketing; 2. Investigar como é exercido o trabalho dos cientistas sociais com propaganda, realizando uma interpretação do trabalho e verificando se há contradições entre o que foi apreendido ideológica e cientificamente no curso de Ciências Sociais e a atuação profissional no trabalho que exerce nas agências de publicidade e nos institutos de pesquisa que colaboram com a estruturação das peças publicitárias e com a produção dos bens simbólicos. 3. Abordar, analisar, problematizar, ampliar e aprofundar as relações existentes entre a publicidade, o marketing e a contribuição de cientistas sociais no processo de formulação de políticas de venda e de constituição do desejo para os diversos públicos. b. Justificativa A justificativa para a realização desta pesquisa deve-se à sua relevância social e pelo ineditismo do universo da pesquisa que foca uma abordagem sociológica referente ao papel e ao lugar ocupado pelo cientista social nas agências de publicidade, colaborando com a indústria e o consumo. O projeto busca articular a fundamentação teórica e a prática dos profissionais das ciências sociais (em particular a antropologia e a sociologia) e o trabalho desempenhado pelos profissionais do marketing e da publicidade, atendendo a um apelo que está colocado no sistema capitalista, qual seja, a reprodução de bens, sua venda e as ferramentas utilizadas para despertar a compra. Produção de excedente, capitalismo, individualismo, sociedade do consumo, questão do trabalho, são aspectos analisados nesse estudo que visa investigar o papel do cientista social, enquanto um agente formado no contexto da crítica à indústria do supérfluo, da maquiagem, das máscaras e da aparência (LIPOVETSKY, 1989; FEATHERSTONE, 1995; BAUDRILLARD, 1990, 1996, 1981; SANT’ANNA, 1995). 8 2. METODOLOGIA a. O campo do debate O ponto de partida deste projeto de caráter sócio-antropológico visa estabelecer um diálogo permanente entre a Sociologia e a Antropologia, em particular com as linhas de estudos definidas pela Sociologia Urbana e pela Antropologia do Consumo, ambas com o seu olhar para o consumo, para o desenvolvimento da indústria cultural, da mídia e para o lugar que o corpo ocupa na estrutura social. Esses estudos, em especial a Antropologia do Consumo, tiveram o seu início na Europa e nos Estados Unidos (BARBOSA, CAMPBELL, 2006; BOURDIEU, 1992, 1983; MATOS, 1993; CASTRO, 2003; LIPOVETSKY, 1999; FEATHERSTONE, 1995; BAUDRILLARD, 1990, 1996, 1981; SANT’ANNA, 1995), buscando analisar o ‘ato do consumir ‘segundo teorias da Antropologia. Essa abordagem do consumo vai além da perspectiva de trocas econômicas motivadas por desejos, já que nenhuma sociedade, em qualquer época, desenvolveu uma relação estritamente funcional com o mundo material, uma relação com bens e serviços pautada exclusivamente pela lógica funcional e utilitária de suprir as necessidades básicas. (BARBOSA, CAMPBELL, 2006). A palavra ‘troca’ é mantida, mas são trocas sociais simbólicas (BOURDIEU, 1992, 1983), que promovem formas de sociabilidade e estão carregadas de valor; adotando a definição de valor de David Graeber (2001), na qual o valor está ligado ao significado que se dá a determinado objeto. No contexto do mundo contemporâneo o sentido do consumo ampliou-se e transformou-se em uma categoria relevante no entendimento das sociedades modernas complexas, já que a interpretação do ato de consumir busca compreender as razões que levam os indivíduos a adquirir determinados objetos, em entender como as escolhas são feitas (motivações), as formas de comercialização e de que maneira é realizado o ato de comprar e o de trocar. Além disso, novas formas de consumo estão sendo colocadas, principalmente com a internet, o que resulta em novas formas de interação, relação com a materialidade e formas novas de relação com a subjetividade4 (BARBOSA, CAMPBELL, 2006). 4 Aqui a noção de subjetividade perpassa a esfera do consumo, ou seja, os bens e serviços são adquiridos não somente para a manutenção da vida, mas fazem parte da constituição da subjetividade e identidade, já que oferecem a possibilidade de expressão de desejos através da materialidade. 9 E é nesse ponto que os profissionais da área de Ciências Sociais têm sido requisitados pela publicidade, para compreender o comportamento humano, as relações sociais que os indivíduos mantêm entre si permeados por uma dinâmica cada vez mais complexa, as motivações que influenciam a compra e a escolha por um objeto em detrimento de outro, esse interesse pelo consumo e pela sociedade de consumo veio acompanhado de uma considerável troca interdisciplinar e estabeleceu pontes entre pesquisadores dos mais diversos assuntos, de tal modo que estes muitas vezes se sentem intelectualmente mais próximos uns dos outros do que de seus próprios colegas de disciplina, como é o caso das atuais relações entre marketing, comunicação e antropologia (BARBOSA, CAMBPELL , 2006, p. 07). Pode-se dizer que o consumo dentro das Ciências Sociais é relatado através de teorias e perspectivas que resumem-se - aqui de uma maneira muito contida - em dois pólos opostos: a primeira tradição teórica tem como base a crítica marxista e interpreta o consumo como uma forma de alienação, estimulado por uma indústria manipuladora que incentiva a compra de produtos supérfluos e cria necessidades até então inexistentes, mas que passam a ser imprescindíveis, e a aquisição de produtos e serviços passa a ser a única forma de realização; tal postura contém uma crítica contumaz à sociedade do consumo (BOURDIEU, 1992, 1983; CASTRO, 2003; LIPOVETSKY, 1999; FEATHERSTONE, 1995; BAUDRILLARD, 1990, 1996, 19?? (S/D); SANT’ANNA, 1995; LIPOVETSKY, 1999; FEATHERSTONE, 1995). Por outro lado e diretamente contrária, a outra perspectiva que se coloca é a interpretação do consumo como uma possibilidade de realização, como parte do processo de constituição de identidades e estilos de vida (BOURDIEU, 1992, 1983; GIDDENS, 1997; CASTRO, 2003, 2005; HALL, 1997), ou seja, o ato de consumir é encarado como uma dimensão cultural das sociedades, mas que possui características e formas específicas; podemos dizer que essa perspectiva teórica é menos contundente, mas ambas pautam suas interpretações de que o consumo é um importante mecanismo de reprodução social do mundo contemporâneo (BARBOSA, CAMPBELL, 2006; BOURDIEU, 1992, 1983). Assim, a pesquisa se propõe a ampliar o debate teórico acerca do movimento difundido por consumidores com poder aquisitivo para influenciar o universo da produção material e simbólica presentes nas agências de publicidade e nos institutos de pesquisa que alimentam essas agências. Neste contexto, o mercado teve que atender essa 10 demanda cultural, estética e política e, neste sentido, se exigiu a contratação desse profissional – o cientista social – que tem sua formação voltada para a análise e interpretação dos costumes, das mudanças de estilo de vida, de comportamento social nos micros, pequenos e grandes grupos sociais a partir da produção cultural e simbólica desses, perfazendo um ethos e um habitus a ser apreendido, compreendido, analisado ou interpretado. Desta maneira, é possível uma análise que não seja excludente e dualista? Os antropólogos e sociólogos que trabalham diretamente com o consumo têm interesse em discutir essas questões junto à academia, já que esse assunto diz respeito diretamente ao trabalho que realizam? É nesse ponto que se coloca a possibilidade de estudos embasados nas teorias de Antropologia de Consumo da UFF: segundo pesquisa realizada por Barbosa e Gomes (2000) em dois centros cariocas de pós-graduação, ambos com mais de trinta anos de existência, verificou-se que até o ano 2000 nenhum pesquisador se havia dedicado a estudar o consumo e a sociedade de consumo e constatou-se que inexistiam linhas investigativas relacionadas a esses temas. Provavelmente essa estatística deve ter sido ampliada, mas observa-se que é um campo de estudos relativamente novo e com vasta possibilidade de estudos e perspectivas temáticas. Além disso, os congressos promovidos pela área de Ciências Sociais cada vez mais têm explorado esse tema, dedicando mesas-redondas e grupos de trabalho ao consumo e a temas relacionados. Só para exemplificar, em 2004 foi realizado o I Encontro Nacional de Antropologia do Consumo na Universidade Federal Fluminense e em 2005 realizou-se o III Encontro Nacional de Estudos do Consumo, encontros específicos e dedicados à problemática. (BARBOSA E GOMES, 2000) b. O campo da pesquisa A pesquisa de campo terá como ponto de partida o levantamento nominal das agências, institutos de pesquisa e empresas que possuem em seu quadro antropólogos, assim como o número destes profissionais que trabalham com Publicidade. A metodologia da pesquisa será baseada em entrevistas semi-estruturadas com cientistas sociais, particularmente antropólogos e sociólogos já que são esses dois profissionais que se encontram em maior número neste tipo de trabalho em detrimento dos cientistas políticos, e que estejam trabalhando em agências de publicidade, institutos 11 de pesquisa ou áreas da Comunicação Social focadas em publicidade, e também com observadores de grupos de discussão de institutos de pesquisa. Buscam-se indicativos que direcionem previamente quais os caminhos que as Ciências Sociais estão tomando atualmente em suas novas formas e de que maneira esses caminhos estão sendo traçados, mais especificamente na área da Antropologia do Consumo, já que a interpretação do consumo tem preponderantemente um viés de teorias críticas dentro das Ciências Sociais. E essa interpretação, na maior parte das teorias e estudos, coloca o consumo como uma ferramenta para a manutenção do sistema capitalista, que também é objeto de reflexão crítica por parte dos cientistas sociais. Qual o posicionamento dos cientistas sociais em relação a isso? O que pensam esses antropólogos e sociólogos que trabalham com publicidade, no que se refere à crescente segmentação do mercado? A apreensão teórica obtida dentro da universidade corrobora, afirma ou nega a vida no mercado de trabalho e em quais dimensões? 12 4. BIBLIOGRAFIA BARBOSA, L. CAMBPELL, C. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. BAUDRILLARD, J. Sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2000. ____________________. Da sedução. Campinas: Papirus, 1991. ____________________. A troca simbólica e a morte. São Paulo: Loyola, 1996. _____________: A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP, Porto Alegre: Zouk, 2007. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 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